No sexto e último episódio da primeira temporada do Desenrola Aí, entrevistamos Thaís Oliversi, artista, educadora e pessoabissexual, para entender a partir da sua vivência familiar, como o direito a adoção e gestão impacta famílias LGBTQIAPN+ ao promover experiências de maternidade e paternidade.
Desde março de 2015, a adoção para casais LGBTQIAPN+ é reconhecida legalmente no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como adoção homoparental. Diante da lei, pessoas lgbt, têm o direito de adotar uma criança e constituir suas famílias, seja por meio da adoção ou gestação.
“As pessoas conservadoras entendem que a gente não pode criar filhos. Na verdade, elas não estão preocupadas se as crianças estão comendo, se essas crianças estão tendo educação digna, não é isso que é importante para elas. Elas usam isso, como uma máscara […] elas estão preocupadas com a nossa continuidade. Por isso, eu falo para pessoas lgbts: nós somos capazes de criar crianças”
Thaís Oliversi, artista e educadora
Até o final de junho de 2023, os dados apresentados pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) registraram no Brasil o número de 32.107 crianças acolhidas, além de 4.422 crianças disponíveis para adoção e 34.598 pessoas na fila de espera para adotar uma criança. Os números são relativos, conforme o avanço das adoções, busca ativa e reintegrações dessas crianças ao seu núcleo familiar.
Esse é o sexto e último episódio da primeira temporada do Desenrola Aí. Na primeira temporada, trouxemos especialistas e dados que mostram como é desafiador as garantias de direito à vida da população LGBTQIAPN+ no Brasil. Acompanhe esse e outros episódios do Desenrola Aí no nosso canal de YouTube.
Sobre o Desenrola Aí
O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade.
Nessa primeira temporada vamos abordar sobre os direitos, à vida e a luta da população LGBTQIAPN+ nas periferias. O Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.
O espaço que agora possui grafites, horta comunitária e brinquedos, foi revitalizado a partir de desenhos feitos pelas crianças do território.
O cotidiano dos moradores do bairro Jardim Novo Santo Amaro, no distrito do Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo, se tornou mais divertido nos últimos dois anos. Isso porque o projeto Circo de Québra tem atuado no escadão localizado na Viela Matriz, que passou a ser um espaço de convivência no território com brinquedos, grafites e horta comunitária para todos que transitam pelo local.
A iniciativa começou em agosto de 2021, quando integrantes do projeto decidiram revitalizar a escadaria, mas sem realizar mudanças estruturais. O pontapé dessa proposta foi ouvir os moradores da região sobre o que eles desejariam ter no local, especialmente as crianças, que já tinham o costume de realizar brincadeiras naquele ambiente.
“Em um primeiro momento foi feita uma pesquisa de campo em que a partir da observação e até mesmo demonstrações, as crianças do bairro apresentaram um pouco das dinâmicas, brincadeiras e percursos que realizavam”, compartilha Wandré Gouvêia, fundador do projeto.
Wandré conta que realizaram uma dinâmica em que moradores de todas as idades contribuíram. “[Eles] poderiam criar e imaginar como poderia ser um parquinho naquele espaço, sendo convidados a desenhar seus parques dos sonhos. Deu-se então uma chuva de ideias em que todos os tipos de brinquedos e brincadeiras surgiriam”, explica o fundador do projeto.
A partir das criações dos moradores, nasceu o “Parque de Québra”, nome pelo qual o espaço ficou conhecido, localizado na Rua Cristovão Aires, Jardim Novo Santo Amaro. O novo ambiente convida quem transita por lá a brincar e a preservar o local, como explica Gouvêia.
“O Parque de Québra surge a partir de uma proposta de criar um ambiente acolhedor, em que as famílias possam estar integradas com a ideia do brincar e cuidar.”
Wandré Gouvêia, fundador do projeto.
O processo de ressignificação da escadaria da Viela Matriz, no Jardim São Luís, nasceu em 2016, quando o Circo de Québra estabeleceu como objetivo criar naquele local um palco artístico. As apresentações culturais, oficinas e, especialmente, espetáculos circenses, transformaram o que antes era um ambiente de passagem em uma referência cultural para os moradores da região.
Mesmo com o foco de atuação na escadaria da Viela Matriz, o projeto Circo de Quebrá já realizou intervenções culturais em outros bairros periféricos de São Paulo. As ações ocorrem sempre na rua, possibilitando com que o evento seja contemplado pelos moradores sem precisar sair de casa. A iniciativa já realizou mais de 50 eventos, envolvendo cerca de 300 artistas e alcançando mais de duas mil pessoas.
Moradores se unem, realizam vaquinha e compram materiais de construção para asfaltar rua em favela. (Foto: Arquivo Pessoal)
Na terceira semana de junho, aconteceu o último mutirão de moradores para asfaltar a Favela da Muriçoca, localizada na zona sul de São Paulo. A ação trouxe melhorias para a principal via de acesso dos moradores ao ponto de ônibus, posto de saúde, escolas e comércios. O evento comunitário representa uma luta de 29 anos para o poder público urbanizar a favela que não tem CEP e conta com mais de 70 famílias.
O movimento comunitário para asfaltar a favela é fruto da iniciativa do pedreiro Reinaldo Torquato, 34, morador da Favela da Muriçoca há 26 anos. Ele mobilizou um grupo de 20 amigos e familiares em novembro de 2022, para criar a Associação de Amigos – Rua das Crianças e realizar três vaquinhas que compraram cimento, areia e pedra, para asfaltar mais de 150 metros da Rua das Crianças, localizada na Favela das Muriçoca.
“Sempre foi complicado morar aqui, a gente não tem acesso a nada, passagem de carro aqui só acontece porque a gente [moradores] joga entulho, barro ou terra”
Reinaldo Torquato, 34, morador
“Para ir ao ponto de ônibus mais próximo, precisamos passar por vielas, um campo de futebol sem iluminação e com esgoto. Em época de chuva a gente precisa colocar sacola no pé, pra não chegar no ponto todo sujo”, descreve o pedreiro que mora na Favela da Muriçoca desde 1997.
Um levantamento da Associação de Amigos – Rua das Crianças, aponta que mais de 70 famílias convivem diariamente com a falta de acessibilidade, no qual as ruas além de não serem asfaltadas, possuem esgoto à céu aberto e um grande número de buracos, acarretando dificuldades na moradia, e gerando exaustão para as famílias que residem na região.
O mutirão de moradores deu origem a uma vaquinha que arrecadou mais de 6 mil reais. (Foto: Arquivo Pessoal)
O poder público municipal
A Favela da Muriçoca está sob jurisdição da Subprefeitura de M’Boi Mirim. Em 2022, o orçamento do órgão executor de serviços públicos municipais foi de 54 milhões. Em 2023, o investimento caiu para 35,8 milhões, ou seja, 19 milhões a menos para aplicar em melhorias de serviços públicos no território que tem umas das maiores populações da cidade.
O distrito do Jardim Ângela, onde está localizada a Favela da Muriçoca, tem mais de 290 mil habitantes, segundo o último Censo do IBGE, publicado em 2010, destes montante populacional, 60% se autodeclaram negros.
A reportagem procurou a gestão da Subprefeitura de M´Boi Mirim, que nos respondeu com a seguinte nota oficial: “A Secretaria Municipal das Subprefeituras, por meio da Subprefeitura M’Boi Mirim, informa que a região da comunidade “Muriçoca” se trata de uma área de manancial ocupada irregularmente desde 1996. A administração regional realiza periodicamente serviços de nivelamento e correção de irregularidades nas ruas e vias regularizadas da região.”
A partir deste contexto explicado pela Secretaria Municipal das Subprefeituras, nós procuramos a Secretaria Executiva do Programa Mananciais, para entender quais medidas o órgão público está tomando para mitigar os efeitos da falta de CEP e de asfaltamento de ruas da favela da Muriçoca.
Fomos informados que “a Favela Muriçoca faz parte do perímetro de obras denominado Chácara Flórida. Neste perímetro de quase 700 mil metros quadrados existe um projeto de urbanização em execução. As obras de urbanização do bairro iniciaram em agosto de 2022 e tem previsão de finalização para junho de 2024. Essas obras envolvem redes de água, esgoto e drenagem, construção de estação elevatória e coletores de esgotos, canalização de córrego, construção de viário e vielas, escadarias e calçadas, implantação de estruturas cicloviárias e contenção de áreas de risco”, informa a Secretaria Executiva do Programa Mananciais.
Segundo Juliana Avanci, advogada especializada em casos de violação do direito à moradia, a região onde se encontra a Favela da Muriçoca é uma área com a função social de regulação fundiária. “Essa área tá gravada no zoneamento como uma Zona Especial de Interesse Social, ( ZEIS 1) – ou seja, ela é destinada para regulação fundiária e permanência dos moradores”, explica.
Enquanto os moradores da Favela Muriçoca não sentem o avanço das obras apontadas pela Prefeitura de São Paulo, o cotidiano do território só muda se os moradores se unirem para promover melhorias emergenciais na região.
“A gente cansou de ir na Prefeitura, cansou de tanta promessa. Então por isso a gente resolveu fazer tudo sozinho. Já vieram representantes de deputados locais aqui fazer perguntas, propor reuniões, mas estamos calejados, eles sabem o que acontece aqui, mas nunca fizeram nada. Todo dia a gente pensa em se mudar, em vender, mas sabemos que ninguém vai valorizar”, desabafa Reinaldo.
“A gente só evita degradação ambiental nessas áreas de manancial com regularização fundiária e com implantação de obras de infraestrutura urbana”
Segundo Juliana Avanci, advogada especializada em direito à moradia
Para Avanci, o fato dos moradores realizarem o mutirão para aprimorar a acessibilidade nas ruas da Favela Muriçoca não representa algum risco de tentativa de retirada das moradias do território, pois eles têm um histórico de desenvolvimento de vínculos comunitários e de implantação de melhorias no territórios há mais de duas décadas e esse um dado importante, para provar que essas pessoas não estão li irregularmente, mas sim que elas não tem acesso a políticas públicas que garantem o direito à moradia.
Foram realizados três mutirões na Rua das Crianças, para asfaltar mais de 200 metros. (Foto: Flavia Santos)
Cidadania postal
Com a pandemia de Coronavírus e o agravamento das desigualdades sociais, o número de favelas na cidade de São Paulo saltou de 1.728 para 1747, ou seja, quase 50 novas favelas surgiram entre 2019 e 2023 no município, segundo dados da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). Esse cenário reforça o aumento de moradias sem o Código de Endereçamento Postal (CEP).
Devido à falta de CEP, uma série de serviços públicos não chegam na Favela da Muriçoca, com isso, os moradores se sentem afastados e esquecidos. Antes do mutirão para asfaltar a Rua das Crianças, uma perua escolar não entrava na favela, o carro do Correio que entrega o programa Leve Leite da Prefeitura de São Paulo também não entrava na favela, onde moram famílias contempladas por essa política pública.
Outra desigualdade causada pela falta de asfalto na rua é o comprometimento da mobilidade e do direito de ir e vir dos moradores. As pessoas que residem no local e que possuem algum tipo de deficiência física são as mais afetadas. A auxiliar de serviços gerais, Graziela Santos, 38, morou durante 6 anos na favela da Muriçoca, mas devido a diversos problemas de circulação pelo território, ela se mudou recentemente e foi morar no Jardim Apura, no distrito da Pedreira, zona sul de São Paulo.
“Eu sou uma pessoa obesa. Imagina como era difícil levar meu filho na escola. Eu vivia caindo e me machucando nos buracos, não tinha como pegar a perua porque elas não entram na rua. Por isso, precisei sair da minha casa própria e ir para o aluguel, esse processo da mudança foi muito difícil”
Graziela Santos, moradora
Foi por conta de todos esses conflitos que até hoje continuam impactando de mais de 70 famílias que continuam morando na Favela da Muriçoca, que Reinaldo, juntamente com amigos e familiares, resolveu criar a Associação de Amigos – Rua das Crianças. “A gente queria pelo menos o básico: iluminação pública, saneamento básico, perua escolar para as crianças, é humilhante! Criamos essa Associação no final do ano passado [2022], não é uma coisa grandiosa, mas é o que a gente consegue fazer no momento”, explica.
Mensalmente, os moradores que são membros da Associação de Amigos – Rua das Criança contribuem com o valor de R$50,00, para gerar melhorias no território, uma delas foi asfaltar as ruas da favela, que são muito esburacadas, característica que é considerada de forma coletiva pelos moradores como um dos problemas mais urgentes para quem vive na região e precisa ter acesso a outros pontos do bairro e da cidade.
Carolina Freitas, 32, pesquisadora da USP e do Centro de Estudos Periféricos da UNIFESP afirma que, para moradores periféricos que não possuem CEP, o problema não é só não receber correspondência em casa ou não ter asfalto na rua. Ela destaca a ausência de políticas habitacionais básicas que é uma responsabilidade do poder público prevista em lei.
“As pessoas têm inúmeros prejuízos, que vão além de não conseguir qualquer encomenda do correio, também existe um problema crônico na cidade de São Paulo de desemprego estrutural. E esse desemprego estrutural está associado às pessoas que não conseguem comprovar onde moram, pois isso é um dos primeiros requisitos para concorrer a qualquer vaga de trabalho”, comenta a pesquisadora, apontando outros impactos gerados pelo abandono do poder público em relação a investimentos em territórios periféricos como a Favela da Muriçoca.
Esse conceito se refere a capacidade do homem de dizer que não sabe fazer bem uma coisa para que nós façamos por eles.
Eu gosto muito da reunião de mulheres. Nesses encontros conseguimos elaborar melhor nossos papéis sociais e reconhecer as mazelas que são estruturas que elaboram o jeito de ser da nossa vida.
Na maioria das vezes isso envolve nossos momentos de lazer, assim como alguns espaços de encontro que organizações sociais têm promovido.
Um debate interessante que tem ocorrido nos Estados Unidos, entre mulheres, que acho importante que a gente conheça, é o conceito de incompetência armada, traduzido do inglês, weaponized incompetence.
Esse conceito se refere a capacidade do homem de dizer que não sabe fazer bem uma coisa para que nós façamos por eles. É importante destacar que isso é um fingimento, uma estratégia de não fazer, de não se comprometer.
Sabe aqueles argumentos, “sua comida é bem melhor”, “ninguém faz como você”?, se refere a falácias, em sua maioria de homens, que são uma estratégia de negar os afazeres e responsabilidades diárias, exaltando nossa capacidade de realização.
Essa estratégia não se dá somente na fala, mas na realização das tarefas de forma inadequada para que a gente sinta, que só nós somos capazes de realizar tal feito e que isso é uma habilidade feminina e não humana, que qualquer ser humano com um pouco de vontade poderia fazer.
“Você pode varrer a sala?”
Você, mulher, pode pedir ao seu parceiro, a seu amigo que divide as contas, ao seu pai. Ele varre, porém, há coisas ainda jogadas pela sala, talvez até no chão, onde ele varreu em volta, talvez copos sujos em cima da mesa de centro, e obviamente, ele não passou pano.
Quando você pergunta depois sobre o estado da sala de estar ele se defende, “você não me pediu pra arrumar as coisas jogadas, recolher os copos ou passar pano”. Jogando a culpa em você, quando você se defende, falando que uma tarefa envolve muitas outras, ele pode pedir desculpas ou ele pode continuar se defendendo dizendo que você precisa ser mais clara no que você quer.
É importante ressaltar que algumas pessoas, alguns homens, irão aprender com seus erros, mas a grande maioria continuará os repetindo, de novo, e mais uma vez, assim como a discussão que segue a tarefa mal feita, até que você, mulher, sinta que é mais fácil você mesma varrer a sala, e lavar a louça, e cozinhar, e lavar a roupa, enquanto ele pode ficar sentado no sofá, porque ele é muito incompetente para realizar tarefas domésticas.
Porém, a incompetência armada não está só relacionada a ação de delegar às mulheres tarefas, mas também tem um impacto nas decisões emocionais, pois é à nós dada a responsabilidade pela manutenção afetiva das relações.
Quem nunca ouviu falar em um término: “você é maravilhosa, o problema sou eu”. Uma forma de usar essa exaltação de quem somos como arma para justificar sua falta de envolvimento ou melhor, aprofundamento nos reais motivos do término das relações.
Nós, mulheres, atualmente somos mais autônomas com a entrada forte dos nossos corpos nas universidades e no mercado de trabalho. Estamos mais preparadas, lendo feminismo negro e fazendo terapia, participando de ações culturais e sendo reconhecidas por nossos trabalhos acadêmicos e culturais, tomando espaços no mercado que antes só homens eram reconhecidos.
Mas como isso tem alimentado o crescimento da “incompetência armada”, como essa sensação que somos mais maduras nas relações, que somos donas do nosso destino tem na verdade no pano de fundo essa estratégia masculina de delegar a mulheres espaços sociais e de trabalho como estratégia de exploração das nossas condições físicas e mentais.
Você já se perguntou se aquele boy realmente precisa de terapia, ou se na verdade, suas questões emocionais são estratégias para não se envolver de fato? Ou se a incapacidade do seu companheiro de trocar uma fralda, fazer almoço e levar as crianças na creche antes do trabalho é de fato uma estratégia de se negar a colaborar? Pois se você consegue realizar essa ação humana, outros também poderiam realizar, pois sexo não performa essa capacidade.
Do chefe, ao companheiro romântico, quantas estratégias de “incompetência armada” vivemos atualmente?
O resultado da incompetência armada é nossa sobrecarga, a normalização de tarefas ligadas ao gênero, posso apontar também que isso promove uma grande confusão sentimental que coloca mais um problema relacional que supostamente nós teremos que resolver, diagnosticar se estamos vivendo com um companheiro, um chefe, um companheiro de trabalho ou um amigo que se promove com bondoso trabalho a partir da incompetência armada.
Na maioria das vezes esse tema tem sido abordado no âmbito da heterossexualidade e seus desdobramentos, porém, podemos empregar este termo a qualquer relação que reproduz de alguma forma o Modus operandi da heteronormatividade.
Sim, manas, parece só um novo nome, mas na verdade nomear um ato é a forma de se afastar da ação e prover uma análise mais consciente. Assim como outros termos que têm surgido, este consiste na reflexão de um conjunto de atitudes que oprimem as mulheres no seu dia a dia.
Gaslighting
Forma de manipulação/mentira para uma mulher sobre uma coisa que ela sabe que é verdade, até ela duvidar de si mesma e acreditar na mentira do homem.
Mansplaining
É usado para determinar quando um homem explica uma coisa para mulher que ela já sabe, como por exemplo, tentar explicar algo de sua própria profissão quando ele mesmo não é, ou explicar algo sobre a vivência feminina, quando o ser humano em questão é um homem.
Manspreading
Quando os homens ocupam mais lugar do que eles precisam, por exemplo as pernas extremamente abertas em transporte público que pegam dois acentos.
Bropriating
É tão comum no mundo acadêmico o Bropriating, um homem se apropriando de uma fala feminina, ou de uma ideia feminina e levando todo o crédito.
Stealthing
É uma violência sexual que consiste em retirar o preservativo sem o consentimento da outra pessoa, um crime segundo o artigo 215 do Código Penal.
Body Shaming
Ridicularizar o corpo de alguém de forma verbal e psicológica.
Vejam manas que o papel do nome é compreender que essas ações não são naturais da masculinidade, mas violências contra nossas vidas e que precisamos reconhecer essas ações como violências.
Quem nunca passou pelo menos por um desses constrangimentos violentos?
Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.
O documentário “Diga o que quiser! eu vou ser feliz à beça!”, dirigido pelo cineasta negro Renato Cândido, foi lançado no mês de maio de 2023 e está em circulação por diversos cinemas brasileiros, como o Circuito SPCine. O longa metragem mostra o legado cultural e a preservação da memória de Daniel Marques, artista que se suicidou, em 2017, com 26 anos, e problematiza o cuidado com a saúde mental da população negra e periférica.
Renato explica que o artista fazia parte de uma geração de artistas do começo do século 21 que carregava a importância do legado e memória para ampliação da arte nas periferias.
“Daniel viveu isso, e sua geração passou a acessar políticas públicas, como o programa VAI [Valorização de Iniciativas Culturais]. Na mesma época teve a semana de arte da periferia. Sérgio Vaz dizia que era a primavera artística da quebrada, em 2007”, afirma o cineasta negro.
Confira o trailer do longa metragem.
Daniel era morador do Itaim Paulista, bairro do extremo leste de São Paulo. Do candomblé, filho de Oxóssi, ele expressava toda sua ancestralidade na arte que produzia como escritor, músico, ativista social e articulador cultural.
Querido e respeitado nos variados ambientes que frequentava, o artista serviu de exemplo e referência para a periferia, sendo um dos fundadores do coletivo literário ‘O que dizem os umbigos”, sarau que nasceu em 2009 e marcou época do surgimento de encontros de literatura periférica, sobretudo na zona leste da capital, por fazer debates importantes sobre negritude e panafricanismo, questões LGBTQIA+, sempre com o artista muito participativo.
“Vejo o Dani nesse momento da encruzilhada da história. Além de ser brilhante e muito inteligente nas análises políticas que fazia, ele era muito aguerrido em relação as questões LGBTs”
Renato Candido, cineasta
Parte do filme foi produzido durante a pandemia de Covid-19. (Reprodução: Arquivo Pessoal)
O longa entrevista diversos artistas entre músicos, poetas e escritores que evidenciam Daniel como sua referência cultural e política, detalhando o papel dele para incentivar atividades culturais nas quebradas, locais historicamente negligenciados em relação à arte.
Bissexual, Daniel vivia na pele apreensões emocionais e a dificuldade de falar sobre seus problemas pessoais, características da masculinidade negra. Semelhante a grande maioria das pessoas nas periferias de São Paulo, o artista atravessava dificuldades financeiras, sem acesso digno à saúde e moradia, por exemplo.
“Vejo o drama de muitos homens negros ai. Mesmo o Dani sendo uma pessoa bisexual, existe um entrelaçamento entre condição de vida e afeto para um homem negro. Isso é muito complicado em relação à saúde mental”, aponta Renato.
“Vejo o drama de muitos homens negros ai. Mesmo o Dani sendo uma pessoa bisexual, existe um entrelaçamento entre condição de vida e afeto para um homem negro. Isso é muito complicado em relação à saúde mental”
Renato Candido, diretor do filme
A pressão para manter condições básicas de cidadania transformou a vida de Daniel, sua poesia, numa prosa sem palavras a capela. Daniel se suicidou em 2017, mas deixou seu legado nas artes que produzia.
O filme evidencia que as pessoas que Daniel influenciou carregam suas memórias e as eternizam da mesma maneira que ele encarava a vida. Com arte e poesia.
O cinesta negro Renato Candido idealizou o filme logo após o falecimento de Daniel Marques. (Reprodução Arquivo Pessoal)
A produção do documentário
Renato Cândido, mestre em cinema e audiovisual, atuante no cinema desde 2002 e professor da área, encarou diversas dificuldades enquanto homem negro para concretizar a produção do documentário, além do agravante da pandemia de covid-19.
A ideia de elaborar o filme surgiu assim que Renato recebeu a notícia do falecimento do Daniel. Daí começaram os primeiros corres para viabilizar a produção.
O diretor explica que enfrentou obstáculos financeiros para conseguir articular o documentário. “Batalhei para caramba pro VAI. Tentei em 2018 e 2019, daí conseguimos no ano seguinte, mas com muita lua”.
O programa VAI, política pública de fomento à cultura produzida por coletivos culturais das periferias de São Paulo, disponibilizou R$ 80 mil, quantia essa, segundo Renato, impossibilitou a realização de diversas ideias e técnicas de produção. Além das entrevistas captadas no longa, muito mais pessoas expressariam suas artes e performances em memória ao Daniel caso o investimento fosse maior, por exemplo.
“Isso mostra o quanto histórias negras ainda têm muita dificuldade de conseguir editais maiores. Imagina ter um orçamento de 300 mil, o tanto de coisas que poderíamos fazer mais da hora. É difícil romper com as travas do racismo”, ressalta Renato.
Em razão do baixo orçamento, e por respeitar o distanciamento social da época, o documentário trouxe mais entrevistas do que performances artísticas. Isso contribuiu, também, para as pessoas elaborarem o luto.
Com uma equipe majoritariamente negra, a produção fez imagens na praça Vila Mara e no Parque Itaim, ambas quebradas na zona leste. Também rolou filmagem na praça Daniel Marques, espaço que ganhou seu nome como homenagem.
“Os filmes que eu faço emocionam. Esse é um longa que emociona a galera. Ainda que eu queria que tivesse mil pessoas assistindo, as poucas pessoas que assistiram saíram impactadas com o filme”, completa Renato.
O trabalho foi concluído em setembro de 2022. Antes do lançado em maio de 2023, Renato conta que houve algumas exibições no Centro Cultural da Juventude, no Itaim Paulista. O filme está disponível no Circuito SPcine, em São Paulo.
Colamos na Vila Cisper, zona leste de São Paulo, para trocar uma ideia com o Ezio Rosa, sobre o trabalho da BixaNagô, coletiva LGBTQIAPN+ que pauta HIV com recortes de raça, classe e território.
A partir desse olhar de saúde e políticas públicas, conversamos com a Marcia Marci, produtora sociocultural e idealizadora da coletiva Travas da Sul, que fala sobre como iniciativas periféricas são multilinguagens, atuando no campo cultural e também com saúde pública, como na pauta da Aids e HIV.
O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube
Ficha técnica: Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira Produção audiovisual – Pedro Oliveira Identidade visual – Flávia Lopes Vinheta e edição – Jonnas Rosa
Sem regulamentação, o trabalho de Doulas ainda se caracteriza como uma atividade informal e com poucas garantias, principalmente para profissionais de regiões periféricas.
A doulagem é um trabalho de cuidado com a pessoa gestante antes, durante e depois do parto, oferecendo suporte e acompanhamento nesse processo de gestar. Em 2022, aconteceu a audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados sobre a aprovação do Projeto de Lei 3946/21, que busca regulamentar a profissão de doula no país.
Doula é uma assistente de parto, que não necessariamente possui formação em ciências da saúde. Seu trabalho é realizar um acompanhamento para o cuidado e bem estar da pessoa gestante durante o período da gestação, ao longo do parto e até os primeiros meses pós parto.
Isabela Lima, 31, atua como benzedeira, artesã e doula. Nascida em São Vicente, baixada santista, atualmente mora no bairro Parque Bristol, distrito do Sacomã, zona sul de São Paulo. Ela conta como, por ainda não ser regulamentado, o trabalho de doula apresenta dificuldades, como falta de piso salarial e remuneração fixa.
“A doula que administra essa parte financeira de quanto cobrar, como e se vai. Tem muitas doulas que fazem esse trabalho de forma social para pessoas em vulnerabilidade, assim como eu. Acredito que esse projeto sendo aprovado vamos realizar nosso trabalho de forma mais segura e efetiva, sem que precise bater de frente com as instituições de saúde”, afirma a doula Isabela Lima, que também é mãe do Gabriel de 6 anos e do Bento de 3 anos.
A profissional aponta que além da discriminação por ser uma profissão considerada informal e não existir uma regulamentação, também enfrenta discriminação racial dentro das unidades de saúde.
“[Estamos] ali para auxiliar, não para atrapalhar como muitas vezes escutamos [da] assistência médica. Nós não somos vistas com bons olhos, temos que lidar com discriminação, principalmente se for uma doula preta. Além de lidar com a rejeição do corpo médico, ainda precisei lidar com a discriminação racial.”
Isabela Lima, mora no bairro Parque Bristol, distrito do Sacomã, zona sul de São Paulo, é benzedeira, artesã e doula.
A doula conta que antes mesmo de estudar e iniciar a sua atuação profissional na doulagem, já fazia um trabalho de apoio emocional com pessoas gestantes a sua volta e buscou esses estudos a partir da sua primeira gestação, período que tinha medo de sofrer violência obstétrica ou passar por alguma negligência médica. “Hoje eu me encontro como parteria tradicional, tentando fazer um resgaste de saberes ancestrais que foram tirados do nosso imaginário”, afirma.
Isabela pontua que a doulagem é uma das funções que compõem uma equipe de assistência para pessoas gestantes. “Trabalhando justamente nesse lugar de bem estar. [Doula] traz esses saberes em relação aos cuidados com a saúde do responsável do bebê e do bebê, mas é diferente da parte técnica da assistência médica, da assistência de enfermagem. [Doula] não faz nenhum procedimento técnico de enfermagem como ausculta, exame de toque, não realizamos nada disso”, coloca.
“Enquanto pessoa preta [e] periférica atuo na quebrada, como forma de enfrentamento do medo que senti na minha gestação de sofrer alguma violência ou ser negligenciada, já que sabemos que os corpos pretos são os mais violentados. Também proporcionar a ideia de uma qualidade de vida e bem viver para as pessoas da quebrada que não tem acesso ao sistema de saúde que ferramentalize o bem viver.”
Isabela Lima, é benzedeira, artesã e doula.
Isabela atua de forma autônoma, mas também faz parte da Associação Doula Solidária, uma iniciativa que facilita o contato da pessoa gestante com doulas de vários locais, como uma forma de democratizar e entender esse trabalho como um direito de saúde e assistência.
Regulamentação para garantia de direitos
“Desde que houve flexibilização da pandemia, os únicos hospitais do SUS que têm permitido entrada de doula é o hospital de Parelheiros e o Amparo Maternal que recentemente recebeu uma pressão da ADOSP – Associação de Doulas do Estado de São Paulo, para que pudéssemos voltar a atuar, pois também vínhamos enfrentando dificuldades”, coloca Hanny Rodrigues, 29, doula e moradora de Pirituba, região noroeste da cidade de São Paulo. Para a profissional, a regulamentação afeta diretamente as doulas que são moradoras e atuam nas periferias.
“A galera que pode pagar por um hospital ou tem convênio, seja ele particular ou pela empresa, já consegue acessar nosso serviço sem maiores problemas, porque a maioria dos hospitais particulares permite o nosso acesso sem grandes dificuldades. É uma escolha política barrar a gente nos hospitais públicos.
Hanny Rodrigues, doula e moradora de Pirituba, região noroeste da cidade de São Paulo.
A doula conta que iniciou o trabalho de doulagem por influência da irmã, logo depois foi estudar e em 2018 começou a atender na área. Ela é membro da ADOSP (Associação de Doulas SP) e aponta que atualmente existe um acordo informal de uma contribuição de R$ 1.900 para um acompanhamento de encontros pré-natal, partos e pós-partos. A doula enfatiza que é apenas um acordo ético e que na prática as doulas recebem muito menos.
“Não basta realizar um curso preparatório de doulas, embora hoje existam muitas formações disponíveis no mercado, tanto de forma presencial, quanto online. Não só sobre o parto em si, mas sobre a importância real da doula. Avaliar qual é a sua disponibilidade de tempo para dedicar à sua gestante e também a sua saúde mental”, compartilha Hanny.
Articulação em rede
A busca pela regulamentação do trabalho das doulas tem sido articulada por diversos movimentos, entre eles a Fenadoulas Brasil, organização que reúne associações de doulas do Brasil e busca articular o campo de defesa da atenção multidisciplinar com inserção de doulas nesse cuidado, além de apoiar entidades filiadas que atuam para fortalecer o protagonismo da pessoa no ciclo gravídico puerperal, a partir do acesso a informações de qualidade e atendimento humanizado, respeitoso e digno.
Morgana Eneile é doula, pesquisadora, presidenta da Fenadoulas Brasil, e pontua que não existe uma restrição para se tornar doula, mas uma orientação para pessoas que tenham o ensino médio completo e seja maior de idade. Além de uma formação de doula que atualmente é feita através de cursos livres, privados ou públicos, coordenados por profissionais que atuam com doulagem.
“A prática da profissão já está organizada formalmente na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), mas ainda há diferentes leituras que tendem a ser mais uniformizadas a partir da aprovação de uma legislação nacional que possibilite a compreensão geral do universo de trabalho”, pontua a pesquisadora em referência a importância de regulamentar a profissão.
Para Kau Marua, doula representante da Adosp (Associação das Doulas de São Paulo), é extremamente importante que aconteça a regulamentação para que possam ser reconhecidas como profissionais. “Doula é profissão há muitos anos. [É] importante esse reconhecimento como profissional até mesmo no campo financeiro. Outro ponto importante é ter coerência e coesão principalmente na base das formações”, afirma.
“Através da regulamentação, além de equalizar minimamente as formações, considerando os critérios necessários para formação de qualidade [e] reconhecimento das profissionais, nos permite acesso aos locais onde as pessoas gestantes estão parindo seus filhos. Com a regulamentação, as Doulas têm livre acesso aos hospitais – sejam eles públicos e/ou privados rede suplementar.”
Kau Marua, doula representante da Adosp (Associação das Doulas de São Paulo)
“A presença da doula no cenário de parto é uma ferramenta extremamente importante para o cuidado das parturientes, inclusive em relação à proteção contra a violência obstétrica”, pontua Kau Marua.
Temos experiências que são frutos de sua luta pelo direito à vida da juventude, com o relato de alguns jovens que foram atendidos por seus projetos e seguem seu legado.
“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”
Pra não dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré
São Paulo, Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. Ali dos lados que Mano Brown se refere quando canta “dá ponte pra cá”. Casas demais, gente demais, talentos demais, jovens demais e oportunidades e direitos de menos. Nas nossas quebradas, sempre foi assim. Mas não sem a voz do nosso povo reivindicando pela garantia mínima de condições de vida.
E dentre essas vozes teve uma que se levantou, mas não era das mulheres que enterravam seus filhos jovens vítimas da violência, era uma diferente: de um senhor padre, branco, estrangeiro, que chegara à região.
Levando a sério a passagem bíblica de que “a fé sem obras é morta”, Jaime foi agente de várias e várias obras, algumas lembradas pelo Rafael Cícero neste artigo:
Quando os distritos Jd. Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luís passaram a ser conhecidos como Triângulo da Morte por ser a região mais violenta do mundo inteiro, o Padre rezava missas e missas de 7º dia pelos corpos das diversas vítimas de violência, em sua maioria jovens e negros da periferia. Mas não achava isso normal: sentia um incômodo e a partir daí percebeu a necessidade de lutar para reverter este quadro de homicídios na região.
Jaime nos deixou em fevereiro de 2023 e felizmente podemos dizer que sua luta em vida não foi em vão: hoje temos experiências que são frutos de sua luta pelo direito à vida da juventude com o relato de alguns jovens que foram atendidos por seus projetos e hoje seguem seu legado.
Ingryd Boyek, Sociedade Santos Mártires.
Ingryd Boyek tem 25 anos, é psicóloga e atua como assistente técnica no SCFV – Centro para Criança e Adolescente Riviera da instituição Sociedade Santos Mártires. Também é coordenadora da Rede Ubuntu de Educação Popular e psicóloga do coletivo Ubuntu de Saúde e Cidadania. Segundo ela:
“Falar do Padre Jaime e do seu trabalho é falar sobre esperança, principalmente para a nossa juventude. A sua obra tem um impacto enorme na minha vida, porque desde quando tinha 8 anos fui acolhida pelo Centro de Formação e Recreação São José, participando ativamente das atividades do ozen, que com a mudança de nomenclatura passou a ser Centro para Criança e Adolescente (CCA), e dos cursos e oficinas do Centro para Juventude Riviera (CJ)”.
E completa: “O espaço que ocupo como indivíduo e como profissional existe porque pessoas como o Padre Jaime acreditaram que eu conseguiria e impulsionaram-me a conquistar. Orgulho-me de ser agente de transformação positiva, de poder retribuir nos lugares que percorro tudo que aprendi com esse grande homem e com tantas outras pessoas que lutam para não termos nenhum direito a menos. Agradeço por ele ter insistido no nosso território e na nossa juventude.”
Saulo Vilanova, Sarau Apoema.
Saulo Vilanova tem 24 anos, é morador do Jardim Ângela, estudante de Letras na USP e membro do Sarau Apoema. Desde 2018, é coordenador e professor da Rede Ubuntu de Educação Popular. Em suas palavras:
“Num terreno de vulnerabilidades, não há forma de se progredir sem cultivar sonhos e de lutar coletivamente. Apesar disso, são poucas as pessoas que conseguem juntar o povo oprimido e elevar nele a sua autoestima, que historicamente é esmagada. Padre Jaime, ao lutar incansavelmente por essa auto-estima, é um marco na história de muitos periféricos, sabendo eles ou não disso. Nesse bonde, é preciso incluir a juventude favelada do Jardim Ângela, a quem ele foi um incansável defensor por gerações e gerações.”
Ele continua: “É preciso dizer, porém, e é claro, que o Sarau Apoema, tão recente na história da arte periférica do Jardim Ângela, não foi o primeiro movimento a ser acolhido e incentivado dessa forma. Era também através de Jaime que batalhas de rima, apresentações de teatro, lançamento de livros e outros movimentos artísticos ganharam fôlego. Jaime acreditava na arte como forma de valorização e resgate da vida, e nisso passamos a acreditar também”.
Saulo ressalta que nessa guerra que Jaime escolheu combater com sua sobrevivência e vitalidade, a juventude do Jardim Ângela, seja qual geração permanecer, terá sempre um espírito de gratidão.
Juntos num só lema! Saudações, Jaime!
Isabella Souza, Rede Ubuntu de Educação Popular.
Isabella Souza tem 21 anos, é estudante de Psicologia, moradora do Jardim Ângela, ex-aluna e atualmente coordenadora na Rede Ubuntu de Educação Popular. Para ela:
“Não tem como lembrar do Padre Jaime sem lembrar dos sábados em que ele visitava o cursinho e nos cumprimentava com ‘saudações corinthianas’ e um sorriso no rosto. Lembrar do Padre Jaime é lembrar do significado de Ubuntu: eu sou porque nós somos.”
Ela completa: “Sem a ajuda e presença do Padre Jaime eu não estaria na faculdade, com bolsa 100%, no 4º ano do curso da minha vida e podendo retribuir (mesmo que minimamente) todo o esforço e trabalho que os voluntários do cursinho tiveram para que eu pudesse sonhar. A Rede Ubuntu carregará sempre a chama de esperança que o Padre Jaime acendeu em nós e essa chama ficará cada vez mais forte. Obrigada por tudo, Padre!”
No país em que um jovem é assassinado a cada 17 minutos (Atlas da Violência 2021), a continuidade de toda a mobilização segue sendo necessária.
Nós, jovens periféricos, merecemos o direito à vida e a uma vida com oportunidades.
Por ter levantado sua voz em nossa defesa, deixamos aqui ao padre Jaime Crowe o nosso muito obrigada.
Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.
Para desenrolar sobre o impacto da LGBTfobia na saúde mental da população LGBTQUIAPN+, o Desenrola Aí entrevista Elvis Justino, diretor adjunto da Parada LGBT de São Paulo, para compartilhar uma série de reflexões sobre como esse cenário interfere na qualidade de vida da comunidade LGBT nas periferias.
A depressão e o transtorno afetivo bipolar são exemplos de transtornos mentais causados pela ausência de cuidados com a saúde mental. Entretanto, no caso da população LGBTQIAPN+, esse problema é ainda maior, mesmo com a Resolução nº 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que torna ilegal práticas de psicólogos e terapeutas que favorecem tratamentos como a “cura gay” durante o atendimento de pacientes, essas recomendações ainda surgem como “solução” para a saúde mental de pessoas LGBT.
Segundo Elvis Justino, esse contexto aproxima essa população do suicídio, que é fruto de uma série de complicações emocionais impulsionada pela ausência de acompanhamento profissional para cuidar da saúde mental.
“Tem psicólogos que são defensores da corrente da cura gay […] que se utilizam de casas terapêuticas, que acabam sendo lugares de tortura”
Elvis Justino, diretor adjunto da Parada LGBT de São Paulo
Este é o quinto episódio da primeira temporada do Desenrola Aí, o programa de entrevistas do Desenrola e Não Me Enrola que busca descomplicar assuntos relevantes para a vida da população negra e periférica. Nesta temporada, vamos abordar sobre o direito à vida e a luta da população LGBTQIAPN+ nas periferias. O Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e a Fluxo Imagens.
Sobre o Desenrola Aí
O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa primeira temporada vamos abordar sobre os direitos, à vida e a luta da população LGBTQIAPN+ nas periferias. O Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.
Percebendo a falta de conexão entre políticas públicas, debates científicos da faculdade de nutrição e a realidade social e econômica dos moradores das periferias e favelas, José Carlos, 26, morador de Piracicaba, interior paulista, fez uma todo o conhecimento necessário para criar o Nutri Favelado, um perfil de Instagram que apresenta de forma “favelada” o debate sobre o direito à alimentação.
Desde o início da sua caminhada, o nutricionista já sentia que dentro de sala de aula não se encaixava, não somente na parte social, mas também na forma como era ensinado o que e como deveria ser uma alimentação correta.
“Não me situava muito naquilo que estava sendo ensinado. Estudávamos sobre o corpo, proteína, o que pode ou não comer e deixavam de lado as condições que nós, moradores das periferias, temos de fato para fazer uma refeição”
José Carlos, nutricionista e criador do projeto Nutri Favelado
Atividades realizada com o grupo de Juventudes do SESC 24 DE MAIO, região central de São Paulo. (Foto: Renata Teixeira)
O ativista ainda reforça que dentro da academia é ensinado como lidar com uma pessoa com uma determinada condição social, mas quando chegavam pessoas abaixo daquilo que era estipulado, não sabiam como orientar.
A partir desta visão crítica, o Nutri Favelado gera debates e reflexões que são de interesse dos moradores da quebrada, a fim de aproximar os seguidores da plataforma digital de assuntos que giram em torno do caminho que o alimento faz até chegar em suas mesas, tudo isso, através de muito estudo traduzido de forma simples e acessível para todos.
“Muitas coisas que eu via em sala de aula, estavam distantes do que eu via nas ruas”
José Carlos, criador do projeto Nutri Favelado
“O Instagram me deu mais liberdade para me expressar. Tem um problema de fome batendo na porta e eu tenho o conhecimento, então o objetivo é amenizar os problemas dos meus de uma forma simples”, explica José.
Filho de catadores de latinha, ex-motorista da Uber e hoje nutricionista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba e pós graduado em nutrição vegetariana e vegana, José uniu o conhecimento acadêmico com sua realidade socioeconômica, para trazer informações e provações sobre o que é comida e como ela está totalmente ligada à política e a condição de vida dos moradores das periferias e favelas.
A lei 11.346, de 15 de setembro de 2006, cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que tem como dever, o direito de assegurar uma alimentação adequada e de qualidade para todos. Além disso, a Constituição Federal reconhece a alimentação como um direito social de todos os brasileiros. Mas tudo isso, assegura de fato a população periférica?
Em 2018, o Brasil retornou ao Mapa da Fome da ONU, com a chegada da pandemia, o cenário se agravou, conectado a uma profunda crise política, fatores que segundo José estão intimamente ligados.
“É por conta de política que muitos alimentos ficam caros, inacessíveis, e é nesse momento que ficamos desprotegidos de políticas públicas e começamos a ver muitas pessoas passando fome, comendo somente ultraprocessados e ficando cada vez mais doentes. Nesse momento entra a minha fala de fazer com que as pessoas entendam os caminhos que os alimentos fazem até chegar em suas mesas”, ressalta José.
Impactos na juventude
Através deste trabalho nas redes sociais, José Carlos está conseguindo compartilhar conhecimentos sobre como conseguir comer bem e adaptar essa demanda dentro da rotina agitada dos moradores das periferias e favelas.
Conversamos com a Isadora da Silva de Melo, 25, moradora da Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo e estudante de gestão de resíduos na EACH USP Leste, para saber como tem sido sua experiência passando com o nutricionista José Carlos.
“Decidi buscar um auxílio alimentar com um especialista para que conseguisse ter uma alimentação completa dentro da minha rotina e realidade”
Isadora da Silva de Melo, estudante e moradora da Cidade Tiradentes
Isadora também conta que parou de consumir carne há 6 anos, mas somente há dois anos se tornou vegana e através dessa mudança alimentar, sentiu necessidade de buscar auxílio com um especialista.
A moradora da Cidade Tiradentes relembra que dentro de casa, sua mãe passou algumas vezes no nutricionista através do SUS e quando tinha 10 anos, também chegou a fazer um acompanhamento, porém sofreu gordofobia pelo próprio nutricionista.
“Segundo os profissionais de saúde, eu era considerada uma criança acima do peso. Desde pequena tive alguns problemas com alimentação. Eu lembro que o nutricionista disse que eu iria passar a vida inteira triste e gorda se eu não mudasse minha alimentação”
Isadora da Silva de Melo, estudante e moradora da Cidade Tiradentes
Atualmente, Isadora, consegue seguir uma alimentação saudável e acredita no Veganismo Popular, acessível para todas as classes e raças. Além disso, a jovem conta que na parte econômica ela sentiu uma grande diferença, já que através dos legumes e verduras, ela consegue trazer variedades de consumo, o preço é mais barato que uma carne, e de fácil acesso em feiras livres.
“A gente sempre tenta orientar a comer bem conforme suas condições financeiras. As pessoas associam o ser saudável com comer algo sem açúcar ou nozes, o que só distancia a população, por isso sempre tento ao máximo voltar a alimentação saudável ao arroz, feijão, frutas, legumes e verduras. O mais difícil é adequar a realidade, mas tendo o básico, é possível”, conclui o nutricionista.