Opinião

A periferia em marcha pela vida e pela paz

Por:
Rafael Cícero, com colaboração de Saulo Vilanova

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“Dois de novembro, era Finados

Eu parei em frente ao São Luiz, do outro lado

E durante uma meia hora olhei um por um

E o que todas as senhoras tinham em comum?

A roupa humilde, a pele escura

O rosto abatido pela vida dura

Colocando flores sobre a sepultura

(“podia ser a minha mãe”)

Que loucura

Cada lugar uma lei, eu tô ligado

No extremo sul da Zona Sul tá tudo errado

Aqui vale muito pouco a sua vida

A nossa lei é falha, violenta e suicida”

Sobrevivendo no inferno – Racionais MCs

Há quase três décadas, no dia 2 de novembro, as ruas da zona sul de São Paulo são tomadas por milhares de pessoas em marcha contra a violência tratada e denunciada na música dos Racionais em defesa da paz. 

A Caminhada Pela Vida e pela Paz é uma das principais mobilizações sociais da região do M’Boi Mirim, resultante da articulação e mobilização de diferentes movimentos, coletivos e instituições que se organizam no Fórum em Defesa da Vida.

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Essa mobilização nasceu em 1996, ano em que o Jardim Ângela foi considerado pelas Nações Unidas (ONU) como o bairro mais violento do mundo, e junto com seus bairros vizinhos, Capão Redondo e Jardim São Luís, ficaram conhecidos como “triângulo da morte” pela mídia. 

É importante dizer que essa violência que atingiu e atinge essas periferias é parte do Genocídio Brasileiro, denunciado por Abdias do Nascimento. 

A maioria das vidas enterradas no cemitério São Luís é de homens jovens e negros, como diz a música: “E o que todas as senhoras tinham em comum? A roupa humilde, a pele escura”.

Todo ano a Caminhada elege uma luta. Nessa 28° o tema foi “Saúde Mental na quebrada é fundamental”. A Caminhada pauta esse assunto tão importante e tão desassistido por políticas públicas e mesmo pelo senso comum da sociedade.

Moradores do São Luís, Jardim Ângela e Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo, no dia 2 de Novembro de 2023, na 28ª edição da Caminhada pela Vida e pela Paz, que encerrou no cemitério São Luiz. Foto: Diogo Ramalho.

Infelizmente, a saúde mental é privilégio de poucos, mas a 28°caminhada reivindicou como Direito. 

Quantos são os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) na nossa região? Quanto tempo levamos para conseguir um atendimento psicológico ou psiquiátrico nas nossas UBS? Qual é o orçamento dedicado à Assistência Social do município de São Paulo? Como isso chega para as periferias? De que forma o Estado apoia iniciativas que tentam cobrir essa lacuna do próprio Poder Público? 

Essas perguntas são fundamentais para entendermos como a nossa quebrada ainda está muito distante do acesso digno à saúde mental. E mais grave que isso são também as razões que proporcionam à população preta, pobre e periférica o adoecimento: o trabalho exaustivo, a pobreza e a desigualdade social, racial e de gênero, o transporte público precário, a violência de Estado, a lgbtfobia, a intolerância religiosa, a falta de opções de lazer e cultura, a estrutura educacional que repete os ciclos de violências e tantos outros problemas que nos estigmatizam. 

Na Caminhada, encontramos muitos jovens e educadores, mas uma grande participação é das mães que perderam seus filhos para violência, mulheres que transformaram suas dores e seu luto em LUTA, em força para lutar pela paz, pelo direito à vida e pela Periferia. 

Outro sujeito importante nessa mobilização social foi o Padre Jaime, que das 28 caminhadas esteve à frente em 26, por isso um momento especial da caminhada foi a homenagem prestada ao querido Jaime.

Moradores do São Luís, Jardim Ângela e Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo, no dia 2 de Novembro de 2023, na 28ª edição da Caminhada pela Vida e pela Paz, que encerrou no cemitério São Luiz. Foto: Diogo Ramalho.

Cansado de enterrar jovens, padre Jaime dizia que não adiantava ficar apenas rezando para o problema desaparecer, era necessário engajamento popular, articulação e mobilização de diferentes sujeitos sociais e do Estado, que é responsável pela segurança pública e que em muitos casos eram promotores da própria violência. 

Com sua práxis freiriana, padre Jaime sempre denunciava e anunciava, assim a Caminhada pela Paz nunca foi um espaço apenas de manifestação e denúncia, ao contrário: ela anuncia e reivindica a paz e tantas melhorias e necessidades da região. 

Dessa forma, graças às caminhadas muitas conquistas foram alcançadas. No campo da saúde, por exemplo, conseguimos o Hospital M’Boi Mirim, no Jardim  Ângela; na segurança pública, as bases comunitárias da Polícia Militar; na educação, mais escolas; na Assistência Social, mais serviços como os CCA’s e os CJ’s. 

Como a saúde mental, outras demandas da periferia, ainda não são atendidas, nem mesmo a violência acabou. Portanto, a luta continua, as marchas continuam, e a organização popular precisa continuar. Precisamos ter coragem como sempre dizia o padre Jaime. 

E ainda parafraseando esse mestre, termino com um provérbio africano que ele sempre dizia: “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue mudanças extraordinárias.”

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