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Genocídio em Gaza: As armas que matam na palestina, são as mesmas que matam nas favelas e nas periferias do Brasil

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Em 55 dias de massacre ocasionado por Israel por meio de bombardeios e ataques terrestres em Gaza, na Palestina, Oriente Médio, mais de 15 mil palestinos foram assassinados (sendo a maioria mulheres e crianças) e mais de 60 jornalistas e comunicadores também perderam as vidas. Jornalistas e comunicadores têm perdido suas vidas, primeiro, por serem palestinos, depois por tentarem mostrar o genocídio de seu próprio povo. 

Na história recente, o que o mundo assiste neste exato momento sobre a situação da Palestina, já é considerado um dos casos mais cruéis da história da humanidade. Toda essa situação vem acontecendo sob o olhar de lideranças mundiais que até se reúnem em conselhos das Organizações das Nações Unidas (ONU), mas não avançam por um fim a este massacre, ao partheid, a esta limpeza étnica, a este crime racial.

O Estado israelense massacra o povo palestino com o discurso de que os palestinos são todos terroristas. Mas o que o mundo assiste neste momento não começou agora, já são 76 anos que os palestinos sofrem com apartheid, racismo, colonização e militarização após a criação do Estado israelense. Diante disso, a professora e tradutora Ruayda Rabah, brasileira-palestina e residente na Palestina, explica que o que ocorreu no dia 07 de outubro é na verdade parte daquilo que chamamos de direito de defesa, um princípio internacional aplicável a todos os povos dominados pela ocupação, não àqueles que ocupam territórios que não lhes pertencem. 

Para Ruayda, primeiramente deveríamos saber o que é terrorismo para o estado sionista de Israel e para os norte-americanos.

 “O verdadeiro objetivo já se sabe desde 1947: Eles querem fazer uma limpeza étnica da Palestina. Eles querem o domínio do território que é de extrema importância para os norte-americanos e para Israel, que não passa de uma base militar para os interesses de estrangeiros, e a exploração das riquezas da Palestina, como o gás da Costa de Gaza no Norte de Gaza, onde inclusive, já existe exploração deste gás por parte de empresas estrangeiras”

diz, Ruayda Rabah

Ainda de acordo com ela, “o resultado disto tudo é uma grande revolta, em especial pelo silêncio internacional, e incertezas. Mas por outro lado, fortalecimento à resistência do povo palestino! Resistência está, em que milhares de centenas de mártires têm se amontoado, e outras centenas de pessoas presas em cárceres sionistas”.

Já em relação ao atual momento de trégua de cessar-fogo, Ruayda destaca que, na realidade, não ocorreu uma trégua por parte de Israel e que a violência persiste contra a população palestina tanto na Faixa de Gaza quanto na Cisjordânia.

 “Em toda a Palestina não há ninguém que acredite em tréguas por parte do ocupante, pois o desejo do povo palestino é a desocupação total de todo o território palestino. O grande receio pra gente é discutir trégua e não desocupação do território palestino e Israel com isto têm, mais uma vez, luz verde dos norte-americanos de continuar a limpeza étnica na Palestina”

conclui, Ruayda Rabah

Nem Gaza e nem as favelas e periferias do Brasil tem direito à liberdade de expressão

Foto de crianças palestinas durante manifestações na Faixa de Gaza (2018) em solidariedade aos moradores de favelas do Rio de Janeiro.

O que ocorre com os jornalistas e comunicadores da Faixa de Gaza, na Palestina, no Oriente Médio, não é muito diferente do que acontece com os jornalistas e comunicadores comunitários de espaços periféricos, favelados, quilombolas e indígenas do Brasil. Pois um dia estamos transmitindo a notícia, no outro, podemos ser também a própria notícia. Isso acontece porque estamos inseridos e vivenciamos estes territórios, nós compreendemos os códigos e os signos internos, no qual, a realidade das nossas fontes, personagens e especialistas, são as mesmas que a nossa. 

Jornalistas na Faixa de Gaza enfrentam o desafio de cobrir diariamente o massacre contra a população palestina, arriscando suas vidas e deixando suas famílias “seguras” em casa. Muitos desses profissionais têm suas contas bloqueadas por plataformas, impedindo o compartilhamento de seus registros com o mundo. Recentemente, os jornalistas Mohammed Farra e Wael Al Dahdouh, tiveram suas esposas e filhos assassinados por bombardeios israelenses que atingiram suas casas em, outubro de 2023, enquanto cobriam e registravam por meio de suas lentes o genocídio de seu povo.

Aqui no Brasil, produzir jornalismo e comunicação em territórios de periferias, favelas, quilombos, aldeias e no campo é, sem dúvida, um grande desafio. Precisamos estar muito atentos para realizar nosso trabalho e, ao mesmo tempo, ponderar sobre a nossa própria segurança e a de todos que nos cercam, afinal, isso de certa forma pode colocar nossa comunidade e nossos familiares em risco também. 

Por vezes, somos invisibilizados, mas continuamos sempre a trazer outras perspectivas e olhares para os territórios periféricos e favelados e todas as nuances que nos afetam no cotidiano. Sempre pautamos que periferias/favelas não são iguais, e cada uma, apesar de ter os mesmos problemas macros e socioeconômicos, consistem em peculiaridades únicas.

Diante do cenário macro político, o jornalismo produzido nas periferias e favelas do Brasil, tem suma importância, por ter um repertório em suas ações que vão do online ao offline, comunicando de forma territorial, combatendo a desinformação, pautando a realidade do cotidiano desses territórios, quebrando o estereótipo difundido pela mídia hegemônica de que periferias é tudo igual.

O avanço da internet e das plataformas digitais tem facilitado a comunicação nas periferias/favelas, mas essa democratização digital também tem seus limites. O Racismo Digital/Internet é uma realidade, o que nos leva a questionar de que lado os algoritmos e meios de distribuição de conteúdo se colocarão quando a corda se romper de vez. O mesmo tem acontecido com os conteúdos dos jornalistas de Gaza, eles têm tido os seus conteúdos retirados das plataformas. Com isso nos perguntamos: A internet é mesmo democrática? É para todos os povos?

Muro do apartheid que separa Jerusalém do campo de refugiados de Aida. Foto_Thais Siqueira

Maré (RJ) e Capão Redondo (SP) na Palestina: Nossa visita à Palestina em julho (2023)

Em julho deste ano, tivemos a oportunidade de visitar a Palestina representando a Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas junto ao Julho Negro (Do movimento de favelas do Rio de Janeiro) e Frente de Evangélicos pelo Estado de Direitos, numa missão internacional de luta antirracista organizada pelos grupos palestinos: Stop The Wall e BDS Brasil.

Nos sete dias que percorremos a Cisjordânia, o que presenciamos ali foi o aumento do racismo, da militarização e do apartheid. Foram sete dias de intercâmbio com representantes de movimentos favelados, periféricos, negros e indígenas do Brasil, Colômbia e Equador. Participamos ativamente de encontros com coletivos e organizações sociais locais, visitas a lugares históricos e rodas de conversa nesses territórios.

Durante a visita, foi possível compreender de perto os efeitos do apartheid e do extermínio étnico e racial promovidos por Israel contra o povo palestino, que perdura há cerca de 76 anos, impondo uma série de retirada de direitos da população. Palestinos na Cisjordânia e em Gaza tem suas águas controladas, em alguns dos territórios eles têm água apenas uma vez na semana. Energia e redes de internet e telefonia também são controlados por Israel. 

Homenagem a Aboud Shadi, criança palestina de 13 anos, assassinada pelo exercito Israelense, em outubro de 2015, no Campo de refugiados de Aida. Foto_Thais Siqueia 02.07.2023

Entre as vítimas dessas ações estão crianças, mulheres e idosos, cujas vidas são afetadas de maneira irreparável. Dentro do território palestino, existem postos de controle, chamados de Checkpoints, nos quais o exército israelense decide quem pode entrar e sair, gerando uma constante sensação de incerteza e vulnerabilidade para a população local. 

Campos de refugiados abrigam pessoas cujos direitos são rotineiramente violados, casas são incendiadas e demolidas como parte da ocupação israelense, o que leva à expulsão ou morte da população palestina. Além disso, as terras e casas são frequentemente confiscadas à força para serem entregues a colonos vindos de várias partes do mundo, resultando em uma injusta usurpação de propriedade.

Visita da delegação na casa incendiada pelo exercito israelense , em junho de 2023, na cidade de Turmus Ayya. Foto_Thais Siqueira 05.07.2023

As mortes da juventude palestina nos chamam atenção e lembra o extermínio que a juventude preta e periférica/favelada enfrenta no Brasil. De acordo com os dados fornecidos pela organização Defense for Children International – Palestina (DCI), entre os anos de 2000 a novembro de 2023, foram registradas 2.3349 mortes de jovens palestinos menores de idade em decorrência da ocupação e presença de militares israelenses. Vale ressaltar que esses dados estão em constante mudança, sendo atualizados tragicamente todos os meses. Além disso, ouvimos inúmeros casos de prisões de crianças e jovens palestinos, um dos depoimentos nos chamou muita atenção, quando um jovem de 23 anos disse que já havia sido preso 33 vezes. Com isso nos perguntamos: Qual o direito à infância e à juventude que os palestinos têm em sua própria terra?

Vimos ali muitas semelhanças com o que ocorre nos nossos territórios. Pois as técnicas militares utilizadas pelo exército israelense na Palestina são vendidas para todo o mundo. Não por acaso a polícia militar brasileira, a carioca, durante os megaeventos no Brasil foi até a Palestina fazer treinamento. Ou seja, são muitas relações que o Estado brasileiro com o Estado israelense têm, comerciais e em detalhes. Eles financiam o apartheid na Palestina e financiam o genocídio da população negra moradora de favelas e periferias no Brasil.

Caveirão israelense no território palestino. Foto Thais Siqueira 05.07.2023

Neste cenário, fizemos registros fotográficos pela Cisjordânia para trazer reflexões sobre o impacto do sionismo (movimento político que defende a construção de um país dedicado a acolher a população judaica, por meio da ocupação do território palestino). E esse relato e essas fotos são parte dessa construção que nós comunicadoras faveladas e periféricas, que estivemos na Palestina este ano, trazemos como parte do nosso trabalho na ideia de contextualizar as lutas e as resistências de cá e de lá.

Para finalizar esse artigo argumentativo, nos perguntamos: Cadê a população mundial que estava indigina e inconsolável com a notícia falsa divulgada pela jornalista Sara Sidner que dizia que o Hamas havia decapitado 40 bebês? Dias depois, Sara pediu desculpas na sua conta no Instagram, mas o fato que essa notícia falsa já havia feito um estrago, sendo colocada como “justificativa” para as mortes da população palestina que ocorrem sob os ataques do governo de Israel todos os dias. 

Saiba mais

BDS, Stopthe Wall, Julho Negro: Contra o Racismo, a Militarização e o Apartheid (documentário), Da Palestina à Maré: a luta pelo direito à vida (relato), Do Rio de Janeiro à Palestina: a militarização dos territórios (entrevista)

Um presente de lembrança para o seu final de ano #22

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O clima de final de ano também chegou por aqui, e no último episódio do ano revisitamos algumas entrevistas que rolaram ao longo de 2023. Nele também tem um pouco do porquê o Cena Rápida existe e o seu propósito.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira 
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

“Pode ser o negócio das nossas vidas”, diz fundadora da Feira Preta sobre o empreendedorismo negro

O empreendedorismo negro no Brasil é um campo em evolução, com muitos desafios, mas também com uma crescente conscientização e esforços no combate as desigualdades histórica e promoção da inclusão econômica e social. Em entrevista a Franciele Ladislau , aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática antirracista promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola, Adriana Barbosa, uma das principais referencias afro-brasileiras, empreendedora e fundadora da Feira Preta, maior evento de cultura negra da América Latina,  destaca que o empreendedorismo negro é mais do que uma atividade econômica, é sobre identidade e ancestralidade do povo negro, no modo de gerir os negócios desde a escravidão.

Para que o mercado cresça, Adriana Barbosa chama atenção para duas questões fundamentais: o primeiro refere-se a desconstrução da mentalidade onde o sujeito sai do papel de enxergar seu negócio como uma mera fonte de sobrevivência e passa a entender aquela atividade como uma oportunidade de ter a própria empresa. O segundo fator vai de encontro com a criação de políticas públicas que fomentem a expansão desse segmento, como um marco regulatório de empreendedorismo negro no Brasil. 

Franciele – Você Repórter da Periferia: Quando você iniciou, você imaginou o impacto do movimento econômico que a Feira Preta iria trazer? Você já olhava para esses empreendedores como uma potência? Como?

Adriana Barbosa: Eu via que existia a potência, mas eu não sabia que geraria o impacto como é hoje. Não só a Feira Preta, mas o empreendedorismo negro no Brasil. Eu comecei vendendo minhas roupas em feiras de rua como expositora e eu via as outras pessoas pretas como eu, também tentando fazer, se virar, tentando sobreviver. E foi a partir dali que veio a construção da Feira Preta, foi quando fui entender que essa prática é ancestral dos mercados africanos, é uma vocação nossa, as relações comerciais, o empreendedorismo, trazer essa identidade para o produto e ali eu consigo enxergar o quanto poderoso poderia ser a gente construir o mercado de consumo para a população negra no Brasil. O objetivo era esse, essa prática da necessidade, virar uma prática por oportunidade e com qualidade.

Franciele – Você Repórter da Periferia: O que mudou no empreendorismo negro de 20 anos pra cá pensando no papel da Feira Preta?

Adriana Barbosa: Acho que a principal mudança foi a gente construir o mercado de consumo da população negra no Brasil, a partir da prática do empreendedorismo negro com engajamento racial, que mais para frente vira o tal do “black money”, o conceito americano. Então hoje tem uma consciência política de pessoas pretas com letramento racial em consumir de empreendedores negros e se aumenta esse desejo de consumo, aumenta a produção. Então eu acho que essa é a grande mudança que a gente teve.

Franciele – Você Repórter da Periferia: Segundo uma pesquisa do SEBRAE, com dados do IBGE, referente a 2022, o número de mulheres empreendedoras vem crescendo no Brasil. Pensando nisso, como o seu negócio pode incentivar novas lideranças femininas?

Adriana Barbosa: É o que a gente tem feito nos últimos 20 anos: estimular mulheres negras a se apropriarem do seu fazer, porque muitas vezes, elas já são empreendedoras, mas elas falam, não só tô vendendo uma tapioca, eu só tô fazendo um negocinho aqui e na verdade não, elas são empreendedoras. E o dia que ela se reconhecerem nesse lugar, desenvolve a auto-estima e uma mentalidade de se apropriar desse lugar, aí a gente vai para um outro patamar, porque senão a gente vai ficar na precarização do mercado de trabalho e é isso que eu acho que a gente quer contribuir nessa jornada do empreendedorismo negro no Brasil, para que seja um lugar de estratégia para a população negra.

Franciele – Você Repórter da Periferia: Tem alguma coisa que você queira trazer e que não perguntamos?

Adriana Barbosa: Sim. Quero ressaltar que a gente não é mão de obra, a gente tem um processo intelectual, ele não é só executor, não é só um serviço braçal, porque a construção do imaginário para a população negra no Brasil era do serviço braçal. Então eu acho que se a gente conseguir alastrar esse processo de autoconhecimento e conhecimento da história de onde ela vem. Tem o texto da Chimamanda, da nigeriana, que fala sobre o perigo de uma única história, a gente precisa contar novas histórias, elas precisam se ver nessas outras histórias, Essa é a sua história. Isso faz parte de você. Isso faz parte da sua construção, do que representa você nesse país. 

Criançada feliz

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Estamos chegando ao fim de mais um ano. Na comunidade a galera já se agiliza para desenrolar o natal solidário em diversas quebradas. 

Muitos já se organizam e fazem arrecadação de brinquedos e roupas em prol da distribuição para a criançada. Fazem jogos e festas com arrecadação de brinquedos para poder distribuir para as crianças da comunidade. 

Roupas e calçados também são bem vindos. Eles pegam a numeração da criança e vão ao trabalho de achar um “apadrinhamento” que será a pessoa que vai poder contribuir com aquela vestimenta. 

Quero propor uma coisa a você que está lendo esse texto: que tal esse fim de ano aí na sua quebrada ir em busca dessa galera? Pode procurar times ou ONGs que organizam essas ações, e apadrinhar uma criança para presentear elas esse fim de ano. 

E aí, bora fazer isso? É nós por nós sempre. 

Acredito que se cada um ajudasse conseguiríamos dar um natal diferente para mais crianças possíveis. E as ajudas podem ser diversas: brinquedos, roupas, calçados. Mais que tal aquela cesta de natal? Se na sua mesa a ceia desse ano será bacana, porque não ajudar a de outra família a ser bacana também. 

Nos fortalecendo e colaborando com nossa quebrada só temos a ganhar, e nada é mais precioso do que ver um sorriso no rosto das crianças. 

Que seja um fim de ano dahora para todos.

Quilombo Brotas: o primeiro quilombo urbano do Brasil

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Este texto é um convite ao presente e a reflexão de como estamos mantendo nossas relações com as raízes e com a ideia de urbanização e sustentabilidade.

Quilombo Brotas, localizado na cidade de Itatiba, São Paulo.

Durante a matéria de políticas públicas e combate ao racismo, ministrada por Eliete Barbosa e Danilo Benedicto no CELACC – USP, pude pesquisar e conhecer a história do Quilombo Brotas, localizado na cidade de Itatiba. Este texto é um convite ao presente e a reflexão de como estamos mantendo nossas relações com as raízes e com a ideia de urbanização e sustentabilidade.

O Sítio Brotas foi comprado em 1888 por um casal de alforriados, sendo o primeiro quilombo urbano do Brasil, porém apenas em 1969 foi realizado o registro em cartório e somente em 2003 o Sítio Brotas foi certificado como Área Remanescente de Quilombo pela Fundação Palmares, tornando-se Quilombo Brotas e ainda hoje está em processo de titulação.

O Quilombo possui problemáticas próprias acerca da gentrificação urbana e dificuldade de diálogo com as instituições competentes. A gentrificação ocorre em conexão com as construções do loteamento Nova Itatiba e com o fortalecimento do avanço de ampliação “urbana” mais “agressiva” no entorno, aqui especulo que isso se conecta com os debates sobre mercado imobiliário e o crescimento de cidades no entorno.

Estas problemáticas passaram a afetar também a liberdade religiosa da população quilombola, já que possuíam uma pequena represa onde eram feitas as práticas religiosas relacionadas a Umbanda, e as obras interferiram no curso das águas fazendo a nascente secar, impossibilitando assim a relação com as águas que dentro das religiões de matriz afro-brasileira são muito importantes, sendo utilizadas para rituais, entregas, banhos entre outros.

O quilombo também é uma área de troca com a natureza, você retira e devolve, existe uma lógica de preservação, então o que é sustentabilidade e urbanismo, quais as lógicas que são levadas em conta quando falamos sobre cidade, tecnologia e crescimento.

Sendo direito constitucional a preservação da cultura afro-brasileira, mas se fez presente durante toda a pesquisa, a angústia dos questionamentos de até onde as estruturas seguem a defesa dessa preservação.

Pude observar no desenvolver da pesquisa que o Quilombo foi esquecido nesse processo de construção e nessa ideia de dinâmicas e pertencimento do local, sendo que a população quilombola está lá desde 1888, o que deixa um tanto quanto difícil não enxergar como parte do racismo institucional, observando as instituições que atravessam os diversos setores do quilombo que foram afetados.

Hoje nas redes o assunto da ancestralidade e das nossas raízes é o foco de muitas pessoas, mas como está nosso povo? Seja nas periferias, nos quilombos e onde desejam estar. Como estão vivendo?

Falar de gentrificação é dizer que existem pessoas sem o direito de exercer sua cultura, sem moradia ou com altos custos de moradia em locais que já residiam anteriormente. A cidade se torna então um lugar ingrato para vivermos. Será que somos parte dela?

A ancestralidade ocorre hoje, o presente é nosso precioso princípio e bússola, o Quilombo Brotas resiste e procura formas de se manter em meio a ausência de seguridade do poder público e as invasões de quem busca lucrar sem respeitar quem ali estava antes. 

Agradeço a Vera, que está como representante do quilombo, pela disponibilidade de ouvir o grupo e realizar essa importante troca. Atualmente o Quilombo Brotas está se reconstruindo após as chuvas e continua enfrentando os embates (que nem deveriam existir), mas que só trazem a tona como ainda não chegamos onde achamos que já estamos.

Agradeço também a Aline, Beatriz, Lilian, Flavio e Sâmia que faziam parte desse grupo de trabalho e compartilharam das descobertas que essa pesquisa trouxe.

Nossa ancestralidade é hoje, somos nós, o passado é referência, o futuro é nossa consequência
Como água que corre e desvia
Como vento que sopra, refresca, mas também derruba estruturas
Como o fogo que esquenta, que incendeia, que não se limita
Como a terra que nos firma em pé, que nos permite construir
Como a liberdade que não existe sem coragem, sem força, sem responsabilidade

Poesia de Agnes Roldan

 “Se você transou com homem chorando, você já foi estuprada, mesmo que ele seja o seu marido”, ressalta a socióloga, Anabela Gonçalves

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Assista a entrevista completa sobre a cultura do estupro, domínio e poder sobre os corpos das mulheres.

A persistente mentalidade de superioridade masculina sobre as mulheres alimenta uma cultura que resultou em mais de meio milhão de mulheres estupradas no Brasil na última década. Dados recentes divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelam que, no primeiro semestre de 2023, foram registrados 34 mil casos de estupro no país, representando um aumento de 14,9% em comparação com o ano de 2022.

A cultura do estupro que descreve um conjunto de atitudes, crenças e comportamentos e banalizam a violência sexual, é tema do sexto e ultimo episódio da segunda temporada do programa Desenrola Aí, em entrevista com a socióloga Anabela Gonçalves. Para ela, o estupro está vinculado ao exercício de poder.  

“A violência sexual não está relacionada ao desejo. Ela está associada ao único espaço em que posso exercer minha força de poder: no corpo do outro, no mais frágil. É sempre uma relação de vulnerabilidade, seja da criança, do adolescente ou da mulher”.

Anabela Gonçalves, Socióloga.

Anabela destaca que o código penal brasileiro, até a revogação pela Lei nº 10.406, de 10.1.2002, dava aos homens total domínio sobre as mulheres casadas. A lei, datada de 1º de janeiro de 1916, declarava que as mulheres eram seres incapazes durante o matrimônio, sem autonomia para diversos aspectos de suas vidas civis, dependendo da permissão do marido.

 “Se você transou com homem chorando, você já foi estuprada, mesmo que ele seja o seu marido. Se você transou com homem com dor de cabeça, se você transou com um homem magoada, entristecida, depois de um ato de violência, você foi estuprada”.

Ressalta Anabela Gonçalves.

Anabela enfatiza a necessidade de políticas públicas que assegurem os direitos das mulheres, bem como a participação ativa das mulheres nas propostas e mudanças legislativas, visando efetivas transformações nos dados relacionados às violências enfrentadas por elas no Brasil.

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa segunda  temporada abordamos sobre “Desconstruir Tabus: corpo e sexualidade”. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.

Rose Dorea, articuladora da Cooperifa, conta como a sua trajetória se vincula à história do sarau

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Em plena correria da realização da 14ª Mostra Cultural da Cooperifa, Rosilene da Costa Dorea, 50, mais conhecida como Rose Dorea, entre uma ligação e outra, em uma manhã de sexta-feira, nos recebe na sua casa, no bairro Jardim Panorama, que fica na cidade de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo.

Além de articuladora e integrante do Sarau da Cooperifa, Rose trabalha como assistente administrativa da Unidade Básica de Saúde (UBS) do Jardim Santo Onofre, em Taboão da Serra, e cursa graduação em Serviço Social. A articuladora também é mãe solo do Joshua Zali, de 13 anos.

Rose e seu filho Joshua Zali no aniversário de 22 anos do Sarau da Cooperifa (foto: Ricardo Vaz)

Rose é integrante do Sarau da Cooperifa desde 2001, e já vivenciou várias transformações e conquistas no sarau. “A Cooperifa é um lugar que muda a vida, tem vários depoimentos das pessoas falando de coisas que elas não imaginavam que poderiam fazer e estão fazendo [inspiradas pela Cooperifa]”, conta Rose.

A Cooperifa é um movimento cultural e literário que acontece desde 2001, e semanalmente viabiliza um espaço de trocas literárias, além de promover encontros entre pessoas de várias quebradas na zona sul de São Paulo. 

A atuação enquanto articuladora e produtora cultural conecta Rose com muitas pessoas dos territórios. Ela conta que muitas delas acham que ela é uma mulher brava, no entanto, o que define a sua personalidade é a lealdade, como conta. “As pessoas me vêem como uma mulher brabona, que eu não sou, eu sou uma pessoa chorona, entendeu!? Acho que eu tenho muito axé, [e] sou muito protegida pelos Deuses”, comenta Rose.

Trajetória

“Eu sempre tive um lado de liderança, tanto que eu fui chefe de formatura do colegial. Sempre tive esse lado do querer fazer, querer ajudar as pessoas”. Rose comenta que além desse senso de liderança, que ela tem desde a infância, a proatividade também é uma de suas características que está presente nas diferentes funções que ela desempenha. 

Foi com o intuito de ajudar diretamente as pessoas que ela decidiu estudar Serviço Social, e também por ser uma área com a qual tem contato através do seu ambiente de trabalho na UBS. “Sou do administrativo, mas eu saio da minha mesa várias vezes para resolver problemas. Vamos supor, [para] ajudar um idoso, ajudar uma mãe que chega lá para resolver alguma coisa”, menciona. Antes de atuar como assistente administrativa, Rose trabalhava como vendedora, e conta que uma das suas características é ser desenrolada. 

O trabalho como produtora não é algo recente. Nos anos 90, Rose fez a produção de uma equipe de som, e durante quatro anos trabalhou como produtora geral, na coordenação dessa equipe. Anos depois, se conectou com a Cooperifa.

Aniversário de 22 anos do Sarau da Cooperifa, Sérgio Vaz ao microfone (foto: Viviane Lima)

A conexão de Rose com a Cooperifa aconteceu de forma natural. A produtora tinha um amigo em comum com Sérgio Vaz, um dos fundadores do sarau, que os apresentou. Tempos depois, Rose e Vaz também trabalharam juntos na Câmara Municipal de Taboão, e a partir disso a amizade se concretizou. Ela também conta que estava na primeira conversa informal sobre a Cooperifa, junto com Marco Pezão e Sérgio Vaz, fundadores do sarau, em 2001, no bar do Português, no centro de Taboão da Serra. 

“Quando ele [Sérgio Vaz] deu a ideia de que ia fazer um sarau, eu não sabia o que era, [mas] eu sou curiosa, então eu queria saber. E aí eu comecei a frequentar desde o primeiro sarau, [que] foi na estrada do São Francisco, no [bar] Garajão, aqui em Taboão da Serra”, compartilha Rose. Por ser boa em comunicação, ela recepcionava quem chegava, algo que faz até hoje, e assim conquistou o título de musa da Cooperifa.

Com a venda do bar Garajão, em 2002, o sarau migrou para o Bar do Zé Batidão, na Chácara Santana, na zona sul de São Paulo, onde acontece até hoje, toda terça-feira, a partir das 20h30. Rose afirma que todo mundo é bem vindo e tratado de igual para igual, a única regra para participar é saber chegar com respeito. 

13ª Mostra Cultural da Cooperifa (foto: Ricardo Vaz)

A conexão com o movimento literário foi um marco importante na trajetória da articuladora. “Eu volto a estudar [em 2005] realmente por conta da Cooperifa, para tentar entender o que era falado”, conta. Antes disso, Rose tinha estudado até a 8° série, pois havia perdido o interesse pela escola devido às dificuldades que tem de leitura, por conta da dislexia.

“Para uma pessoa disléxica é muito difícil, porque você é tratado como burro. Virou um trauma, porque eu repeti por três anos a 1° série”. Rose se emociona ao falar dos enfrentamentos que passou devido a descoberta tardia de dislexia, que veio aos 44 anos.

Atualmente, além de assistente administrativa, durante a Mostra Cultural da Cooperifa, Rose atua como produtora cultural. Nessa função, ela recebe os grupos convidados para se apresentarem na Mostra, participa da elaboração da programação e faz parte do grupo que pensa o evento como um todo, além de cuidar da alimentação da equipe e dos repasses de como está o andamento dos eventos. 

“Eu me considero uma produtora cultural da rua, porque eu aprendi na raça, eu aprendi dentro da Cooperifa”

Rose Dorea, graduanda em Serviço Social e articuladora no Sarau da Cooperifa.

A articuladora cultural menciona que embora tenha admiração pela literatura, não tem a intenção de ser uma escritora, que gosta mesmo é de fazer as coisas acontecerem nos bastidores. “Eu gosto, faço parte e acredito muito na literatura, na poesia e na cultura, mas não me vejo como poeta”, pontua.

Musa da Cooperifa

Rose comenta que no início, no sarau, tinham mais homens do que mulheres, por conta das multitarefas que a elas socialmente são encarregadas, e pelo tabu que existe de mulheres frequentarem bares. No entanto, ela considera que isso esteja mudando. “O sarau deu visibilidade para nós mulheres. De mostrar que é um bar, mas você tem direito de estar onde você quiser”, menciona.

Ela aponta que os feitos mais importantes da Cooperifa foi apontar que a poesia está sim ao alcance das periferias e auxiliar no combate a estigmas que desvinculam a cultura, arte e educação desses territórios. “Começamos a ver a nossa quebrada falando de nós para nós. Essa é a grande importância da Cooperifa e ter esse olhar pelos professores, pela escola”, diz Rose.

Rose no Bar do Zé Batidão, onde acontece o sarau da Cooperifa, toda terça-feira. (foto: arquivo da Cooperifa)

Desde 2001, Rose foi titulada como a musa da Cooperifa, durante a primeira edição do prêmio da Cooperifa. Na ocasião, ela fez a entrega das medalhas, recepcionou quem chegava e com o tempo esse título foi se firmando junto com a admiração das pessoas que frequentam o sarau. “Eu falo que eu sou uma colaboradora e sou a musa da Cooperifa, eu tenho muito orgulho desse título”, comenta.

Rose também participa de palestras, rodas de conversas e considera que seja uma referência no território. Ela conta que desde 2021, tem ocupado esses lugares de fala.

“É uma trajetória de muita luta, porque tem 22 anos que eu estou na Cooperifa e agora que sou chamada para um monte de coisas. Acho que é porque me permiti mais a ver que eu tenho um lugar de fala, mas estou dizendo um lugar de fala como uma mulher preta, entende? [E enfrentar] os medos, porque a gente sabe que o que você fala não tem volta, tem que ter muita responsabilidade do que você fala”

Rose Dorea

“Eu estou vivendo um ano de reconhecimento, mas também de muito aprendizado e acho que uma coisa está muito ligada a outra”, finaliza Rose, que cita sobre sua trajetória ser de luta e construção.

A periferia em marcha pela vida e pela paz

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“Dois de novembro, era Finados

Eu parei em frente ao São Luiz, do outro lado

E durante uma meia hora olhei um por um

E o que todas as senhoras tinham em comum?

A roupa humilde, a pele escura

O rosto abatido pela vida dura

Colocando flores sobre a sepultura

(“podia ser a minha mãe”)

Que loucura

Cada lugar uma lei, eu tô ligado

No extremo sul da Zona Sul tá tudo errado

Aqui vale muito pouco a sua vida

A nossa lei é falha, violenta e suicida”

Sobrevivendo no inferno – Racionais MCs

Há quase três décadas, no dia 2 de novembro, as ruas da zona sul de São Paulo são tomadas por milhares de pessoas em marcha contra a violência tratada e denunciada na música dos Racionais em defesa da paz. 

A Caminhada Pela Vida e pela Paz é uma das principais mobilizações sociais da região do M’Boi Mirim, resultante da articulação e mobilização de diferentes movimentos, coletivos e instituições que se organizam no Fórum em Defesa da Vida.

Essa mobilização nasceu em 1996, ano em que o Jardim Ângela foi considerado pelas Nações Unidas (ONU) como o bairro mais violento do mundo, e junto com seus bairros vizinhos, Capão Redondo e Jardim São Luís, ficaram conhecidos como “triângulo da morte” pela mídia. 

É importante dizer que essa violência que atingiu e atinge essas periferias é parte do Genocídio Brasileiro, denunciado por Abdias do Nascimento. 

A maioria das vidas enterradas no cemitério São Luís é de homens jovens e negros, como diz a música: “E o que todas as senhoras tinham em comum? A roupa humilde, a pele escura”.

Todo ano a Caminhada elege uma luta. Nessa 28° o tema foi “Saúde Mental na quebrada é fundamental”. A Caminhada pauta esse assunto tão importante e tão desassistido por políticas públicas e mesmo pelo senso comum da sociedade.

Moradores do São Luís, Jardim Ângela e Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo, no dia 2 de Novembro de 2023, na 28ª edição da Caminhada pela Vida e pela Paz, que encerrou no cemitério São Luiz. Foto: Diogo Ramalho.

Infelizmente, a saúde mental é privilégio de poucos, mas a 28°caminhada reivindicou como Direito. 

Quantos são os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) na nossa região? Quanto tempo levamos para conseguir um atendimento psicológico ou psiquiátrico nas nossas UBS? Qual é o orçamento dedicado à Assistência Social do município de São Paulo? Como isso chega para as periferias? De que forma o Estado apoia iniciativas que tentam cobrir essa lacuna do próprio Poder Público? 

Essas perguntas são fundamentais para entendermos como a nossa quebrada ainda está muito distante do acesso digno à saúde mental. E mais grave que isso são também as razões que proporcionam à população preta, pobre e periférica o adoecimento: o trabalho exaustivo, a pobreza e a desigualdade social, racial e de gênero, o transporte público precário, a violência de Estado, a lgbtfobia, a intolerância religiosa, a falta de opções de lazer e cultura, a estrutura educacional que repete os ciclos de violências e tantos outros problemas que nos estigmatizam. 

Na Caminhada, encontramos muitos jovens e educadores, mas uma grande participação é das mães que perderam seus filhos para violência, mulheres que transformaram suas dores e seu luto em LUTA, em força para lutar pela paz, pelo direito à vida e pela Periferia. 

Outro sujeito importante nessa mobilização social foi o Padre Jaime, que das 28 caminhadas esteve à frente em 26, por isso um momento especial da caminhada foi a homenagem prestada ao querido Jaime.

Moradores do São Luís, Jardim Ângela e Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo, no dia 2 de Novembro de 2023, na 28ª edição da Caminhada pela Vida e pela Paz, que encerrou no cemitério São Luiz. Foto: Diogo Ramalho.

Cansado de enterrar jovens, padre Jaime dizia que não adiantava ficar apenas rezando para o problema desaparecer, era necessário engajamento popular, articulação e mobilização de diferentes sujeitos sociais e do Estado, que é responsável pela segurança pública e que em muitos casos eram promotores da própria violência. 

Com sua práxis freiriana, padre Jaime sempre denunciava e anunciava, assim a Caminhada pela Paz nunca foi um espaço apenas de manifestação e denúncia, ao contrário: ela anuncia e reivindica a paz e tantas melhorias e necessidades da região. 

Dessa forma, graças às caminhadas muitas conquistas foram alcançadas. No campo da saúde, por exemplo, conseguimos o Hospital M’Boi Mirim, no Jardim  Ângela; na segurança pública, as bases comunitárias da Polícia Militar; na educação, mais escolas; na Assistência Social, mais serviços como os CCA’s e os CJ’s. 

Como a saúde mental, outras demandas da periferia, ainda não são atendidas, nem mesmo a violência acabou. Portanto, a luta continua, as marchas continuam, e a organização popular precisa continuar. Precisamos ter coragem como sempre dizia o padre Jaime. 

E ainda parafraseando esse mestre, termino com um provérbio africano que ele sempre dizia: “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue mudanças extraordinárias.”

Construção de identidades através da cultura afro-brasileira #21

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Nesse episódio falamos sobre o corre de iniciativas das quebradas que se referenciam na cultura e saberes afro-brasileiros como caminho para desfazer a visão da Europa como sinônimocultural e centro do mundo.

O papo da vez foi com o Wellingtom Braga, artista e cofundador do BatucAfro, e com a Pollyana Almië, que é bacharel em história, com ênfase no viés racial.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira 
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

Iniciativas utilizam a permacultura como alternativa para amenizar efeitos da emergência climática

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O uso do termo emergência climática para se referir ao que até então era conhecido como mudança climática, pode ser considerado um alerta para as consequências causadas pelas alterações do clima que atingem principalmente as periferias, conforme aponta Sara Aleixo de Souza, 31, graduada em ciências ambientais, integrante da Rede Permaperifa, e moradora do bairro Jardim Silvia, em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo.

“Os efeitos da alteração do clima sempre afetam de maneira mais impactante as periferias, [como] o calor extremo, a falta de água, de saneamento, os efeitos da chuva, [isso] na periferia é de maior impacto do que nas regiões de privilégio.” 

Sara Aleixo de Souza, cientista ambiental, integrante da Permaperifa.
Sara Aleixo de Souza, graduada em ciências ambientais e integrante da Rede Permaperifa (foto: arquivo da Rede Permaperifa)

Sara explica que a emergência climática está diretamente conectada à emissão de gases poluentes na atmosfera e aos efeitos do desmatamento. Ela também aponta que a alteração na temperatura da atmosfera está ligada aos regimes de chuva e aos ciclos das enchentes, que todos os anos prejudicam muitos moradores das periferias. O avanço da industrialização e os impactos negativos do crescimento econômico a todo custo também refletem no clima.

Permacultura nas periferias

A cientista ambiental aponta que um modo de resistência para lidar com essas mudanças climáticas é através do encontro, da comunidade e da troca, e é nesse sentido que se explica a existência da Permaperifa. 

O trabalho da Rede Permaperifa começou em 2015, através de um grupo de educadores ambientais que se reuniram com a proposta de conectar os permacultores periféricos que estavam espalhados e atuando em diferentes quebradas de São Paulo. O objetivo também era, e ainda é, fomentar a expansão de permacultores nesses territórios através do repasse de conhecimentos.

Primeiro encontro da Rede Permaperifa, em 2015, na comunidade Quilombaque, no bairro Perus. (foto: arquivo da Rede Permaperifa)

“A estratégia proposta dentro desse primeiro evento, [foi] que sempre houvesse alguma periferia que recebesse coletivos de permacultores periféricos, para executar alguma transformação socioambiental naquele espaço, a cada dois ou três meses”, explica Sara sobre a criação da rede. 

Esses encontros se firmaram e hoje são os chamados mutirões da Rede Permaperifa. São ações rotativas que se adequam às necessidades de cada território: pode ser um mutirão para a construção de uma composteira, de uma cerca, de uma cisterna, horta, plantação, entre outras atividades conforme a demanda da região.

O termo Permacultura vem da junção de duas palavras: permanência e cultura. A ideia é utilizar tecnologias e práticas que visam um modo de vida, através da agricultura, que seja sustentável, social e ecológico, para assim criar condições para a permanência da vida. 

Segundo Sara, esse sistema e os conhecimentos que ele engloba chegaram ao Brasil em meados dos anos 2000, de modo elitizado, mas aos poucos, através de coletivos como o Permaperifa, tem chegado também nas periferias. 

A Rede Permaperifa já realizou 36 edições dos mutirões em diferentes regiões periféricas de São Paulo. “Primeiro a gente realiza a obra no espaço, depois a gente senta em roda e dá informes. No final [em assembleia] abre a inscrição para os espaços que pretendem receber o [próximo] encontro”, conta Sara sobre como funcionam os encontros.

Permaperifa desenvolve alternativas de combate à emergência climática
Mutirão na sede do coletivo Autonomia ZN (foto: arquivo da Rede Permaperifa)

Coletivo Somos, Horta Popular Becos e Vielas, Horta do Paredão, Coletivo Eparreh, Autonomia ZN, Horto Fazendinha, Horta do Saruê, Grupo Da Mata, Ecoativa, Imargem, Permaperifa ABC e Permaperifa Baixada Santista são alguns dos coletivos que fazem parte da rede.

A partir de práticas da permacultura, Sara dá exemplos de estratégias que podem proporcionar autonomia e auxiliar na manutenção do bem viver dos moradores. “A partir dos encontros [surgem] tecnologias de baixo custo, como colocar placas de isopor, que a gente consegue em qualquer papelaria a R$ 5 cada, entre o forro e a telha, [e] você reduz o impacto do calor em casa”, exemplifica.

São várias as práticas possíveis através da permacultura, desde se pensar a alimentação até a gestão de resíduos. Nesse sentido, Sara cita as cisternas como outro exemplo. “Se uma família deixa como legado uma cisterna, [com] captação de água de chuva e aproveita essa água ao invés de deixá-la escoar [isso gera um impacto ambiental positivo]”, comenta.

“Na rede Permaperifa, a gente sempre traz a compostagem como uma estratégia de lidar com os resíduos orgânicos, [para] reduzir a emissão dos gases de efeito estufa [e] gerar adubo para poder plantar”, aponta Sara sobre um dos saberes que têm como base a permacultura aplicada nas periferias.

Emergência climática nas periferias

A Permaperifa é formada por, aproximadamente, 30 coletivos. No entanto, há a participação também de pessoas que não são vinculadas a nenhum coletivo, como é o caso da Débora Nascimento, 24, e do Bruno Lima, 36, que já participaram de três encontros, trabalham com construção civil e querem migrar para a bioconstrução.

Técnica de bioconstrução realizada no 18° encontro da rede permaperifa, no bairro Vila Calu, localizado no distrito Jardim Ângela

“Acho que a importância maior é dá acesso a quem não tem, porque se você coloca um valor lá em cima, como é que a quebrada vai fazer? Se você tem dois, três filhos, como você vai tirar R$ 500, R$ 1.000, R$ 1.500 para poder fazer um curso de dois três dias, fica difícil, né?”, diz Bruno.

Débora e Bruno moram em Interlagos, em uma região conhecida como Morro da Macumba, na zona sul de São Paulo. Bruno comenta que por meio da Permaperifa tem tido acesso aos conhecimentos sobre permacultura, que geralmente são inacessíveis financeiramente. 

“A gente da periferia tem uma outra realidade. A gente tem vontade, mas não tem acessibilidade. Porque eu quero plantar, mas aonde? Eu quero comer bem, mas onde que eu vou comprar? Então, a Permaperifa expande isso bastante, dá essa consciência para a gente [e] assim a gente vai reformulando”, coloca Débora.

*Este conteúdo faz parte da campanha Planeta Território, uma iniciativa do Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS)