Para além dos descontos nas lojas, o que mais conquistaremos neste 8 de março?

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Peço licença e saúdo as que me inspiram Dandara dos Palmares, Esperança Garcia, Tereza de Benguela, Enedina Alves Marques, Margarida Alves, Lelia Gonzaléz, Sueli Carneiro, Dona Maria Eterna dos Reis e tantas outras que lutaram.

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Foto: Gabriela Barbosa

Chegamos a mais um março das mulheres, uma data comemorativa internacional que imprime como as lutas e seus significados ainda são pautadas pelo colonialismo. A imposição de um sistema europeu de vida que se modifica em nosso solo, mas ainda cumpre seu papel de garantir o poder baseado em gênero, cor e classe, como sonhado pelos primeiros invasores.

Nós como povo conquistado continuamos nas cadeiras mais baixas do mundo, cumprindo nosso papel de colônia de extração e de mão de obra barata para produção constante do capitalismo. Além de sermos consumidores atentos a todas as tendências impostas por esse modo de vida, aprendemos que consumir é um dos lugares reservados a nós na máquina capitalista.

Temos sempre que lembrar que para a maioria das sociedades do mundo a colonização e o capitalismo criou o processo de inferiorização racial e subordinação de gênero que conhecemos hoje. Li nas redes sociais, que o óbvio deve ser dito, pois tem sempre gente nova chegando, como educadora acho sempre importante redizer, o que já foi dito.

O aprisionamento das mulheres na ideia do servir e do cuidar de quem tem mais poder e condições de manter nossas vidas é ainda o alimento que subsidia toda ideia de mulher constantemente difundida, e se apresenta constantemente nos dados de violência doméstica, no feminicídio, na transfobia e no oneroso avanço de políticas de moradia, economia, saúde e educação voltadas aos nossos corpos. 

Em contraponto cresce o mercado de cosméticos, estética e as redes sociais, permitem o escandaloso crescimento de grupos misóginos.

Ainda somos vistas como mercadorias moldáveis constantemente aos valores patriarcais, mudando nossos corpos, se sentindo insatisfeitas com o que somos a partir da nossa história, ancestralidade e o meio social que promoveu nosso processo de amadurecimento.

Eu não estou dizendo isso porque me sinto livre, muito pelo contrário, aos 41 anos, sendo uma trabalhadora constante, não tenho conquistas materiais relevantes, pois o pouco de liberdade que pude empregar na minha vida, foi para viver constantemente minha vontade de mudança.

Hoje temos um grande avanço para pensar nas estruturas capitalistas em nosso país com a entrada de mulheres nas estruturas estatais de poder, parece pouco, mas imageticamente promove uma simetria de poder entre homens e mulheres que ainda é baixa, mas que possibilita o debate sobre a importância da alternância de poder.

Nossas críticas são muitas nesse campo, pois em inúmeras instâncias não basta ser mulher, ou ser negra, ou ter passado pela periferia, mas que as práticas estejam a serviço do povo. 

Quais são as mulheres que a estrutura de poder capitalista está permitindo chegar ao poder? E quais mulheres continuam em cargos menores? 

As mulheres conseguem hoje empregar em seu mandato visões que norteiam a multiplicidade de formas de se viver em nosso país, que mulheres não se permitem ser bajuladas pelo sistema a favor de que garantias reais sejam forjadas como leis?

Essa conversa não é fácil, sim, somos mais subjugadas, criticadas e exigem da gente mais postura ética, e isso, é sim, uma face do machismo.

Ser mais forte que a bancada da bala e da bíblia, que tráfico de influência, drogas e pessoas, não é fácil. Porém, mulherada, também tem sido muito difícil ter que confrontar mulheres publicamente por posturas políticas autoritárias, capitalistas e de descredibilidade do movimento cultural, social e político popular das periferias.

Não queremos novas formas de colonização da nossa cultura, intelectualidade e corpos, sejam elas explícitas ou mascaradas de democracia. 

Queremos políticas de consulta e participação, as ideias são sempre bem vindas, mas as decisões precisam imprimir a nossa voz. Não lutamos para ter domínio dos nossos corpos e poder de voz para terceirizar ou privatizar nossos direitos. 

Poderíamos dizer que a saída do Bolsonaro nos daria essa garantia, mas o fascismo é mais antigo que ele e em reviravoltas econômicas, a ética se renova e reaparece como um espírito que se personifica em um candidato, mas que ronda mentes e corpos para além dele.

A saída representa imageticamente uma derrota importante, mas que formas práticas de educação e cultura precisam ser impressas em nossa sociedade para que isso aconteça. Entregar os espaços de formação e de cultura na mão do empresariado e da burguesia desse país em um momento tão delicado político é de um rico absurdo.

Nós mulheres da periferia, não queremos na política brasileira arranjos bonitos, modelos da VOGUE, enfeites como flores em um caixão. Uso essa analogia séria, pois vimos e sentimos na pele que o poder executivo desse país, pode matar ou deixar viver quem ele bem escolhe.

Não estou aqui buscando representar todas as mulheres, mas eu não ando só, e sei do corre de muitas professoras, advogadas, enfermeiras, médicas, assistentes sociais, artistas, gestoras, pastoras, Yalorixás, Madres, que vem na luta em nossas quebradas por políticas públicas que detenham a fúria da miséria e da fome que se instaurou e vem crescendo em nosso país. 

Vivemos tempos de acirramento da desigualdade que se instala debaixo do tapete de algumas pessoas que ascendem ao sucesso, de redes sociais, onde tudo vira negócio. O sucesso dentro dessa estrutura se dá levando em conta que nossas bocas cheias de champanhe sejam caladas. 

Eu, mulher, mãe, ventre fértil, que um dia não será mais, preciso garantir minha existência para além de criar, mas permanecer nesse mundo. Reflito que palavras precisamos plantar e colher para nossa gente, garantir felicidade para todes esses, sendo a felicidade o lado subjetivo da saúde.

Como o cuidado pode ser uma ferramenta de luta, cuidando de mim, cuido do todo e o todo bem cuidado, me cuida também. Para além dos descontos nas lojas, o que mais conquistaremos neste 8 de março?

Sabedoria de mãe, sua cabeça, seu guia. 

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