No dia 25 de fevereiro de 2025, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), protocolou e apresentou oficialmente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/25) que refere-se ao projeto que objetiva reduzir a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais e 4 dias por semana, cuja finalidade maior é acabar com a possibilidade de escalas de 6 dias de trabalho e 1 dia de descanso, conhecida por escala 6×1, que envolve trabalhadores formais e informais.
Esse projeto é uma iniciativa que nasceu da mobilização do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), desde 2023. Liderado pelo influenciador digital Ricardo Azevedo, vereador eleito pelo PSOL com maior votação do partido na cidade do Rio de Janeiro, o movimento ganhou visibilidade e força nas redes sociais e conseguiu reunir mais de 1,5 milhão de assinaturas via abaixo-assinado entregue à Câmara dos Deputados e que pede a revisão desse tipo de jornada, algo que se tornou padrão em diversos setores econômicos do comércio, da indústria e dos serviços.
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A proposta do fim da escala 6×1, ganhou projeção nacional e mobilizou agentes em campos políticos e ideológicos distintos, tanto à esquerda como à direita. Isso ao trazer a tona uma problemática latente e oculta de superexploração do trabalho, com base em baixos salários que sustentam esse tipo de jornada, algo característico de uma formação social dependente como a brasileira que se constituiu baseada na herança colonial e escravocrata, além da subordinação ao imperialismo estadunidense e ampliação da precarização do trabalho como extração de mais-valor permanente.
Enquanto a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que representa uma conquista do movimento trabalhista no país, não especifica escalas e permite o trabalho de até 44 horas semanais divididas em oito horas diárias, com a garantia de um dia de descanso a cada seis trabalhados, o VAT não só propõe a revisão desta legislação, mas conseguiu conquistar corações e mentes de grande parte dos trabalhadores e parlamentares para essa pauta, ao dialogar concretamente com a vida cotidiana e os dilemas da classe trabalhadora no país. Algo que determinadas organizações partidárias tanto à esquerda como à direita não conseguem fazer no dia a dia.
Com grande satisfação digo que este é meu artigo de estreia na coluna do Portal Desenrola e Não Me Enrola. Sou filho e membro da classe trabalhadora, negro, proletário, periférico e corinthiano que há décadas vem atuando, militando e estudando a fim de contribuir com a transformação social. Busco refletir aqui as condições de trabalho com a aprovação da PEC 08/25.
Vida além do trabalho e emprego digno com direitos
Em tempos de políticas neoliberais de austeridade fiscal (privatizações, redução de gastos públicos, etc.), a proposta do fim da escala 6×1 para uma jornada de 36 horas semanais e 4 dias de trabalho permitirá aos trabalhadores maior tempo para viver a vida, já que despendem muito tempo no trabalho e nos deslocamentos.
A luta pela diminuição da jornada de trabalho sem diminuição de salário é uma luta sindical histórica que conseguiu estabelecer alguns parâmetros legais e civilizatórios nos países centrais do capitalismo e, na periferia, especificamente no Brasil. Alguns desses direitos foram apenas para parte da classe trabalhadora, já que a informalidade sempre foi majoritária no país e a herança colonial e escravocrata sempre pesou sobre as condições de vida na inserção e desenvolvimento da população negra, pobre e periférica nas relações de trabalho.
Por isso, quando se fala em emprego digno, um direito humano universal inalienável, refere-se aos empregos com direitos sociais (férias, 13º salário, previdência, etc.) e salários dignos correspondentes ao valor do trabalho, cuja situações de crise econômica não prejudiquem os trabalhadores.
Não por acaso que o VAT tem esse nome: Vida Além do Trabalho, já que as grandes jornadas de trabalho existem apenas para manter a taxa média de lucro e a alta rentabilidade dos grandes capitalistas.
Num país em que há ainda o mito do Estado ineficiente e do mercado virtuoso, tais agentes do mercado estabelecem longas jornadas de trabalho com trabalhos precários aos trabalhadores, restando a estes um dia de “descanso” na semana. Algo que contraria as condições do bem-viver, porque nesse dia precisam realizar diversas atividades de reprodução social.
Superexploração do trabalho e longas jornadas de trabalho
A superexploração do trabalho advém da realidade de nossa formação social analisada por Ruy Mauro Marini em sua obra Dialética da dependência, e suas características fundamentam as economias dependentes, tal como a brasileira.
Para Marini, a superexploração é um processo estruturante das relações de trabalho e corresponde a uma situação na qual os salários pagos aos trabalhadores são inferiores ao valor da força de trabalho. Nesse caso salários rebaixados, aspecto que impede com que a classe trabalhadora tenha condições de se reproduzir em condições “normais”.
Por exemplo, um operário que trabalha na Volkswagen do Brasil recebe três vezes menos que um operário que trabalha na matriz na Alemanha para realizar a mesma função na atividade produtiva. Nesse sentido, a superexploração advém da condição de dependência econômica e subordinação política de países periféricos aos centros dinâmicos do capitalismo, ou mais precisamente ao fenômeno do imperialismo monopolista, uma fase superior do capitalismo.
Então, a escala 6×1 é oriunda da superexploração do trabalho e reduzir a jornada de trabalho sem redução de salário permitirá ao trabalhador, que vive as condições precárias de trabalho, dispor de mais tempo e condições para realizar sua reprodução social (acompanhar e cuidar dos filhos, da casa, lavar a roupa, fazer comida, dispor de lazer, etc.) e valorizar o tempo de trabalho por receberem baixos salários. Além de exigir de diversos setores econômicos que operam na escala 6×1 ampliar o quadro de funcionários e gerar empregos para realizar suas atividades cotidianas.
Escala 6×1 versus escala 4×3 no contexto sindical frágil
O debate nacional e na Câmara dos Deputados possibilitado pela PEC, provocou diversos posicionamentos sobre a questão a favor e contra. O Ministério do Trabalho afirmou em nota à imprensa que tem “acompanhado de perto o debate”, ao indicar que a redução da jornada é “plenamente possível e saudável”, mas enfatizou que a questão deveria ser tratada em convenções e acordos coletivos entre empresas e empregados.
Ora, nas últimas décadas o movimento sindical foi enfraquecido em decorrência das políticas neoliberais, de governos de extrema direita, centro e mesmo esquerda e, com o fim da contribuição sindical obrigatória, muitos sindicatos vivem na UTI e desacreditados por parte da classe trabalhadora. Havendo parte expressiva na condição de informalidade e precariedade sem referência em sindicatos, ao passo que esse enfraquecimento fortaleceu o movimento patronal e as empresas que ditam as regras de contratações e demissões, pressionam pela retiradas de direitos por meio das reformas (ou contra reformas) trabalhista e previdenciária e assumiram a negociação direta com os trabalhadores individualizados sem a mediação sindical. O que colocou a classe trabalhadora na lona nesse ringue da luta de classes.
Por isso, a proposta protocolada pela deputada Erika Hilton se apresenta enquanto uma esperança no fim do túnel dessa sociedade capitalista neoliberal, ao provocar a necessidade do debate e desvelar os interesses políticos em torno da questão.
A PEC prevê o estabelecimento de uma jornada de trabalho “normal” a partir dos seguintes aspectos:
1) não poderá ser superior a 8 horas diárias
2) não poderá ultrapassar 36 horas semanais
3) será de 4 dias por semana
Segundo o texto da PEC, as mudanças passariam a vigorar depois de 360 dias de sua eventual promulgação, o que permitiria aos empresários do capital se adequarem para cumprir a nova lei.
O trâmite passa agora a ocorrer na Câmara dos Deputados, cuja análise da PEC está nas mãos do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que precisa encaminhar para uma comissão que realizará o debate da viabilidade da proposta e de sua aprovação.
Evidentemente que a aprovação só será possível com a mobilização da classe trabalhadora, dos movimentos populares e de sua fiscalização na Câmara e no Senado por meio de um controle social de quem apoia a PEC.
Trabalhadores de todo o país: uni-vos pela PEC e Vida Além do Trabalho!
É possível traçar uma continuidade do Breque dos APP’s (paralisação de entregadores e motoristas de aplicativos) de 2020, o VAT em 2023-2025 e a PEC entregue em fevereiro deste ano.
O Breque dos APP’s, no contexto da pandemia, representou a primeira organização nacional de entregadores e motoristas de aplicativos por melhores condições de trabalho e vida, ao chamar a atenção para suas condições de trabalho sem direitos e com diversas precariedades nas relações de trabalho.
Desde o Breque, até a mobilização do VAT pelo fim da escala 6×1, o que vemos é o grito do precariado (trabalhador precarizado) diante de relações de trabalho sem direitos sociais básicos e com dificuldades de garantir as condições básicas de vida.
São os(as) trabalhadores(as) precarizados(as) no trabalho doméstico, no telemarketing, na construção civil, na entrega e viagens por aplicativo, etc, em suma trabalhadores periféricos, que mais sofrem com as condições de trabalho, sem organização sindical e com dificuldades de ação enquanto categoria.
Por isso, com a mobilização nacional pela PEC, diante da intensidade da exploração capitalista e a ampliação da precarização do trabalho no país nos últimos anos, o VAT conseguiu reunir em uma pauta comum, interesses de trabalhadores formais (com registro em carteira) e informais (sem registro e direitos sociais).
Uma forte mobilização ocorre no país ao indicar que os trabalhadores “ainda estão aqui” e chamamos a atenção para algumas delas: a greve/paralisação de trabalhadores das fábricas da PepsiCo em Itaquera, zona leste de São Paulo, e Sorocaba, cidade do interior do estado, pela aprovação do fim da escala 6×1 no final de 2024. As manifestações de ruas no país em fevereiro de 2025, organizadas por sindicatos, centrais sindicais e movimentos sociais. A atuação da frente parlamentar de apoio da PEC 08/25, entre outras ações e mobilizações.
Está prevista para o dia 1º de maio de 2025, dia histórico de luta da classe trabalhadora, uma mobilização nacional pela aprovação da PEC 08/25 como modo de expressar apoio popular ao projeto que irá amenizar a vida cotidiana da classe trabalhadora que vive as condições de trabalho precário, de mobilidade perversa e sem tempo livre para lazer, descanso e simplesmente viver a vida, já que dispõe de apenas um dia de “folga” para retornar ao trabalho no dia seguinte.
A vida não pode ser apenas viver para trabalhar, estamos diante da necessidade de inversão dessa relação e lógica de dominação.
A classe trabalhadora quer apenas trabalhar para poder viver e gozar a vida um pouco mais do que tem sido permitido nessa relação de trabalho que beira a “servidão”, cujo tempo de vida foi roubado pela lógica de acumulação capitalista para poucos ricos e barões.
Por isso, informe-se, mobilize sua família, sua comunidade, seu bairro e sua categoria de trabalho para que possamos nos unir na luta pelo tempo de vida ao conjunto da classe trabalhadora, pois, como sabemos, “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”.