Na rua em que eu morava havia uma mulher com idade entre 35 e 40 anos, lindíssima! Ela era famosa por ser casada com o único pedreiro do bairro e também por ter muito ciúme de seu marido.
Me lembro que quando eu e minhas amigas éramos crianças, essa mulher nos tratava muito bem. Era gentil, sorridente e sempre nos elogiava pela nossa gentileza ao ajudá-la com sacolas de mercado, mas depois de alguns anos seu comportamento com relação a nós, mudou completamente.
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Ela passou a nos tratar com rispidez, e se ela estivesse passando na rua e nos ouvisse rir, imediatamente nos xingava de coisas terríveis.
Quando eu tinha 14 anos, houve um episódio muito triste envolvendo essa mulher e seu marido. Era um domingo de muito sol, minhas amigas e eu estávamos sentadas na calçada conversando e tomando sorvete. E você já deve ter visto adolescentes conversando, né? Falávamos e ríamos tão alto que certamente toda a vizinhança podia nos ouvir de longe.
Foi nesse cenário que a vizinha e seu marido passaram de mãos dadas na rua. Ela estava belíssima, elegante e arrumada como sempre, já ele – que não era nada atraente – parecia ter vestido a primeira roupa que encontrou no armário.
O casal passa por nós. Ele cumprimenta: “Boa tarde, meninas”
Nós sequer tivemos tempo de responder. A vizinha gritou para o marido: “Por que você está dando ousadia para essas putinhas?”
Ela puxava o marido pelo braço enquanto gritava que “menininhas novinhas” ficam sentadas na calçada só para se exibir para homens casados.
“Eu não sou otária, não. Eu arranco os cabelos de vocês”.
O marido sorria e dizia em tom jocoso: “Você está doida, mulher?”
Conto essa história porque para mim ela ilustra o que acontece com muitas meninas quando atingem a idade adolescente. Passam a ser vistas por muitos homens como objetos de assédio e por muitas mulheres como rivais ou predadoras em busca de “homem casado”.
Assim, sozinhas, as meninas passam a criar estratégias para lidar com as violências sofridas. Algumas passam a revidar os assédios e xingam os homens na rua, ficando em risco, já que podem sofrer violências físicas por parte desses senhores (sim, muitos são senhores).
Outras se isolam em casa com medo da violência na rua. Há aquelas que mudam a forma de se vestir para que seu corpo não seja notado. E também existem as meninas que passam a acreditar no que esses adultos dizem e sentem que os assédios dos homens são elogios e que o afastamento das mulheres mais velhas é inveja. Sentem-se então no poder, quando, na verdade, estão vivendo violências que as deixam cada vez mais solitárias e vulneráveis.
O que podemos fazer diante disso?
Nós, pessoas adultas, precisamos fazer algo para que as meninas sintam que podem contar conosco durante seu processo de desenvolvimento.
Precisamos urgentemente perceber as meninas adolescentes como pessoas em fase peculiar de desenvolvimento e não como objetos do desejo ou sedutoras-perigosas. São meninas!
Os homens que não concordam com os assédios contra meninas precisam dialogar com outros homens sobre isso, precisam se posicionar contra o assédio.
Mulheres, acolhamos as meninas, estejamos com elas nessa travessia tão intensa que é a adolescência, não sejamos mais um ponto de abandono e culpabilização.