No último dia 07 de novembro, a Coordenadoria Regional de Educação de Florianópolis – CRE 18, órgão administrativo-pedagógico da Secretaria de Estado da Educação, proibiu o SLAM em sua rede de ensino.
Trata-se do Ofício n.° 2.502/CRE 18/2024, encaminhado aos gestores das unidades escolares da Grande Florianópolis, manifestando “parecer a respeito do Projeto ministrado pelos integrantes do SLAM EDUCA” – composto por estudantes do curso de Letras da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
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Apesar da elaboração do parecer ter sido motivada pelas ações do SLAM EDUCA, a CRE 18 “informa” que todos os “projetos ligados ao Movimento SLAM não são aprovados” na Grande Florianópolis, território de sua circunscrição administrativa.
A redação do documento, em seu derradeiro parágrafo, utiliza letras em caixa alta para explicitar sua posição “DESFAVORÁVEL à solicitação da aplicabilidade na rede” – o que se poderia ler (entender) como um primeiro passo para, mais do que na Grande Florianópolis, extirpar o SLAM em todo o estado de Santa Catarina?
Arbitrária, a Coordenadoria não explica, na comunicação burocrática aos diretores de escola, as razões que a levou a coibir o SLAM EDUCA. Afinal, no ofício, inexistem fundamentos legais, embasamento em fatos possíveis, argumentos sobre metodologias dissonantes, transgressão de princípios da rede; enfim, uma omissão que dá o que pensar!
Demandando mais interrogações, ainda que não bastasse a ausência de justificativas para esse coletivo ser impedido de executar suas ações, estende-se a autoritária decisão – que outro nome teria? – a todo o “movimento” do SLAM (existem outras comunidades de competição de poesia falada em SC) para a articulação de parcerias outras com os colégios do estado de Santa Catarina.
SLAM e SLAM INTERESCOLAR
“Poetry Slams” ou SLAM – designação mais difundida – é o termo que significa “batalha de poesia” (competição de poesia falada) com regras: tempo (até 3 minutos), público, jurados (cinco) selecionados da plateia, obrigatoriedade de poema autoral, performance sem objetos cênicos, rodadas (três), até a definição do(a) vencedor(a)
Criado nos EUA, em 1984, o SLAM chegou ao Brasil em 2008, quando Roberta Estrela D’Alva o introduziu no país por meio do Zona Autônoma da Palavra (ZAP). Desde então, não para de crescer. Atualmente, estima-se que sejam mais de trezentas comunidades de SLAM ativas no país, em quase todos os estados brasileiros.
Há uma variedade de propostas de SLAMs. Dois relevantes para situar o leitor: o SLAM do Corpo, criado em 2014, voltado aos deficientes auditivos; o SLAM DAS MINAS (em diversos estados brasileiros), a partir de 2015, para mulheres e pessoas trans (homens héteros não podem competir, tão somente assistir).
O SLAM INTERESCOLAR (um terceiro exemplo de tantos outros formatos de SLAM) surgiu em São Paulo, em 2015. Emerson Alcalde (criador do primeiro SLAM de rua, o SLAM da Guilhermina) e Cristina Assunção idealizaram uma experiência com quatro unidades escolares. Neste ano, 2024, foram mais de 400 inscrições, só no SLAM de São Paulo.
Em 2021, O SLAM INTERESCOLAR-SP venceu o Jabuti, a maior premiação do meio editorial do país, no Eixo Inovação – Fomento à Leitura. É, dentre tantas outras coisas, o reconhecimento de que o SLAM é uma grande manifestação lítero-artística e, também, preciosa ferramenta educacional.
“Retratos da Leitura” versus potencial do SLAM para fomento à leitura
Aliás, nesta semana (19/11/24), inclusive, saiu a lista de premiados do Jabuti 2024; IBEAC Literatura: os caminhos literários das bibliotecas comunitárias de Parelheiros, realizado na periferia paulistana, idealizado por Bel Santos Mayer, recebeu a honraria do prêmio, na categoria Eixo Inovação – Fomento à Leitura.
No mesmo dia, também, foram divulgados os resultados do Retratos da Leitura do Brasil. Ao contrário do Jabuti, festejando o livro, o “retrato” constatou, sepulcralmente, pela primeira vez na história do levantamento, que mais da metade da população brasileira não leu nem sequer uma obra nos 90 dias que antecederam a pesquisa!
Para ser considerado leitor, pela pesquisa “Retratos”, realizada pelo Instituto Pró-Livros (IPL), é preciso ter lido ao menos “parte de uma obra nos últimos três meses”. Caso considere livros inteiros, a sondagem é mais preocupante ainda: “apenas 27% da população brasileira” leram um livro inteiro, ao menos, nos três meses anteriores à pesquisa.
O SLAM (ao lado dos Saraus) é uma das ricas possibilidades de incentivo à leitura. Em muitos dos poemas em performances de slammers (como são chamados os que participam da competição de poesia falada), há referências a personalidades históricas, livros, poetas, pesquisas sérias (como as do IBGE, por exemplo).
Para maior compreensão das mensagens dos textos poéticos dos slammers, é preciso recorrer a leituras (de obras não literárias e literárias). Ademais, para ampliar o repertório e, por conseguinte, aperfeiçoar suas produções em verso, os educandos recorrem à leitura.
Não são poucos os depoimentos de discentes (dentre os quais muitos aos quais lecionei) associando o gosto pela leitura ao SLAM. O Jabuti 2021, Fomento à Leitura, para o SLAM Interescolar, e o Jabuti 2022, no Eixo Poesia, para a slammer Luíza Romão, só corroboram o que já é consensual: SLAM favorece a formação leitora.
Essa é a opinião de quem entende sobre o assunto. É do professorado, dos bibliotecários, dos pesquisadores, dos agentes promotores da leitura, como o IBEAC, Jabuti deste ano: o SLAM leva ao livro! E, como dizem os poetas (os slammers, os grafiteiros, os rappers), O LIVRO LIVRA!
A potência do SLAM para a leitura e para a produção textual (especialmente literária nos dois casos) é tão consensual, entre educadores, que consta da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), publicada em 2018. A BNCC é o documento normativo mais importante do país para orientação das redes de ensino, pública e privada.
A BNCC faz menção direta ao SLAM desde os Anos Iniciais, em “Práticas de Linguagem”, como uma das possibilidades de “produção textual” e de realização de “evento” (EF67LP12).
No Ensino Médio, “em relação à literatura, a leitura do texto literário, que ocupa o centro do trabalho no Ensino Fundamental, deve permanecer nuclear também no Ensino Médio”; leia-se SLAM também (como leitura e, também, escrita).
SLAM EDUCA
Essa mesma experiência de SLAM nas escolas, que se difundiu pelo país, vem (vinha) sendo desenvolvida pelo SLAM EDUCA na Grande Florianópolis, desde o segundo semestre deste ano (2024), por estudantes vinculados ao PET (Programa de Educação Tutorial), da Universidade Federal de Santa Catarina.
A proposta de trabalho do SLAM EDUCA, segundo o site do PET, é desenvolver-se em três etapas:
1.a) Oficina de Poesia Falada nas escolas;
2.a) (Após um mês da primeira) Competição de SLAM entre os estudantes de cada unidade;
3.a) Realização de SLAM Interescolar entre os finalistas da etapa anterior, que, além da disputa pelo título, têm seus textos publicados em antologia.
Segundo representantes do SLAM EDUCA, a final do Interescolar será em 06/12/24, somente os estudantes das escolas estaduais não participarão – seis unidades ao todo.
RESPOSTAS
As lacunas do Ofício n.° 2.502, da Coordenadoria Regional de Educação de Florianópolis, suscitam preenchimento. Seriam as temáticas dos estudantes (machismo, racismo, desigualdade social, gênero, etc.)?
Seria um preconceito contra a literatura periférica? Em vez de se fazer mais especulações aqui, é preferível cobrar explicações.
Que tal uma resposta oficial da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catariana, para começar um debate sério de verdade e, sobretudo, uma resolução em prol dos estudantes da rede estadual daquele estado?
Até o fechamento deste artigo, em 22/11/24, apesar de várias tentativas de contato telefônico, não consegui falar com alguém responsável da Secretaria de Estado da Educação para obter explicações.
Não encontrando notícias sobre a proibição do SLAM em Santa Catarina, dialoguei com algumas (alguns) jornalistas de meios de comunicação do estado: o assunto era ignorado por todas (os) com quem falei. Profissionais do Agora Floripa e do NDMais se interessaram pela pauta, informando-me que iriam apurar os fatos.
Fábio Roberto Ferreira Barreto, é mestre em literatura pela USP, é professor da rede municipal de Ensino em São Paulo – SP.