Opinião

A importância dos serviços de saúde voltados para população preta

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Para quem já conhece um pouco da história, sabe que o plano de extermínio contra a população afrodescendente se renova nos Estados Unidos e aqui no Brasil não é diferente.

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Foto: Anderson Costa

Esses dias me deparei pensando: Eu saio de casa para acompanhar minha mãe ao médico, mas não tenho coragem de sair para cuidar da minha própria saúde. Só de pensar em pegar transporte público, ficar presa em longas filas de espera me causa ansiedade devido o contágio da Covid-19.

Minha mãe e eu fazemos exames de rotina uma vez ao ano para a prevenção de doenças. Já o maridão morre de medo e preguiça de ir ao médico. Quando ele fica doente ele consulta o doctor Google e fica paranoico com as coisas que lê, convicto que é o fim. Escrevi essa última frase rindo, mas na hora é tenso lidar com homem doente.

Eu sei que Jordan não é o único. De fato, homens vão menos ao médico por vergonha ou medo de serem vistos como fracos. Eles não têm iniciativa própria, só vão acompanhados e só procuram ajuda médica quando o sintoma já está bem avançado.

Uma pesquisadora da Universidade de Connecticut diz que os homens são socialmente educados para serem fortes e independentes. Ela diz que: “No caso dos homens, essas crenças contribuem para a ideia de que, para ser um ‘bom homem’, é preciso ser duro, corajoso e absolutamente auto suficiente. O problema dessas crenças é que criam barreiras para pedir ajuda, mesmo em face de doenças e lesões.”

Quando se trata do homem preto, ou melhor, da população preta, é impossível não levar em consideração o racismo institucional, já que a maioria dos médicos são brancos carregados de preconceitos e influências de teorias racialistas.

Falando dos brasileiros em modo geral, o que vemos atualmente, são pessoas indo cada vez menos ao médico ou deixando de fazer alguma consulta ou tratamento médico em função da covid-19 desde março de 2020, como aponta levantamento da empresa de pesquisas Demanda.

As crianças também se encontram vulneráveis pelos mesmos motivos. A farmacêutica GSK realizou recentemente uma pesquisa baseada em dados coletados em 8 países, ouvindo ao todo 4,9 mil responsáveis. Metade dos genitores entrevistados disseram que durante a pandemia, adiaram ou não compareceram na data prevista para aplicar a imunização contra a doença meningocócica, mesmo 94% considerando a vacina contra a meningite algo importante.

A Meningite é uma doença grave e rápida, uma infecção que se instala quando uma bactéria ou vírus, consegue vencer as defesas do organismo e ataca as meninges, três membranas que envolvem e protegem o encéfalo, a medula espinhal e outras partes do sistema nervoso central.

A doença pode deixar sequelas como surdez, dificuldade de aprendizagem, crises de epilepsia e comprometimento cerebral. 

Foi assim que a minha mãe Marilene perdeu a audição aos 10 anos.  

O ano em que ela adoeceu bate certinho com a terrível epidemia de meningite que teve início em meados de 1971 no distrito de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, em plena ditadura militar. A doença se alastrou para outros estados devido a censura por parte dos militares e perdurou por anos levando a óbito milhares de brasileiros, em sua maioria pobres e negros. Até junho de 1977, ainda eram registradas altas incidências de morte.

O país já teve três surtos de meningite e minha mãe é sem dúvidas uma sobrevivente da pior epidemia na história do Brasil e hoje aos 61 anos ela aguarda a vacina contra a covid-19, porém, com um certo receio, desconfiando se a própria vacina aos invés de imunizar irá causar algum tipo de sequela por ter sido fabricada às pressas e provavelmente não foi amplamente testada. Além da possibilidade de aplicarem vacinas fora do uso de validade.

Esse é o dilema de muitos afro americanos nos Estados Unidos, que desconfiam de qualquer vacina devido ao contexto histórico racial.

Com o advento da escravidão, muitas pessoas pretas foram forçadas e usadas como cobaias para experimentos médicos. Os testes continuaram mesmo após a abolição. Como aconteceu com o caso Tuskegee no estado de Alabama entre 1932 e 1972. Um experimento cruel realizado pelo Serviço Público de Saúde dos EUA.

Foram usados como cobaias 600 homens cujo 399 portadores de Sífilis (doença sexualmente transmissível) e 201 saudáveis. Enganados de que tinham o “sangue ruim”, não tiveram informações sobre seu diagnóstico e não deram seu consentimento em participar do terrível experimento. No final do suposto “tratamento”, apenas 74 pacientes sobreviveram, 40 das esposas das cobaias haviam sido infectadas e 19 de seus bebês haviam nascido com sífilis. O objetivo do Instituto Tuskegee através deste estudo, era observar a evolução da doença, porém, livre de tratamento.

Para quem já conhece um pouco da história, sabe que o plano de extermínio contra a população afrodescendente se renova nos Estados Unidos e aqui no Brasil não é diferente.

Se uma mulher preta tem mioma, logo querem arrancar seu útero fora. A introdução da esterilização como forma de contracepção no Brasil ocorre a partir dos anos 1960 e 1970, expandindo-se fortemente nas duas décadas seguintes e hoje é defendida pelo atual presidente da República.

Políticas como está é direcionada às populações em vulnerabilidade social, majoritariamente negros e indígenas.

Hoje temos médicos especializados desenvolvendo pesquisas com um olhar humanizado voltado para a saúde do povo preto, como o Dr. Fleury Johnson, originário do Togo, hoje reside no Rio de Janeiro e atua no SUS como clínico geral.

Sugiro que conheçam também o Afro Saúde, um startup que desenvolve soluções tecnológicas em serviços de saúde para a comunidade negra.

Cuide dos seus mais velhos, dê uma atenção especial à sua mãe e sua família, mas não deixe de cuidar de si. 

Filme completo legendado sobre o caso Tuskegee – (Miss Evers’ Boys)

Lena Silva, do grupo UmSoh, lançou o single ‘Solidão Mãe’ que conta a história de sua mãe, Dona Marilene, que nasceu e cresceu na cidade de Jequié na Bahia. Com 10 anos de idade ela pegou meningite e perdeu a audição. Ela veio para São Paulo trabalhar como empregada, e passou por diversas violências no serviço. Mesmo não ouvindo e passando muito tempo sozinha ela faz de tudo para curtir a vida e manter a positividade. Este clipe conta sobre a realidade da mãe da Lena e também de muitas outras mulheres nordestinas.

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