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Terapeutas da quebrada transformam plataformas de reunião em consultórios

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Uma motivação política levou a criação do coletivo PerifAnálise, formado por mulheres da quebrada que atendem moradores das periferias que desenvolveram problemas de saúde mental durante a pandemia de covid-19.

Time de psicanalista do coletivo PerifAnalise creditos Adalberto Bussola

 Você já parou para pensar na importância de obter autoconhecimento para cuidar da saúde mental? Você acha que esse é um papo furado ou coisa de gente fresca que não sabe como gastar dinheiro e acaba investindo em consultas para falar dos problemas do cotidiano para pessoas desconhecidas que nem conhecem as suas reais necessidades físicas e mentais?

As perguntas acima fazem parte da cultura de muitas pessoas moradoras das periferias e favelas que não conhecem ou não tem acesso ao serviço de um psicólogo ou psicanalista.

Ao entender que a pandemia iria gerar um grande passo para trás, devido ao encerramento de diversas políticas públicas que garantiram acesso a direitos sociais importantes para a população pobre brasileira, um grupo de moradoras das periferias, formado por psicólogas começou a refletir sobre os efeitos do ‘bolsonarismo’ e o modo do presidente Jair Bolsonaro enfrentar o coronavírus.

“A periferia é a que mais sofreria com a ascensão do bolsonarismo, é nesse momento que a gente começa estudar psicanálise”, afirma Paula Jameli, psicóloga clínica que atua no PerifAnalise, coletivo de profissionais que oferecem atendimento terapêutico a moradores das periferias.

O PerifAnalise foi fundado em agosto de 2018, com o objetivo de cuidar do bem estar mental do moradores da periferia e democratizar a psicanálise. “A gente começou a construir a possibilidade de ter um dispositivo clínico, que pudesse estar próximo da periferia, já que a psicanálise é sempre tão centralizada, sempre tão distante da periferia, e que muitas vezes acaba acontecendo de uma forma nem tanto democrática, então no primeiro momento a gente pensa em construir um dispositivo clínico que a periferia pudesse acessar”, acrescenta Jameli.

Mesmo com uma ideia boa para ser colocada em prática, a chegada da pandemia impediu imediatamente os atendimentos presenciais, assim o grupo passa imigrar o contato com os pacientes para o ambiente online, outro desafio a ser enfrentado nesse momento turbulento de luta pela vida.

Ao firmar o compromisso de fazer atendimentos online, a psicóloga clinica afirma que o coletivo ganhou bastante visibilidade no Instagram, uma plataforma que atraiu muitas pessoas interessadas em conhecer mais sobre o PerifAnálise, fato que resultou inclusive no crescimento do projeto e geração de novas oportunidades.

Essa transformação no atendimento ao público exigiu do PerifAnalise uma adaptação ao cenário da escassez de recursos digitais que os moradores da periferia têm em plena era da quarta revolução industrial, puxada principalmente pelas novas tecnologias.

“Estou atendendo uma analisante que mora na periferia e desde o início ela me disse: ‘olha minha internet não tem um bom sinal’ e desde então, a gente faz análise por chamada de voz, e a gente vai pensando em outras possibilidades que a tecnologia permita”, relata Jameli.

Segundo a psicóloga, analisante é a pessoa que recebe o atendimento terapêutico e está na condição se passar por um processo de acompanhamento das suas necessidades de cuidado com a saúde mental.

Ela reforça que existe uma diferença entre o serviço de internet disponível no centro da cidade e na periferia. “O que é uma internet da periferia em comparação para uma região mais central? Tem isso, a gente foi percebendo ao longo do tempo é percebe até hoje”, aponta Jameli.

Com o atendimento reduzido a chamada de voz, ou seja, sem ver a expressão facial do paciente, Jameli relata a importância do áudio e da escuta ativa da voz para acessar o subconsciente dos seus pacientes. “Uma presença por chamada de voz, ainda que não se possa ver a imagem um do outro é um elemento muito importante, porque a voz pra psicanálise vai dizer muito do aspecto inconsciente também”, explica.

Atenta ao diálogo com Jameli, a colega de profissão Emília da Silva, 30, moradora da Cidade Tiradentes ressalta que o atendimento online não é algo presente no cotidiano dos estudantes universitários

“Essa questão do online nunca foi muito abordada pelo menos na minha faculdade, eu sabia que existia, mas pouquíssimas pessoas faziam, já tinha ouvido ou lido algo sobre fora do Brasil, mas aqui no Brasil não”, conta ela, afirmando que já iniciei sua atuação profissional com o atendimento no ambiente digital.

Emília da Silva

A psicóloga Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, Vê problema na questão da grade pedagógica e enfatiza que falta uma disciplina e estudos voltados para o atendimento online nas universidades.

As ferramentas tecnológicas utilizadas por Emilia para realizar o atendimento são aplicativos que os analisantes já estão familiarizados no seu cotidiano. “Eu costumo atender mais pelo Whatsapp, pensando muito na memória do celular, e se for por alguma outra plataforma, como Google Meet ou Skype, vai da demanda do analisante, eu espero ele colocar essa procura pela facilidade”, descreve.

Ao trazer essa questão da flexibilidade de escolha de aplicativos para o atendimento, ela faz uma podenração sobre o uso do whatsapp e a memória dos smartphones dos analisantes. “O whatsapp chega até ser impessoal em alguns momentos, mas eu espero da pessoa né, muitas pessoas não têm capacidade de baixar vários aplicativos e tem essa questão da memória do celular”, argumenta.

 “Eu acho que o online é mais uma possibilidade”

Rosimeire Bussola é moradora de São Mateus e integrante do PerifAnálise. Para ela, a experiência com atendimento online é atribuindo a uma nova maneira de se fazer psicanálise e tornar-la mais acessível para o morador da quebrada.

“A gente vê que existe uma infinidade de outras possibilidades, eu acho que o online é mais uma possibilidade, tem muita gente já estudando, debatendo e conversando sobre essa ferramenta que gente chegou para ficar, e a gente consegue ver efeitos interessantes, tanto nos efeitos da clínica convencional, quanto em relação à estrutura física”, analisa.

Rosimeire Bussola

Bussola entende a criação desse espaço online como uma ação emergencial, para que pessoas tenham um lugar para falar das suas dores. “Quando a gente se disponibilizou em ouvir as pessoas elas vieram e com a pandemia, além da gente inventar formas de poder atendê-las, essas pessoas também se reinventaram”, explica.

A visão solidária do morador da periferia, que busca de alguma forma ajudar o próximo a superar determinado problema é algo presente em uma das experiências de atendimentos online realizado por Rosimeire.

Pude perceber o quanto as pessoas davam importância para esse espaço de escuta, tive experiência de pegarem celulares emprestados pra poder sustentar a presença os atendimentos, e ouvi coisas do tipo: olha eu moro aqui na favela, então é muito barulho, vou precisar encontrar outro lugar”, confidencia a psicóloga, afirmando que esse relato aponta para as condições da vulnerabilidade social do indivíduo, mas aponta também para uma busca de solução para continuar contando suas questões no espaço terapêutico online.

Uma das coisas que torna os valores acessíveis no coletivo é a flexibilidade de preços na sessão, onde é adequado para cada morador, de acordo com suas condições econômicas no momento de buscar a terapia. “Isso que a gente faz de combinar com cada pessoa, com cada analisante de que ela possa pagar aquilo que ela consegue no momento”, diz Rosimeire, abordando que através desse questionamento ela busca durante as sessões trazer uma maior consciência sobre o valor do dinheiro. “Ao longo do acompanhamento das sessões, a própria pessoas vê quanto quer e quanto vai pagar inclusive isso acaba sendo o acompanhamento da própria análise, qual é a função do dinheiro para vida de cada pessoa”, acrescenta.

 “Atendemos pessoas na laje, banheiro, praça, já atendi também na frente do ponto de ônibus”

Psicologo Douglas do canto baoba creditos Katia Lopes

Outro projeto que se propôs a oferecer um espaço de cuidado para a saúde mental da população preta e periférica é o Canto Baobá, iniciativa que oferece terapia com ênfase em questões raciais, gênero e orientação sexual. A clinica tem como um dos idealizadores o psicólogo Douglas Felix, 36, antes da pandemia e hoje também utiliza o ambiente online para atender os analisantes.

“A gente foi ser perguntando quem era essas pessoas que estavam na clinica de psicologia e como esses psicólogos estavam recebendo mesmo, quando a gente começou a construir o projeto, nossa ideia sempre foi atender essa população periférica, porque a gente lembrou muito da nossa história”, relembra Felix, abordando como os motivos para criar a empresa.

Para o psicólogo que saiu do Parque Santo Antonio, na zona sul de São Paulo e foi morar na Bela Vista, região central, as sessões de terapia ficaram mais intensas nesse novo formato online. “Eu vejo que as sessões ficaram muito mais profundas, porque agora eles conseguem mostrar pra gente de uma forma mais concreta o que eles querem dizer, ou o que eles querem dizer”, analisa Felix.

Douglas entende o cenário no qual estamos vivendo torna a terapia um serviço essencial pra cuidar da saúde mental da população. “Essa pandemia fez a gente repensar novas formas de construir e ser psicólogo, de chegar a outros espaços, de levar a psicologia de uma forma diferente, ou até mesmo tirar esse estereótipo, essa forma que psicologia é só pra quem precisa, a gente vai vendo que a saúde mental tinha que ser muito mais trabalhada nas políticas públicas, pelos nossos governantes”, opina.

Um dos argumentos do psicólogo para tornar a terapia uma serviço essencial ou uma política pública é a questão dos fatores sociais que causam as doenças invisíveis que atingem principalmente os moradores das periferias.

“Quando você pensa em uma doença quem vai somatizando no corpo, o quanto tem a haver com a história dessa pessoa, principalmente em pessoas periféricas né, ela não tem a escolha de fazer um home office, ela tem que ir lá fazer o trampo dela, então ela tem que ser colocar em risco, a gente vai pensando o quanto de outras violências estruturais foram acontecendo com essa pessoa”, reflete o psicólogo.

Psicologa Ana Alburquerque do canto baoba creditos Juliana Ribeiro

A psicóloga Ana Albuquerque, 29, também idealizadora da clinica e sócia de Felix na construção do Canto Baobá, conta que os atendimentos tem circulado em torno de temas e debates focado em desigualdades sociais. “A gente tem trabalhado falando muito do social e tentando aliviar culpas singulares que vão sendo internalizadas, o que é só mais uma estratégia das violências e opressões também”, explica.

De olho na mobilidade que as plataformas digitais oferecem, a psicóloga revela que tem realizado atendimentos nos locais mais diversos. “Atendemos as pessoas na laje, banheiro, praças, e já atendi também na frente do ponto de ônibus, onde dava pra encontrar ali um espaço, a gente foi tentando ter a criatividade e trazer essa pessoa, então vamos continuar pensando e criando o que dá para fazer”, conta Albuquerque.

Ela também morava na periferia, mais precisamente na Freguesia do Ó, região noroeste de São Paulo. A psicóloga revela mais uma vez são as desigualdades sociais são temas recorrentes nos atendimentos realizados por ela. “Muito da ansiedade vem de uma angústia, do eu não posso ficar em casa, eu vou pegar transporte, eu vou chegar do trabalho, eu vou faltar, eu moro com toda minha família, não tenho tantos cômodos aqui, é a ansiedade é despertada a partir do eu posso passar todo dia, posso transgredir todo dia, e a gente tem trabalhado muito isso, e a gente tem trabalhado muito para que essa culpabilização não seja singular”,

A psicóloga finaliza a entrevista falando do quão importante é se adaptar às condições de cada pessoa, pensando no acesso a internet, para ela ter acesso ao cuidado com a sua saúde mental. “Nem todo mundo tem um lugar pra fazer terapia com privacidade e a gente precisa pensar também como a internet não chega a todos os lugares?”, questiona ela, esclarecendo que fazer uma triagem dos analisante é o ponto de partida para gerar uma inclusão social. “Hoje a gente pensa em um caminho de triagem, de entender a realidade de cada pessoa, e o fechamento do valor é individual, de acordo com cada realidade, cada história e com cada pessoa”, conclui.

1 de abril nunca foi mentira

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Não precisamos esquecer a tristeza, mas lembrar quem nos deixa assim.

Jardim Piracuama, Campo Limpo, zona sul, SP/20 – Foto: @Dicampanafotocoletivo

Eu gosto muito de escrever, pois, a escrita materializa o pensamento, e a história que se faz diariamente. Milhões de relatos não vão para os livros de história, perspectivas variadas e múltiplas não conseguem ser todas apreendidas pelos pesquisadores. Em grande parte a narrativa de quem tem o poder é que conta, estratégia que levou para os livros de história que alfabetizam a população, uma versão corrigida da vida de milhares de pessoas em um determinado tempo da história. Assim se constroem os reis, heróis, vencidos e perdedores.

De tempos em tempos, revelações são feitas como que desfazendo manipulações que levaram milhares de pessoas a acreditar em determinado fato e condenar outro. Estamos exatamente nesse turbilhão de confusões. Políticos acusados se tornam inocentes e inocentes réus.

Em Outubro de 2018, ocorreu a oitava eleição presidencial, após a promulgação da constituição federal de 1988. Após o golpe de 2016 contra a primeira presidenta eleita no Brasil Dilma Rousseff, o Brasil se vê em um momento de desesperança política e no calor da inquisição de todos os políticos corruptos do Brasil, fez dessa eleição o ato de maior retrocesso político.

Nosso Napoleão, sem partido, se fez presente nas páginas históricas da democracia tupiniquim, com promessas contundentes e práticas abomináveis. Nesse ponto da história, nosso Napoleão surge da queima suposta da corrupção, não queria conquistar outros territórios, muito pelo contrário, pelo que temos acompanhado.

Nesses dois anos vivemos as ações históricas mais sombrias, trajetória de tempos nefastos da direita, reviver o obscurantismo, onde Deus e o dinheiro estavam acima da ciência e da vida. Nosso Napoleão não acredita na ciência, na história, nem mesmo na política. A história brasileira já se apresentou como tragédia em 1968 e agora como uma farsa democrática. De 2018 a 2021, o fantasma do golpe militar assombra nossos dias e tantos trabalhadores comuns envolvidos pela férrea máscara mortuária do nosso Napoleão.

” (…) Todo um povo que pensava ter comunicado a si próprio um forte impulso para diante, por meio da revolução, se encontra de repente transladado a uma época morta, e para que não se possa haver sombra de dúvida quanto ao retrocesso, surgem novamente as velhas datas, os velhos nomes, os velhos éditos que já se haviam tornado assunto de erudição de antiquário (…).” 

18 Brumário de Karl Marx

Temos nossas particularidades, mas uma em comum. Nós fazemos nossa história, mas não como queremos, pois, a escolher lados da história no Brasil é um processo obscuro, temos olhado para as sombras políticas da vidas projetadas na caverna, recriam dessas sombras o mesmo mal com outra roupa.

Grande parte do Brasil sabia que esse Napoleão não traria nada de novo, pois fora da caverna estava mais que óbvias suas intenções. Mas um país que não investe em conhecimento não tira seu povo da caverna, poucos relutam na tentativa de uma descolonialidade da escola e na busca de um real avanço democrático. A internet, nossa caverna moderna, cheia de fakes de vida e ideias, foi a principal ferramenta para eleição de nosso algoz.

Talvez o povo quisesse de fato que o fim da corrupção ocorresse com as roupas da inquisição, mas a burguesia brasileira que se colocou de forma ambígua, como sempre, na defesa dessa inquisição, sabia estar metade atolada nessa negociata de direitos que se tornou a política brasileira. Bem se vê no desmonte dos direitos trabalhistas para exploração regulamentada da força de trabalho.

Como em uma receita belicosa nosso povo se vê cheios de impostos que esmagam a classe trabalhadora e tomados por discursos religiosos que vêm de toda parte em uma catequização massiva e doentia, enfraquecendo nossa luta em todo território, tomando nossas lideranças por meros pastores de ovelhas de um sistema envelhecido contaminado pelo neoliberalismo metamorfo do negacionismo.

Assim como em tempos remotos da história do capitalismo, a burguesia brasileira torna nossas lutas em mercadorias e as mercadorias em lutas maiores. A história sempre se repete de forma diferente em cada momento, em cada contexto, mas sob o manto do capitalismo sempre como exploração. Em nosso território, a exploração da terra e do povo foi o ventre de seu nascimento, suas raízes mais perversas alimentadas pelo capitalismo e sua cara maquiada pela cultura parecem sempre familiares de mais, que mal conhecemos de onde vem o açoite, por mais perverso que se apresente.

A burguesia tomou as frentes de luta, tudo se tornou uma luta socialista, transpor rio, beneficiar banqueiros, construir avenidas para carros, construir transportes com o couro dos trabalhadores, comercializar direitos, vender a educação como um estilo de vida.

Como descrito nos livros da história burguesa, eles sabem que toda a informação, tecnologia, educação, os movimentos sociais, a cultura popular, são armas utilizadas por eles para suas conquistas com dois gumes, que tudo que criaram para sua permanência e controle ameaçam também sua existência. Como dizia Marx, as liberdades burguesas ameaçam o seu domínio de classe, por isso nesse momento endurecem suas rédeas contra a classe trabalhadora.

No disfarce de que a vida boa é uma dádiva de Deus ou da meritocracia, assistimos pessoas morrem de fome e de outros males em decorrência da fome, subnutrição, desnutrição, se morre de COVID-19 e mais todas outras doenças do mundo que ainda não tem cura. Nossa hipertensão, nossa, diabetes, nossa retenção de líquidos, herdados das correntes da escravidão se tornam mais um ponto fraco para nossa morte, como se a COVID-19 tivesse saido da cabeça um homem branco.

O ódio das pessoas pelos valores das lutas revolucionárias são fortes, mas estão sendo vendidos pela propaganda, qualquer antagonismo entre o mercado e os valores sociais, direitos a diversidade racial e de gênero, os direitos humanos e o socialismo estão na mídia que vende de forma escancarada por meio da indústria da beleza que movimentou 166,8 bilhões em 2019, por exemplo, de outros mercados, e continua crescendo mesmo com a pandemia varrendo o país. Os capitalistas não se importam que o povo morra, com tanto que eles enriqueçam, mais e mais.

Gosto de comparar a história, olhar para o passado e ver traços dela, no presente, o mais importante desse processo é pensar sobre o que está acontecendo, seus motivos, seus impactos futuros e minha responsabilidade mesmo que pequena em todo esse processo. Nunca foi tão importante que cada um de nós se sinta sujeito da história. Não podemos ficar em casa porque o governo não tem se comprometido em manter um auxílio, pois não trabalhar significa impacto no bolso da burguesia.

O povo elegeu esse presidente, nosso Napoleão, acreditando na possibilidade do fim da corrupção e a burguesia em seu enriquecimento absoluto sem restrições, podemos ver hoje com 2 anos de supressão de nossos direitos, quem está sendo atendido.

O baixo investimento em educação e atualização tecnológica, desemprego, violência, escassez de moradias, precarização do SUS, falta de medidas contra a fome. A grande chave deste sistema de exploração, a desigualdade social, segundo o relatório da ONU, de 2019, no Brasil 1% da população concentra 28,3% da renda total do país.

Nenhum desses problemas foram realmente enfrentados por esse governo com vias a extinguir os reais problemas brasileiros, mas com sua capacidade tola e irresponsável ele conseguiu nos trazer adversidades que nem imaginamos que viveríamos.

Eu sou uma mulher periférica e me sinto ameaçada pelo Chefe de Estado do meu país, coisa mais séria que nunca vivi. Que a gente nunca esqueça e saiba nas sombras reconhecer o cheiro da carniça política que alguns trazem, a mídia popular e autônoma tem ajudado muito nesse momento, pensar o hoje para entender o amanhã.

Não precisamos esquecer a tristeza, mas lembrar quem nos deixa assim.

O boom das adoções e o abandono de pets na pandemia

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Você deve estar se perguntando o que você tem a ver com isso, mas se por acaso te passou pela mente adotar ou abandonar um amiguinho quatro patas, por favor leia esse texto até o final.

Lena e Jordan com Jersey e Jequié. Foto: arquivo pessoal

Adotamos dois cachorros na pandemia e não foi por solidão, nem depressão como acontece na maioria dos casos. Ano passado o Beat, nosso vira-lata de estimação morreu e deixou um vazio enorme, principalmente para minha mãe que é deficiente auditiva. O cachorro não era só um pet, ele lhe servia de ouvidos quando nós não estávamos em casa.

Dois meses depois da perda do Beat sentimos a necessidade de adotar um filhote. Procuramos nos grupos de adoção no Facebook, uma ferramenta que por sinal funciona muito bem! A todo momento, fotos e depoimentos eram postados por pessoas de todo lugar do estado. Demorou para encontrarmos o dog pretinho como queríamos, até que apareceu no feed a foto do Jersey. Foi amor à primeira vista.

Bom, você deve estar se perguntando o que você tem a ver com isso, mas se por acaso te passou pela mente adotar ou abandonar um amiguinho quatro patas, por favor leia esse texto até o final.

Com o início da pandemia houve uma explosão de adoção de pets e o principal motivo foi a carência das pessoas em busca de companhia durante a solidão do isolamento social.

A ONG União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), que fica na Zona Norte em São Paulo, registrou um crescimento de 400% na procura por cães e gatos. Muitas pessoas, infelizmente, não levam em consideração que um pet é para sempre. Eis a problemática que temos que lidar: o aumento repentino de abandono de cães. Pessoas têm usado a pandemia como desculpa para se desfazer de seus pets.

Segundo um levantamento da Ampara Animal, houve um aumento de 70% de cães, gatos, entre outros bichos domésticos abandonados no Brasil . A falta de instruções e de conhecimento dos tutores sobre o comportamento natural dos animais, os cuidados e gastos que requerem é um dos motivos de abandono e de maus-tratos.

Uma pesquisa realizada em 2019 pelo Instituto Pet Brasil aponta que a população de cães e gatos alojados em organizações não governamentais (ONGs) e instituições é de cerca de 172 mil. 96% desses animais são cães e os outros 4% são gatos.

Fora desse quadro, existem quase 3,9 milhões de animais em condições de vulnerabilidade, aqueles que vivem sob cuidados de famílias abaixo da linha de pobreza ou que vivem nas ruas. O Sudeste é a região com a maior parte dos animais nessa situação, com mais de 78 mil.

Com tantos casos e mortes de pessoas vítimas do covid-19, fica mesmo difícil prestar atenção nos vira-latas, mas se observarmos bem, o abandono de animais nas ruas ou a procriação descontrolada, pode levar a problemas de Saúde Pública, como acidentes por mordeduras, atropelamentos, sarnas e infestação por pulgas e carrapatos até doenças mais graves, como a cinomose, raiva, leishmaniose, parvovirose e leptospirose, principalmente por serem animais que não estão vacinados, o que de consequência, aumenta a transmissão de doenças em seres humanos.

Além de ser cruel, é uma questão de saúde pública que necessita do envolvimento de todos os cidadãos e de promulgação de leis mais específicas, visando o controle de prevenção de zoonoses, a conscientização, a educação em guarda responsável e o bem-estar animal.

A presença de animais em situação de rua tem relação direta com o aumento da aquisição ou adoção por impulso e o posterior abandono desses animais.

E foi assim que, a menos de um mês, encontramos um filhote lindo, sozinho na frente da estação Capão Redondo. Uma fêmea pretinha igual a Jersey. Os comerciantes disseram que ela estava lá há três dias. A levamos para casa pensando em colocá-la em adoção, mas decidimos ficar com ela. Agora temos um novo membro na família, Jequié, em homenagem à cidade onde eu, Lena, nasci. Como o Jersey, que foi batizado com o nome do estado onde o BiXop nasceu. 

II Festejo Raízes do Riso exalta a comicidade negra e saberes indígenas com programação virtual

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Apresentações de teatro, circo, shows e oficinas fazem parte da programação do festival que reúne diversos artistas periféricos. 

Foto: Fernando Solidade

Entre os dias 05 e 11 de abril, o espaço formativo Terreiros do Riso organiza a segunda edição do festival “Festejo: Raízes do Riso”. Com mais de 70 convidados distribuídos em mais de 20 atividades gratuitas e virtuais, o evento traz como temática principal a comédia preta e saberes indígenas.

As atividades do festival incluem rodas de conversa, exibição de documentário, brincadeiras tradicionais, espetáculos, shows de circo, teatro, música e elas serão transmitidas pela página do Facebook e canal do Youtube do Terreiros do Riso. Além disso, há quatro oficinas que serão realizadas com turmas fechadas pela plataforma de reuniões Zoom.

O Festejo traz a memória e a força dos saberes tradicionais para fortalecimento do riso e da alegria como orientadores da luta, resistência, denúncia e celebração negra no Brasil. Por isso, o festival contempla uma variedade de formatos de atividades que celebram o lado cômico, como as apresentações de palhaços e artistas do riso. 

Quando percebemos alegria como um fundamento ético, presente na sabedoria afro-diaspórica e indígena, estamos falando de cura. Não a cura como a ciência ocidental fomenta, mas sim uma sabedoria ancestral, uma cura que sustenta e firma nossa alma.

Vanessa Rosa, idealizadora e produtora do Festejo

O “burburinho de abertura” será conduzido por Vanessa Rosa, no dia 04 de abril. Às 19h no dia 05, serão realizadas duas apresentações, uma com o babalorixá Rodney William com o tema “Exu é Alegria” e a outra com o professor Muniz Sodré, sobre o tema “Alegria é regência”. O grupo Pastoras do Rosário faz o show que encerra o primeiro dia do festival, às 20h.

O II Festejo Raízes do Riso é organizado pelo espaço Terreiros do Riso, que atua na região do Grajaú e Cidade Dutra, zona sul da cidade de São Paulo. O espaço promove experimentações no campo da alegria como fundamento ético, do riso e das comicidades afro-diaspóricas, afro-indígenas e dos saberes da periferia.

Serviço 

II Festejo: Raízes do Riso
De 05 a 11 de abril
Online via Facebook, Youtube e Instagram do Terreiros do Riso
Classificação indicativa: livre

Programação 

04 de abril
16h – Burburinho de abertura com Vanessa Rosa

05 de abril
19h – “Exu é alegria” – com babalorixá Rodney Willians
19h – “Alegria é regência” – com Muniz Sodré
20h – Show de Pastoras do Rosário

06 de abril
15h – Espetáculo “Aulas: Caminho” – com Fabio Soares da Silva
18h – Espetáculo “Apresentação Boizinho da aldeia”
19h às 21h – Oficina 1: Mateus: O Dono do Terreiro
Com: Mestre Martelo e mediação de Cibele Mateus (Ao vivo pelo Zoom. Necessário se inscrever por este formulário)

07 de abril
10h – Oficina “Educação, Cultura, Vida e Rezos: o brincar na cultura Guarani Mbyá” – com educadores do Centro de Educação e Cultura Indígena Tenondé Porã
15h – Gira de Conversas “Capoeira de Angola: Gingas, jogos e brincadeiras” – com Mestre Zelão
20h – Show de Coral Amba Vera

08 de abril
09h às 12h – Oficina “Pororoca do Riso” – com Coletivo Catappum (Ao vivo pelo Zoom. Necessário se inscrever por este formulário)
13h – “Circo Guarany: Uma viagem no tempo” com exibição do documentário: “Minha avó era palhaço” e Gira de Conversa com Família Xamego
19h – Espetáculo “Quizumba” – com Rainhas do Radiador
20h – Espetáculo “Catappum!” – com Cia Catappum

09 de abril
09h às 12h – Oficina ” Peças, Danças de Guerreiro e Jogo de Espada” – com Mestra Yara e Maria Fabrisleny (Ao vivo pelo Zoom. Necessário se inscrever por este formulário)
15h – Embolada de Terreiro I – com Terreiros do Riso e convidades
19h – Gira de Conversas “Festejos e Performances na Diáspora Negra” – com Saloma Salomão, Nirele Nepomuceno e mediação de Cibele Mateus

10 de abril
09h às 12h – Oficina “Devolve meu quadril: relações entre quadril, comicidade e desobediência” – com Deise de Brito (Ao vivo pelo Zoom. Necessário se inscrever por este formulário)
15h – Gira de Conversas “Matriarcado, Territórios e Ancestralidade” – com Bartira Menezes, Cristiane Rosa, Yakuy Tupinambá, Dona Didi e mediação de Vanessa Rosa.
18h – Encantaria “Mulheres Negras na Função” – com Carolina Ferreira, Lilyan Telles, Luz Cabocla, Mafá Santos e Raquel Franco.
20h – Show “Bambaê e Cacuriá” com Família Menezes

11 de abril – Cantos de Encerramento
10h – Show de Jongo do Tamandaré
14h – Espetáculo “Auto do Negrinho” – com Terreiro Encantado
16h – Embolada de Terreiro II – com Terreiro do Riso e convidades
20h – Shows de Gê de Lima “Samba e Diversidade”, com participações especiais de Mestra Aurinda do Prado e Danna Lisboa. 

Educação: a arma poderosa contra as violências

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Tudo passa pela educação, cada parte da sociedade acaba refletindo nela assim como ela reflete a sociedade, é uma troca constante, não existe escola, por exemplo, sem comunidade. Pensar educação é pensar que passei por ela, alguém facilitou meu conhecimento para que hoje eu conseguisse escrever esse breve texto.

Greve da educação em 2019. Foto: João Victor Santos (@joaovictorsantosh)

Quando falamos de educação, o que vem à sua cabeça? Talvez uma sala de aula com muitos alunos, uma escola rígida ou até mesmo algumas memórias de sua época de estudante… mas a educação apesar de ser de fato um facilitador da aprendizagem e estar inserida no ambiente escolar, engloba muito mais que isso.

Tudo passa pela educação, cada parte da sociedade acaba refletindo nela assim como ela reflete a sociedade, é uma troca constante, não existe escola, por exemplo, sem comunidade. Pensar educação é pensar que passei por ela, alguém facilitou meu conhecimento para que hoje eu conseguisse escrever esse breve texto.

Então como ela poderia estar isolada somente a repassar os conhecimentos sobre alguma área? Afinal, já que temos na sala de aula alunos que irão socializar ali e que também convivem em sociedade, assim como professores e os demais funcionários, e isso se repete em faculdades, cursos etc. Ela pode ser uma arma poderosa para nos libertar ou simplesmente pode nos aprisionar mais ainda.

Aprendemos que a violência se inicia no ato, mas isso é mentira. Uma violência se inicia muito antes e muitas vezes é um ato “repassado”, sabe quando vemos crianças repetindo o que os adultos fazem? Esse seria o modo mais simples de explicar como uma educação violenta ou repassada com essa linguagem pode alimentar ainda mais uma sociedade cruel para se viver.

Mas por quê a educação?  

Porque ela é a chave de entrada para nós. É a partir desse convívio, dessas às vezes seis horas dentro de um lugar chamado escola, que aprendemos a ler, escrever, fazer contas, desenhar, momentos históricos, sociológicos, filosóficos e sobre outras pessoas, sobre como o “outro” é, e sobre como a sociedade será.

Nossa mania constante de em escolas repreender sempre meninas ou reproduzir na fala machismo, sexismo, misoginia aumenta as chances daquelas crianças e jovens serem também reprodutores com as próximas gerações. É claro que a educação não é responsável por todo o pacote de violência, porém pode ser a maior ALIADA no combate dela.

Claro que nem sempre as crianças vão reproduzir tudo aquilo, mas vão absorver de alguma forma. A educação é poderosa e tem um lugar pra além de somente facilitar o acesso ao conhecimento, é na escola que muitas vezes são identificadas questões psicológicas, problemas familiares e tantas outras coisas. É nesse ambiente que seria possível evitar repasses de atitudes violentas.

A partir de um ensino mais aberto e que dialogue podemos mudar perspectivas, apenas por introduzir alguns assuntos ou por mudanças de atitude. Muita gente me diz como é bonito meu engajamento com a educação, contudo essas pessoas já reproduziram atitudes violentas próximo a mim.

Então elas são ruins? Não! 

Elas também receberam uma perspectiva social violenta e que é difícil parar de reproduzir, por isso esse não é um trabalho individual, é coletivo. Pensar educação é pensar comunidades, pessoas, trajetórias e TUDO NO PLURAL!

Mas como a educação pode mudar isso de fato?

A partir de práticas educativas dentro da escola que envolvam emancipação social, através de mudanças no sistema que temos, de formações na educação básica para isso, de projetos que envolvam as comunidades, de uma educação que pense o indivíduo como alguém ativo naquela relação e não um mero receptor, uma educação voltada para além das bordas técnicas contando com acompanhamento psicológico e psicopedagógico. Para fazer isso precisamos de todas as instituições sociais juntas, precisamos de mobilizações e de fiscalizações constantes, é um trabalho de formiguinha então? Sim, é. Mas que pode nos gerar resultados incríveis e uma sociedade menos violenta. Investir em educação é investir na mudança de toda estrutura social!

Olhando para os dados de violência contra a mulher podemos ver uma triste realidade. Em 2019 apontavam o Capão Redondo como sendo um dos lugares mais hostis para as mulheres estarem em São Paulo, um pedido de socorro foi feito a cada 20 minutos segundo as pesquisas. O Capão Redondo também é um lugar apontado como ainda desigual, é um lugar onde sabemos que os professores fazem o que podem e o que não podem pra salvar o ambiente escolar, e é lá que começa tudo!

A educação além de poder trazer ascensão social para as mulheres, permitindo-as ter independência, também pode ser a porta para lidar com reproduções de violência que os homens aprendem muito cedo. A escola precisa ser o lugar onde falamos sobre isso, por que se não for lá vai ser onde? Só iremos lidar com isso quando as mulheres morrem?

É claro, precisamos que o Estado faça o trabalho dele, não estou aqui dizendo que temos mãos para isso, contudo já existem nas periferias lugares que procuram introduzir esses assuntos, que tal ajudarmos? Que tal irmos ouvir também?

A educação tem um poder transformador, ela pode libertar e pode ser nossa única arma para diminuir a reprodução de violência, para salvar nossa quebrada e nossas mulheres! Falar em 8 de março, é falar em luta e na quebrada isso é ainda mais denso. A fala tem poder, nossa linguagem, nossas ações são poderosas para as próximas gerações!

“É muito fácil fugir mas eu não vou, não vou trair quem eu fui, quem eu sou. Eu gosto de onde eu tô e de onde eu vim, ensinamento da favela foi muito bom pra mim… Eu não preciso de muito pra sentir-me capaz de encontrar a Fórmula Mágica da Paz…”

Racionais Mc’s, Fórmula Mágica da Paz

“Somos seres políticos”: conheça a trajetória política de Keit Lima na Brasilândia

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Nordestina, periférica e engajada na participação política no território da Brasilândia, zona norte de São Paulo, Keit Lima é a última entrevistada da série trajetória política, que mostra a história de mulheres periféricas que dedicam parte de sua vida a construir a política institucional.

Nas eleições municipais de 2020, Keit Lima se candidatou a vereadora com filiação ao PSOL. Ela alcançou a marca de 11.355 votos, para ocupar uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo, mas não conseguiu se eleger. Hoje ela é vereadora suplente pelo partido que acolheu a sua visão política, enraizada na sua origem nordestina e periférica.

Keit mora Brasilândia, distrito da zona norte de São Paulo desde os oito anos. Ela nasceu em Recife e veio com a sua família para São Paulo em busca de acesso à educação, saúde e formas de melhorar de vida.

Hoje ela está cursando o curso superior de direito, sua segunda graduação pela Faculdade Zumbi dos Palmares. Entre os movimentos sociais que ela participa estão a Marcha de Mulheres Negras, Educafro, Mulheres Negras Decide e o grupo Mulheres do Brasil.

Essa trajetória de ativismo político começa dentro do ensino público, quando ela tinha 13 anos e estava cursando a sétima série na escola EMEF João Amos Comenius, localizada no Jardim Vista Alegre, no território da Brasilândia. Lá ela começou a ensinar crianças mais novas que tinham dificuldade no processo de aprendizagem para ler e escrever.

“Eu comecei no ativismo através da educação com 13 anos, porque eu realmente acredito que a educação é a forma mais eficiente para diminuir a desigualdade. A educação é meu principal ativismo, eu comecei como se fosse uma assistente para os professores, eu ajudava os estudantes de 1° a 4° serie que não sabiam ler, então eu dedicava algumas horas do meu dia para ajudar algumas turmas, as professoras destinavam alguns alunos e eu trabalhava aquele período junto com eles, e foi a partir daí que eu comecei”, relembra Keit.

Para chegar à Brasilândia, Keit saiu com sua família de Recife, no estado de Pernambuco, motivada pelo anseio dos seus pais para que ela e a irmã tivessem acesso a uma educação de qualidade e a serviços de saúde para um tratamento médico da sua avó, um dos motivos mais importantes para essa migração de estado.

“Eu vim pra cá com oito anos. Como muitas famílias nordestinas a minha também veio em busca de melhores condições de vida e também em busca de saúde pública, porque a minha avó tinha acabado de ter um AVC né, um derrame, então a gente também veio em busca de saúde pública e melhores condições para o tratamento dela”, conta.

A Brasilândia também foi o ponto de partida para conectar Keit com outros espaços da cidade de São Paulo. “A relação que eu tenho com a cidade parte desse território que está da ponte para cá né, tem que atravessar a cidade para ter acesso à educação e saúde, mas é um território que sou muito grata, onde eu luto por esse território.”

“Quando mainha fica com a filha da vizinha para ela ir à faculdade, isso é político”

Keit Lima

A moradora da Brasilândia usa a expressão “seres políticos” para afirmar que a política está presente em tudo na nossa vida, inclusive no cotidiano do morador das periferias. “Somos seres políticos e a política está aí nesse ser, nessa troca, de quando mainha fica com a filha da minha vizinha para ela poder ir para a faculdade, isso é político, para mim isso é muito político, quando a gente fala da política institucional a gente está falando sobre instrumentalizar as nossas lutas, então como que a gente instrumentaliza a nossa luta, as nossas reivindicações, as nossas pautas, as nossas dores, como a gente faz política pública para diminuir essa desigualdade, essa discrepância que existe através também da política institucional”, argumenta.

Para além da sua visão de políticas públicas e luta por direitos no território da Brasilândia, Keit revela que atua em outras periferias de São Paulo, em parceria com movimentos sociais que apoiam a sua atuação e conta sobre a importância dessa conexão para se manter na ativa. “Eu também atuo em outros territórios periféricos organizada em movimentos sociais, então através desses movimentos a gente se encontra sobre esse lugar das dores né, as dores das favelas, das pessoas, das famílias periféricas, e também se encontra na luta, então é através dessa organização que eu atuo”, explica.

Ela destaca que a atuação dentro da Educafro foi um divisor de águas, para ela ultrapassar as barreiras sociais e geográficas dos territórios periféricos e vivenciar outras formas de fazer política. “Eu comecei a enxergar mais a política institucional no meu dia a dia através dos movimentos que eu construo especialmente a Educafro, eu fui a primeira mulher a ser coordenadora da escola de líderes, e aí eu tive mais presente, a política institucional começou a se tornar constante dentro das minhas articulações, porque até então meu ativismo era totalmente com a base, totalmente dentro das periferias, e a partir desse momento eu atuava dentro das periferias, mas fazendo um intermédio junto a política institucional, levando as demandas da base para a política institucional e o que muda a partir desse momento é ver o tamanho do descaso, de eu ir tentar conversar com parlamentar e ele simplesmente não atender”, revela.

Em meio ao diálogo sobre a importância de construir um diálogo com quem faz política institucional, ou seja, quem é eleito para representar os direitos e interesses do povo, a vereadora suplente pelo PSOL resgata uma lembrança de um fato ocorrido que foi fundamental para despertar nela essa vontade de construir um novo jeito de fazer política, compromissado com os moradores das periferias.

Ela conta que esse momento marcante aconteceu durante uma visita na Câmara dos Deputados Federais, em Brasília. “Teve uma militância específica em Brasília, que me causou muita revolta, onde eu fui com um ônibus cheio, formado em sua maioria por mulheres negras e mais velhas, tinha pessoas do Brasil todo, e aí três pessoas mais velhas passaram mal do lado de fora da Câmara dos Deputados sob o sol, porque três deputados específicos proibiram a nossa entrada, eles proibiram que a gente entrasse para conversar sobre política pública, sobre uma proposta de reivindicação nossa, e aquilo para mim foi inadmissível”, relembra.

Ela descreve o sentimento que sentiu no momento e compartilha como conseguiu se organizar para a viagem em busca de diálogo com parlamentares. “Olhar e entender que se a gente não estiver lá ninguém sequer vai nos escutar sabe, não é interesse deles. Eu, essas mulheres e todas as pessoas que estavam ali tivemos que nos articular para ir trabalhar mais horas nos nossos trabalhos, faltar na faculdade, abrindo mão de estar em casa, para estar ali reivindicando, para estar ali construindo, e sequer fomos atendidos, e a ordem era todo mundo que estava com a camiseta da Educafro não iria entrar”, conta Keit, enfatizando que até hoje quando se lembra desse episódio da sua vida na política fica revoltada.

“Fico com raiva ao lembrar essas mulheres caídas no chão, porque a pressão caiu, porque estavam horas sob o sol. Então não dá mais, não dá mais, esse foi o meu estopim para pensar o que precisamos fazer para isso nunca mais acontecer, para que a gente não precise passar por isso, então nós precisamos estar lá, porque aí seremos nós que estaremos dialogando, somos nós que não vamos permitir isso”, acredita.

Diante dessas recordações que revelam um momento tenso da sua trajetória política, a ativista lembra que a ideia de se candidatar a vereadora em São Paulo é coletiva e não partiu só dela. “A ideia de me candidatar foi construída e decidida coletivamente, ninguém faz nada só e muito menos eu, eu venho de movimentos sociais, eu acredito nesse projeto político construído de várias mãos, então é a partir desse lugar que eu venho”, conta ela, apontando a importância de consolidar um projeto político construído coletivamente pelos movimentos sociais, tanto pelo movimento negro, periférico ou de mulheres.

Ela acrescenta que o importante mesmo é reivindicar e colocar as pautas e as dores da população pobre e periférica com muita seriedade e comprometimento. “Fiquei muito feliz de estar na construção de uma cidade mais justa, mais democrática, onde a periferia não seja tratada com descaso”, enfatiza ela, apontando a sua gratidão por sua candidatura representar a construção de um projeto político coletivo.

Keit faz questão de esclarecer que diferente de outros candidatos que disputam as eleições, a sua ação política não termina na campanha eleitoral. “O que eu reivindico é que todos os corpos tenham os seus direitos garantidos, então que bom que disputamos essa narrativa, que bom que conseguimos alcançar muitas vidas periféricas, que bom que eu trouxe esse debate de ser, de fazer e mostrar que a política é nossa, que a gente que tem que estar lá, então trazer esse debate para as periferias continua e vamos continuar construindo porque a nossa luta não para”, conta.

Ela afirma que não existe outro caminho se não a política institucional para construir um mundo menos desigual e democrático. “A política institucional nada mais é do que a ferramenta para construção de uma sociedade mais justa, uma ferramenta para fazer políticas públicas e diminuir desigualdades”, reforça a vereadora suplente, destacando que esse é o ponto de partida para a construção de um projeto coletivo de cidade, estado e país onde todas as vidas têm a sua humanidade garantida, assim como diz Sueli Carneiro: ‘a nossa humanidade não é negociável, todos tem o seu direito de existir’. 

A pandemia na Brasilândia

 Keit ressalta que enxerga a Brasilândia como um lugar de muita potência, e que neste momento de pandemia seus moradores estão tentando sobreviver, devido ao descaso do poder público em relação aos serviços de saúde.

“Do lado de cá da ponte a gente sempre teve que lidar com o descaso do estado, agora com a pandemia isso está muito mais escancarado”, analisa Keit, afirmando que algumas pesquisas produzidas a partir de dados oficiais revelam que o fato de ser morador da periferia aumenta em 10 vezes mais a chance de morrer de complicações causadas pela covid-19.

“A Brasilândia por muito tempo liderou o bairro com mais mortes mesmo não sendo o com mais casos, o que deixa muito evidente o quanto que a gente não tem acesso a saúde pública de qualidade e óbvio que isso não começou agora, a gente sempre teve que lidar com isso antes da pandemia, se você fosse marcar um clínico geral aqui na Brasilândia demoraria 62 dias né, é mais ou menos a média para ser atendido é o que diz uma pesquisa, enquanto lá em Pinheiros são zero dias, essa desigualdade não começou na pandemia, só que agora está muito escancarado né”, relata a vereadora suplente.

Lima faz questão de deixar claro o significado da Brasilândia para ela que vive e atua na construção de algumas lutas por direitos sociais no território. “Eu comecei a ter a discussão sobre cultura aqui. É o lugar que eu fui para muito baile funk, onde eu curti muito a minha adolescência nos bailes, e é um território onde respira cultura, tem muita potência, mas infelizmente onde existe muito descaso do Estado perante as vidas tanto aqui da Brasilândia, como em todas as periferias da cidade, eu me construí como ativista pisando nesse território, e entendendo e lutando para diminuir essa desigualdade que existe dependendo de que lado da ponte você está”, afirma.

Um dos dilemas que conecta a Brasilândia a um colapso social na pandemia, de acordo com a visão política de Keit é a questão do isolamento social, uma escolha importante para preservar a vida, que não é acessível a todos dos moradores. “O isolamento não chegou aqui, porque as famílias têm que escolher entre morrer de fome ou morrer de covid, nunca teve nenhum amparo do Estado para que as famílias periféricas pudessem fazer isolamento e tivesse comida na mesa, a pandemia chegou e vira e mexe aqui não tem água”, denuncia ela, apontando um cenário de calamidade pública

Segundo a moradora, uma saída para amenizar essa situação tem sido a atuação dos líderes comunitários que estão mobilizando ações comunitárias no território. “Os líderes comunitários se levantam e ajudam, tá chegando sabão nas casas, tá chegando álcool em gel, tá chegando cesta básica, é tudo através dos líderes comunitários, somos nós que estamos fazendo, é através da gente que está sendo feito algo, porque queremos a periferia viva, e a gente não abre mão disso, e é por isso que a gente se levanta para que isso aconteça, nas periferias”, aponta a vereadora suplente, enfatizando que até o momento “o estado chegou” no território.

 “A desigualdade tem cor, gênero e território”

Keit Lima

Lima comenta que não existe e nunca existirá um real Estado de democracia, sem que mulheres pretas, indígenas e periféricas estejam dentro da política institucional, como construtoras de política pública.

“Essas mulheres precisam ser escreventes de políticas públicas, porque a gente sabe que a desigualdade tem cor, gênero e tem território, então são essas pessoas que sentem diariamente na pele o impacto da desigualdade que tem que estar lá escrevendo e fazendo política pública junto com a população, então se política pública não chega à periferia, se política pública não chega às pessoas pretas, não chega aos indígenas é porque não são essas pessoas que estão fazendo”, argumenta.

Ela também comenta sobre a importância desses corpos estarem ocupando esse espaço político para a política ter a cara do povo brasileiro. “A gente não chega a uma real democracia enquanto o parlamento não for a cara do povo, enquanto o povo não estiver lá sendo representado em sua totalidade, sendo representado com seu corpo e com as suas pautas, com a seriedade e comprometimento, é por isso que é muito importante eleger mulheres pretas, indígenas e periféricas.”

Ela revela que umas das suas principais reivindicações que passam pela política institucional se baseia na efetivação de direitos básicos à existência humana. “Eu acho que o desafio é a violência constante que meu corpo carrega né, esse corpo de mulher preta, gorda, periférica e nordestina, mas eu não volto atrás, não dá mais para aceitar esse genocídio em curso contra as vidas periféricas e pobres. A cada 23 minutos tomba um corpo, não dá mais, não aceito, reivindico e essa reivindicação também perpassa pela política institucional,” esclarece.

Em uma linha do tempo, ela acredita que só está aqui pelos acúmulos de aprendizados fruto das vivências em família. “Com 13 anos começo a ser voluntária da escola e começo a fazer trocas com os professores, diretora e vice-diretora, e aí eu começo a entender um pouco mais, eu saio daí com 17 anos, e já entro na minha primeira graduação. Com 22 anos eu já atuo como consultora plena em uma das melhores consultorias multinacional do mundo. Eu olho para aquele espaço e não encontro nenhum dos meus, eu olho para aquele lugar e não vejo gente periférica e preta”, questiona ela.

Ao questionar a estrutura de diversidade profissional na multinacional, Keit diz ter ficado incomodada com aquela situação presente no seu ambiente de trabalho, e com base nessa vivência ela passa a ter mais interesse em fazer algum tipo de mudança na vida dos moradores do território da Brasilândia, por meio de suas ações de voluntariado realizadas sempre aos sábados e domingos na Educafro. A partir desta inquietação surge a sua conexão pela luta antirracista e a favor pelo direito à vida dos moradores das periferias e favelas de São Paulo.

A partir do resgate das suas memórias, Keit encontra forças para continuar neste lugar de construir outra política institucional e ser referência para elaborar políticas públicas de combate às desigualdades. “A política institucional é um espaço muito bem alimentado para que gente preta, pobre e da periferia entenda que aquele espaço não é nosso, então a gente precisa passar por vários processos para entender que aquele espaço é nosso sim, que é a gente tem que estar lá”, finaliza. 

Pix e fibra óptica transformam negócio de doceira da quebrada

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Mesmo com dificuldades para manusear plataformas de pagamento online, doceira amplia faturamento e presença digital do negócio na quebrada.

Renata Alves e sua irmã preparando os salgados para entrega Creditos: Giovanna Alves

Afastada do seu trabalho oficial em uma escola pública da periferia desde o inicio da pandemia de coronavírus, Renata Alves, 48, trabalha com doces e salgados há 25 anos e é moradora do bairro do Jardim Kagohara, na zona sul da cidade.

A profissão de doceira era executada nas horas vagas. Há seis meses, antes de se tornar um negócio consolidado, a clientela da doceira era formada principalmente pelos seus vizinhos, que faziam encomendas que eram preparadas nas horas vagas na cozinha da casa de Alves.

Por falta de letramento digital e afinidade com as redes sociais, a doceira se tornou sócia de sua irmã Rosalva Aparecida, 54, que junto a filha de Renata deu todo o apoio para divulgar os produtos e criar a marca Doces e Salgados R&R . A parceria deu tão certa que ajudou a irmã de Renata a pagar algumas mensalidades da faculdade.

“Ela que divulga as coisas da loja no whatsapp, Instagram e Facebook. Geralmente é ela que faz essa parte, a gente fica mais ali com a mão de obra né”, explica a doceira sobre o importante papel da filha como social media do negócio de doces e salgados.

+ Notícias da Quebrada Tech.


CyberFunk: conheça o futuro do funk nas periferias e favelas

Movimento futurista criado por jovens da Brasilândia, zona norte de São Paulo, visa transformar o funk numa tecnologia de impacto social de geração de renda, trabalho e autoestima da juventude periférica.


https://desenrolaenaomenrola.com.br/quebrada-tech/cyberfunk-conheca-o-futuro-do-funk-nas-periferias-e-favelas


Preço de combustíveis e internet ruim afeta entregadores de delivery na quebrada

Entregadores afirmam que aplicativos de entrega não levam em consideração a qualidade da internet nas periferias. Além disso, eles contam que a alta demanda de entregadores e o crescente preço dos combustíveis tem precarizado ainda mais a remuneração e a qualidade de vida de quem trabalha com delivery na quebrada.


https://desenrolaenaomenrola.com.br/quebrada-tech/preco-da-gasolina-e-internet-ruim-afeta-entregadores-de-delivery-da-quebrada

Renata ainda ressalta que um dos principais desafios das irmãs empreendedoras ainda é lidar com meios de comunicação digital. Segundo Renata, esse tabu passou a ser vencido em meio à pandemia. “Eu não sei mexer muito em computador né, então não navego em computador, não tinha essa mania, agora na pandemia a gente começou mexer um pouco mais”.

Mesmo com a dificuldade em lidar com as plataformas digitais e as redes sociais, Renata afirma que nesse momento o negócio está crescendo rumo à profissionalização da marca Doces e Salgados R&R. “Tem uns 10 ou 15 dias que nós entramos pelo iFood e a gente vende pela internet. Os vizinhos e as pessoas que já compravam por encomenda começaram a pedir agora, nós fizemos um whatsapp da loja e as pessoas fazem encomenda por lá”, detalha a doceira.

Para o negócio chegar nesse estágio duas coisas foram fundamentais: a melhoria do serviço de internet e a utilização do PIX como serviço de pagamento digital. “A nossa internet não era boa, era bem falha e recentemente chegou a fibra óptica né, aí a internet está melhor, ficou bem mais fácil assim”, diz Renata.

Ao sentir o impacto das soluções digitais no seu negócio, o PIX acabou se tornando outro aliado e passou a ser um dos principais meios de pagamento dos seus produtos. “Eu pude perceber que o Pix é muito mais vantajoso que a maquininha, porque ele não tem taxa nenhuma, ele sai e entra com o mesmo valor”, ressalta a doceira, enfatizando que o fato de não ter uma taxa fixa torna o serviço ainda mais rentável para o negócio.

Segundo a empreendedora do Jardim Nakamura, outro fator que tem aproximado ainda mais o uso do PIX no negócio é o fato dos seus clientes procurarem bastante por esse formato de pagamento. Ela conta que o clima chuvoso é um dos diferenciais para os clientes realizarem o pagamento por meio da solução criada pelo Banco Central. “Como essa semana choveu bastante, as pessoas estão fazendo o pedido e já na hora elas fazem fez o pagamento com PIX, isso torna muito mais rápido a venda”, explica.

Outro estímulo para a utilização do PIX é que neste momento Renata tem uma taxa de 1.99 % de taxas em compras com cartão no formato de débito e 4.99% em compras realizadas no crédito. Segundo a doceira, com a economia obtida com essas taxas, haveria mais recursos sobrando para investir na infraestrutura do negócio.

“A gente trabalha na cozinha de casa né, a gente faz salgados e doces. Na páscoa a gente vende ovo de páscoa, então a gente está lutando muito tentando construir uma cozinha e uma loja física. A gente tem o espaço para construir e eu gostaria muito de poder ter a nossa lojinha mesmo, pra gente sair da cozinha de casa”, finaliza Renata, expondo o sonho de ampliar o negócio caso tenha mais rendimentos com a redução das tarifas de vendas. 

A população preta e periférica vai criar a ‘lei dos pobres’ do século XXI

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Há mais de 400 anos nascia na Inglaterra uma das primeiras leis de combate a pobreza no mundo. Numa comparação com o cenário brasileiro atual, vamos refletir sobre como governos e empresas atuam historicamente contra os interesses da população pobre, que mesmo debilitada, cria estratégias para sobreviver e construir o amanhã.

Jardim Nakamura |
Foto: @menino_do_drone

Enxergar o futuro não pode ser um elemento de desigualdade social. Todas as pessoas têm o direito de criar perspectivas e expectativas sobre o amanhã individual e coletivo da sociedade.

Eu, Ronaldo Matos, morador do Jardim Ângela, um dos principais conjuntos de periferias e favelas da zona sul de São Paulo, acredito que o acesso à informação e a cultura do aprendizado coletivo e libertário, oriundo do encontro das pessoas formam um conjunto de experiências sociais e educativas potentes o bastante para mover a sociedade rumo a um forma de organização mais democrática e menos centralizada.

Mas neste momento de pandemia, onde somente o Brasil já sepultou mais de 300 mil vidas, fica extremamente impossível propiciar um encontro coletivo, afetivo e democrático, com espaço de fala e trocas sinceras para todos nós. Esse cenário também nos individualiza, suga nossas energias e nos impede de sonhar com um futuro melhor.

Na primeira coluna Territórios do Futuro, vamos conversar sobre a possibilidade de vislumbrar um futuro onde as pessoas menos favorecidas do ponto de vista econômico e político possam se organizar para solucionar os problemas sociais que as atingem.

Por isso, eu quero lhe convidar agora a fazer duas ações importantes: o primeiro convite é para você se permitir a fazer uma viagem no tempo, no qual você vai conhecer um pouco mais sobre o século XVII na Inglaterra, período onde foi construída a primeira Lei dos Pobres, um conjunto de leis que garantiram minimamente a sobrevivência das populações que viviam em situação de alta vulnerabilidade social.

Neste tempo histórico, a primeira revolução industrial estava se desenvolvendo e gerando uma grande concentração de riquezas para a elite ou burguesia, como muitos preferem chamar, uma classe social que fomentava o surgimento do capitalismo industrial, atividade econômica baseada na evolução tecnológica, que transformava o trabalho manual com o emprego de máquinas a vapor, fato histórico que culminou no surgimento da indústria têxtil, que viria gerar muitos postos de trabalho precarizados.

Para trabalhar na industrial têxtil, as pessoas estavam deixando a sua vida no campo, ou seja, foram obrigadas a parar de trabalhar no campo, onde detinha um estilo de vida mais pacato, organizado e voltado ao bem estar da família e preservação da sua ancestralidade, para ingressar no setor de indústria, uma das principais fontes de trabalho e renda da época, graças à revolução das máquinas. Esse acontecimento transformou o estilo de vida de milhões de cidadãos ingleses.

Pense que no Brasil, algo semelhante aconteceu, quando milhões de pessoas migraram de suas terras natais no norte e nordeste brasileiro durante o século XX, onde residiam em sua maioria no campo, trabalhando com cultivo de roça, pesca, criação de gado, galinha e porcos, para trabalhar nas grandes capitais, como São Paulo.

Elas foram forçadas a fazer essa migração em busca de melhores condições socioeconômicas de vida, já que o poder público local e federal não criou na época formas de manter o seu modo de vida com a criação de políticas públicas que permitissem manter sua origem cultural e regional.

Na Inglaterra, a primeira versão da Lei dos pobres foi criada em 1601 e vigorou até 1834. A lei garantia que a Igreja, ou seja, a comunidade paroquial recebesse recursos públicos para oferecer atendimento humanitário para a população em situação de alta vulnerabilidade social.

“Baseada no princípio de que era encargo das administrações paroquiais zelarem por seus pobres desamparados, empregando os sadios e subsidiando a subsistência dos inválidos para o trabalho, a Lei dos Pobres, instituída no início do século XVII, passa a conviver com ataques permanentes contra seu funcionamento a partir do século XVIII, quando o gasto público que ela representa entra em uma espiral ascendente. A gestão dos desamparados converteu-se cedo em uma problemática central para o pensamento econômico britânico, inclusive para a jovem economia política.”

Trecho extraído do artigo “o direito à subsistência em xeque: um olhar sobre a lei dos pobres e o ato de emenda de 1834”

O contexto social que justifica a criação da Lei dos Pobres é o cenário de crescimento das desigualdades sociais, na qual, a cidade de Londres e os municípios no seu entorno, uma espécie de Região Metropolitana de São Paulo, passou a abrigar uma série de indústrias que empregavam uma população empobrecida pelos baixos salários e inexistência de direitos trabalhistas que impossibilitaram centenas de milhares de famílias de desfrutar de boas condições de vida.

O resultado desse movimento econômico foi tornar cada vez mais difícil o acesso ao saneamento básico, moradia, alimentação, serviços de saúde e é claro, segurança pública, que eram direitos sociais escassos e acessíveis somente a quem era membro da burguesia, formada por fazendeiros, industriais e políticos que tinham como forte aliado membros da Igreja Católica.

Neste cenário, a fome era um elemento social que fazia parte da paisagem urbana nas ruas da Região Metropolitana de Londres, onde moradores de rua, crianças e famílias inteiras disputavam a atenção das pessoas com melhores condições sociais e econômicas para receber alguma doação de alimentos ou de dinheiro. No Livro ‘A situação da classe trabalhadora na Inglaterra’, Frederich Engels descreve esse cenário com uma impressionante riqueza de detalhes.

No Brasil, em pleno século XXI, 400 anos a frente do cenário social, político e econômico, descrito até agora sobre a Inglaterra, o rapper Sabotage, conhecido como o maestro do Canão, favela localizada no centro sul expandido de São Paulo, que o projetou para o cenário do rap nacional, tem na música ‘País da Fome’, uma série de referências sobre a divisão de classes sociais no país. Ao recitar no refrão ‘homens animais’ e enfatizar que os ‘herdeiros são os primeiros’, Sabotage deixa um recado ainda mais enfático aos seus ouvintes: ‘o pobre é réu’.

Usar o rap como uma ferramenta educativa para reflexão e compreensão histórica das desigualdades sociais no país é um fundamento pedagógico que faz parte da minha formação como sujeito preto e periférico, por isso, eu lhe convido a ouvir ‘País da Fome’ e sentir a mensagem que Sabotage nos oferece.

Confira aqui a mensagem do rapper.

Em todos os textos da coluna eu vou buscar propor experiências culturais para você sempre ler e interagir com conteúdos que apontam para a criação de análises e cenários futuristas sobre a vida da população preta, pobre e periférica.

Voltando a Inglaterra, no período de fortalecimento do setor industrial e o enriquecimento de uma elite que contratava pessoas para trabalhar com baixos salários, outro ponto importante e histórico acontecia. Empresários iniciaram um processo de discussão sobre os males do ‘assistencialismo’ e problematizaram os impactos dos gastos públicos para manter na ativa a Lei dos Pobres.

Em 1834, a Inglaterra vivenciou mais um marco histórico de políticas públicas a favor da manutenção da miséria de seus cidadãos. A pressão dos empresários donos de indústrias junto aos parlamentares britânicos resultou no Ato de Emenda, uma espécie de revisão da Lei dos Pobres, que sob o pretexto de reduzir o orçamento público para cuidar da população em alta vulnerabilidade social, aprovou uma legislação embasada na vigilância, internação e no controle social dos pobres. Essa mudança na lei ficou conhecida como a Nova Lei dos Pobres.

Ao pressionar políticos influentes do parlamento britânico, que foi criado em 1200, para reduzir investimentos públicos direcionados a esse conjunto de leis, a burguesia consegue alcançar seu objetivo.

A partir desta movimentação dos empresários do setor industrial, começa de maneira marcante a se construir uma nova cultura de participação política, onde o poder público tende a ceder aos interesses do setor privado, ou seja, onde as empresas fazem pressão nos governantes para o país, estados e cidades, serem governados de acordo com seus interesses.

É importante ressaltar que tudo isso aconteceu no processo de consolidação da primeira Revolução Industrial, entre os séculos XVII e XIX.

Hoje é 25 de março de 2021, já se passaram mais de 190 anos desde a criação da Nova Lei dos Pobres, em 1834 na Inglaterra. Mas e no Brasil, quais mudanças propositivas na vida da população preta, pobre e periférica aconteceram? O que mudou em relação à desigualdade social que separa e distingue a forma de vida de ricos e pobres no país?

Olhando para os dias atuais no Brasil, é impossível não comparar esse período da história da Inglaterra com a questão do Auxílio Emergencial, uma política pública de extrema importância, voltada à população empobrecida pela crise econômica que se intensificou durante a pandemia de coronavírus, na qual o governo federal afirma não ter recursos públicos suficientes para subsidiar um auxílio digno que possa suprir gastos básicos da população para mantê-la viva e ativa, para lutar por seus direitos.

Na música ‘Salve-se quem puder’, o rapper Dexter em parceria com o poeta Gog, denuncia como a população preta e periférica vive por conta própria há dezenas de anos e segue sendo exterminada pela ausência de políticas públicas que a proteja e garanta o direito à vida.

Ouça e reflita sobre o som Salve se quem puder.

É com essa consciência política e histórica de que a população preta, pobre e periférica vive há mais de 500 anos no Brasil por conta própria que a Coalizão Negra Por Direitos, um grupo que reúne diversas organizações que atuam por justiça racial no Brasil, está realizando em parceria com outras organizações da sociedade civil a campanha “Tem gente com fome“, uma mobilização de doações, por meio da internet, que conta com parceria com artistas e formadores de opinião, em busca sensibilizar a sociedade para doar recursos financeiros que se tornarão doações de alimentos para mais de 220 mil famílias brasileiras.

Assista e contribua com a campanha. 

À base da organização popular, senso crítico, compreensão histórica do seu lugar no mundo e elaboração de conhecimento baseado em pensadores negros do Brasil e do mundo, a Coalização Negra Por Direitos representa uma ação prática e exemplar que demonstra como a população empobrecida pelos governos e empresas, que só defendem os seus próprios interesses desde 1601, como mostra o exemplo da criação da Leis dos Pobres na Inglaterra, podem se organizar no futuro para reivindicar seus direitos, construir suas próprias leis e cobrar posturas de líderes políticos para tomar suas decisões conectadas com as reais necessidades da população.

Por enquanto, a história do passado nos mostra que enquanto os políticos que nós elegemos e os empresários que nos oferecem empregos com baixos salários conviverem juntos, apenas os seus próprios interesses serão atendidos. E não o interesse da maioria da população. O futuro não pode repetir esses acontecimentos. O presente, o agora, o hoje permanece igual a 1834 na Inglaterra?

Para construir um futuro que ainda é incerto, temos uma dependência clara da nossa vitalidade de energia e consciência da importância da participação política para imaginar coletivamente como será o amanhã.

Precisamos estar alimentados de esperança para alicerçar o chão do futuro. A Coalizão Negra Por Direitos já deu a partida para criar essa estrada. Precisamos criar agora o combustível para transportar mais pessoas pretas, pobres e periféricas por esse caminho tenso e necessário da construção da política institucional e dos direitos que nos são negados há mais de 500 anos.

“Eu fui cria da Uneafro”, diz Débora Dias, co-vereadora formada pela rede de cursinhos

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Na terceira entrevista da série trajetória política, a co-vereadora Débora Dias relembra as primeiras ações políticas que ela se envolveu aos 12 anos dentro de um ponto de cultura e destaca a importância da Uneafro Brasil para a formação política da juventude periférica. 

Cria da Uneafro Brasil, Débora Dias, 22, se elegeu como co-vereadora na cidade de São Paulo, pelo mandato coletivo Quilombo Periférico. Ela é educadora popular no núcleo Ilda Martins, um dos pólos da rede cursinhos que prepara o morador da quebrada para acessar o ensino superior, organizado pela Uneafro, na região da Fazenda da Juta, zona leste de São Paulo.

Além da atuação junto ao movimento de educação popular, a jovem estuda ciências sociais pela UNIFESP, e é integrante do Projeto Agente Popular de Saúde na zona leste da cidade.

A co-vereadora é moradora da Fazenda da Juta, mas nasceu no Parque São Rafael, bairro vizinho na zona leste da cidade, onde ela foi criada por duas mulheres que a incentivaram dentro de seus planos e sonhos de vida.

“Nasci no parque São Rafael, fui criada pela minha mãe e pela minha avó, que foi uma mulher de axé que adotou a minha mãe já adolescente, que acolheu ela junto da minha irmã mais velha, e fui criada por essas duas mulheres dentro de uma casa de axé no parque São Rafael, muito simples né, minha mãe é empregada doméstica, a minha avó também foi empregada doméstica, mas elas sempre me criaram com valores muito acolhedores, com respeito a eu ter a liberdade de sonhar o que eu queria ser, o sonho foi algo permitido que essas duas mulheres me ajudaram a tecer”, conta Débora.

Embora jovem, a educadora popular e co-vereadora valoriza o fato de o sobrenome ‘Dias’, como um legado da força e ancestralidade da sua família. “Eu gosto de ser chamada como Débora Dias, porque Dias é o sobrenome que a minha mãe carregou da minha avó, que eu nem conheci, então isso me faz ter um pouco dela em mim mesmo sem a conhecer, isso é um desafio até que eu quero muito fazer na minha vida, descobrir mais coisas dessa minha avó consangüínea, porque a minha mãe foi adotada, eu gosto de afirmar coisas como eu sou Débora, preta, favelada e sapatão”, ressalta.

Violências Subjetivas

Dias começou a desenvolver seu olhar político quando entrou no seu primeiro emprego, no qual ela atuou como orientadora socioeducativa em um Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) no território da Fazenda Da Juta.

“Quando eu entrei naquele espaço para mim foi fundamental compreender as nuances que eu conhecia como moradora da quebrada. Quando você está dentro de um dos pequenos aparelhos da instituição pública que faz atendimento com as crianças e adolescentes, você começa a ter uma visão das ausências mais subjetivas daquele território, porque aquilo que é objetivo eu já tinha visto antes, que é a falta em alguns lugares de saneamento básico, como esgoto a céu aberto, precariedade no atendimento público de diversas instâncias como saúde, educação e assistência social, todas essas coisas a gente consegue ver um pouquinho a olho nu, mas tem as subjetividades, as violências que é instaurada nos corpos e nas corpas da juventude em que eu tava naquela condição de educadora, então eu sempre digo que existe uma Débora que a Débora antes do CCA e a Débora depois”, explica.

Através desta experiência política, definida por ela, Débora afirma que conseguiu enxergar o que não conseguia ver antes. A graduanda de Ciências Sociais foi estudante do cursinho popular da Uneafro, no núcleo Rosa Parks que funciona dentro do CEU São Rafael.

Após entrar na faculdade, ela retorna ao núcleo do cursinho popular como voluntária e depois se torna coordenadora do núcleo que ajuda a fundar no território da Fazenda da Juta, o núcleo Ilda Martins de Souza desde 2019. “Eu fui cria na Uneafro Brasil, fui estudante desse cursinho que funcionava lá no Parque São Rafael”, relembra.

Divida entre o trabalho, estudos e a atuação no projeto de educação popular, Débora destaca a importância de ter um espaço de educação população no meio da quebrada. “Eu trabalhava na assistência social e era voluntária no núcleo de educação popular que eu estudei vivenciando todos os processos desse território, a gente acredita que nesse território também seria importante ter um núcleo lá no meio da quebrada. E é isso, eu entro no cursinho como aluna, de aluna eu ingresso na universidade, eu viro educadora e de educadora me tornei coordenadora, e dessa coordenação a gente começa a visualizar que aquele território que eu trabalhava também necessitava de outro núcleo dentro da quebrada e passo a fazer parte da coordenação geral desse núcleo da Uneafro.”

Débora Dias no ato para o não fechamento do P.A do Hospital Vila Alpina (Foto: Wellington Amorim)

“Quando a gente nasce preta, favelada e querendo entender as condições de pessoa LGBT, a gente começa a perceber o espaço que está a nossa volta”

Débora Dias

Dias faz uma análise do que aconteceu em sua trajetória quando ela começou a perceber que parte da construção social dos moradores das periferias tem como base o racismo, machismo, e é colonial. “Quando a gente nasce preta, favelada e querendo entender as condições de pessoa LGBT, a gente começa a perceber que o espaço que está a nossa volta não faz muito sentido, e aí depois a gente descobre porque ele é um espaço que é construído a partir de uma estrutura racista, lgbtqia+fóbica e machista com um pensamento e uma construção colonial, então você percebe que você não consegue fluir com as ideias que estão a sua volta, e aí a gente percebe as narrativas quando a gente é criança, as nossas corpas sendo diferenciadas no espaço escolar, o que acontece com a juventude negra dentro do espaço escolar, não é que evade, é que ela é expulsa pelo racismo”.

Débora usa muito a expressão ‘Corpas’ porque acredita na importância de desconstruir o imaginário da sociedade sobre questões de gênero e sexualidade que são invisibilidades ou deturpadas, para não se tornarem assuntos comuns no cotidiano dos moradores das periferias e favelas.

A co-vereadora faz uma linha do tempo sobre sua trajetória em movimentos culturais e conta os pontos mais importantes que a fizeram chegar dentro desse mandato coletivo hoje. “Tem um lugar pra mim que é muito específico: eu tinha uma bolsa em uma escola particular onde eu fazia aula de dança, e aí eu chegava da escola e ensinava tudo o que eu aprendia para as minhas amigas, e eu ficava me perguntando por que elas também não podiam fazer dança né?”, questiona ela, afirmando que acho essa foi à primeira motivação que a levou ser voluntária em um ponto de cultura do bairro quanto tinha apenas 12 anos.

Ela acreditava que as meninas do seu bairro também tinham o direito de aprender a dançar balé, assim como ela usufruía de uma bolsa de estudos na escola particular. Essa compreensão acabou aproximando Débora ainda na adolescência da discussão do direito a cultura na quebrada.

“Foi meu primeiro contato mais direto com uma construção política para eu me aproximar de um espaço que tinha essa configuração de luta, com uma política pública da cultura, que são os Pontos de Cultura, então foi esse meu primeiro contato, depois disso aí fui organizar o grêmio da escola e ser presidenta e participar do parlamento jovem”, relembra.

Ela acredita que antes de chegar à Câmara Municipal da maior cidade do país, esse processo foi vivenciado ainda na sua adolescência. “Hoje a gente está aqui nessa casa, mas quando eu tinha 13 ou 14 anos, estive nessa casa como vereadora jovem criando projeto de lei e debatendo, então foi uma experiência muito importante, e é importante dizer que nas duas edições que eu participei eu era a única menina negra, então essas coisas me marcam e demarcam que espaços a minha corpa pode ocupar, e como ela causava estranhamento quando eu estava aqui, então teve essas linhas que me levaram a estar nos espaços políticos”, argumenta.

Já contamos aqui, mas e importante relembrar que Débora tem 22 anos, com isso, a sua trajetória de estudante de escola pública atravessou momentos marcantes dos últimos 10 anos, como por exemplo, a luta dos estudantes por melhorias na rede pública de educação em 2016.

“Todo esse processo durante o ensino médio é importante para dizer que em 2016, quando estavam acontecendo as ocupações nas escolas eu estava no terceiro ano do ensino médio. A minha escola não ocupou, mas eu estive em outras escolas ajudando as escolas vizinhas a ocupar, e isso foi um fervo um gás muito grande também na nossa juventude, enfim, eu tive a felicidade de viver essas experiências nas lutas e depois ingressar nesse movimento que eu tenho muito orgulho de construir que é a Uneafro Brasil, como aluna, coordenadora, construir as coisas na quebrada a partir desse movimento”, diz a co-vereadora.

Política x Política Institucional 

A futura cientista social faz questão de deixar bem claro o seu entendimento sobre o fazer política no seu cotidiano. “Eu acho que não há nada que a gente faça que não seja um ato político, tomar escolhas são processos políticos que estão enraizados na estrutura social que a gente vivencia, toda experiência que a gente vivencia no nosso dia a dia de escolhas são processos políticos, que envolvem tanto o campo da nossa objetividade de lidar no dia a dia, quanto da nossa subjetividade”, define a co-vereadora, dando um exemplo sobre como o afeto pode ser um ato político revolucionário na vida das pessoas.

“Quando eu escolho que vou comprar em uma Fast Fashion ou que eu vou comprar de uma artesã, estou fazendo uma escolha política, ou seja, não tenha nada, nada que não seja uma escolha política”, explica.

Ela explica que a política institucional está ligada às instituições que organizam as normas e regras da sociedade e dá exemplos de como a escola é uma das possibilidades de vivenciar a política institucional no cotidiano do morador da quebrada.

“A escola é um espaço de construção de política institucional, assim como outros espaços que estão no nosso dia dia, só que a gente não faz essa diferenciação e muita das vezes a gente tem uma construção social que tem até muita repulsa com a palavra política, sem entender que tudo que a gente faz é política, no campo da objetividade ou subjetividade”, afirma.

Segundo a co-vereadora, construir outra política institucional é uma forma de entender como surgem as políticas públicas e cita novamente a importância da escola nesse processo. “No âmbito escolar, nas matérias que a gente faz como história, sociologia e filosofia, a gente começa a entender um pouco mais sobre como essas instituições se constituem.”

A partir da importância de fazer escolhas e sentir os impactos que o voto causa no cotidiano das pessoas, Débora avalia os cidadãos brasileiros que não valorizam o direito de votar precisam experimentar uma mudança de imaginário sobre esse poder político e popular.

“Tem um trecho da poesia do Sérgio Vaz que ele fala algo como o voto ser a única vez que a gente é o patrão, é muito importante a gente dizer isso porque a gente constrói no processo político que a gente vivenciou de tensões políticas desde o processo colonial que o povo não é quem decide, o povo ele sempre vai ser massa de manobra, isso é uma construção do imaginário muito superficial, mas na verdade é que se as pessoas soubessem o quanto ela está dentro desse processo, participando efetivamente com o seu voto, ele pode ser decisivo para muitas coisas”, reflete. 

“É uma esperança coletiva pensar outro tipo de fazer política”

Débora Dias

Formada por Elaine Mineiro, Alex Barcelos, Débora Dias, Júlio César, Erick Ovelha e Samara Sosthenes, a mandata coletiva Quilombo Periférico ocupa hoje um gabinete na Câmara Municipal de São Paulo. Nas eleições municipais de 2020, a chapa filiada ao PSOL foi eleita com 22.742 votos. A campanha foi centrada em defender direitos e criar políticas públicas à base da educação popular e da cultura periférica.

“Coordenando cursinho, mobilizando meus companheiros e a juventude ali do território, e isso foi um chamado de tarefa política do movimento, o movimento que indica meu nome para compor essa construção incrível que hoje a gente chama de Quilombo Periférico. Essa construção ela não veio de agora, ela vem de um processo também do companheiro Douglas Belchior e de outros representantes do movimento negro, que sempre estiveram aí na disputa dessa política institucional, e aí para o ano de 2020 pensou-se em uma nova configuração dessa disputa política”, relembra ela, contando sobre o processo de construção e consolidação da candidatura coletiva impulsionado pelo movimento negro e periférico de São Paulo.

A mandada coletiva Quilombo Periférico contou com a participação política da Uneafro Brasil, Bloco do Beco, Agência Solano Trindade, Maloka Socialista, Movimento Cultural das Periferias e Jongo dos Guaianazes.

“O Quilombo Periférico se dispôs a construir um mandato que é coletivo não por ter seis pessoas, mas ele é coletivo porque é o movimento que constrói, para pensar a política institucional, lembrando sempre que o povo preto têm um projeto político para esse país, um projeto político de vida, e eu acho que o Quilombo Periférico tem muito esse lugar de ser um mandato que se coloca à disposição de ser mandado, mas também de continuar sendo movimento, fazer essas trocas na sua integralidades mesmo, de construir e somar juntos, então acho que essa construção coletiva que vai muito além de nós seis, ela representa esses tantos movimentos que ajudaram a construir essa candidatura e que hoje constroem esse mandato”, afirma.

Débora também releva seu sentimento de ser uma co-vereadora periférica, sapatão com apenas 22 anos. “É uma baita responsabilidade para uma pessoa que tem 22 anos, às vezes vem neste lugar do meu deus isso é muito real, isso é muito sério, e isso é muito importante e tem haver com a vida de muitas pessoas, no nosso caso mais de 22 mil pessoas que acreditaram nesse projeto político e votou para que o Quilombo Periférico e os movimentos que a gente representa pudesse construir na cidade, é uma grande responsabilidade mesmo”, reconhece.

Outro sentimento manifestado pelo co-vereadora é a sensação indescritível de ter ganhado dentro da cidade de São Paulo e de poder levar as demandas da sua quebrada para dentro da Câmara Municipal. “Então eu não sei dizer o que possa ser de fato esse sentimento de vitória, mas é um sentimento de esperança, acredito que é muito mais esperança de pensar que estamos caminhando junto com as nossas quebradas, isso é uma vitória coletiva, é uma esperança coletiva de pensar um outro tipo de fazer política.” 

Mandata Coletiva Quilombo Periférico (Foto: Wellington Amorim)

“Eu espero também ser uma corpa e uma construtora de políticas públicas que também faz desse lugar um espaço pra outras mulheres negras, outras meninas e meninos pretinhos das nossas quebradas”

Débora Dias

Uma das missões da co-vereadora é tecer outras possibilidades de futuro para as crianças da quebrada, para isso, ela deposita suas motivações na sua ancestralidade familiar. “Eu também sou uma mulher preta, como diz periférica, filha de uma mãe empregada doméstica e de uma avó que tinha sido empregada doméstica, né, e é muito louco dizer isso porque eu sou a primeira na minha família a ingressar no ensino superior e a única que não teve que trabalhar com serviços de limpeza, então vamos pensar nas gerações da minha avó, minha mãe e o que eu tenho notícia da minha bisavó, todas elas foram mulheres que trabalharam com serviço de limpeza e não conseguiram chegar nem na quarta série”, revela Débora, citando suas motivações pessoais e políticas para “ser uma corpa e uma construtora desse coletivo de políticas públicas que também faz desse lugar pra outras mulheres negras, outras meninas e meninos pretinhos das nossas quebradas.”

A cientista social destaca a importância de eleger pessoas que tenham planos políticos e discussões políticas alinhadas com essas identidades. “Eu acho que tem uma coisa que é muito importante dizer, é que assim: não basta só nós elegermos pessoas pretas, pessoas indígenas, lgbtqia +. Essas pessoas precisam estar alinhadas a um projeto político de vida para essas corpas, porque a gente tem experiências de pessoas pretas, pessoas lgbtqia+, pessoas indígenas que estão dentro do processo da política institucional e não estão alinhadas com as pautas de necessidade que esses grupos precisam”, argumenta ela.

Segundo Débora, o projeto político precisa ser decolonial e anti-racista. “Olhando o processo da classe trabalhadora, das mulheres, mulheres negras especificamente, mulheres indígenas, enfim, das mulheres trans, acho que a gente tem que tomar um pouco de cuidado, as representações são importantíssimas, isso muda muita coisa, muda o corpo, muda as tensões que se criam nesse ambiente da construção da política institucional, mas essas representações elas não podem estar vazias, só utilizando esse nome de ‘preta’ ou ‘de quebrada’ ou etc., ela tem que ser uma representação que de fato tenha preposições de um projeto político de vida para esses grupos”, enfatiza.

Ela finaliza a entrevista destacando as expectativas de ações dentro da Câmera Municipal. “Trabalhar esse momento que a gente está adentrando ao espaço, esse é o momento de conhecer cada nuance dessa casa, conhecer os processos normativos, voltar aos nossos planos e construções políticas que vem de muitos anos né, a gente tem 300 anos aí para poder de algum modo recuperar, a gente não vai fazer tudo de uma vez, mas a gente tem como centralidade olhar para cada especificidade dessa cidade pensando nessas questões de centralização do orçamento, pensando em questões que protejam as nossas comunidades periféricas que incentive a cultura do povo preto, periférico, economia solidária. A gente começa sabendo que tem muita demanda, muito trabalho para ser feito, e aí a gente está na disposição de poder somar em cada uma das lutas que a gente se dispôs a construir dentro dos movimentos que a gente participa e que a gente acompanha”, conclui. 

Sopa sem letrinhas: a magia de não falar

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Experimente o som das coisas na sua casa, sem planejar, experimente as texturas das coisas, temperaturas, cores, cheiros, sentimentos que te passam, como bem cunhou Renata Laurentino, mana de inventividades, tudo isso é “nutrição para imaginação”, nossa, das crias.

Foto: Trilha Favela

A construção da linguagem com Malik, tem sido um processo fascinante, empolgante e mágico. Percebo que de um lado, alguns de nós adultos querem a facilidade das palavras, mesmo que essas não sejam lá muita coisa e tenham suas diversas possibilidades de interpretação. Por outro lado, o convívio diário, a constante troca de gestos e olhares, vão avolumando de uma tal forma que de repente, quase que de imediato, você sabe exatamente o que a criança está pedindo.

Lembro-me de uma cena, com a família em casa e Malik resmungava ainda, hoje com 1 ano e 7 meses já possui algumas palavras, mas lá com seus 4 ou 5 meses os resmungos e suas diversas entonações diziam muitas coisas. Enquanto ele resmungava uma das pessoas presentes pegou qualquer coisa e lhe deu, ele explicitou que não era aquilo, levantei de onde estava, peguei o objeto e lhe dei. Ele me olhou, mas me olhou com uma satisfação, parecia agradecer enormemente com os olhos, pois ele já estava ali a uns 2 ou 3 minutos na demanda, o que imagino que seja uma eternidade pra ele, pois conte ai vc até 8 pra ver rs… Eu também fiquei tão feliz e satisfeito rs.

Enfim, muitas vezes buscamos resolver da forma mais fácil e rápida possível, parece que estamos ansiosos à tudo estar dentro do nosso normal e voltar ao normal o quanto antes, a criança precisa aprender as regras da casa, os tempos da casa, os gostos da casa e ela não pode por nada quebrar o que foi construído com tanto empenho na vida do ser adulto. Estou tratando de forma genérica, sobre observações não só na minha família, mas outros tratos com outras crianças que acompanho desde que cheguei a dar aula em creche.

Eu não pesquiso infância, mas diria, por trocas com amigas, amigos e vivências quão rico é pra nós e para a criança esse encontro no parquinho da construção da comunicação, da linguagem, pois falar, se expressar, não é, nem deve, nem nunca foi regido por palavras, sonoras palavras. O corpo fala e muito, vá pra Bahia e veja se com um ‘hum’, tu não diz um milhão de coisas!?

Quando permitimos nos abrir à escuta, nos permitimos a crescer ainda mais e contribuir para o crescer e para o poder de se manifestar, criar e existir de cada criança, elas ficam tão felizes em contar do mundo delas pra nós, a nos levar pelo mundo delas, que vai se vendo uma criança cheia de auto confiança, esmero, carinho e tantos outros adjetivos crescendo e se erguendo ali, na nossa frente.

Acredito que não nos cabe, de forma alguma dar direção, mas contribuir pro caminhar, oferecer ferramentas, recursos para que ao longo de seu crescimento e até ao longo de sua vida, tenha discernimento e capacidade para sonhar, criar, escolher, se relacionar com o mundão. De longe existe receita pra isso, mas acredito sim que no lugar onde duas pessoas, seja qual for a idade que cada uma tenha, num lugar de escuta plena, sincera e disponível, vai ter magia, vai ter satisfação, alegria.

Satisfação né, palavrinha tão importante, o quanto buscamos satisfação na vida. E acho que ela está ali, no lugar onde eu sonho, elaboro, manifesto e usufruo do sonho. Quantos de nós nos permitimos de pequenas ou grandes formas criar caminhadas de satisfação? Porque se tu tem uma cria, então veja de experimentar, mesmo que seja pintar uma parede, mudar o móvel de lugar ou fazer um prato que tanto quer, faz isso, pra tu ter a experiência e as sacadas que vão te dar recurso para auxiliar e facilitar que sua cria também vivencie isso.

Experimente o som das coisas na sua casa, sem planejar, experimente as texturas das coisas, temperaturas, cores, cheiros, sentimentos que te passam, como bem cunhou Renata Laurentino, mana de inventividades, tudo isso é “nutrição para imaginação”, nossa, das crias. Nossa, delicia demais sô!

E chama a gente pra compartilhar, pra trocar, pra crescermos juntes nesse criar, educar, facilitar, seja lá qual for o termo ou nome que dê! Só chama!