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Plataforma reúne produtores de podcasts da zona norte de São Paulo

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Iniciativa surgiu após a pandemia decretar fechamento de espaços culturais, impedindo a apresentação de artistas e produtores de conteúdo da zona norte de São Paulo. 

Plataforma conecta moradores da zona norte de São Paulo com produtores de podcast das periferias da região. (Foto: Coletivo Mudança de Cena)

Com o fechamento da Casa de Cultura da Vila Guilherme, espaço público de cultura localizado na zona norte de São Paulo, artistas e coletivos artísticos da região ficaram sem um local para realizar apresentações, uma destas iniciativas é a Mudança de Cena, coletivo que se inspirou na pandemia para criar o projeto HUB da Norte, uma plataforma de streaming de áudio que reúne podcasts da região.

Os idealizadores do Hub da Norte são Osmar Araújo e Leandro Senna, integrantes do coletivo Mudança de Cena, que entendeu a importância de reinventar a estrutura das atividades culturais durante a pandemia, levando essas atividades para o ambiente digital.

“Eu pensei em montar uma rádio web, só que a questão de ter uma rádio web é que precisa ter uma contratação de internet diferente, com melhor upload e mais cara, a gente não tem recurso no projeto para esse pagamento. Seria uma rádio web de 3 meses, que era o que tínhamos para pagar.”, conta Osmar. 

A limitação imposta pelo acesso a um bom serviço de internet provocou o agente cultural a repensar o uso dos recursos adquiridos por meio da Lei Aldir Blanc, edital de apoio emergencial a agentes culturais afetados pela pandemia de covid-19.

Após entender que criar uma rádio não seria possível, Araújo iniciou o processo de desenvolver uma plataforma que vai conectar produtores de podcasts com ouvintes que são moradores da Zona Norte de São Paulo, com o objetivo de criar uma rede de produtores e consumidores de áudio.

Os principais assuntos abordados nos podcasts distribuídos na plataforma Hub da Norte são cultura, educação, ciência, direitos humanos e direito à cidade.

A iniciativa tem tudo para fortalecer o campo de produtores de podcasts nas periferias e favelas, um cenário promissor que já noticiamos com o surgimento de diversas iniciativas de podcasts e vídeocasts na quebrada, fato que está conectado também o comportamento dos moradores das periferias que passaram durante a pandemia a consumir mais conteúdos em áudio.

O jovem Igor Fink é um dos parceiros da plataforma que produz podast nas periferias da zona norte de São Paulo. (Foto: Coletivo Mudança de Cena)

Parceiros 

Segundo a Associação Brasileira de Podcasters (ABPOD) cerca de 70% dos podcasts brasileiros surgiram a partir de 2018, e foi nesse período que o jovem Igor Fink, 22, começou a produzir podcasts e hoje é um dos parceiros que distribuem conteúdo no HUB da Norte.

“Conheci o Osmar em 2017 em um projeto deles junto com o SESC. Desde então estamos trabalhando juntos. Eu sempre tive vontade de produzir coisas de algum jeito que agregasse conhecimento a outras pessoas. Quando chegou a pandemia, eu me vi com tempo livre e pensei que seria esse o momento de me dedicar a algo que sempre quis”, relata Igor.

Quando se trata de temas a discutir em seu podcast, Igor explica que os assuntos surgem aleatoriamente, mas de acordo com o que ele gosta de fazer. “Eu gosto muito de música e quando eu comecei a produzir o Herói Genérico não tinha uma pauta específica. Já produzi 15 episódios nele e acho que três foram sobre música, e os outros foram sobre temas variados”, conta.

“Eu queria falar sobre opressões vivenciadas dentro de coletivos, e como lidar com essa questão de raça, gênero e classe”

Amanda Nascimento é uma das parceiras do Hub da Norte para produção e distribuição de conteúdo em áudio.

Amanda Nascimento produz o podcast ‘Se Essa Rua Fosse Nossa’ e distribui o conteúdo no HUB da Norte, que surgiu como um trabalho de conclusão de curso da UNESP, mas que não poderia ficar só na academia.

“O tema do meu o meu TCC era sobre opressão. Eu queria falar sobre opressões vivenciadas dentro de coletivos, e como lidar com essa questão de raça, gênero e classe, essa intersecção dentro dos coletivos”, explica a podcaster.

Amanda afirma que a intenção do podcast não é necessariamente criar um manual de boas maneiras, mas sim de ter um espaço para que mulheres pudessem falar sobre todas as suas questões individuais, de como agregar mulheres negras, mães e LGBTQIA+, trazer à tona o debate em si e acolher todas essas diferenças e principalmente rever os atos dentro dos coletivos.

“Eu não quero dar respostas de como acolher mulheres negras é ‘assim e assim’ que se faz, não, eu queria enfatizar que isso acontece em qualquer estrutura de trabalho, ou até mesmo na militância esses temas sobre racismo, sobre violência contra mulher ou pressões e silenciamentos, o tema é um tabu e quando vamos confrontar ainda há muitos ruídos”, complementa. 

Futuro 

Para o criador da inciativa, a plataforma do Hub da Norte é promissora e ainda tem muito mais para crescer e agregar ao contexto educacional e territorial dos moradores das periferias.

Outro projeto que está no radar do coletivo Mudança de Cena é potencializar a atuação do HUB da Norte, oferecendo no formato de empréstimo infraestrutura e equipamentos para produção e captação de áudio para os produtores de podcast da zona norte.

Osmar conta que pretende dar início ao Fronteira Final, um projeto que visa disseminar conhecimento científico através dos podcasts juntamente com professores da rede pública de ensino da zona norte.

“O projeto a gente já aplicou uma vez e a gente não conseguiu o recurso, mas a ideia é basicamente que junto com algum professor de uma escola pública a gente faça um bate-papo sobre um tema da ciência.”, finaliza.

Comecei a fazer terapia e isso foi muito importante para a minha vida

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A vida tá a milhão e muitas mudanças ocorreram na minha vida. Uma delas foi que eu mudei de trampo, mas isso não vem ao caso. A outra é que eu comecei a fazer terapia. E é sobre isso que vamos falar. 

Vale das Virtudes, zona sul, SP, 2020 – DicampanaFotoColetivo

Olá! Mais uma vez peço desculpas pelo sumiço. A vida tá a milhão e muitas mudanças ocorreram na minha vida. Uma delas foi que eu mudei de trampo, mas isso não vem ao caso. A outra é que eu comecei a fazer terapia. E é sobre isso que vamos falar.

Tenho uma mãe já idosa que quase toda semana cola no postinho de saúde do bairro para alguma consulta de rotina (viva o SUS!). O posto é logo atrás da minha casa, colado na parede mesmo, por isso, meu despertador é o barulho do painel chamando as senhas da galera que vai se consultar. O barulho se estende pela manhã inteira, sinal que o posto está lotado. Sinal que a periferia está tentando se cuidar.

O cuidado com nosso corpo é essencial para que possamos aguentar os trancos da vida. Mas existe um cuidado que nós, que somos da periferia, quase nunca levamos em conta: o cuidado com a mente. Muitas pessoas quando pensam em terapia pensam que isso não faz parte do universo da periferia, afinal, não temos tempo e é “besteira”, mas cuidar da nossa mente é uma das coisas fundamentais do nosso dia-a-dia, pois não somos máquinas e precisamos fazer a manutenção de todas as informações e acontecimentos que nos cercam.

Eu enrolei bastante e até cheguei a marcar uma consulta com um psicólogo online no início do ano, mas não compareci. Não sei se por medo ou por achar que eu já estava bem… mas bem do que mesmo? Nem eu sabia o que se passava na minha mente. Só sei que após anos e anos de traumas diretos e indiretos (a periferia sabe muito bem o que é isso) eu entendi que necessitava dessa ajuda.

Mas toda vez que refletia sobre o assunto, já pensava automaticamente em desculpas: não tenho dinheiro, não tenho tempo, não sei nem o que vou falar na hora…Mas nem por isso eu deixava de indicar esse tipo de ajuda para as minhas amizades.

Passados alguns meses, eu finalmente encontrei um local que poderia me atender com um preço muito mais acessível (eu pago 10 conto por sessão). Foi uma amiga da quebrada que me indicou. Existiam duas possibilidades: o atendimento online ou presencial. Por estar cansado da ‘tela’ (que é inclusive um dos motivos de procurar ajuda) eu optei pelo modo presencial, mesmo sendo 2 horas da minha casa. E não me arrependo nem um pouco.

Encontrar um profissional que me escutasse foi um alívio imenso após todos esses meses vivendo em uma situação pandêmica. Muitos dados, inclusive, apontam para um número crescente de busca por terapia na pandemia, sinal de que não foi (e não está) fácil manter a cabeça no lugar, seja pelas mortes que nos cercaram, pela angústia de ficar só e até por vícios adquiridos com essa nova rotina.

Luiz Lucas no Instituto favela da paz, Jardim Nakamura, zona sul de São Paulo.

Até o momento eu fiz três sessões, mas já me sinto muito mais leve e já estou conseguindo colocar as coisas no lugar. Por isso encerro o texto de hoje com um pedido: caso sinta necessidade, não tenha vergonha de admitir e busque por tratamento psicológico. Nossa geração vem sofrendo impactos muito fortes em virtude das novas tecnologias e assim como tudo na vida, existem os dois lados da moeda.

Ao mesmo tempo em que esse avanço nos traz inúmeras possibilidades de aproximação, o excesso de informação faz com que a gente não respeite nosso ritmo, nosso corpo e nossa mente. Por isso, se cuide, quebrada! 

Abaixo está uma lista de lugares que você pode procurar por atendimento psicológico gratuito ou com baixo custo em São Paulo: 

Universidades 

PUC – Site: https://www.pucsp.br/clinica/

Anhembi Morumbi (Mooca)
Telefone: (11) 2790-4561 / 4531
Inúmeras universidades possuem atendimento gratuito ou a baixo custo, com atendimento feito por estudantes supervisionados por professores profissionais da área de psicologia. 

Clínica Social Casa 1 

Site: https://www.casaum.org/clinica-social/

Atendimento psicoterápico para pessoas em situação de vulnerabilidade, com as populações LGBTQIA+ e preta.

Abrape (Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas) 

WhatsApp: (11) 98085 2139

Atendimento gratuito para pessoas que estão desempregadas e com baixa renda familiar. 

Confira 6 formações culturais na quebrada que estão com inscrições abertas

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Entre aulas de música, grafite e práticas corporais, separamos seis formações espalhadas pelas periferias de São Paulo que estão com inscrições abertas.

Desfile do Bloco do Beco – Foto: Maloka Filmes

Com o avanço da vacinação contra a covid-19, muitos espaços culturais nas quebradas estão voltando a atender o público e oferecer atividades de forma presencial seguindo os protocolos recomendados de cuidados como o uso de máscara e álcool em gel. Entre formações que vão desde música a grafite, listamos atividades que estão rolando e com inscrições abertas para moradores das periferias aproveitarem ainda este ano.

Na quebrada existem diversos aspectos que são importantes para a saúde da população, como a ampliação do SUS, educação, transporte e alimentação, como coloca a socióloga Anabela Gonçalves, que reforça a importância do cuidado também no aspecto subjetivo da saúde, que envolve todos os sentimentos que trazem saúde mental e emocional, sendo que a cultura e o esporte têm esse papel para além da saúde física, mas também mental e emocional. 

“A cultura e o esporte proporcionam a possibilidade do desenvolvimento do indivíduo a partir do corpo e de alegorias sociais que promovem o questionamento, a participação no coletivo e a criação”

afirma Anabela Gonçalves, socióloga, atuante nas áreas de gênero, política e cultura, e presidenta da organização social Bloco do Beco, referências em ações de impacto social, cultural e educativo no Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo.

Ela também afirma que as periferias são espaços de manifestações culturais que fortalecem nossas relações raciais, de gênero e classe. “Assim também se estabelece um espaço de educação popular, onde os jogos, os textos, as apresentações são meios para nossa autonomia”.

Foi com o objetivo de fortalecer a autonomia do morador da quebra à base da educação popular, que o Desenrola selecionou seis atividades gratuitas promovidas por espaços e movimentos periféricos. Além das atividades que listamos aqui, esses locais oferecem uma variedade de formações que recebem inscrições ao longo do ano inteiro. 

Confira:

Bateria Feminina – Bloco do Beco

Com possibilidade de aprender a tocar instrumentos como cuíca, agogô, chocalho, tamborim, repique, caixa e surdo, as inscrições estão abertas para pessoas que já sabem tocar, e as que ainda não sabem também. As aulas terão início no dia 19 de novembro, com encontros todas às sextas, das 20h às 22h e serão conduzidas pela percussionista Ju Guilherme, que junto com a organização buscam montar a bateria feminina do Bloco do Beco.

Inscrições: Formulário

Local: R. Bento Barroso Pereira, 2 – Jardim Ibirapuera, São Paulo – SP, 05815-085

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A associação cultural Bloco do Beco tem ainda outras atividades que acontecem ao longo da semana, como dança e maracatu.

Grafite – Movimento Cultural Ermelino Matarazzo 

A oficina será conduzida pela artista Kari Rodrigues, com início no dia 14 de novembro e seguirá até final de dezembro deste ano, das 12h às 14h. Todos os materiais para as atividades serão fornecidos pelo espaço cultural.

Inscrições: Direto no espaço.

Local: Av. Paranaguá, 1633 – Jardim Belém, São Paulo – SP, 03809-170

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Até final deste ano, o Movimento Cultural Ermelino Matarazzo segue realizando outras oficinas, como a de DJ, capoeira e trompete que já estão rolando. 

Vozes em Movimento – Casa de Cultura do Campo Limpo 

Destinado às mulheres, a oficina trará como parte da metodologia exercícios práticos de corpo e voz e será ministrada pela artista Juliana Amaral. As aulas acontecerão nos dias 16, 18, 23 e 25 de novembro, das 18h às 21h, e fazem parte do projeto “Tantas Vozes”, em parceria com o grupo As Graças.

Inscrições: Formulário

Local: R. Aroldo de Azevedo, 100 – Jardim Bom Refugio, São Paulo – SP, 05789-000

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A Casa de Cultura do Campo Limpo oferece uma série de atividades voltadas principalmente para o aspecto artístico cultural, com inscrições ao longo do ano

EJA – Cieja Campo Limpo CIEJA 

O Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos do Campo Limpo está com matrículas abertas para a turma de 2022 para as aulas do EJA – Educação de Jovens e Adultos. As aulas têm duração de duas horas e 15 minutos por dia e podem ser realizadas nos períodos da manhã, tarde ou noite.

Inscrições: Direto no espaço, levar documento com foto.

Local: Rua Cabo Estácio da Conceição, 176 – Parque Maria Helena, 05854-060, São Paulo – SP. Telefone: (11) 5816-3701

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Capoterapia – Casa de Cultura da Brasilândia 

As aulas são ministradas pelo capoeirista Antônio Prado, com turmas de terças e quintas, e trabalha com elementos da capoeira voltados para pessoas que não têm o costume de praticar atividades físicas.

Inscrições: Formulário

Local: Praça Benedicta Cavalheiro, s/nº – Freguesia Do Ó, 02675-031, São Paulo.

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Território Hip Hop – Casas de Cultura do Hip Hop 

Dj, Mc, grafite e breaking são os quatro elementos do hip hop que serão trabalhados nas oficinas do programa “Território Hip Hop”, que acontecerão em onze espaços culturais. As atividades acontecerão em diferentes dias e horários, conforme o local escolhido, entre eles: Casa de Cultura do Hip Hop Leste – Cidade Tiradentes, Casa de Cultura do Hip Hop Noroeste – Perus, Casa de Cultura do Hip Hop Norte – Jaçanã, Centro Cultural Grajaú, entre outros sete centros culturais espalhados pela cidade.

Inscrições: Formulário

Local: Espaços culturais em São Paulo.

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“Pessoas do meu convívio falaram que a vacina não é essencial”, diz estudante de nutrição do Jardim Ângela

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Contato com estudos científicos na área de saúde fez a diferença na vida da estudante de nutrição Milena Aquino, para ela orientar familiares a não desistir de se vacinar contra a covid-19.

Milena Aquino orienta a sua mãe Maria Bispo a se precaver contra as fake news. (Foto: Flávia Santos)

 Após vacinar 80% da população contra a covid-19, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo anunciou nesta segunda-feira (8), que não registrou nenhuma morte causada por covid-19.

Mas antes desse número ser celebrado pela sociedade e comunidade médica, muitas pessoas pretas e periféricas tiveram suas vidas ameaçadas pela desinformação, uma situação que afetou familiares de Milena Aquino, 20, moradora do distrito do Jardim Ângela, zona sul da cidade de São Paulo.

Milena é estudante de nutrição e está cursando o último ano do curso. Durante esse período de contato com pesquisas cientificas para desenvolvimento de tratamentos médicos, a jovem conta que foi fundamental consumir informações da área de saúde que nem todo cidadão tem acesso.

“Como estudo esta área sei que nada é tão simples para ser aprovado. Os estudos científicos precisam ser embasados e pautados por várias pessoas e responsáveis para se criar as vacinas, então este conhecimento me fez não acreditar nas falsas informações” afirma Milena.

Em outubro, o estado de São Paulo atingiu 151 mil mortes em decorrência de complicações médicas causadas pelo novo coronavírus. Além disso, foram registrados mais de 4,4 milhões de casos confirmados de covid-19 em São Paulo durante toda a pandemia.

A família da estudante de nutrição poderia fazer parte destas estatísticas, se a jovem não fosse resistente para contrapor as fake news que afetaram familiares próximos, que fazem parte do seu convívio. 

“Vi pessoas do meu convívio falando com propriedade que a vacina não é essencial e dentro disso trazendo fatores para não tomar. Porém sem baseamentos nem nada, e sim trazendo ideologias de pessoas que pensam que não se deve vacinar”

diz Milena.

Milena mora com seus pais e sua irmã mais velha, no bairro Cidade Ipava – Jardim Ângela (Foto: Flávia Santos)

A jovem foi uma das 44 pessoas pretas e periféricas, em sua maioria jovens mulheres, entrevistadas pelo Info Território, programa de produção de dados do Desenrola, para entender a partir de um recorte territorial como as fake news e a desinformação impactaram moradores do Jardim Ângela, distrito com mais de 300 mil habitantes, onde 60% da população se autodeclara preta ou parda.

O ápice do impacto das fake news aconteceu quando pessoas dentro da sua casa tomaram a decisão de não se vacinar. “Alguns familiares demoraram para querer tomar a vacina, precisando haver insistência entre os familiares próximos”, conta a estudante.

Milena acredita diz que as fake news afetaram principalmente a população periférica. “As fakes news impactaram negativamente gerando pensamentos e ideologias. Com isso é possível encontrar pessoas próximas que não pretendem se vacinar e trazem esses conceitos como algo 100% verdadeiro para a vida deles”, conclui.

*Esta reportagem foi produzida com o apoio do Fundo de Resposta Rápida para a América Latina e o Caribe organizado pela Internews, Chicas Poderosas, Consejo de Redacción e Fundamedios. O conteúdo dos artigos aqui publicados é de responsabilidade exclusiva dos autores e não reflete necessariamente a opinião das organizações. 

Bolsonaro: para além do burro, para além do louco, para além do incompetente

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Esperamos que um presidente não seja um fascista, mas é fato que ele nunca se escondeu, nunca disse que seria melhor do que foi e nunca se negou a usar todos os meios possíveis para ser o que é.

Ato pró Bolsonaro no 7 de setembro de 2021 na Avenida Paulista. Foto: Agnes Roldan

A figura de Bolsonaro é constantemente explorada para uso de memes e críticas onde ele seria burro, um líder louco ou um incompetente, mas ele não é nenhum desses três, Bolsonaro é uma das melhores criações já feitas para mudança de poder no Brasil. Em 2016 ele fala abertamente que seria presidente, em meio a risadas ninguém confia em suas falas e suas “piadas”, mas em 2018 ele ganha a eleição e desde então não é retirado do poder.

Chamar um homem que esteve no poder por mais de 25 anos antes de ser presidente de burro, é ser muito inocente sobre a construção da imagem que ele projeta, chamar de louco é ousar dar a ele o benefício da justificativa de suas ações e chamá-lo de incompetente é não entender o propósito de seu governo. Claro, esperamos que um presidente não seja um fascista, mas é fato que ele nunca se escondeu, nunca disse que seria melhor do que foi e nunca se negou a usar todos os meios possíveis para ser o que é.

Dispenso aqui as minhas críticas a quem o colocou no poder, a eleição de Bolsonaro não foi um jogo limpo, foi repleta de uso de marketing, de dados e de fake news, às ferramentas utilizadas por ele foram utilizadas também por Trump e isso é algo mais profundo que só “você acreditou nele”, estamos lidando com os dados e as vidas dessas pessoas que foram invadidas para gerar paixão por algo.

O bolsonarismo é mais forte que Bolsonaro e carrega valores presentes na sociedade brasileira a décadas, mas esse texto não buscará tratar dos votos, do bolsonarismo ou de críticas a cidadãos, mas sim focar em explorar a figura do presidente, com base no que sabemos de suas ações até agora e de uma pasta que guardo a alguns anos com mídias do agora presidente, buscarei escrever sobre a figura por trás da presidência.

Um burro não colocaria um secretário para falar frases nazistas, um incompetente não se seguraria 4 anos no poder com apoio desse mesmo poder, até porque a eleição de Bolsonaro foi apoiada por figuras como João Doria, Fernando Holiday, Arthur do Val entre outros.

Isso não pode ser esquecido, eles sim não eram inocentes sobre o fim desse governo. Um louco não viria a público modificando sua imagem ao longo dos anos, moldando suas falas entre agressividade, cristianismo e paixão.

Um fascista pode fazer tudo isso, e o faz bem.

O projeto é necropolítica, ele conseguiu tudo o que quis, ele não queria pobres com armas, rir das pessoas que não conseguiram comprar um revólver é muita emoção, pois as classes mais altas adquiriram mais armas nesse tempo de governo, é para eles o benefício.

O Brasil dobrou o número de armas nas mãos de civis segundo uma matéria que saiu em julho deste ano: “número de armas registradas na Polícia Federal passou de 637 mil, em 2017, para 1,2 milhão, em 2020. Além de novas pessoas se cadastrando para ter armas, houve também um aumento do arsenal. Decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro e autorização pela PF para a compra de quatro armas de fogo por pessoa fizeram com que mais armas entrassem em circulação.”

Em meio a risadas sobre a fala da ministra Damares “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, um vídeo da mesma ministra acusa indígenas de realizarem estupro coletivo e saírem impunes por conta de ser um ato cultural de tribo, o foco passa a ser a risada enquanto eles realizam o plantio de suas ideias sem esforço. Assim como foi a eleição toda, Bolsonaro recentemente fala: “quem nunca contou uma mentirinha?”, quando foi questionado sobre fake news e mesmo assim não é retirado de seu cargo. Alguém se incomoda? Ou só tiram seu corpo e dizem que nada podem fazer agora?

Seu objetivo foi realizado e está plantado, as ideias de antidemocracia passam a fazer parte do nosso cotidiano sendo praticamente um ato normalizado, já ao ponto de estar constantemente nas piadas. A antipolítica continua e agora alguns se atracam para conseguirem fazer uma “terceira via”, sair pela culatra e alimentam um discurso “tudo, menos o Bolsonaro”, sem saber que ao fazer isso você deixa espaço livre e a ideia é ter uma posição formada, você não pode deixar certas brechas.

A figura de Bolsonaro em meio a rejeição e a um futuro em que sabemos que ele não irá se reeleger ainda é utilizada por alguns como “se fosse um segundo turno, alguém X Bolsonaro, pode ser qualquer um”. A essa altura, imagens assim ainda circulam e o que parece ser uma crítica ou algo poderoso, na verdade sustenta simbolismos.

Algumas de suas falas não podem ser desfeitas, assim não há pedido de desculpas, nem de reconciliação, apenas demonstrações de poder como a descida dele no 7 de setembro. Assim como a simbologia fascista ao andar de moto, assim como tantas outras coisas que parecem minúsculas, mas que movem nossos maiores medos, nossos anseios de infância, nossas paixões e lembranças de ensinamentos que nem lembramos.

Deixo claro nesse ponto do texto que ele não busca defender ninguém que votou em Bolsonaro, nem pedir clemência, mas sim reunir algumas impressões do que compreendo até agora sobre essa figura presidencial que foi moldada e construída, não foi um sucesso, mesmo assim adentrou o poder, e que após tudo o que fez, após tantas mortes, não vemos a CPI sendo tão martelada em todos os canais como foi a Lava Jato. 

Não acredito na força de sua reeleição, nem cogitaria isso, mas é fato que temos uma grande jornada pela frente acerca de como o poder agirá e o que nos aguarda após tantas mortes e crimes que seriam inimagináveis para algumas pessoas até meses atrás. 

Ao contrário do que é reproduzido, o público que votou em Jair Bolsonaro não é idoso e burro, essa é uma suposição preconceituosa, o eleitorado de Bolsonaro tinha maior escolaridade, focando em perfis de homens com ensino médio ou superior completo, segundo as pesquisas da época.

As mulheres tinham mais resistência, mesmo assim, segundo um artigo da FESPSP, ao longo do tempo sua campanha foi tentando conversar mais com esses grupos mais distantes, ao ponto de serem criados grupos de facebook “mulheres com Bolsonaro” entre outros.

A antropóloga Rosana Pinheiro Machado ainda divide os eleitores em três, os caracterizando de maneiras diferentes e especificando que o eleitorado mais pobre seria aquele com o qual conseguimos criar um diálogo, este assume que o Lula fazia algo. Existem entre esses três, o rico altamente escolarizado que deseja se livrar do pobre por meio desse governo, e existem os precariados que estariam entre ricos e pobres e que teriam diversificados perfis e seria aí que moraria nosso medo.

Ele ganhou através também da antipolítica, mas o seu discurso vinha carregado de ideais que perseguem o Brasil a décadas. O medo do comunismo se inicia na década de 30 a 40, não é algo novo, naquela época a imprensa chega a noticiar, mas ao menos na mesma época o Brasil teve inícios de formações organizadas nesse sentido. 

Hoje não mais, mas essa história, a mensagem anticomunista, é colocada em confronto com uma democracia ameaçada e mensagens implícitas de fascismo, esse terror vem sendo carregado e se fortaleceu com as “crises” em países como Venezuela, sendo expostas em rede nacional na mesma época. Aqui estamos falando de altas paixões, de altos ideais, de altos amores, não é algo tão simplificado como poderíamos pensar.

Pode parecer óbvio dizer que o Brasil nunca foi comunista, mas para um país onde o pobre era só sujeira e não tinha poder de consumo nenhum, ver pobres fazendo rolezinho dentro de shoppings, em locais nobres da cidade de São Paulo, é um passo maior que a perna do ponto de vista higienista ao mesmo tempo que a classe média que ascendeu se vê sem tanto poder de compra em meio a “crise”. Classe ascendida graças às políticas de consumo nos governos petistas.

Isso se intensifica com o fervor da Lava Jato, a retirada da então presidente Dilma por meio de um golpe e o início da preparação de um governo com Bolsonaro a partir da assumida de Temer. Assim que Temer assumiu, Jair sabia que venceria, esse foi o jogo perfeito, Dilma seria massacrada em rede nacional e o próximo passo seria impedir Lula de concorrer, eles conseguiram realizar cada passo do plano, a essa altura retirar ele do imaginário nacional seria muito difícil, até então (acredito eu) ninguém teria se utilizado tanto de tecnologia em uma eleição. 

Enquanto isso o MBL continuava a pregar antipolítica sendo extremamente político e apoiando o PSL, diversos futuros governantes se apegam a figura de Bolsonaro e assim também sobem. João Dória, na mesma época, fala abertamente que a Polícia Militar de SP poderia matar. Viva Doria terceira via? Nada assim seria realizado sem uma boa jogada, ele não é um louco, um burro ou um incompetente, ele é um fascista, é um criminoso e deveria estar preso. 

Ato pró Bolsonaro no 7 de setembro de 2021 na Avenida Paulista. Foto: Agnes Roldan

Não falo aqui somente como quem acompanhou essa trajetória, mas como quem aos 7 anos conheceu Geraldo Alckmin. Naquela época ele rodou igrejas e assistia aos cultos com sua família, se manteve anos no poder antes de abrir alas para Dória.

Bolsonaro, muito antes do que todos previam, vai comer hóstia e ser batizado em uma das igrejas mais ricas em dinheiro e poder de manipulação do Brasil, vai ser apoiado por homens de Deus estudados e influentes como Silas Malafaia, vai ser visto como o cara bobão que fala besteira às vezes, mas foi criado próximo a Jesus, pois Jesus aqui simboliza o capital.

Olhe em qualquer nota que você tem em casa e veja a mensagem “Deus seja louvado”, parte da esquerda vai reproduzir sem intenção esse discurso dele ser um asno e sendo um asno ele irá completar 4 anos de governo, é esse asno que conseguiu auxiliar abertamente na morte de mais de 600 mil pessoas, esse asno mexeu em estruturas de ministérios, esse asno levou vários outros meninos brincalhões com ele para praticar o jogo da necropolítica. 

E agora quem é o burro, louco e incompetente? Como com tantas subjetividades o patriotismo autoritário não poderia conviver com a democracia? 

“O Brasil não me respeita, quer me ver morrer

Quer um preso a mais

Por quê que eu fui nascer?”

Facção Central, 12 de outubro

Agentes Populares de Saúde apoiam pessoas em situação de rua contra a Covid-19 no Jardim Miriam

Durante as entregas de marmitas para a população em situação de rua no Jardim Miriam, na zona sul de São Paulo, as agentes perceberam a necessidade de expandir o atendimento e começar a monitorar a saúde dessa população na região.

Letícia Santos durante a entrega de marmitas que acontece todos os dias, no núcleo da Uneafro localizado no Jardim Miriam. (Foto: arquivo pessoal)

Criado em 2020, em meio a pandemia da Covid-19 no Brasil, o projeto Agentes Populares de Saúde da Uneafro, tem como objetivo capacitar líderes comunitários para se tornarem agentes dentro de seus próprios territórios, ação que abrange todo estado de São Paulo através de núcleos de atuação. O núcleo localizado no Jardim Miriam, bairro pertencente ao distrito de Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, ajudou a fundar o projeto e atualmente atende pessoas em situação de rua na região.

Atuando diretamente com os cursinhos populares e com a iniciativa Pagode na Disciplina, Luana Vieira, Leticia Santos e outros organizadores, perceberam a necessidade alimentar que os jovens e as famílias da região estavam passando durante a pandemia, principalmente com as aulas paralisadas.

“Assim que anunciaram a pandemia e fechamento das escolas, a Luana que é a diretora geral do Pagode na Disciplina teve a ideia de fazer marmitex, porque a gente sabe que na comunidade, as crianças além de irem pra escola pra alfabetização, vão também por conta da alimentação”, relata Letícia Santos, coordenadora do núcleo de cursinho da Uneafro no Jardim Miriam, agente popular de saúde e irmã de Luana.

Inicialmente, o dinheiro para a compra dos itens necessários para a distribuição das marmitas veio através da Luana Vieira, que logo passou a ter o apoio da Uneafro, além de doações de diversas pessoas. Atualmente as marmitas para a população em situação de rua são distribuídas com o apoio da Uneafro, e as cestas básicas para as famílias da região, são doadas através da campanha “Tem Gente com Fome”, puxada pela Coalizão Negra por Direitos.

Nos primeiros meses, as marmitas começaram a ser feitas e entregues aos estudantes, motivadas principalmente pelo período em que as escolas estavam fechadas. Mas após o núcleo identificar as lacunas que aumentaram no território, as marmitas passaram a ser entregues para pessoas em situação de rua.

Por dia, começaram a ser entregues 200 marmitas para os jovens estudantes, depois vieram os pais, tios e outros parentes dos alunos, e com quinze dias, chegou grande parte da população em situação de rua na região. Com o surgimento da nova demanda, mais de 600 famílias foram cadastradas para a retirada de cestas básicas, e a entrega das marmitas foi direcionada apenas à população em situação de rua.

“Começamos a fazer um mapeamento das famílias que têm condições de cozinhar em casa, de fazer o alimento… então a gente entrega a cesta básica para essas pessoas e deixa a marmitex apenas para as pessoas em situação de rua”, explica Letícia.

Agentes Populares de Saúde da Uneafro 

O contato direto com a população em situação de rua da região, que estavam presentes todos os dias nos mesmos horários para fazer a retirada da marmita, despertou nas Agentes Populares de Saúde do núcleo, a necessidade de incluí-los também no projeto, pois Letícia e Luana perceberam a desinformação e desassistência que afetam fortemente esse grupo. 

“Através das marmitex a gente começou a pensar: ‘o que mais tá faltando pra comunidade?’ Porque os moradores de rua, todos eles vem desde o ano passado, são sempre os mesmos rostos e aí às vezes faltava um e a gente perguntava. E aí começou vir essa necessidade de ter algo a mais no território”

conta Letícia, que relembra de uma conversa em que perguntou sobre uma pessoa que acompanhava e um colega a informou que a pessoa havia falecido, mas que não tinha como saber se era ou não devido a Covid.

Mais de 600 famílias foram cadastradas para a retirada de cestas básicas, e a entrega das marmitas foi direcionada apenas à população em situação de rua.

O projeto Agentes Populares de Saúde da Uneafro, consiste na formação de agentes de saúde em cada comunidade, para o mapeamento de pessoas infectadas na região. Essas pessoas são monitoradas semanalmente pelas agentes de saúde, que realizam visitas na residência, contato via telefone com o paciente e os parentes, fornecimento de medicamentos, acompanhamento ao hospital e internação. Os agentes fazem a ponte com os médicos voluntários do projeto, que analisam caso a caso e instruem os agentes nos próximos passos.

“Quando temos algum infectado, sempre priorizamos o monitoramento total da família para tentar bloquear a disseminação do vírus, visto que o ambiente familiar é sempre em cômodos muito pequenos, sem ventilação, etc”, esclarece Luana Vieira.

Bruna, Gladis, Amanda e Cleber foram os médicos responsáveis por pensar na ideia do projeto. “Depois de uma reunião começamos a pensar e estruturar os agente populares de saúde em um esquema inspirado no SUS, pessoas da própria comunidade ali do local, da região, sendo capacitadas para poderem monitorar casos de covid”, conta a médica, Bruna Silveira.

Além de estar na coordenação do projeto, Bruna Silveira é a médica voluntária do Núcleo do Jardim Miriam. Ela diz que um dos principais objetivos do projeto é garantir que quem não precise ir ao hospital, fique em casa, tanto para evitar sobrecarga dos serviços de saúde, quanto para evitar a medicação desnecessária.

“Quando os casos são leves, nós temos critérios para isso, eles [agentes de saúde] são treinados para saber quais casos são leves, fazem o monitoramento, junta tudo, e no final do dia passam para o médico que está na escala, aí o médico avalia todos os casos do dia e vê se tem algum que precisa falar com a pessoa, e vai mandando as orientações gerais e monitorando através das agentes”

explica Bruna sobre os atendimentos, ressaltando que as agentes populares de saúde monitoram os casos de Covid e também os casos de pós-Covid.

Com a população em situação de rua o processo é um pouco diferente. Letícia conta que faz o monitoramento com o termômetro de testa e mede a saturação para saber como eles estão se sentindo ou se desenvolveram algum sintoma, isso na própria fila para retirar a marmita. Ela também monitora para saber se eles já tomaram a vacina ou não.

Na fila acontece todo o processo de conscientização a partir de conversas, cartilhas informativas, entrega de máscaras e álcool gel para todos. O núcleo também sai nas ruas com uma caixa de som em cima de um triciclo, alertando sobre os cuidados de prevenção que é necessário ter com a doença.

Quando uma pessoa em situação de rua não vai até a fila para retirar a marmita, Leticia e outros agentes saem em busca dela para saber o que aconteceu, já que diferente de outras pessoas monitoradas pelo projeto, eles não têm local fixo para serem encontrados. Para realizar o acompanhamento, sempre vão pessoalmente em busca da pessoa que possa estar infectada.

Agentes Populares de Saúdem mede a saturação das pessoas em situação de rua perto da região. (Foto: arquivo pessoal)

A coordenadora do núcleo conta que já tiveram casos de quatro pessoas que fizeram o monitoramento e foi um momento delicado, porque eles tiveram sintomas graves, um deles chegou a ficar internado, e tiveram que procurá-lo pela região após não ir retirar a marmita, o que despertou um sinal de alerta nas profissionais.

“Eu precisei ir na praça do Jardim Miriam e outras próximas a região procurar aquele que estava naquele momento com o vírus. Aí mede a saturação, mede febre, dá medicamento, então eu ficava responsável pelo medicamento e todos os dias no horário do remédio eu saia a procura dessa pessoa”, conta Letícia, sobre o caso de uma pessoa que foi infectada.

Luta contra a desinformação 

Para a médica Bruna Silveira, a desinformação é um dos maiores desafios do projeto, em todas as escalas e com todos os públicos. Desde fake news em relação a eficácia das vacinas, uso de máscaras, até os remédios contra indicados e sintomas da doença.

A conscientização é feita através das campanhas da internet que atinge principalmente o público jovem, até os lambe-lambes nos postes, entregas de cartilhas informativas, e o boca a boca na rua, com uma caixa de som no triciclo.

“A gente viu muito isso, qualquer pessoa do projeto que a gente monitorou que bateu no posto de saúde, precisando ou não, voltava com o tal do ‘Kit Covid’ apresentado de diversas formas, mas sempre com medicações que não tinham evidência contra a Covid, e que não só não iria oferecer benefícios, mas ofereceria riscos”

alerta Bruna Silveira.

Informações sobre cuidados contra a covid-19 são divulgados com uma caixa de som no triciclo.

Letícia também lidou diretamente com a dificuldade de conscientizar a população em situação de rua para se protegerem da doença, muitos não queriam usar as máscaras e achavam desnecessário passar álcool em gel com tanta frequência. A dificuldade inicial também foi conquistar a confiança deles, que acreditavam que os agentes poderiam ser portadores da doença e expuseram uma triste realidade:

  • Mas senhora, o Covid ele nao pega através de contato? – (pessoa em situação de rua)
  • Sim, é através de contato. – (Leticia)
  • Então é mais fácil vocês passarem pra nós, do que nós pra vocês. Quem vai pegar na mão de um morador de rua? Ninguém pega na nossa mão – (pessoa em situação de rua)

Compartilha Letícia sobre um dos diálogos que teve ao longo dos acompanhamentos.

Além disso, Luana conta que o processo de repetição de todas as medidas de segurança precisa ser constante. “Temos que ficar repetindo diversas vezes, pedindo para fazer uso da máscara, de usar álcool, perguntar se tomou vacina… tem morador de rua que às vezes está sob efeito de álcool ou drogas e que não sabe dizer se tomou vacina”, expõe Luana Vieira, uma das coordenadoras do projeto no Núcleo do Jardim Miriam. 

Espaço de confiança 

A construção de um ambiente confortável para todos veio com o tempo, pois a população conseguiu construir laços e confiar nas agentes de saúde do projeto. “Hoje eles mesmos se organizam na fila, eles falam ‘ah, é um metro de distância’. Tudo foi uma construção, um linguajar deles, porque você tem que saber lidar com uma pessoa nessa situação”, relata Letícia.

Para Bruna Silveira, a confiança desenvolvida nas agentes e o processo de construir um ambiente que além de amparar a saúde, garanta a alimentação nesse momento duro da pandemia, faz com que o trabalho seja melhor desenvolvido, de forma rápida e eficiente, principalmente para alertar toda a população do bairro referente às fake news.

“A Letícia e a Luana já tem esse vínculo com a população local, seja as que têm moradia, ou as que estão em situação de rua e por conhecerem tanto elas, na vigência de qualquer sintoma, eles já sabiam para onde correr […]. Não à toa, a gente viu que as taxas de letalidade e mortalidade do nosso projeto são muito abaixo das taxas de letalidade da Covid no Brasil”, enfatiza Bruna Silveira sobre a eficiência do projeto no combate a pandemia de coronavírus.

 *Esta reportagem foi produzida com o apoio do Fundo de Resposta Rápida para a América Latina e o Caribe organizado pela Internews, Chicas Poderosas, Consejo de Redacción e Fundamedios. O conteúdo dos artigos aqui publicados é de responsabilidade exclusiva dos autores e não reflete necessariamente a opinião das organizações.

Crise econômica aproxima mulheres da quebrada de aplicativo de compras e afasta do supermercado

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A compra dos alimentos é feita pelo app com preços competitivos em relação aos mercados da quebrada, e a retirada dos produtos é feita posteriormente na casa de vizinhos credenciados como pontos de distribuição. Entenda essa nova forma de consumo nas periferias e favelas de São Paulo.

Giovanna Alves mostra um dos produtos que conseguiu comprar pelo aplicativo com uma diferença de preço 200% mais barato. (Foto: Renata Alves)

“Quando vi o aplicativo eu já gostei por causa dos valores, as coisas eram muito baratas”, conta Elvira Campos, 58, moradora do Jardim Kagohara, bairro da zona sul de São Paulo, que está usando o aplicativo Facily, solução de social commerce que incentiva os usuários a realizar compras coletivas de diversos produtos, entre eles estão itens de alimentação.

Através da criação de grupos formados por consumidores, que em sua maioria são mulheres que fazem a gestão financeira da casa, o app apresenta ofertas de produtos que chamam a atenção das usuárias, que frequentam o supermercado diariamente e conseguem fazer uma boa avaliação dos preços.

Outra moradora que tem usado o aplicativo por causa dos preços baixos em relação aos supermercados é Giovanna Alves, 20, vizinha da dona Elvira. Ela relata que economizou mais de 100% nas suas últimas compras no app.

“Eu lembro do sabão em pó que a gente comprou ele era de 500 gramas, e no mercado custa em média de sete a oito reais, e lá no aplicativo eu consegui comprar ele por 1,99”

Giovanna Alves é moradora do Jardim Kagohara, bairro da zona sul de São Paulo.

Em meio a alta da inflação que afeta diretamente os preços de produtos da cesta básica, a dona Elvira aproveita o Facily para economizar na compra de itens como arroz, leite e óleo.

“Eu lembro do sabão em pó que a gente comprou ele era de 500 gramas, e no mercado custa em média de sete a oito reais, e lá no aplicativo eu consegui comprar ele por 1,99. Nessa compra eu vi o preço do ovo também, pois agora o ovo está mais caro, e lá no Facily eu encontrei 30 ovos por 10 reais, só que eu fiquei com medo de comprar e estragar ou quebrar”, conta Giovanna.

Em meio à crise econômica que afeta muitos moradores das periferias, a jovem destaca que o app está ajudando muitas pessoas que não conseguem fazer compras no supermercado.

“Tem muitas pessoas que compra pelo aplicativo que não consegue ter a oportunidade de comprar em mercado normal pelo valor, então é muito bom para as pessoas que são mais necessitadas, que não consegue fazer a compra do mês e não recebe um salário inteiro no final do mês”, pontua.

Compra e entrega de produtos 

A única ponderação que ela faz em relação ao aplicativo é em relação a dificuldade para realizar os processos de compra e os pontos de distribuição que ainda precisam aumentar na quebrada.

“Como ele não é tão objetivo não é tão fácil usas, acho que umas pessoas que não sabe mexer com tecnologia não consegue comprar. E o fato de não ter muitos pontos de entrega também dificulta bastante se a pessoa tem dificuldade de se locomover”, avalia a usuária do app.

Embora os valores sejam bem atrativos, a dona Elvira que tem um ponto de distribuição concorda com Giovanna e conta que a entrega dos itens comprados ainda é um ponto a ser melhorado pelo app de compras coletivas.

“O ponto de entrega era aqui perto de casa, mas a mulher responsável pelo ponto desistiu, por isso eu quis pegar para mim. Eu falei: bom já que ela saiu, vou ver se eu coloco, já que minha casa é um ponto de entrega, meus produtos vêm para cá mesmo”, explica.

“A entrega não é rápida, para chegar no ponto tem produtos que levam de 15 a 30 dias”

Elvira Campos, 58, possui um ponto de entrega de produtos do aplicativo Facily.

A moradora foi estratégica ao tomar a decisão de transformar a sua casa em um ponto de distribuição, no entanto, ela conta que vem lidando com problemas em relação a demora para a entrega dos produtos.

“A entrega não é rápida, para chegar no ponto tem produtos que levam de 15 a 30 dias, mesmo assim compensa”, afirma ela, apontando que uma alternativa para essa questão do tempo de entrega é comprar uma coisa que não esteja precisando no momento. “Você sabe que vai demorar, mas que vai chegar”, complementa.

Por dia, Elvira recebe em sua casa de dois a três pedidos fruto de compras realizadas no app, porém ainda não considera que o aplicativo visa beneficiar os moradores que disponibilizam as suas casas para fazer esse trabalho de distribuição no bairro.

“Ser um ponto de entrega não tem muita vantagem, é só para ser um ponto de entrega mesmo, para entregar pro povo, mas não tem vantagem nenhuma na verdade, mas para mim que compra os produtos fica mais fácil”, enfatiza.

Edinete Ferreira usa  o aplicativo constantemente para comprar produtos mais baratos em relação ás prateleiras do supermercado próximo a sua casa. (Foto Gerson Abad)

As comissões pelas entregas também desagradam a Elvira. “A gente não recebe desconto não, o que você compra é o que você paga, a gente ganha por entrega, cada entrega que eu faço eu ganho, mas é 10 centavos, 3 centavos, depende da entrega, o valor maior é 1 real, então é muito pouco o valor”, relata a moradora.

Mesmo com essas desvantagens que o aplicativo oferece, para pessoas que querem contribuir com a logística do aplicativo de compartilhamento de compras coletivas, Elvira enfatiza que a ideia de economia em produtos é muito vantajosa, principalmente por causa dos preços abusivos nos supermercados da quebrada.

“Os ponto de entrega é muito bom porque tem a agilidade de receber na porta de casa o produto que você compra, aí as pessoas vem aqui pegar o produto que elas compraram pelo aplicativo, que tem chegado aqui, estão elogiando o ponto de entrega, falando que é muito bom, que o atendimento é muito bom, ai todo mundo tá gostando, ai chega o produto e já lanço, ai as pessoas ficam sabendo que o produto chegou e já vem logo buscar, então é bem prático”, argumenta ela, fazendo um contraponto entre os outros fatores negativos do app.

Direito do consumidor

Segundo dados do Procon, as reclamações sobre a empresa criadora do app Facily aumentaram de maneira expressiva em 2021. No primeiro semestre de 2020 foram registradas cinco reclamações, mas no primeiro semestre deste ano o número subiu para mais de 11 mil reclamações.

Esse dado pode ser interpretado de muitas maneiras, mas o que a nossa reportagem identificou de fato foi que uma grande parcela de moradores das periferias e favelas estão recorrendo a este formato de compra coletiva, porque não é mais possível fazer a compra mensal nos supermercados.

“Eu comprei umas coisas pro Facily, as primeiras compras demoraram chegar, até cancelei e pedi estorno, e a segunda teve umas que cancelaram, por eles mesmo, agora fiz outro pedido, mas veio faltando produtos, eu pedi seis cremes de leite e só veio três”, relata Edinete Ferreira, moradora do bairro Parque Santo Amaro, na zona sul de São Paulo.

A experiência de Edinete com compras problemáticas no aplicativo e a demora para a entrega dos produtos incomodam a usuária, assim como foi relatado pela dona Elvira e pela jovem Giovanna, mas como o fato da economia de dinheiro tem pesado na gestão das compras de casa, ela acredita que compensa usar o app. “Tirando a demora, a principal vantagem é que as coisas são mais econômicas”, conclui.

Barreiras da Acessibilidade: a mobilidade de pessoas com deficiência na perspectiva de urbanista e engenheiro da quebrada

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 Na quarta reportagem da série Barreiras da Acessibilidade, conversamos com especialistas da quebrada sobre a mobilidade de pessoas com deficiência nas suas perspectivas.

 Na série Barreiras da Acessibilidade, falamos com moradores das quebradas e contamos um pouco sobre como diariamente lidam com dificuldades no transporte público e com a falta de assistência necessária do poder público ligada às questões que impactam a vida de pessoas com deficiência.

Para falar sobre o aspecto da mobilidade urbana, chamamos para uma conversa a Ana Cristina, 29, moradora do Jardim Macedônia, na zona sul de São Paulo. Ana é arquiteta e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e pesquisadora do Centro de Estudos Periféricos da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 

Ela analisa o modelo de transporte público vigente na cidade de São Paulo e como impacta na locomoção de moradores das periferias e pessoas com deficiência.

“É interessante pensarmos na questão que o modelo de sistema do transporte público implementado em São Paulo, criou diversos terminais intermediários dividindo uma viagem em vários trechos e obrigando o passageiro a fazer várias trocas de ônibus em um único trajeto”, coloca a urbanista.

Ana Cristina aponta que isso foi feito com a justificativa de racionalizar o sistema. “Mas para nós moradores de bairro periférico, que somos os que mais usam o transporte público, é muito ruim porque nos obriga a fazer várias baldeações até chegar ao nosso destino. Isso sem falar da malha de metrô e trem que, de modo geral, quase não cobre as periferias”, analisa.

Ponto de ônibus da Praça Maruzan Dourado Silva – Cidade Ipava. (Foto: Flávia Santos)

Além das pontuações sobre o transporte público, a urbanista também ressalta sobre a mobilidade a pé pelos territórios, e aponta que legalmente o responsável pela conservação da calçada, é o proprietário do imóvel.

“No caso das periferias, muitas vezes o proprietário não tem como arcar com os custos dessa manutenção. Em contrapartida, a prefeitura não oferece nenhum tipo de apoio financeiro para isso”, coloca.

“Um outro ponto da escala micro são as condições de mobilidade dentro das favelas, a dificuldade de acessibilidade nas vielas”

aponta a urbanista Ana Cristina.

Calçada da Rua Ferrador – Cidade Ipava. (Foto: Flávia Santos)

De acordo com uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), em agosto de 2021, as periferias possuem as piores calçadas do Estado de São Paulo.

Ana Cristina afirma que todas essas questões são ainda mais complicadas para os moradores de periferias que têm alguma dificuldade de locomoção. “Isso mostra a necessidade de políticas públicas urbanas que partam das reais demandas da população, que entendam a diversidade de formas de se deslocar pela cidade e que priorizem justamente quem enfrenta algum tipo de dificuldade”. 

“Uma cidade boa para as pessoas que têm algum tipo de deficiência, para as crianças e para as mulheres, é uma cidade boa para todos”.

conclui a arquiteta e urbanista Ana Cristina.

Rua Ferrador – Cidade Ipava. (Foto: Flávia Santos)

Ainda falando sobre a acessibilidade aos moradores da periferia, conversamos com o engenheiro e arquiteto Steffano Esteves, 29, morador da Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, e pesquisador de problemas e soluções da cidade de São Paulo.

O engenheiro afirma que fazendo uma comparação das calçadas do Jardim Ângela até Santo Amaro, ambas na zona sul de São Paulo, ao andarmos pelas ruas, é possível perceber que a região de Santo Amaro é mais plana do que no Jardim Ângela, a existência de um desnível.

Segundo ele, isso provavelmente se deu pelo fato da região de Santo Amaro ter sido considerada importante na história, e por isso ter mais estruturas do que as redondezas do Jardim Ângela, onde ainda é difícil ter calçadas boas nas avenidas.  

“As ruas na periferia não foram pensadas para caber a calçada, foi pensada só para abrir um caminho ali. Virou a última prioridade depois que os moradores começaram a ter carro”

afirma Steffano.

Calçada da Rua Ferrador – Cidade Ipava. (Foto: Flávia Santos)

Steffano analisa que a atenção voltada para as avenidas é diferente, pois é um local mais movimentado e que fica mais exposto aos moradores, motoristas e aqueles que passam todos os dias por lá.

Ele conclui ressaltando que ainda precisa existir um olhar mais próximo voltado para situações como essas nas periferias, conhecer a cidade, andar pelas ruas, entrar nos lugares, utilizar os transportes públicos e ter contato com a real rotina dos moradores.

“O sentimento de circular pelo território, pegar busão, sentir como que é, ir para vários lugares, ajuda demais a ter uma perspectiva da nossa cidade”, finaliza o engenheiro.

Geradora de energia solar quer combater crise climática e econômica nas periferias de São Paulo

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Além de gerar outra cultura de consumo e produção de energia limpa, a iniciativa quer combater o gato e a inadimplência que não param de crescer entre os consumidores de São Paulo.  

As placas solares foram instaladas no telhado do Instituto Favela da Paz. (Foto: Raphael Poesia)

Combater ligações elétricas irregulares, a inadimplência, e promover a cultura de consumo e produção de energia limpa nas periferias e favelas são os principais objetivos da micro geradora de energia solar, instalada em julho de 2021, na sede do Instituto Favela da Paz, localizado no Jardim Nakamura, zona sul de São Paulo. A iniciativa foi desenvolvida pela cientista ambiental Graziela Gonzaga em parceria com o inventor e educador Fábio Miranda.

“Eu quero tornar viável o uso de placas solares para os moradores das periferias, porque eu também sou moradora da periferia, eu sei o que é as pessoas terem que usar gato ou pagar contas de luz altas”, afirma a cientista ambiental, moradora de Itaquaquecetuba, cidade da região metropolitana de São Paulo.

No estado de São Paulo 14,7 milhões de pessoas estão inadimplentes, segundo estudo do Serasa divulgado em agosto de 2021. O estado lidera o ranking com o maior número de pessoas endividadas do país. Neste cenário, as contas básicas como água e luz aparecem com uma fatia de 23,30% das dívidas que mais levam as pessoas à inadimplência no Brasil.

Segundo dados do Anuário de Energéticos por Município, publicado pela Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente em 2021, o estado de São Paulo tem 18 milhões de consumidores de energia elétrica cadastrados com a classificação de consumo residencial urbano. Deste montante, 8 milhões residem na Região Metropolitana de São Paulo e 4,7 milhões na capital. 

“A ideia é criar essa reflexão nas pessoas que esse formato de consumo consciente é uma tecnologia acessível”

Graziela Gonzaga é cientista ambiental e responsável por desenvolver o projeto da micro geradora de energia solar. 

A cientista ambiental teve a ideia ao observar a infraestrutura das ligações elétricas em casas localizadas em territórios periféricos por onde ela já passou. A partir desta percepção, ela contou com o apoio de três colegas de trabalho para participar de um desafio de projetos inovadores na Worley, empresa onde ela atua e foi contemplada com uma premiação de recursos materiais para viabilizar a ideia.

Durante o trajeto para colocar a iniciativa em prática, Graziela conheceu Fábio Miranda, músico, inventor e coordenador de sustentabilidade do Instituto Favela da Paz, ecovila onde ele trabalha há mais de 30 anos com práticas educacionais dedicadas a transformar a relação dos moradores locais com os recursos naturais disponíveis nas periferias e favelas.

“Eu vejo um grande potencial de crescimento da energia solar nas periferias, por isso a ideia é criar essa reflexão nas pessoas que esse formato de consumo consciente é uma tecnologia acessível”, acredita o inventor.

Além de vizinhos de Miranda que ficaram interessados em conhecer mais sobre o uso de placas solares, o pioneirismo chama a atenção também de especialistas no setor de energia solar.

Segundo o engenheiro elétrico Rodrigo Poppi, profissional que acompanha o desenvolvimento do mercado de energia solar no Brasil desde 2011, a iniciativa é a primeira experiência nesse campo no Estado de São Paulo e a segunda no Brasil. Ele também é o responsável pela implantação da micro geradora.

A primeira iniciativa em território nacional é a Revolusolar, organização social criada em 2015 que realiza instalações de energia solar nas favelas do Rio de Janeiro e oferece cursos de capacitação profissional e oficinas para moradores da favela da Babilônia.

Foram necessários quinze dias úteis para a micro geradora de energia ser homologada pela Aneel. (Foto: Paulo Araújo PackDrone)

Homologação

A micro geradora de energia solar foi projetada para produzir em média 900 quilowatts por hora mês, o suficiente para atender mensalmente as quatro casas que fazem parte do Instituto Favela da Paz, impactando mais de 20 moradores do local. A expectativa é que a conta de luz referente ao mês de outubro não tenha custos.

Foram necessários quinze dias úteis para a micro geradora de energia solar da quebrada ser homologada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, mas o processo pode levar até 30 dias segundo a legislação brasileira.

A homologação inclui a certificação de geração de energia e um relógio específico para medir a produção, consumo e distribuição de energia de volta para a rede elétrica da concessionária.

A documentação técnica necessária para obter a homologação junto à Aneel foi elaborada pelo engenheiro elétrico Rodrigo Poppi, responsável por coordenar a instalação da geradora de energia solar no Instituto Favela da Paz.

Ele afirma que o sistema está operando no formato Ongrid, uma modalidade de geração de energia solar que é conectada ao sistema de distribuição da Enel.

O engenheiro explica que neste sistema a geradora capta os raios solares, transforma em energia elétrica, supre a demanda total de consumo do imóvel, armazena a energia excedente e devolve para a rede da concessionária e tudo isso acontece graças ao dimensionamento correto das placas solares.

“A gente analisa o quanto a pessoa consome de energia em um ano, levando em consideração o município onde a pessoa mora, pois, cada cidade do Brasil tem uma irradiação solar diferente. Em seguida, realizamos a orientação e posicionamento das placas para melhor aproveitamento de geração de energia”, diz o engenheiro elétrico.

Encargos 

Desde o aumento da tarifa de energia elétrica para 52% adotado em junho pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), fruto da crise hídrica que motivou a implantação da bandeira vermelha de patamar 2, moradores das periferias e favelas vem enfrentando dificuldades para continuar pagando em dia a conta de luz.

No mês de agosto, enquanto Miranda estava aguardando a implementação final da micro geradora de energia solar, o inventor conta que recebeu uma conta de luz no valor de quase um mil reais, fato que causou um grande susto, pois ele nunca havia pagado um valor tão alto.

“Essa conta do mês de agosto é uma coisa que a gente não conseguiu entender até hoje. Eles (Enel) falam que a gente teve um consumo muito alto de energia, que é praticamente o dobro do que a gente está acostumado a consumir”, relata o inventor, lembrando que o não pagamento desta conta poderia inviabilizar o funcionamento da geradora de energia solar.

A solução para não ficar inadimplente com a Enel foi buscar o parcelamento da dívida. Segundo a Enel, o motivo para a conta vir tão alta é o fato do consumo de Miranda ter ultrapassado o consumo de 200 quilowatts por hora, com isso, a concessionária acrescenta uma alíquota de ICMS de 25% em cima do valor total da conta de luz residencial. Residências com consumo inferior a 90 quilowatts por hora são isentas do pagamento de ICMS. 

Veja Tabela de Encargo aqui.

A micro geradora de energia solar foi projetada para produzir em média 900 quilowatts por hora mês. (Foto: Raphael Poesia)

Energia compartilhada 

Segundo a Aneel, uma casa de família de baixa renda com quatro moradores consome em média de 100 e 150 quilowatts por hora de energia. Com base nesses dados, o engenheiro elétrico Rodrigo Poppi propõe a seguinte avaliação de investimentos para moradores como a Queila instalar uma usina de energia solar de pequeno porte em sua casa.

“O investimento é de 10 a 12 mil reais. O principal custo está nos equipamentos, com gasto de sete mil reais. Já o serviço de instalação pode variar entre três e cinco mil reais”, explica o engenheiro.

O que torna essa conta ainda mais atraente para os moradores das periferias e favelas são as linhas de crédito que existem hoje em diversos bancos, com parcelas que variam de 60 a 120 meses para quitação do financiamento.

Segundo o engenheiro elétrico especializado no setor de energia solar, o valor financiado sai bem mais barato do que pagar uma conta de luz mensal, mesmo levando em consideração a taxa de juros cobrado por cada instituição financeira.

“A gente enxerga a energia solar como parte da solução para gerar renda e trabalho nas favelas”

Camila Nascimento é coordenadora da Associação Brasileira de Energia Solar (ABSOLAR).

Oferecer formação técnica para os moradores de territórios populares e difundir informação sobre formas de financiar e implantar esse sistema de produção e consumo de energia são fatores importantes listados por Camila Nascimento, coordenadora da Associação Brasileira de Energia Solar – ABSOLAR no Rio de Janeiro, para inserir as periferias e favelas no promissor mercado da energia solar no Brasil.

“Qualificando a mão de obra nesses bairros para o processo de instalação de equipamentos, a gente enxerga a energia solar como parte da solução para gerar renda e trabalho nas favelas”, ressalta a coordenadora da ABSOLAR, lembrando que o setor criou em 2020 mais de 200 postos de trabalho por dia.

A facilitação de acesso ao financiamento de equipamentos, como placas solares para instalação de micro geradoras é outro fator lembrado por Nascimento que torna essa tecnologia acessível às famílias de baixa renda.

A coordenadora da ABSOLAR destaca que hoje a energia solar contribui com apenas 1,9% de participação na matriz energética brasileira, e mesmo com essa tímida colaboração, ela enxerga um grande potencial de crescimento para enfrentamento da crise econômica e hídrica no Brasil.

“Quando a gente olha o Brasil tendo que importar quase 5% de sua energia consumida de outros países, pagando caro por essa energia, e a luz solar participando bem pouco dessa matriz enérgica, a gente consegue ver o potencial de crescimento, porque o sol está aí acessível para todos, pois é muito simples fazer o uso dessa energia para gerar eletricidade”, conclui.

“Mês passado eu não liguei o fogão”: valor do gás muda rotina alimentar nas periferias

Com o valor do gás de cozinha afetado pela inflação, famílias precisam mudar não só os alimentos consumidos antes do aumento nos preços, mas também a forma de prepará-los. 

Com o aumento do valor do gás, virou rotina cozinhar no fogão à lenha sempre que Audryn e a família conseguem. (Foto: Vinicius Mikolaeski)

Chegando a custar mais de R$100 em algumas cidades da grande São Paulo, o aumento no valor do gás de cozinha transforma a rotina alimentar e traz mudanças sociais na conjuntura de diversos lares. É o caso das famílias de Sônia Maria e Audryn Miriam, que desde a disparada do valor, recorreram ao fogão a lenha para cozinhar.

No início da pandemia do coronavírus, Audryn Miriam, 22 anos, se mudou para a casa do pai Alexandre, no bairro Veloso, em Osasco, região metropolitana de São Paulo. Como era ele que comprava o gás, Audryn fazia o máximo para economizar e passou a mudar a sua rotina alimentar, como parar de fazer bolos com tanta frequência, em média uma vez por semana, pois ficavam muito tempo no forno.

Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o preço médio do botijão de gás aumentou quase 30% aos consumidores desde o começo do ano de 2021. Por conta do valor abusivo que não parava de subir, Audryn começou a fazer o máximo para evitar a utilização do fogão e ter que comprar outro botijão. O último, comprado no início da pandemia, havia custado R$85. 

“Eu comia muita comida congelada, porção de comida pronta, macarrão pronto… comia bastante mesmo. No mês passado, inclusive, eu não comi nenhuma comida de forno, eu não liguei o fogão”

diz Audryn.

Em outubro deste ano, ela saiu do emprego em que trabalhava e ficou desempregada. Com o aumento de todas as contas em casa, como água, luz, internet, alimentação e o gás de cozinha, ela decidiu voltar para a casa da mãe, Patrícia, em Cotia, também na região metropolitana de São Paulo.

Patrícia Mikolaeski, 47 anos, mãe de Audryn, é dona de casa e realiza trabalhos pontuais com organização. Ela já tinha um fogão a lenha no espaço externo de casa, mas que não usava com tanta frequência. Com o aumento no valor do gás, essa dinâmica mudou e atualmente, a maioria dos alimentos são preparados no fogão a lenha, o que faz o gás de cozinha render em média 4 meses.

Gás inflacionado

O economista Alex Barcellos, explica os motivos que fazem com que o gás aumente abusivamente o valor em tão pouco tempo. No Brasil, o gás de cozinha é repassado pela Petrobras, pois o combustível fóssil é o principal elemento. São três esferas que implicam no valor do botijão: o lucro dos investidores, o preço de operação da distribuição e os impostos estaduais.

Como parte da Petrobras foi vendida, os investidores, principalmente do exterior, visam o lucro em cima do valor do gás. Dessa forma, a Petrobras já faz o repasse com o valor de operação e lucro embutido para os distribuidores.

Os distribuidores (o ponto de entrega, o mercadinho ou caminhão), adicionam o custo de operação para a entrega do botijão até a casa das pessoas. Por exemplo: o valor do combustível do caminhão que entrega o gás. E por último, são adicionados os impostos que cada governo estadual impõe sobre aquele botijão.

Assim como em Itapevi e Cotia, o gás na cidade de Osasco está custando R$100. (Foto: Monique Caroline)

“Um botijão de gás que custa R$100, vamos entender que na operação, a Petrobras repassa a R$50. O operador/distribuidor, cobra R$35 da operação naquele ponto de venda na sua quebrada, e aí a gente complementa com mais R$15 que seriam de impostos”, exemplifica o economista Alex.

Ele expõe que uma das alternativas para baixar esse valor, seria uma política do governo federal realizando uma intervenção. Isso não acontece pois com a privatização, a Petrobras possui outros proprietários e investidores estrangeiros donos de grandes capitais. Dessa forma, o governo não intervém para manter boas relações com os investidores.

Além de todas as esferas econômicas que o preço implica na vida de uma família periférica, o economista qualifica como problema gravíssimo a precarização da qualidade alimentar, como é o caso de Audryn, ao consumir produtos congelados e comidas prontas. 

“O aumento do consumo dos produtos industrializados, produtos práticos, que você utiliza água ou somente um forno micro-ondas, também tem sido observado como um grande problema na qualidade de comida dessas pessoas que não conseguem ter o gás em um preço mais favorável a ser utilizado”

expõe o economista.

A “SEVIROLOGIA” DO FOGÃO À LENHA 

 Para Patrícia, o fogão a lenha não é tão prático como o gás para cozinhar, pois mesmo que ventilado, deixa um cheiro muito forte no ambiente, suja muitas panelas e demora um pouco mais para ascender. Ainda assim, para ela, a comida fica mais saborosa.

“Agora eu tenho usado bem mais, antes eu só usava final de semana. Agora faço arroz e feijão pro almoço e janta. […] Não é uma saída de praticidade, é uma questão de gosto”, comenta Patrícia.

Apesar de não ser uma saída de praticidade, Audryn e a família optam por usar o fogão à lenha sempre que podem. (Foto: Vinicius Mikolaeski)

A dona de casa Sônia Maria, 54 anos, moradora de Itapevi, também recorreu à utilização de um fogão à lenha improvisado pelo marido José Santos, na laje de casa. Antes do fogão a lenha, o gás rendia em torno de um mês, custando R$100.

Mesmo cortando os alimentos que utilizavam muito gás, como bolos e carnes, o preparo do almoço e janta faziam com que o botijão acabasse logo. Isso fez com que o marido, que é pedreiro, criasse um fogão a lenha, ao pegar uma lata de tinta vazia, encher de cimento e colocar uma chama de fogão.

“Ele foi criativo. É muito bom, a água ferve rapidinho e a comida é outro sabor. O arroz é tão gostoso. Quando você tá cozinhando os vizinhos que passam já ficam: ‘ai que cheiro gostoso de comida'”, conta Sônia sobre a experiência.

Sônia e a família utilizam o fogão à lenha improvisado que o marido fez principalmente aos finais de semana (Foto: arquivo pessoal)

Assim como Patrícia e Audryn, Sônia e a família não gastam comprando lenha, pois encontram muita madeira perto da região em que moram. Ela diz que além do fogão à lenha, também gosta de cozinhar no fogão a gás, e fora o preço do botijão, tem que economizar em tudo, por conta do preço abusivo dos alimentos também.

“Eu ia ao mercado duas vezes por mês, a gente comprava carne e frango, fazia a compra de mistura por um mês. Agora não dá mais, agora eu diminui bastante porque aumentou demais. A asinha de frango que eu comprava era R$10 reais e agora tá R$25, tá muito caro aqui”, enfatiza Sônia.

O economista Alex apelida de “sevirologia”, a forma como a população periférica se “vira como dá” e inventa outros caminhos para viver dentro da forte crise econômica que o Brasil enfrenta. Ele enxerga como um grande risco ambiental, social e de segurança individual e coletiva o cozimento dos alimentos à lenha.

“É terrível saber que hoje a gente tem todas essas questões ligadas a essa necessidade do gás mais caro. Se você pensa em comunidades com densidades demográficas maiores como moradias populares, muitas das vezes corre um risco de incêndio, tem diversos problemas relacionados”

analisa o economista.

Alex ressalta que esse cenário é apenas um dos reflexos de um sistema de desenvolvimento que não se faz igualitário a todos. “Se esse é o sistema que é pra gente acreditar como sistema de desenvolvimento, que consegue levar a oportunidade através da meritocracia pras famílias, é um sistema que vive no Mundo Mágico de Oz, porque ele não está trazendo isso”, finaliza.