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Negócios da quebrada fortalecem setor de cervejas artesanais nas periferias

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Moradores das periferias de São Paulo criaram suas próprias cervejas e buscam fazer com que a bebida produzida artesanalmente também esteja presente e seja disseminada “da ponte pra cá”.

No rótulo da cerveja em lata da Bola Véia também possui a representação da quebrada, assim como na embalagem em garrafa. Antes, o rótulo era apenas o logo da cerveja. Foto: Mateus Fernandes.

O mercado de cervejarias artesanais que se popularizou principalmente nas regiões centrais das cidades, é um setor que desperta o interesse de muitos moradores das quebradas, seja para consumo, produção ou comercialização.

Esse é o caso de muitos empreendedores periféricos que produzem e comercializam o produto artesanal, com iniciativas e ideias criadas a partir de diferentes contextos.

Criações inspiradas no futebol de várzea, com intuito de combater rótulos sociais ou de expandir o consumo da bebida produzida com melhores insumos, são algumas das várias motivações dos empreendedores periféricos no ramo.

Conversamos com três produtores e produtoras de cervejas artesanais da quebrada, que nos contaram sobre seus empreendimentos e atuação, confira:

Bola Véia 

Morador da Casa Verde, zona norte de São Paulo, Rogerinho Ferradura é o criador da cerveja Bola Veia. O projeto de ter uma marca de cerveja surgiu através do seu canal no YouTube, o Programa Bola Veia, onde o cervejeiro falava sobre futebol de várzea.

“Durante a gravação, o pessoal tomava cerveja e foi aí que eu tive a sacada: criar uma cerveja e não ficar fazendo propaganda gratuita de uma grande marca do comércio”

conta Rogério Gervásio, mais conhecido como Rogerinho Ferradura.

No início, a cerveja era produzida no fundo do quintal de Rogério, pois era feita uma quantidade apenas para os participantes das lives consumirem. Com o tempo, os convidados gostaram da bebida e queriam encomendar para levar pra casa, e até os espectadores se interessaram.

“Eu falei: ‘cara, tem que levar isso pra frente’. E já comecei a fazer o processo de registro, de produzir já de grande escala, de vir para uma cervejaria, foi quando me apresentaram a TRIA, aí fizemos essa parceria de começar a produzir com eles”, conta Rogerinho sobre o início da cerveja Bola Véia.

Ele ressalta que, para a produção da cerveja, utiliza um formato muito comum entre os produtores de cerveja artesanal e independentes. Alguns cervejeiros que não possuem a sua própria cervejaria, fábrica ou espaço adequado para a produção, utilizam os equipamentos e espaço de outras cervejarias já atuantes no mercado, que já produzem outras marcas.

A embalagem é um dos destaques da cerveja Bola Veia. Foto: Mateus Fernandes

Para Rogerinho, um dos diferenciais nas vendas da Bola Véia é o rótulo. O desenho, feito a mão a partir de uma parceria, busca retratar “todos os guetos, o brasilzão”, afirma.

Segundo ele, o rótulo da cerveja chamou atenção de vários locais pela internet, fazendo com que a Bola Veia chegasse a outros estados, como Brasília, Rio Grande do Sul e Paraná. 

“Ela não é cara [a cerveja], mas eu não consigo fazer o valor das grandes marcas. Só que assim, você vai tomar dez, vinte latinhas [das marcas populares], enquanto de uma boa artesanal você vai comprar cinco e vai ficar de boa, não vai ficar doidão. É aquilo: beba pouco, beba melhor”

analisa o cervejeiro.

Enquanto não abre seu próprio bar, o morador da Casa Verde realiza suas vendas através da internet, nas redes da Bola Véia, bares parceiros, e na sua própria casa, na zona norte de São Paulo, que também funciona como ponto de distribuição. O local ficou conhecido como a “Casa da Véia“.

“Os amigos mais próximos compra e toma lá [em sua casa], a gente fica tomando na calçada ou no quintal de casa. E lá dentro tem a decoração, que é onde tiro as fotos, tudo no processo pra ser um futuro bar”

finaliza Rogerinho Ferradura que tem seu quarto decorado com o tema da cerveja, espaço que também utiliza como cenário para as fotos que usa na divulgação do seu produto.

Corisca 

Criada por duas mulheres, Melissa Barbosa e sua parceira Eneide Pontes Gama, a cerveja Corisca surgiu em 2017, em Taboão da Serra, com a proposta de levar a cerveja puro malte para a periferia com um preço justo e acessível.

Segundo as fundadoras, a criação da cerveja Corisca está aliada ao combate de rótulos sociais machistas presentes na sociedade, que por muitos anos teve propagandas e seu consumo associados majoritariamente ao público masculino.

“Nos tornamos ativas nos movimentos sociais da periferia, onde pegamos amor por temas de melhor qualidade de vida para os moradores da periferia sul de São Paulo, passamos por alimentação orgânica, implantação de coleta seletiva na cidade de Taboão da Serra, descobrimos temas de educação inclusiva, economia criativa e circular, e temos nos dedicados a tornar sonhos em realidade”, conta Melissa sobre as motivações e caminhos que percorreram até a criação da cerveja Corisca.

Melissa afirma que sempre teve curiosidade de experimentar uma cerveja puro malte diferente, artesanal, porém não encontrava nenhuma à venda na sua região, achava apenas as cervejas industrializadas. 

“Eu lembro que na época, a gente pagava 30 reais em um copo de 300ml. E isso pra gente foi algo muito impactante, porque acabava que a gente não tinha a oportunidade de conhecer esse universo”

conta a cervejeira, que complementa contando que alguns anos atrás, para encontrar uma cerveja artesanal, precisava atravessar pontes e que atravessando essas pontes, encontrava mais uma barreira: os preços.

Interessadas em descobrir mais sobre esse mundo das cervejas artesanais, Melissa e Eneide se empenharam em aprender como funcionava a produção e os componentes para criar sua própria cerveja.

Nesse processo, elas constataram que ao produzir através das cooperativas, ou no mesmo formato de produção da Bola Véia, utilizando o espaço e equipamentos de outras cervejarias do mercado, o valor poderia ser barateado, pois a produção e a compra dos ingredientes são feitas em maior volume, gerando assim menos custos individuais.

Antes de se chamar “Corisca”, a cerveja criada por Melissa e Eneide se chamava “Benedita”. A mudança oficial do nome aconteceu no final de 2021, e junto realizaram a mudança no rótulo da cerveja. Foto: Gustavo Henrique.

Melissa conta que no começo tudo não passava de uma brincadeira. Elas fizeram o primeiro lote e viram que a escolha dos lúpulos e a composição feita favoreceram o sabor da cerveja. Depois desse resultado ficou mais fácil, e assim, começaram a viver da sua própria cerveja.

“Nesta peregrinação sentimos falta de uma boa cerveja a preço acessível, então nos tornamos empreendedoras da Cerveja Corisca, uma cervejaria feminista que surgiu com o objetivo de levar cerveja puro malte à preço justo para periferia de São Paulo”, afirma Melissa.

A cerveja Corisca é vendida e entregue toda semana, e via delivery de quarta a sábado, além dos pontos de venda parceiros espalhados pela cidade. 

Graja Beer 

Leandro Sequele, educador há mais de 20 anos, é o criador da cerveja Graja Beer, bebida que leva o nome do território onde foi criada, no Grajaú, zona sul de São Paulo.

Inicialmente a cerveja começou a ser pensada por um grupo de amigos, que de 2016 a 2018, pesquisaram sobre o mercado, e foi lançada oficialmente em 2018, no aniversário de São Paulo, no Centro Cultural Grajaú.

Leandro conta que uma das motivações para a criação da bebida, veio de uma percepção sobre o perfil de pessoas que consumiam a cerveja artesanal, o que acredita ser devido ao preço e a localização que normalmente se vendia o produto.

“A gente só encontrava da mesma cor, do mesmo bairro, da mesma linguagem nos serviços, na segurança, na cozinha, no atendimento. Chegou o momento que a gente falou: ‘pô, se a cerveja sempre faz parte do nosso dia a dia, por que ela tá tão distante do nosso povo? porque não a gente ter controle sobre isso?”

aponta Leandro sobre um dos questionamentos que fez ao criar a Graja Beer.

O grajauense conta que a Graja Beer também tem a proposta de “beba menos, beba melhor”, e que o conceito vai além do consumo da cerveja.

Ele relata ter consciência que a periferia tem muitos problemas históricos com bebida alcoólica e esse novo tipo de consumo também estaria atrelado a contribuir para evitar excessos. 

“Quando você começa a consumir cerveja artesanal, seja pela questão do paladar ou pelo próprio valor dela, você consome diferente, você não vai tomar vinte cervejas artesanais, você vai tomar dois, três copos e se sente satisfeito”

afirma.

Para ele, a Graja Beer não é só uma cerveja ou uma marca que busca lucro, mas um produto novo que se apresenta para as pessoas da comunidade através de uma série de linguagens, como a identidade, a arte e o senso de pertencimento.

“Quando a gente sai na mídia, a gente sai falando dos coletivos que vem dentro da Graja e ocupam, sobre a arte que tem na casa, que é um artista do Cocaia, a gente tá falando do mural que o André Bueno fez anteriormente, a gente tá falando de uma série de linguagens que fazem parte do que é o ser Graja Beer”, aponta Leandro sobre toda rede que passa a se articular e fortalecer junto com a Graja Beer. 

O rótulo da cerveja destaca o distrito do Grajaú. Foto: Mateus Fernandes.

A cerveja é vendida na sede da Graja Beer, no Graja Beer Pub, espaço inaugurado um ano após a cerveja, em 2019. A Graja Beer Pub é o local fixo de venda da bebida, mas quando fecham parcerias ou produzem em outra cervejaria, realizam a venda no espaço, conforme cada acordo, além da venda que também realizam via delivery.

A produção acontece em parceria com outras marcas e fábricas, e assim como a cerveja Bola Véia e Corisca, também utiliza a estrutura de cervejarias já atuantes no mercado. O local de produção da Graja Beer é alterado conforme as parcerias e possibilidades. 

“Se nós juntarmos quatro, cinco cervejarias e fazemos uma produção de uma base cervejeira, podemos fazer dez estilos diferentes a partir da mesma base e ter um barateamento dessa base gigantesco”

destaca Leandro, que também propõe com a Graja Beer uma produção de forma cooperativa entre os produtores de cerveja artesanal nas periferias.

Ele afirma que conforme maior o volume comprado, menor acaba sendo o preço da unidade. Por isso, para ele, criar novas formas de produzir a cerveja artesanal é uma das principais estratégias para manter viva as cervejarias independentes, principalmente as periféricas.

Mulheres que lutam, mulheres que transformam a periferia!

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Ana Dias, Celina Simões, Elenita Rodrigues, Jussara Basso, Mariana Pasqual, Regina Paixão: Mulheres que lutam! Mulheres que transformam a Periferia! Pedindo licença pra chegar, pedindo licença pra falar das mulheres da quebrada.

Perus, zona noroeste, São Paulo 2019 – Foto: Dicampana Foto Coletivo

“As mães da periferia de São Paulo, que mais sentem a realidade da vida, vêm pedir aos senhores que tomem providência para baixar o custo de vida, porque o Brasil é uma terra tão rica e as mães choram na hora de pôr a panela no fogo pra fazer a comida pros filhos”

Carta das Mães da Periferia, em 23 de outubro de 1973 – São Paulo. Centro de Pesquisa Vergueiro (Doc. 002_2, Fundo ECO_PRE, CPV)

Pedindo licença pra chegar, pedindo licença pra falar das mulheres da quebrada. Quem nasce na periferia com certeza conhece alguma mulher firmeza, que é responsável não só pelo sustento da casa, mas uma referência no bairro, na igreja, na associação, na creche…

Não é novidade que a importância das mulheres não se limita ao lar. Na quebrada as principais lutas têm tido a participação e a liderança de mulheres.

São várias as frentes encampadas por lideranças femininas na busca pela melhoria da qualidade de vida da população periférica: no direito à moradia, no direito à mobilidade urbana, no direito à educação, por melhorias na infraestrutura dos bairros, em especial nas questões sanitárias de água e esgoto.

Desta forma, olhar para vida dessas Mulheres, refletir sobre suas lutas deve ser um compromisso e ao mesmo tempo uma fonte de inspiração para continuarmos lutando e sonhando com uma outra sociedade! 

Assim, quero aqui trazer, no retorno dessa coluna, algumas lutas assumidas por mulheres que transformaram e transformam a periferia. 

 Antes mesmo de alguns acadêmicos falarem em ou sobre feminismo, a periferia já conhecia esse conceito, pois muitas de suas lutas já eram lideradas por mulheres. Aliás, uma das maiores mobilizações enfrentadas pelos militares durante a ditadura, brotou em solo periférico e foi liderado por mulheres.

O Movimento do Custo de Vida (MCV), nomeado a partir e 1979 de Movimento Contra a Carestia (MCC), foi organizado mulheres participantes dos Clubes de Mães e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e sacudiu a ditadura militar na década de 1970, em uma manifestação com mais de 20 mil pessoas na praça da Sé, onde foi apresentado uma abaixo-assinado com 1,3 milhões de assinaturas.

Essa grande mobilização teve à frente inúmeras mulheres, muitas das quais ainda hoje estão em movimento e continuam nos inspirando.

Ana Maria do Carmo Dias – Foto: Rafael Stedile

Ana Maria do Carmo Dias, ao lado de outras mulheres, foi uma das protagonistas desse momento histórico. Ana Dias, como é conhecida, continua em movimento mantendo viva a memória das Lutas e Resistências da ditadura militar e a memória do seu marido Santo Dias, no Comitê Santo Dias.

Ela é uma das “15 heroínas dessa história”, projeto do Instituto Vladimir Herzog, que conta a trajetória de 15 mulheres que tiveram seus familiares assassinados e desaparecidos por agentes do Estado durante a ditadura militar (1964-1985) e transformaram suas vidas em luta por Memória, Verdade e Justiça.

Ana Dias, também é inspiração para jovens pesquisadores da Periferia que em 2018, criaram o Centro de Memória das Lutas Populares Ana Dias (CMLP- Ana Dias), que tem por objetivo resgatar as histórias de vida e luta das moradoras e moradores das periferias da zona sul de SP. Inclusive, neste mês de março, o CMLP- Ana Dias está nos brindando com textos sobre mulheres que transformaram nossas quebradas por meio da vida das lutas por direitos.

Além da memória de luta das mulheres na história da periferia e do Brasil, trazemos neste espaço a importância das mulheres nas lutas e mobilizações atuais.

Aqui na quebrada, as principais lutas, movimentos e instituições são lideradas ou coordenadas por mulheres, como MTST, Sociedade Santos Mártires, Casa Sofia, CDHEP. Não conseguimos aqui apresentar o trabalho de todas neste espaço, mas gostaria de citar alguns desses.

Jussara Basso – Foto: Arquivo pessoal

Um dos principais movimentos de luta por moradia, o MTST, é liderado aqui na zona Sul por Jussara Basso. Mulher, negra e periférica, é referência na quebrada e responsável pelas principais articulações e mobilizações sociais que aconteceram nos últimos anos na região M’Boi Mirim e Jardim Ângela, seja reivindicando os direitos dos sem-teto e toda classe trabalhadora, seja em ações de solidariedade para garantir o direito à alimentação a todes durante a pandemia.

Uma mulher de muita coragem que coordena uma das maiores ocupações urbanas do Brasil, a Ocupação Nova Palestina e hoje está na mobilização para ampliação das cozinhas solidárias do MTST que vem garantindo alimento a milhares de famílias desassistidas pelo Estado.

Regina Paixão – Foto: Arquivo pessoal

Regina Paixão é outra dessas mulheres que colocam a vida em defesa dos nossos direitos. Moradora da quebrada, desde jovem se destacou como liderança em grupos juvenis e de bairro, com muita a coragem e ousadia é uma voz periférica que ecoa em diferentes espaços públicos da cidade São Paulo, em especial nas lutas da Assistência Social, onde foi coordenadora do Fórum da Assistência Social da Cidade de São Paulo (FAS-SP) e atua fortemente ainda hoje, defendendo os direitos da população em geral.

Atualmente, Regina Paixão é presidenta do conselho diretor da Sociedade Santos Mártires, uma das principais organizações sociais da nossa região, zona sul, que há 30 anos desenvolve um importante trabalho nas áreas da Assistência Social, Educação, Juventude, Meio Ambiente e Direitos Humanos.

Sob a sua liderança, durante a pandemia, a Sociedade Santos Mártires organizou a campanha “Jardim Ângela contra o Covid-19”, que ajudou milhares de famílias com mais de 20 mil cestas básicas e milhares de máscaras e kits de limpeza e higiene. 

Celina Aparecida Simões – Foto: Arquivo pessoal

Celina Aparecida Simões, historiadora, educadora, uma das principais referências sobre violência doméstica, com uma vasta experiência e uma sensibilidade ímpar. Por anos, com sua coragem e sororidade, foi coordenadora da Casa Sofia, um Centro de Defesa e Convivência da Mulher, que acolhe mulheres vítimas de violência doméstica.

Também foi gerente do Centro de Defesa e Convivência da Mulher (CDCM) da região de Campo Limpo, onde desenvolveu um trabalho muito importante com mulheres vítimas de violência. Como educadora nata, Celina também foi uma das articuladoras da Rede de Escolas de Cidadania de São Paulo – REC-SP. Como membra da executiva da Escola de Cidadania da Zona Sul, sempre defendeu a importância da educação popular na conscientização da classe trabalhadora. 

Mariana Pasqual Marques – Foto: Arquivo pessoal

Outra instituição e movimento aqui da Sul liderado por Mulher é Centro de Direitos Humanos e Educação Popular, um espaço de referência para efetivação dos Direitos Humanos e com relações na América Latina de Educação Popular. 

Hoje o CDHEP é coordenado por Mariana Pasqual Marques, historiadora, mestra em Educação, pesquisando Educação Popular. Mas o seu conhecimento na Educação popular se dá na práxis cotidiana dos movimentos sociais, há mais de 20 anos construindo o CDHEP, levando a frente importantes discussões e articulações na região.

Elenita Rodrigues – Foto: Arquivo pessoal

A questão ambiental também vem sendo pautada por mulheres na quebrada Elenita Rodrigues, mãe, vó, guerreira, e catadora como ela gosta de ser reconhecida, vem fazendo um trabalho ambiental e de geração de muito importante. Fundou a Cooperativa Recicla Vera Cruz, que agrega catadores e catadoras da zona de sul de São Paulo e da região de Itapecerica da Serra.

Com suas forças e criatividade, Elenita vem pautando a importância das questões ambientais, sendo uma referência na Educação Ambiental para escolas públicas da região.

Elenita nos inspira com seu exemplo de resiliência, com sua preocupação com o próximo e na defesa do meio ambiente. Vale dizer que com muitos materiais recolhidos ela ainda organiza um brechó com roupas que aquece muitas pessoas. 

Precisamos pensar em um livro para falar de tantas outras mulheres de luta que transformam a periferia cotidianamente, fica a dica! 

Eleições: segregação digital pode elevar abstenção de voto nas periferias

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A ausência de políticas públicas para universalizar o letramento digital e acesso à educação midiática combinada ao consumo e oferta de internet de baixa qualidade, dependência do celular como única ferramenta para desfrutar do direito à informação e a comunicação, e a dependência de plataformas digitais de serviços para geração de renda inadequada às condições socioeconômicas das populações que dão forma ao cotidiano das periferias e favelas são características de desigualdades digitais que juntas constituem a era da segregação digital no Brasil.

Em diversos países pelo mundo, a segregação foi uma forma de separar, excluir e confinar uma população a condições sub-humanas de existência, devido a sua etnia, raça, cultura religiosa e valores culturais.

Uma das formas de segregação mais conhecida pela humanidade é a racial, que determina a cor da pele como marcador social para definir a ascensão ou estagnação social de determinados povos.

Analisar os indicadores demográficos de raça, classe, gênero, trabalho e renda de homens e mulheres e moradoras das periferias é uma forma eficaz, lógica e científica que nos permite compreender que a população preta e parda é a mais afetada por esses marcadores sociais que configuram a era da segregação digital.

Atenta a este cenário de segregação digital, Luciana Itikawa, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – USP, investigou uma série de indicadores demográficos na plataforma Geosampa, banco de dados da prefeitura de São Paulo que divulga mapas e estatísticas referentes aos instrumentos de Política Urbana e Gestão Ambiental.

Entre as várias descobertas realizadas pela pesquisadora, estão a relação entre a presença de mulheres chefes de família que residem em territórios periféricos que possuem de uma a três antenas de celular no raio de 5 a 10 quilômetros.

Nesses territórios onde a distribuição da internet móvel é precária ou inexistente, a plataforma Geosampa mostra uma grande presença de população preta e parda, que mora nas bordas da cidade, ocupando principalmente terrenos irregulares e favelas.

Além disso, o estudo de Itikawa revela que onde a ausência de sinal de internet é mais intensa, a ausência de moradores com emprego formal também aumenta, demonstrando que os empregos formalizados com carteira assinada se tornam mais presentes na região central da cidade, onde o acesso à internet segue padrões elevados de consumo e distribuição.

Neste contexto, a ausência de políticas públicas mencionadas no início deste artigo seria uma forma de segregação racial e digital promovida pelos governantes das esferas públicas municipais, estaduais e federais que possuem incidência direta e indireta na vida dos moradores da maior cidade da América Latina?

Eu considero que a resposta é sim. Os governantes são responsáveis pela transformação da exclusão digital e um cenário segregação digital, pelo fato de limitar cada vez mais as possibilidade de ascensão social da população negra e periférica, que tem a sua vida cada vez mais afetada por um economia digital que não valoriza o bem comum e o acesso a direitos sociais básicos.

Nas periferias e favelas de São Paulo há bairros onde a internet fixa ainda não está disponível para os moradores, tornando a internet móvel a válvula de escape para quem precisa de conexão com o mundo digital. Isso acontece devido ao desinteresse das grandes operadoras de telecomunicações em investir em infraestrutura nesses territórios.

Além destes fatores, novas favelas surgiram durante a pandemia, devido a extrema urgência dos moradores de ter um teto para morar, aumentando a demanda de pessoas que precisam de conexão com web. A Secretaria Municipal de Habitação revelou que em junho de 2021 surgiram 24 favelas no município entre os anos de 2019 e 2021, período onde a pandemia transformou para pior a vida na cidade.

Segregação digital e a importância do voto

O celular é a principal ferramenta de acesso à internet dos moradores das periferias e favelas, segundo a pesquisa TIC Domicílios de 2019, realizada no Estado de São Paulo. Mas durante a pandemia, até o acesso ao smartphone foi comprometido. E com isso, um movimento de descrença nas forças democráticas passou a crescer ainda mais entre essa parcela da população.

O direito de escolher novos governantes para a cidade e para o país começou a gerar uma onda de desconfiança nas populações mais vulneráveis, que estão deixando de acreditar no poder do voto.

A população negra e periférica conviveu durante mais de dois anos consecutivos sem ter o direito à alimentação básica garantido durante a pandemia de covid-19 que ainda não chegou ao final, e pensar em política de barriga vazia elimina as esperanças no amanhã para estes cidadãos que mais precisam de políticas públicas efetivas para combater as desigualdades sociais que os perseguem durante gerações.

Nas eleições municipais para São Paulo em 2020, cerca de 20% da população deixou de ir às urnas, ou seja, mais de 2,5 milhões de paulistanos desistiram de votar. Mas esse cenário se repetiu nas eleições presidenciais de 2018, momento onde quase 30 milhões de brasileiros não votaram.

Foi possível constatar e comprovar a validade desta série de marcadores sociais ao observar o diálogo de duas mulheres negras no caixa de uma farmácia no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, território onde eu moro há 34 anos e que me formou como sujeito histórico, jornalista e educador.

Enquanto aguardavam o registro dos produtos, uma delas, aparentando ter 30 anos exclama para a sua companheira: “Esse ano eu não voto mais, vou cancelar meu título de eleitor, e não vou usar esse negócio de biometria, deve fazer mal pra gente, além disso, os políticos só roubam a gente, não tem ninguém que preste”.

A afirmação em tom de desabafo traz à tona um contexto invisível a muitos ouvidos que poderiam escutar aquela conversa: onde, quando e qual foi o centro de pesquisas que afirmou que o formato de identificação biométrica faz algum mal à saúde? Quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) veio a público apresentar ou desmentir essas informações em rede nacional?

Neste caso, é notório o impacto das fake news para desqualificar a importância da biometria no contexto das eleições. Outra anomalia social contemporânea salta aos olhos: o diálogo reforça a desconfiança na política institucional motivada pelos impactos da corrupção e principalmente na escolha de novos líderes políticos.

De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), produzido pela organização Transparência Internacional, em uma escala de 0 a 100, o Brasil alcançou 38 pontos, mesma nota obtida no ano anterior, mas caiu duas posições e agora ocupa a 96ª posição entre os 180 países e territórios avaliados.

Segundo o IPC, o desempenho ruim do país o coloca mais uma vez abaixo da média global que é de 43 pontos, mas também abaixo da média dos BRICS (39 pontos), da média regional para a América Latina e o Caribe (41 pontos) e ainda mais distante da média dos países do G20 (54 pontos) e da OCDE (66 pontos).

Vale ressaltar que não é só no distrito do Jardim Ângela que a população negra e parda representa 60% dos 300 mil habitantes do distrito. No Brasil, 54% dos habitantes se autodeclaram pretos e pardos.

A segregação digital tem se tornando uma nova forma do racismo estrutural afetar a população negra, impondo a ela uma distorção na interpretação da realidade a sua volta, reduzindo a crença na política institucional e aprofundando ainda mais as desigualdades causadas pela falta de políticas públicas efetivas.

Enquanto esse cenário não muda, não há dúvidas quanto ao fato de que a segregação digital terá um grande impacto nas eleições de 2022, seja na tomada de decisão de anular o voto, abstenção de votar ou provocar uma votação motivada pela percepção da realidade mediada pelas fake news. Para alguns candidatos, esse contexto social é positivo, e para outros, nem negativo e nem positivo, apenas um fato histórico a ser estudado e superado no futuro, mas que futuro é esse? Para nós pretos e periféricos ‘é tudo pra ontem’, como diz Emicida.

*Ronaldo Matos é jornalista, educador, pesquisador de tecnologias da informação e comunicação em contextos de periferias urbanas, e editor do portal de jornalismo periférico Desenrola E Não Me Enrola.

Tear e Poesia registra memória ancestral de mulheres negras e indígenas na arte de bordar nas periferias

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Além de promover um pensamento decolonial sobre a cultura do bordado que atravessa continentes e territórios de povos indígenas e africanos, a publicação impressa tem distribuição gratuita e está disponível em português, yorubá e espanhol.  

Atividade de bordado realizado em 2019/Foto: Divulgação Tear&Poesia

Ancestralidade africana, indígena e a cultura do bordado são temas de relatos históricos, poesias e fotografias que fazem parte do livro “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher” que será lançado no próximo sábado (12) no espaço cultural Bloco do Beco, localizado no Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo.

A Coletiva Tear&Poesia de Arte Têxtil- Preta Nativa é composta por mulheres que atuam e residem há quase 20 anos na região extremo sul da cidade de São Paulo, atuando com foco em dialogar com a mulher em diáspora, tanto imigrantes africanas quanto latino-americanas e caribenhas, mostrando também semelhanças entre grafismos nativos brasileiros, indígenas, e africanos e buscando identificar semelhanças pouco estudadas e menos difundidas entre culturas originárias das Américas e da África.

Seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e os protocolos de segurança contra a proliferação da COVID-19, o evento será realizado com um encontro presencial que marca o encerramento do projeto idealizado pela coletiva Tear & Poesia, apoiado pela Lei de Fomento à Cultura da Periferia, política pública municipal de incentivo a pesquisa, produção e difusão artística nas periferias e favelas de São Paulo.

Segundo Rita Maria, produtora cultural e co-fundadora da coletivaTear&Poesia, a pesquisa feita para a publicação busca abordar a memória, ancestralidade e tradições dos povos africanos e indígenas nas Américas e suas ramificações nas periferias brasileiras.

“O bordado tem origem profunda na África e era feito, inclusive por homens, e a gente nota essa característica na produção dos bordados. Temos exemplos como em Pernambuco com os maracatus; no Maranhão com a cultura do boi, em que os participantes assim como o boi tem suas vestes tecidas e bordadas fantasticamente, e os povos indígenas nativos de Abya Yala na américa”, conta a agente cultural, citando registros históricos presentes no livro “O menino Fula”, do escritor africano Amadou Hampâté Bâ.

A publicação do autor africano contraria pesquisas e publicações ocidentais que afirmam que o bordado é proveniente de uma cultura européia, que possui raízes profundas em nações colonizadas por países europeus.

No Brasil, a arte do bordado também se manifesta na cultura indigena, reforça Rita. “Tem uma rica tradição em bordados que a gente chama de trançados, onde se desenvolvem desenhos com fibras naturais das florestas e tem um povo, particularmente o kaxinawá (Huni kuin) do Acre Amazônico em que as mulheres desenvolvem um belíssimo trançado, um bordado primeiro tramando nos seus teares e depois desenvolvendo seus desenhos que elas chamam de “Kenê” e que são desenvolvidos só por mulheres.”

A partir desta estreita relação territorial, ancestral e cultural entre Brasil, América Latina e África, o livro apresenta um conteúdo trilíngue, visando contemplar o máximo possível as culturas envolvidas. “O Yorubá é a língua africana mais conhecida e utilizada por nós mulheres pretas desde os terreiros e que se emaranha em toda a nossa cultura, e o castelhano, é em função de termos envolvidos muitos irmãos e irmãs de outros países aqui da região de Abya Yala”, justifica a produtora cultural, explicando a decisão de traduzir o livros em portugues, espanhol e yorubá.

A cultura do bordado faz parte da história daTear&Poesia. Anterior a publicação do livro, a Coletiva desenvolveu o projeto ‘Bordando nas Bordas’, uma publicação em português, inglês, espanhol e guarani, que resgata o envolvimento desses povos, dessas culturas de países e de povos indígenas priorizando o guarani, por conta da sua representatividade como comunidade nativa. 

Dona Maria Rosário Paulo, de 73 anos, bordadeira e moradora do Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo (2022)/Foto: Arquivo pessoal.

O legado feminino 

A publicação “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher” conta com fotografias inéditas que registram a arte de bordar desenvolvida por um grupo de oito mulheres das periferias de diferentes gerações e nasce a partir de diversas pesquisas realizadas pelos integrantes da Tear&Poesia, tendo como prioridade as questões das mulheres pretas, indígenas, africanas e seus descendentes.

Entre essas mulheres, está a dona Maria Rosário Paulo, de 73 anos, moradora do Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo. Ela é mãe de dois filhos e avó de dois netos. Segundo dona Maria, o bordado já fazia parte da sua infância, onde sua mãe ensinou os primeiros passos de bordar. Foi também por meio do bordado e das oficinas oferecidas pelo projeto, que Dona Maria reconheceu sua negritude.

“Através do bordado eu aprendi muitas coisas que irei levar na minha vida para sempre. Conheci lugares e pessoas que jamais pensei que iria conhecer. Contribuiu e está contribuindo com a minha timidez. Eu me sinto muito privilegiada, sou negra e tenho muito orgulho, hoje consigo ver a nossa importância. Agradeço a Deus e a todos por ter tido essa oportunidade de participar de um projeto tão importante e necessário para manter viva a cultura do bordado”. 

Relata Dona Maria do Rosário.

Antirracista 

O projeto de pesquisa e difusão da cultura ancestral do bordado que resultou na publicação do livro “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher”, contou com a participação do príncipe nigeriano Prince Adewale Adefioye Adimula, mais conhecido como Baba Adimula, que nasceu na família Real Casa Governante de Lafogido, na cidade de Ilê Ifé, estado de Osun-Nigéria, berço ancestral dos orixás e de seus fundamentos.

Ao longo do projeto, Adimula ministrou oficinas da língua Yorubá, que recebeu mais de 300 inscrições de pessoas de diferentes estados do Brasil. Além da colaboração no processo de formação, ele também contribuiu com a tradução do livro e calendário poético para o Yorubá.

“Existe um provérbio africano que diz: ‘Um rio que esquece sua nascente um dia seca’, então traduzir este livro foi um resgate de memória dos meus antepassados, lembranças da minha vida escolar e das histórias contadas pelos anciãos. Traz aproximação, irmandade, conscientização e importância da cultura yorubá no Brasil e no mundo”, afirma o príncipe nigeriano.

Participante assíduo e defensor das questões que envolvem informações ao culto religioso e ao povo africano, desde sua chegada no Brasil, Adimula considera esse tipo de projeto uma experiência fundamental para combater o racismo e o desconhecimento da cultura ancestral africana.

“Sendo a população negra mais concentrada nas periferias, este projeto é extremamente necessário e contribui de forma positiva incentivando a comunidade, através da informação e valorização de nossa história, buscamos então neste contexto, resgatar e exaltar nosso povo, os africanos yorubanos que aqui estiveram”. 

conclui o príncipe nigeriano, ressaltando a importância de reconhecer a África como berço da humanidade.

Serviço

Lançamento do livro “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher”

Local: Espaço Cultural Bloco do Beco

Endereço: R. Bento Barroso Pereira, 2 – Jardim Ibirapuera, São Paulo – SP, 05815-085

Data: 12 de março

Horário: 10h às 14h

Entrada: Gratuita

Contato: pangeiaentreelos@gmail.com

OBS: Seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e os protocolos de segurança contra a proliferação da COVID-19, será obrigatório o uso de máscaras. 

Poeta Binho une escrita e ilustrações autorais em novo livro para crianças e adultos

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O autor conhecido pela sua trajetória de fomentar a produção literária nas periferias de São Paulo e na América Latina, por meio da criação do Sarau do Binho, lança o novo livro neste domingo (13), na Praça do Campo Limpo, zona sul de São Paulo.

O processo criativo de elaboração do livro intitulado ‘Azterketa’ surge durante o período de isolamento social, provocado pela pandemia de covid-19. (Foto: Suzi Soares)

Com um encontro literário aberto ao público e ao ar livre, o escritor e poeta Robinson Padial, mais conhecido no cenário da literatura como Binho, apresenta neste domingo (13), às 15 horas, o seu novo livro na Praça do Campo Limpo, zona sul de São Paulo.

Publicado pelo selo Sarau do Binho e pela editora Tchai, a obra intitulada ‘Azterketa’, cujo nome tem origem no idioma Elengoa e significa prova, exame e investigação, é fruto de um trabalho inovador do autor que une a experiência da escrita à produção de ilustrações autorais.

Além do livro que estará disponível para venda durante o lançamento, haverá uma exposição nos arredores da Praça do Campo Limpo, com 15 telas produzidas pelo autor para o público interagir durante o evento.

“A ideia do livro surgiu há alguns anos atrás, quando eu esbocei uma coisa de querer colorir”, conta Binho, ressaltando que esta iniciativa não evoluiu logo de cara para a criação de uma publicação.

Foi durante o período de isolamento social provocado pela pandemia de covid-19 que o autor afirma ter dado vida a construção do livro. “Na pandemia eu estive isolado um tempo num sítio, entre Campo Limpo e Juquitiba e aí fui fazendo o livro e colorindo, aí nasceu a ideia do nome do livro de um texto que eu vi num idioma antigo”, relata.

Com a proposta de ir além do publico adulto, as ilustrações do novo trabalho do autor visam dialogar também com o público infantil. (Foto: Suzi Soares)

“Esse livro é para as crianças também”

Binho é poeta, escritor e criador do Sarau do Binho, um dos movimentos literários brasileiro e periférico de maior expressão na América Latina.

A publicação é composta por poemas e versos inspirados nas ilustrações e fatos que fazem parte do cotidiano do autor e das pessoas à sua volta.

“Do ato de colorir eu fui traçando, pra poder daí brotando as poesias né? Porque enquanto você fica ali colorindo e tal, vem muitas ideias, frases e versos, né? E aí eu fui colocando isso no papel”, descreve Binho, apontando como foi parte do processo criativo de elaboração de Azterketa, livro que tem poemas e ilustrações autorais.

Entre os fatos que marcaram o processo de escrita, Binho cita situações do cotidiano como as notícias sobre o incêndio da estátua do bandeirante Borga Gato, que movimentou debates sobre a memória do Brasil na internet. Outro momento marcante lembrado pelo autor é o aniversário da irmã celebrado durante a pandemia, acontecimento que também serviu de inspiração poética para alguns trechos da obra. 

Ao comentar sobre o perfil de leitor que ele espera atingir com o novo livro, Binho destaca que tantos os temas dos poemas e versos, como as ilustrações, visam sensibilizar adultos e crianças. “Esse livro é para as crianças também, não só pra adultos. Que as crianças também possam olhar esse colorido nesse período nebuloso, tão cinzento, tão triste que passamos e que estamos passando ainda.”

Cultura popular 

Geraldo Magela, criador da Casa de Cultura Candearte, é homenageado no livro de Binho. Um dos textos ilustrados é uma ciranda de autoria de Magela. Durante o lançamento, o grupo Candearte fará uma apresentação na Praça do Campo Limpo, evidenciando a valorização do autor pelo mestre da cultura popular.

Além do Candearte, o grupo de teatro Cia. Truks fará uma intervenção artística que conta parte da história do poeta Binho. Juntamente com essas atrações, o público poderá vivenciar um sarau na Praça do Campo Limpo com a presença de diversos autores e poetas da literatura periférica.

Binho finaliza a entrevista ao Desenrola lembrando que faz exatos 23 anos que ele lançou o primeiro livro, a obra chamada de Postesia, considerada uma marco na literatura periférica. “Tem vinte e três anos exatamente que eu lancei o primeiro livro Postesia, foi em 14 de março de 1999, data essa que é o dia da poesia”, relembra ele, ressaltando que por apenas um dia essa data não se repete, já que o lançamento será neste domingo (13) de março.

Mas chegou o carnaval, e ela não desfilou!

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A periferia como protagonista do carnaval de São Paulo.

Desfile Bloco do Beco no carnaval de 2020 – Foto Maloka Filmes

“Se a única coisa que de o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano.”

disse Graciliano Ramos (1892-1953), marcou a literatura brasileira com obras que retratam a vida do homem nordestino no sertão, em qualquer lugar que esteja ele deve estar surpreendido com o que se passa na nossa história.

As temperaturas estão altas em São Paulo, por volta dos 30 graus, o que impõe um clima de verão constante, mesmo que as férias já tenham acabado e o retorno às atividades presenciais deem o tom do retorno a vida corriqueira de uma capital, sabemos que não estamos em uma situação de normalidade.

As periferias da cidade se preparam todos os anos para o carnaval de rua que acompanha a cidade há muitos anos, promovendo a democratização do carnaval paulistano, que privatizado acontecia somente nas quadras das Escolas de Samba e no Sambódromo do Anhembi. Isso não significa que a população das periferias não participe do carnaval das Escolas de Samba, muita gente vive as duas realidades, compreendendo a potência do carnaval de rua, sem cordão, sem ticket, sem catraca.

O carnaval de rua está conectado com todas as grandes pautas, pelo menos, não vejo como exercer qualquer atividade cultural que de certa maneira não esteja conectada com a vida nas periferias, pois o espaço, como ele se articula, a mobilidade, as questões econômicas, imprimem nesse carnaval seu tema, seu ritmo e a participação da população.

Desfile do bloco Afro É Di Santo em 2020 – Foto Fernando Solidade

O carnaval traz em si a tradição comunitária, seja nas Escolas de Samba ou no carnaval de rua, esses espaços sempre forneceram formação cultural e amparo econômico às suas comunidades.

Não acredito que isso tenha mudado, porém, a profissionalização do carnaval como economia criativa reconhecida por empresas e o Estado, tem transformado os processos carnavalescos em uma cadeia produtiva, com seus elos de pré produção, produção, distribuição e comercialização, que geram empregos e sustentabilidade para o carnaval, além de muito lucro para as empresas da cidade. Em 2020, a festa movimentou cerca de 3 bilhões, cerca de 2% do PIB Paulista.

O último carnaval de rua de São Paulo foi o maior da sua história, segundo a Secretaria Municipal de Cultura, cerca de 15 milhões de pessoas, 575 blocos de rua e 615 desfiles.

Foi histórico para a cidade ter as 32 subprefeituras participando, o carnaval periférico trouxe 60 blocos de carnaval de rua em toda cidade, em nossa região cerca de 18 Blocos de carnaval saíram da Capela do Socorro à Parelheiros, mesmo com pouco fomento.

Sabemos que as Escolas de Samba e as periferias realizam um carnaval cultural, que tenta revelar artistas, fazer das artes uma fruição dinâmica com a musicalização da festa e promover o fortalecimento da cultura negra brasileira.

Entretanto, existe uma grande diferença do investimento no carnaval de rua das periferias, e das áreas nobres e centrais da cidade, que deve ser pautada como política pública. O carnaval de rua das periferias também tem sua cadeia produtiva e movimenta o ano inteiro, como ações sociais e culturais em seus territórios.

Desfile Bloco do Hercu em 2020 – Foto Bloco do Hercu

Em 2013, por decreto, a prefeitura de São Paulo, tornou o carnaval patrimônio cultural da cidade, promovendo assim a abertura para o surgimento de novos blocos e incentivando os existentes.

Sabemos que o incentivo é ainda muito restrito, banheiros químicos e um cachê não é suficiente para os blocos da periferia que promovem o carnaval e o samba o ano inteiro.

Esse ano ficamos com o carnaval na garganta, mas sabemos que quem ajudou a conter a crise econômica e social causadas pela pandemia durante os últimos 2 anos foram esses Blocos e suas organizações parceiras, sem políticas públicas de financiamento do carnaval. E com a pandemia, que carnaval de rua seria possível para as periferias da cidade?

Sabemos que teremos o desfile das Escolas de Samba em abril, nada se fala sobre o carnaval de rua, se haverá financiamento, se haverá diálogo para colocar as necessidades dos blocos.

Sabemos que muitos ficaram ricos com a pandemia e outros mais pobres, sabemos que a privatização da cultura é um fantasma que ronda a cidade de São Paulo, mas a periferia vai continuar cantando, pulando e batucando, nossa luta não é confete.

Coletivos propõem local de destaque para estátua de Carolina Maria de Jesus em Parelheiros

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Escultura da escritora será a segunda em todo o município de São Paulo a representar uma mulher negra.

Praça Júlio César de Campos, a praça central de Parelheiros, é onde a maioria dos coletivos culturais da região realizam os seus eventos. Foto: Erivelton Camelo / Sarauê

A Prefeitura de São Paulo anunciou em agosto de 2021, a instalação de cinco estátuas de personalidades negras: Adhemar Ferreira da Silva, Itamar Assumpção, Madrinha Eunice, Geraldo Filme, e entre elas, a da escritora Carolina Maria de Jesus.

Artistas e coletivos de Parelheiros, território onde Carolina passou seus últimos anos de vida, apontam que o local para receber a escultura da escritora deve ser a praça central do distrito, espaço com maior visibilidade e circulação de pessoas no território.

No entanto, o local para instalação da estátua de Carolina Maria de Jesus escolhido pela Prefeitura de São Paulo, através da Secretaria Municipal de Cultural, foi o Parque Linear Parelheiros, espaço no qual articuladores do território reafirmam sua importância, mas relatam não ser um local de grande visibilidade.

Além disso, apontam que não foi realizada nenhuma consulta aos coletivos e articuladores do território, e o contato feito com a Vera Eunice, filha de Carolina, se deu já com o intuito de informar que o local de instalação da escultura seria no parque.

“Em reunião, ao questionar uma das servidoras do Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura, como se deu a escolha do local, com que respaldo, ela informou que foi através do ‘núcleo periférico’ que existe dentro da secretaria, núcleo esse que desconhecemos a existência e quem o integra”, afirma Joziane Sousa, integrante do Sarauê, grupo literário e cultural de Parelheiros, e uma das articuladoras do manifesto.

Joziane conta que quando os agentes culturais do território souberam da definição do local, não tinham conhecimento de quem teria escolhido o Parque Linear, e logo receberam o pedido de Vera Eunice, para compor a comissão de inauguração. Ela ainda ressalta que a filha de Carolina estranhou que nenhum coletivo do território havia integrado a comissão a convite direto da Secretaria de Cultura. 

“Carolina, mesmo quando teve condições financeiras de morar numa região nobre do bairro de Santana, nunca foi acolhida, e no imaginário da época nunca deixou de ser a “favelada”. Os seus últimos anos de vida em Parelheiros, foram num contexto de refúgio, onde ela nunca deixou de escrever, mas também nunca pode usufruir de fato dos frutos que poderia ter colhido com a sua produção literária.”

afirma Joziane Sousa, integrante do Sarauê, grupo literário e cultural de Parelheiros, e uma das articuladoras do manifesto.

Após receberem a informação da data de inauguração da escultura, que estava prevista para 13 de fevereiro, data do falecimento de Carolina, a família da escritora e o movimento cultural do território passaram a se articular e se reuniram com o subprefeito de Parelheiros, que não havia sido comunicado sobre o evento de inauguração, e buscaram contato com o Departamento de Patrimônio Histórico para reverter o local e data já definidos.

“Desde o dia 17 [de fevereiro], estamos atuando de forma muito organizada como um comitê, em torno dessa pauta para tentar reverter essa decisão da Secretaria, e no dia 21, uma das componentes do comitê entregou nas mãos da secretária Aline Torres o nosso manifesto. A mesma solicitou uma carta escrita e assinada por Vera, onde declarasse os motivos para a solicitação de troca do local, e essa carta foi entregue na secretaria dia 22 [de fevereiro]”, relata Joziane.

Ontem, dia 23 de fevereiro, o grupo recebeu uma mensagem da secretária de cultura solicitando uma reunião com os membros do comitê na sexta-feira (25).

Na carta produzida por artistas, coletivos e articuladores de Parelheiros, eles reforçam que o Parque Linear Parelheiros, local escolhido pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura, tem muita importância para o território, mas que o local para instalação da escultura de Carolina, deve ser a “sala de visitas” do território, na Praça Júlio César de Campos, a praça central de Parelheiros.

A articuladora Joziane reforça que a escultura da Carolina será a segunda em todo o município de São Paulo a representar uma mulher negra, sendo que a única existente até então é a estátua da mãe preta, que foi produzida em 1955, pelo artista Júlio Guerra, e retrata uma mulher negra amamentando uma criança branca.

“Carolina frequentou muito a Praça Central que na época era onde aconteciam os eventos do território, como a festa de Santa Cruz e de aniversário do bairro. A Praça de Parelheiros tem um reconhecimento histórico, e uma vez que a região passou a ser o Polo de Ecoturismo de São Paulo, a Praça também é um importante atrativo turístico”, afirma.

Joziane ressalta que é na Praça Júlio César de Campos, a praça central de Parelheiros, onde a maioria dos coletivos culturais realizam os seus eventos, uma vez que o território só passou a ter uma Casa de Cultura em 2019. Além da questão geográfica, pois a Praça é o ponto de acesso para os bairros adjacentes, como para o distrito de Marsilac, e o município de Embu Guaçu, cidade onde Carolina foi sepultada. 

“Colocar essa escultura em um local pouco movimentado, diria até que ‘escondido’ para nós mesmos, moradores do território, se assemelha como mais uma vez estabelecer que o lugar de Carolina é o ‘quarto de despejo’ que ela tão bem descreveu em sua obra. Vai contra o sentido de homenagem à obra da escritora, e também repercute de forma muito negativa nos familiares e nos admiradores de sua trajetória”

coloca Joziane.

A articuladora aponta ainda que a praça é um ponto conhecido por grande parte da população local. “Muitas pessoas ao vir aqui, nem acham que ainda faça parte da cidade de São Paulo, mas pergunte a qualquer um dos moradores, ou até para pessoas de outras regiões afastadas onde fica a Praça de Parelheiros, que elas em sua maioria saberão a localização”.

Para a agente cultural, uma das articuladoras para a alteração de local da instalação da escultura de Carolina Maria de Jesus, a não instalação na praça central do distrito, vai contra o objetivo do próprio projeto de lei que estabeleceu a produção destas obras como uma forma de exaltar a memória do povo preto e a representatividade de figuras negras dentro dos territórios periféricos: “Por que aqui em Parelheiros, Carolina não pode ocupar a nossa ‘sala de visitas’?”, questiona.

Não podemos permitir que o primeiro monumento em homenagem à Carolina NO MUNDO, não esteja em sua devida visibilidade. E ainda que seja uma argumentação concisa e suficiente, esta carta está respaldada pelo desejo de Vera Eunice, filha da Carolina, que nos afirma com precisão: “Fazemos questão que seja em Parelheiros! Minha mãe amava Parelheiros, aqui foi feliz, se benzeu e benzeu esse chão, participava das festas tradicionais, ia ao cinema mudo e entregou o meu diploma na Escola Prisciliana”.

Nós, coletivos culturais, artistas locais e articuladores sociais do território de Parelheiros, junto aos familiares e pessoas que entendem a importância da obra e da trajetória de Carolina, viemos através desta manifestar o nosso descontentamento em relação ao local escolhido para abrigar a escultura que está sendo produzida em homenagem à escritora. Reivindicamos a instalação da estátua de Carolina Maria de Jesus na Praça Júlio César de Campos, no Centro de Parelheiros e também a participação dos agentes locais na construção do evento de inauguração do monumento.

Carolina vive, e sua luta persiste, e aqui estamos apenas como pessoas que reivindicam o local, a data e a festa que ela merece ter.

Leia na íntegra o manifesto produzido por coletivos culturais, artistas locais e articuladores sociais do território de Parelheiros: Carolina Maria de Jesus merece estar na sala de visitas! 

Posicionamento da Secretaria Municipal de Cultura 

Em contato realizado pela equipe do Desenrola, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informou que a escultura da Carolina Maria de Jesus já foi instalada no Parque Linear Parelheiros e está protegida por tapumes. 

“Após reunião com a secretária Aline Torres, esclarecimentos e muita conversa, os coletivos e a Vera Eunice, filha da Carolina Maria de Jesus, optaram por manter a decisão de instalar a escultura na Praça Júlio César de Campos. No entanto, a Secretaria Municipal de Cultura informou que não há recursos para a transferência da obra de local e que esses grupos teriam que se mobilizar para conseguir verbas parlamentares para que a Secretaria possa realizar as tratativas e o processo para a transferência da escultura do Parque Linear Parelheiros para a Praça Júlio César de Campos”

afirma a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Cultura.

Ainda segundo a assessoria,  foi explicado aos coletivos que devido à complexidade dos serviços e de procedimentos, entenderam que será um processo moroso e, portanto,  a Secretaria não tem previsão para a nova instalação. 

“A partir dessa decisão, a inauguração do dia 4 de março de 2022 foi cancelada, as contratações artísticas foram suspensas e o contrato dos tapumes foi renovado, até que se decida como manter a obra no local enquanto não há a transferência da obra. Em respeito aos movimentos a obra será inaugurada quando todos os trâmites legais forem solucionados”, finaliza a assessoria.

Movimentos periféricos ocupam Theatro Municipal de São Paulo

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Como parte da programação do centenário da Semana de Arte Moderna de 22, movimentos literários periféricos se apresentam em atividade gratuita no Theatro Municipal de São Paulo. 

 Hoje (14), a partir das 19h, os poetas e artistas do Sarau do Binho, Sarau das Pretas e As Clarianas, ocupam o Theatro Municipal de São Paulo como parte das atividades em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 22. O evento também terá a participação do rapper Rappin’ Hood como mestre de cerimônias.

Os ingressos são gratuitos e estarão disponíveis para retirada a partir das 17h, sendo limitados 1.500 lugares, conforme a lotação do espaço. Seguindo as recomendações dos órgãos de saúde, para participar do evento, é necessário apresentar documento, o passaporte da vacina, utilização de máscara e álcool gel.

“Fazer nossa cantoria e celebrar nossa existência naquele terreiro que também é nosso”, afirma o grupo musical As Clarianas, formado pelas atrizes e cantoras Martinha Soares, Naloana Lima e Naruna Costa, e pelos músicos Giovani Di Ganzá e Fefê Camilo.

Com forte conexão com as periferias, o movimento literário dos saraus estará representado pelo Sarau do Binho e Sarau das Pretas, ocupando o equipamento cultural localizado no centro da cidade.

Ingressos gratuitos limitados ao número de lugares (entrada livre)

Classificação Livre

Duração total 90 minutos

“Estamos criando o protocolo integrado da primeira infância”, diz supervisora da assistência social da M´Boi Mirim

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Os distritos do Jardim Ângela, na zona sul e Brasilândia, na zona norte de São Paulo são os primeiros territórios da cidade a realizar  ações do projeto integrado com as secretarias de governo do município junto a organizações da sociedade civil, que atuam nas periferias combatendo as desigualdades sociais que afetam principalmente mães solos e crianças na primeira infância.  

A partir de um olhar crítico para políticas públicas de assistência social nas periferias de São Paulo direcionadas para primeira infância, período que vai do 0 a 6 anos nas crianças, Luciane Farias, supervisora dos Serviços de Assistência Social da M´Boi Mirim, compartilhou com o Desenrola os desafios para atender o crescente número de famílias e crianças em situação de vulnerabilidade social do distrito Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.

Uma das estratégias adotadas pela Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social de São Paulo está sendo a implantação do protocolo integrado de políticas públicas para a primeira infância.

A iniciativa surge a partir do Marco Legal da Primeira Infância, conjunto de normas que coloca as crianças de 0 a 6 anos no centro da atenção do poder público, para desenvolver projetos que promovam políticas e qualificação de profissionais para atender esse público.

Segundo Farias, o protocolo integrado da primeira infância visa aproximar ainda mais o trabalho das secretarias de governo que atuam diretamente com a primeira infância das organizações da sociedade civil e movimento sociais que atuam nos territórios periféricos, agindo contra as desigualdades sociais que afetam os moradores locais.

Uma das políticas públicas de assistência social que tem colocado em prática o protocolo integrado da primeira infância é o SASF – Serviço de Assistência Social as Famílias, no qual a supervisora conta que o Jardim Ângela conta com quatro unidades, onde cada uma tende cerca de mil famílias em situação de alta vulnerabilidade.

Um dos objetivos do SASF é fazer um diagnóstico das necessidades básicas das famílias, para encaminhar para serviços especializados das áreas de assistência social, saúde, educação, entre outros.

É a partir do SASF que o serviço de assistência social desenvolve o programa Criança Feliz, que visa oferecer uma série de serviços públicos para crianças amenizar o impacto das desigualdades sociais na vida das famílias, um cenário que se agravou ainda mais com o contexto da pandemia de covid-19.

Além disso, o SASF vem lidando diretamente com casos de mães solo desempregadas que enfrentam uma série de dificuldades para conseguir manter uma estrutura básica para os seus filhos. É partir deste contexto, que os serviços de assistência social atuantes nos territórios periféricos buscam oferecer uma rede de proteção para crianças e suas famílias.

Mas Farias deixa bem claro: “O território da M´Boi Mirim tem 79 serviços de assistência social, é o segundo maior distrito, ficando atrás apenas da Subprefeitura da Sé”, aponta ela.

A supervisora dos serviços de assistência social da M´Boi Mirim enfatiza que mesmo com essa estrutura de atendimento aos moradores do território, a quantidade de serviços é insuficiente dado o número de habitantes que hoje já ultrapassa 300 mil pessoas, fato que torna o aumento de demanda uma constante no cotidiano de quem está na linha de frente atendendo as famílias e crianças da região.

“Como criança não vota, ela não é prioridade do Estado”, diz conselheiro dos direitos da criança

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A série direitos invisíveis traz uma entrevista especial com Carlos Alberto Churras, Conselheiro Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que  reflete e aponta uma série de lacunas em políticas públicas  e direitos  essenciais ao desenvolvimento integral da infância nas periferias e favelas.  

Em 10 de dezembro, muitos países celebram o Dia Internacional dos Direitos Humanos, uma data que celebra a oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1950, com a proposta de democratizar o acesso a direitos sociais em todo o mundo.

Mas qual é o significado desta data para as famílias moradoras das periferias e favelas que estão vivendo em alta vulnerabilidade social, que compromete inclusive o desenvolvimento dos seus filhos na primeira infância, essa fase da vida que vai do 0 aos 6 anos, na qual as crianças precisam de cuidados essenciais que garantam o desenvolvimento do organismo, cognitivo e social.

À frente da gestão de projetos sociais que visam garantir acesso aos direitos humanos para proteção de crianças e adolescentes nas periferias e favelas do Jardim Ângela, distrito da zona sul de São Paulo, que possui 60% da população que se autodeclara preta ou parda, Carlos Alberto Churras elenca uma série de questões que impactam o pleno desenvolvimento das crianças no território.

Diante da sua experiência como Conselheiro Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo, Churras enfatiza que conhece bem o ambiente de desenvolvimento de políticas públicas voltada para a infância, e ressalta que o poder público não valoriza a infância porque criança não vota. 

Outro contexto que marca a trajetória do gestor de projetos sociais é a sua vivência no campo de atendimento às famílias em situação de alta vulnerabilidade social na pandemia de covid-19, através do seu trabalho na Sociedade Santos Mártires, organização que tem mais de 30 anos atuando pela garantia de direitos a moradores do distrito do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.

Segundo Churras, os programas de transferência de renda ajudaram muito as famílias, mas esse tipo de direito social não pode ser pontual, e sim permanente, atuando como uma política de Estado e não de gestão governamental. Esse cenário, segundo ele, irá afetar ainda mais o desenvolvimento de crianças nas periferias, devido à falta de comprometimento do poder público.

Carlos Alberto Churras é gestor de projetos sociais e conselheiro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. (Foto: Ronaldo Matos)

“Toda criança deveria ter uma renda”

Carlos Alberto Churras já foi presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e hoje atua como Conselheiro.

 Ao lidar com todo tipo de situação de conflito em diversas fases do desenvolvimento das crianças, seja na primeira infância ou na adolescência, o conselheiro municipal dos direitos da criança e do adolescente, enfatiza que o racismo e as desigualdades sociais afetam principalmente as crianças negras nas periferias e favelas.

Segundo ele, são as acrianças negras as mais vulneráveis, pois são elas que estão no farol fazendo trabalho infantil, que são presas e mortas pelas forças do estado, e por vivenciarem ao longo da vida uma série de violências, as políticas públicas tendem e não garantir o direito a proteção integram da vida dessas crianças.

“A criança negra é a que tá mais vulnerável

O gestor de projetos sociais aponta o impacto do racismo e das desigualdades sociais na infância.

Consciente da importância de construir um futuro menos agressivo e mais acolhedor para fortalecer o núcleo familiar nas periferias e favelas, Churras enfatiza que para além das políticas públicas, a alegria também é um direito humano.

Ele acredita que a alegria precisa ser garantida, pois no atual contexto social, ser um morador da periferia é também conviver com uma série de tristezas e incertezas que minam as suas expectativas de vida e vontade de viver de crianças, adolescentes, jovens e adultos.