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“Segurança alimentar não estava no plano do governo”, diz Conselheira Municipal sobre demandas da população periférica

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Representante titular da sociedade civil no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional desde 2018, Maria Angélica reforça a importância da conexão com o território para entender as demandas da população na garantia de segurança alimentar aos moradores

Reunião do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional que aconteceu em outubro de 2019.Foto: divulgação

A luta de mães e mulheres que historicamente buscam segurança alimentar dentro de suas comunidades, foi uma das referências para Maria Angélica, que desde 2000 atua como líder comunitária na Cohab Raposo Tavares. Ligada às ações sobre alimentação de qualidade dentro e fora de seu território, foi pela defesa dessa pauta que, em 2018, se tornou representante titular da sociedade civil no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, em São Paulo.

“Quando eu vou pro conselho, eu vou representar esse território. Não é a minha luta apenas, é a luta delas”, afirma a Conselheira, que também teve como referência a Casa do Betinho, localizada no Jardim Jaqueline, zona oeste de São Paulo, uma associação organizada por moradores que reunia lideranças da pastoral da criança, pesquisadores e pessoas que buscavam impactar o governo local diante da fome no território.

No início dos anos 2000, a Casa do Betinho começou a produzir e arrecadar comida para os moradores, e se tornou um grande ponto de distribuição de alimentos. Foi a partir dessa movimentação que outros centros de referência alimentar foram criados por mulheres e mães para garantir a alimentação dos filhos, tendo como base as demandas locais.

“Foi nessa época que eu criei muitas referências nas mulheres que estavam ali e pensavam: bom, a panela está vazia e meus filhos com fome, como é que eu vou fazer?”, enfatiza a conselheira, e ressalta que junto às ações da Casa do Betinho, lideranças locais lutavam para ter uma sede que funcionaria como ponto de distribuição, contribuindo assim na construção do Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (CRESAM) no Butantã, o primeiro da região. 

Com a falta de retorno do poder público para fornecer alimentação segura à população local, a conselheira se aproximou ainda mais das urgências do território, auxiliando mães solo, donas de casa e pequenos comerciantes. Contudo, afirma que dentro do Conselho, percebeu as barreiras para fazer com que esse assunto fosse pautado entre as demandas.

“Quando a gente vai pra segurança alimentar, lá no Conselho eu encontro uma barreira enorme que era a conexão do que os territórios estavam fazendo e como encaminhar essas demandas de maneira certa [para o estado], e o pessoal que tá no governo ignorando completamente isso”

relata.

Maria Angélica conta que esse é o principal obstáculo enfrentado pelos conselheiros: fazer com que o poder público entenda quais são as demandas da população periférica, e que essas demandas se alteram em cada território.

Foi a partir dessa percepção que ela e outros 58 conselheiros do estado de São Paulo, começaram a luta para inclusão de alimentação dentro de um plano de governo, que até então não estava nas propostas de nenhum governante, antes mesmo da pandemia. 

Todos os conselheiros da atual gestão do COMUSAN. Foto: divulgação

“Percebemos que segurança alimentar não estava no plano do governo, então quando chega a pandemia a gente viu explodir de tal maneira [a busca por alimentos]”

relata, sobre a experiência de buscar por doações e cestas básicas no auge da covid-19.

Segundo ela, diversas vezes se deparou com lacunas que não garantem direitos básicos para a periferia, pois, em muitos casos, o poder público entende que é campo de atuação da iniciativa privada, principalmente na pandemia.

“Escuta, poder público, vocês estão divulgando isso e aquilo, mas isso está vindo da sociedade civil, isso não é política pública”, relembra Maria Angélica sobre sua reação quando presenciou campanhas governamentais divulgando programas de doação organizados pelos moradores do bairro.

Diante disso, o Comitê começou a busca por capacitação de mães, líderes comunitárias e o desenvolvimento de iniciativas como cozinhas comunitárias e agricultura familiar para dar auxílio a essas mulheres. Liderado por ela e diversos outros conselheiros, também foi criado um comitê de crise diante da situação pandêmica.

“Criamos o Comitê de Crise do Conselho Municipal. Fizemos um mapa da fome naquele momento [para entender] onde estavam essas comunidades, essas famílias”

afirma.

Conselheiros da atual gestão reunidos após reunião. Foto: arquivo pessoal

“Vinham associações de bairros legalizadas e institucionalizadas com CNPJ tudo direitinho e também aquelas estavam num bairro em que não chegava nada, aquela pessoa que responde pela comunidade, não tem nenhuma documentação oficial, mas que está ali pelos moradores”, explica sobre o processo de distribuição de cestas básicas que aconteceu através do Comitê, onde moradores e associações captavam recursos para distribuição no território.

Maria Angélica ainda reforça que a busca por alimentação saudável e de qualidade faz parte da luta do território, realidade que por morar em um contexto periférico, estar próxima a ocupações e por ter a vivência no Conselho, sempre presenciou.

“Tem vizinhas que dividem a mistura, dividem a comida com a vizinha que está lá numa ocupação, que está sem gás, que não conseguiu fazer um bico, seja uma unha, seja uma faxina, seja o que for”, pondera a conselheira, e reforça que mesmo diante da insegurança alimentar a comunidade permanece unida, porém, é obrigação do Estado tomar partido dessa responsabilidade e não do cidadão civil.

Estação Campo Limpo: onde o racismo e a lesbofobia se cruzam

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Vítima de violência física na Estação Campo Limpo, Débora Paredes dos Anjos, de 39 anos, foi agredida por um passageiro após utilizar o banheiro do terminal de ônibus. Ela espera que a ViaMobilidade se responsabilize pelo caso.

Estação Campo Limpo, linha lilás do metrô. Imagem: Inara Novaes

Dois anos atrás, no dia 17 de julho de 2020, a assistente social, Débora Paredes dos Anjos, de 39 anos, estava retornando do trabalho na Prefeitura de Embu das Artes, da qual é funcionária há aproximadamente uma década. No trajeto, ela estava se dirigindo ao Shopping Campo Limpo, onde tinha um compromisso, quando foi agredida por um passageiro da linha 5 Lilás, após utilizar o banheiro público do terminal de ônibus integrado ao Metrô Campo Limpo, por volta das 15h25.

“Inicialmente, ele achou que eu era um homem”, relembra Débora, descrevendo uma das motivações que levaram um usuário do metrô a praticar violência verbal e física contra ela. O atentado contra a assistente social gerou uma série de lesões que afetaram principalmente o seu rosto, onde recebeu uma série de socos, resultando em seis pontos cirúrgicos, para conter o sangramento dos cortes gerados pela agressão.

O fato ocorrido com Débora não é um caso isolado. Em abril deste ano, uma jovem de 21 anos, negra, lésbica e periférica ― chamada Julia Mendes, integrante do Coletivo Máfia das Minas, também foi violentada no metrô, desta vez na estação de Sapopemba. Ela foi abordada por seguranças que a agrediram após ter entrado no banheiro e ter sido confundida com um homem por uma das funcionárias do local.

De acordo com os dados da última pesquisa Viver em São Paulo: Direitos LGBTQI+, divulgada pela Rede Nossa São Paulo em junho do ano passado, 59% da população da capital paulista já sofreu ou presenciou uma situação de preconceito em função da orientação sexual ou identidade de gênero, o que representa mais de 6 milhões de paulistanos.

Segundo a pesquisa, espaços públicos são os locais de maior vulnerabilidade para a população LGBTQIA+, especialmente os transportes, nos quais 4 a cada 10 entrevistados declararam ter presenciado ou sofrido alguma situação de LGBTIfobia. Nos banheiros públicos e privados este número diminui para 3 a cada 10 entrevistados.

Em nota, emitida ao Desenrola, a ViaMobilidade informou que já tinha conhecimento do ocorrido e que os agentes de segurança da concessionária são constantemente treinados para identificar e coibir ocorrências desta natureza, bem como para realizar o acolhimento à vítima, prestação de primeiros socorros e, se preciso, direcionamento ao médico ou à delegacia.

Eles informam, ainda, que os agentes teriam oferecido encaminhamento ao hospital, auxílio e condução para que os envolvidos registrassem a ocorrência na polícia, mas ambas as sugestões foram recusadas, tanto pela vítima quanto pelo agressor. Débora desmente ter negado o encaminhamento e afirma que os seguranças insistiram que prestar queixa, naquele momento, seria inviável.

Perguntamos à ViaMobilidade desde quando os agentes possuem treinamento para interferir em casos de violência e com qual frequência essas formações acontecem, mas não obtivemos respostas. Eles também não informaram se realizam algum acompanhamento ou assistência à vítima, após as agressões, tampouco de qual maneira essas queixas são registradas.

Desde agosto de 2021, o estado de São Paulo possui uma delegacia online especializada em LGBTIfobia, chamada Delegacia da Diversidade, criada para combater crimes de discriminação e intolerância de forma remota, sem que as vítimas precisem se deslocar até um espaço físico.

Em resposta a nossa reportagem, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que, além da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, criada em 2018, na capital paulista, todas as delegacias do estado possuem protocolos de atendimento específico para a população LGBTQIA+. Além disso, desde 2020, as Delegacias de Defesa à Mulher passaram a atender com base no gênero e não no sexo biológico da vítima, estimulando mulheres trans e travestis à prestarem queixa.

O caminho da violência

Terminal de ônibus da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) integrado à estação. Imagem: Inara Novaes

A caminho do sanitário do terminal de ônibus integrado ao Metrô Campo Limpo, Débora reparou que havia um rapaz lhe xingando. Como estava muito apertada, ela se dirigiu imediatamente ao banheiro e, na sequência, perguntou ao jovem porque estava se referindo a ela daquela maneira. Ao ser questionado, ele desferiu um chute na perna esquerda da assistente social que, ao tentar se defender, foi agredida com diversos socos no rosto.

Caída no chão, Débora gritava por socorro, enquanto uma passageira que acompanhava o agressor pedia repetidamente para que ele parasse. A vítima, uma mulher negra de 1,89cm ― que se identifica como lésbica ― declara que estava completamente agasalhada naquele data, o que, provavelmente, teria levado o agressor a confundi-la com um homem.

“Ele se sentiu muito à vontade para me agredir quando percebeu que eu era mulher, porque a companheira dele gritava, a todo instante, ‘para Gabriel, ela é uma mulher, para que ela é uma mulher’ e, a cada vez que ela gritava, ele me batia com mais força. Eu pensava: ‘mano, para de falar que eu sou mulher, ele tá me batendo pra cacete'”, descreve a vítima.

Gabriel, como é chamado o agressor que não foi entrevistado pela nossa reportagem, teve tempo suficiente para golpear o rosto da vítima diversas vezes antes que algum funcionário da estação interferisse. De acordo com ela, os seguranças da ViaMobilidade, concessionária responsável pela manutenção e operação da linha 5 Lilás do metrô, agiram com muita lentidão porque também teriam a confundido com um homem.

“Os trabalhadores do metrô, a segurança do metrô, esperaram ele me agredir muito porque ao olhar deles eu era um homem. Eles não me identificaram como uma mulher lésbica, acharam que era um briga entre dois homens. E eu estava no chão tentando me defender, gritando por socorro”, comenta a assistente social.

Quando o agressor foi finalmente interrompido pelos agentes, o rosto da vítima sangrava muito. Ela declara que, dentre todos os funcionários responsáveis pela vigilância da estação, somente um foi sensível o suficiente para lhe fazer um curativo. Ainda muito transtornada, ela teria exigido para ser encaminhada à delegacia junto ao agressor, mas os seguranças tentaram convencê-la do contrário.

Após muita insistência e com o rosto ainda sangrando, Débora foi aconselhada a ir, primeiro, ao médico ― ao qual se dirigiu por conta própria ― enquanto o agressor saiu de lá escoltado pelos seguranças. Desde então, a vítima não teve mais nenhuma notícia de Gabriel. “Foi como se nada tivesse acontecido”, declara a assistente social que recebeu seis pontos no rosto.

Débora Paredes dos Anjos, assistente social, de 39 anos, que foi vítima das agressões. Imagem: Inara Novaes

Pandemia e o isolamento social pela lesbofobia 

Débora foi agredida quando retornava do serviço, pouco menos de cinco meses após o primeiro caso de coronavírus ser notificado no país. Naquele dia, 17 de julho de 2020, 1.123 óbitos foram registrados por Covid-19 no Brasil. Enquanto muitas pessoas estavam apavoradas e com medo de sair de casa por conta do vírus; para ela, este medo se somava ao de ser novamente violentada.

“Eu fiquei muito tempo sem sair de casa. Eu sou uma mulher que mora sozinha e nesse período de pandemia eu estive só e estar só demandava que eu, por conta própria, saísse para comprar minha comida, minha alimentação, para pagar minhas contas. Como você sai para cumprir com as suas necessidades básicas, porque isso é básico, com medo da pandemia e da violência?”

questiona a assistente social.

Sem condições emocionais ou psicológicas para sair de casa, Débora ficou sem frequentar o serviço por dois meses e teve que responder por um processo administrativo porque o médico do trabalho, responsável por afastá-la, alegou que o atestado médico da vítima era falso, pois ela não tinha nenhuma marca da violência no rosto.

“Foram seis pontos e eu fiz um cuidado pleno. Cuidei muito para que não ficasse a marca, para que eu não me olhasse no espelho e visse essa violência constantemente. E aí, dentro desse cuidado, no qual eu preservei muito esse machucado, o médico questionou por que eu não fiquei com marca. Ele queria ver uma marca de violência”, explica a vítima.

Àquela altura, Débora ainda não tinha realizado o boletim de ocorrência, porque precisaria ir à Delegacia de Polícia Metropolitana e, para isso, teria que voltar à estação na qual foi agredida. “Eu tinha que ir do Capão Redondo até a Barra Funda e isso me causou temor. O médico queria o boletim de ocorrência (…) No fim, eu respondi processo e consegui comprovar, mas eu fico pensando: eu sofro a violência e ainda tenho que provar. Olha como é a lesbofobia”, completa.

Estado de alerta 

Assim como Débora, a mestranda em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades (FFLCH/USP), Fernanda Gomes, 34, do Coletivo Luana Barbosa, já sofreu violência no transporte público. Ela estava junto à ex-companheira que teria tentado defender um ambulante que estava sendo agredido por seguranças na Estação Barra Funda, linha vermelha do metrô, quando as duas também passaram a ser agredidas e ofendidas pelos funcionários.

Em seu projeto de pesquisa acadêmica, Fernanda reúne casos de mulheres lésbicas que também foram agredidas em situações semelhantes à de Débora. Ela comenta, em particular, a história de Luana Barbosa dos Reis, mulher negra e lésbica que dá nome ao coletivo do qual faz parte, e que morreu por consequência de lesões cerebrais provocadas por três policiais militares que a espancaram na esquina de casa, em 2016.

“A Luana Barbosa também foi confundida com um homem. Ela teve que levantar a blusa e mostrar os seios para provar que era uma mulher e falou, várias vezes, durante a abordagem policial violenta: ‘eu sou mulher e eu te provo que sou mulher levantando a blusa’. E ela levou um soco, né? E, através deste soco, ela revidou, porque ninguém apanha quieto e foi ali que a Luana morreu, por conta da lesbofobia e do racismo, sobretudo”, comenta a assistente social.

Luana Barbosa morreu aos 34 anos, em 13 de abril de 2016, após ser espancada por três policiais. Imagem: arquivo pessoal

Fernanda, que também é uma mulher negra e periférica, descreve que já foi agredida e ameaçada de morte pelo ex-marido com quem teve um filho e foi casada durante nove anos antes de se reconhecer como lésbica. Ela explica que vive numa cidade lesbofóbica e está sempre em estado de alerta, evitando, inclusive, costumes que podem parecer simples aos olhos de casais heterossexuais.

“A gente tá o tempo todo em choque, o tempo todo em pânico como se a gente não pudesse viver, minimamente, como qualquer casal hétero vive, né, pegar na mão, dar um beijo na escada rolante. Quando eu era pequenininha, ia em lugares em que as pessoas andavam de escadas rolantes e achava romântico os casais que se beijavam, sabe? Mas eu ainda não consegui viver essa situação tão simples”

comenta a assistente social de 34 anos.

Fernanda Gomes, assistente social e mestranda em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades. Imagem: arquivo pessoal

Para a mestranda, as ‘sapatonas’ são uma afronta à sociedade patriarcal, porque fazem parte de um grupo que renuncia por completo a presença dos homens, enquanto todas as outras identidades da comunidade (gays, transexuais, bissexuais, pansexuais e até mesmo assexuais) vão se relacionar com eles sexualmente ou afetivamente. No entanto, ela comenta que a questão racial, ainda assim, se sobressai dentre todas essas opressões.

“Não tenho tanta certeza de que mulheres brancas que são lésbicas são agredidas de maneira tão violenta quanto as mulheres negras. Parece que o nosso corpo está disponível. O nosso corpo preto está disponível para as pessoas xingarem, maltratarem e matarem. Ele é um corpo matável, há uma licença racista para nos matarem”

finaliza a assistente social.

Dona de mim 

Quase dois anos após as agressões, Débora comenta que ainda sente muito medo ao sair de casa e que se sente tão vulnerável quanto uma criança. As violências continuam presentes no cotidiano da assistente social que encontrou suporte na terapia e em um coletivo formado majoritariamente por mulheres negras e lésbicas iguais a ela, chamado Dona de Mim.

Nascido no Jardim Jangadeiro, no distrito do Capão Redondo, na garagem da casa da pós-graduanda em Serviço Social e Saúde Pública Erica Santos, 38, quando ela ainda estava no terceiro semestre da graduação, o coletivo é a resposta para uma angústia coletiva. Enquanto mulher negra, lésbica, mãe solo, deficiente e periférica, Erica sentia a necessidade de ser escutada e ficava se perguntando se não tinham outras mulheres esperando para serem ouvidas também.

O Dona de mim surge, portanto, nas vésperas das eleições de 2018 com uma proposta de educação política popular e se consolida como uma rede de apoio a mulheres em situação de violência. De acordo com a assistente social, esse trabalho é fundamental porque as mulheres são atravessadas por uma série de violências e se sentem extremamente sobrecarregadas, embora sejam a base estrutural da nossa sociedade. 

Erica Santos, assistente social, pós-graduanda em Serviço Social e Saúde Pública e fundadora do coletivo Dona de Mim. Imagem: Inara Novaes

Erica comenta que conheceu Débora em movimentos políticos e através de amizades que as duas tinham em comum e, assim que soube que ela havia sido agredida, se reuniu com outras integrantes do coletivo, comprou alguns chocolates e foi até a casa da vítima prestar apoio e solidariedade.

“Enquanto mulher eu me senti agredida como ela, porque eu não posso sentir a dor física que ela sentiu, nem posso falar que consigo imaginar, porque imaginar é uma coisa muito superficial. Mas a gente sente isso no dia-a-dia, nos olhares, as pessoas te julgam pela forma que você se veste, pelo seu corte de cabelo, e isso incomoda”

declara Erica ao falar sobre a importância de estar ao lado de Débora naquele momento.

Educação popular em tempos de crise alimentar

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O problema, sabemos, é que a fome continua sem esperar e segue afetando as periferias, favelas, classe trabalhadora, negros e negras.

Cozinha solidária criada pela Rede de Cursinhos Ubuntu para oferecer alimentação aos estudantes.

se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Solano Trindade

O poema de Solano Trindade, poeta negro e referência na literatura nacional, ainda ecoa na realidade atual do Brasil, mesmo sendo escrito em 1944. Em 2021, o nosso país se vê diante de quase 120 milhões de pessoas com algum grau de insegurança alimentar, conforme dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN). Ou seja, mais da metade da população ainda não consegue garantir um dos direitos mais básicos de uma existência digna.

Durante a atual pandemia, diversas iniciativas coletivas e públicas tentaram combater o cenário de fome, mas com o processo de reabertura, a solidariedade vista naqueles tempos já não é mais a mesma. O problema, sabemos, é que a fome continua sem esperar e segue afetando as periferias, favelas, classe trabalhadora, negros e negras.

Nessa situação, a educação popular também tem papel para seguir lutando por mais um dos direitos que nos são negados. É nesta perspectiva que a Rede Ubuntu de Cursinhos Populares vem atuando em nossas quebradas.

Desde 2013, as raízes da Rede Ubuntu de Cursinhos Populares são vistas na zona sul de São Paulo. De fato, o trampo feito pelos cursinhos nas quebradas tem sido transformador, pois vem resgatando a autoestima periférica através de uma educação feita pela e para as próprias periferias.

Em 2019, a Rede começou um projeto piloto de alimentação para seus estudantes, que consistia em garantir o almoço durante as aulas do cursinho, que funcionam aos sábados.

Essa estratégia foi pensada e articulada com o território, com o objetivo de encher a barriga dos estudantes, livrando cada um da preocupação com alimentação, e também como uma forma de seguir fortalecendo vínculos comunitários.

Durante os anos mais duros da pandemia, essa pauta passou a ser prioridade e a Rede conseguiu garantir cestas básicas, notebook e internet para os alunos. Com essa realidade posta, já não fazia sentido o retorno presencial sem pensar na garantia de comida pra geral.

Em 2022, a Rede Ubuntu vem trabalhando para garantir almoço, café da manhã e lanche para os nossos mais de 300 alunos espalhados pelo Jardim Ângela, Capão Redondo e Jardim Jacira. 

Essa ação é sobretudo política, pois a luta é fruto da potência dos coletivos das quebradas, que juntos constroem políticas feitas por e para a base, enquanto o Estado segue nos dando as costas.  

Sonhos 

Aliado com parceiros que os fortalecem desde da fundação, como a Santos Mártires, CMV, MTST, CDHEP e outros, a Rede Ubuntu está lançando uma Financiamento Coletivo para arrecadar essa grana, de forma coletiva, como a quebra sempre soube e teve que fazer.

Essa ação vai contribuir para Alimentar os Sonhos de centenas de jovens periféricos. Jovens que almejam entrar na Universidade para transformar suas vidas, transformar a vida da família e das nossas periferias!

É dessa forma que em tempos de crise e desesperança, a educação popular segue viva como mecanismo de esperançar. Na ponta do lápis, o fortalecimento mensal para cada aluno é de cerca de 30 reais. 

Chega junto e bora seguir colocando a periferia como nosso centro!

Este texto foi escrito por Rafael Cícero e Saulo Vilanova (Estudante de Letras na USP, poeta e Coordenador da Rede Ubuntu – Polo Dona Edite)

Da zona sul a zona leste: formações na quebrada com inscrições abertas

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Construção de narrativas, aula de inglês e história oral, são algumas das formações gratuitas que estão acontecendo pelas quebradas e com inscrições abertas.

Selecionamos cinco atividades formativas gratuitas que estão rolando, além da indicação de equipamentos culturais públicos que regularmente oferecem atividades abertas aos moradores do território ao longo do ano inteiro.

As atividades envolvem temáticas como comunicação e construção de narrativas e como acessar políticas públicas. Os encontros são oferecidos em diferentes formatos – online ou presencial – conforme atividade e espaço.

Confira 

Como acessar o PROAC – Coletiva Jovem 

A oficina promovida pela Coletiva Jovem, será ministrada pela Valéria Rocha, que é atriz, educadora e produtora. O encontro será no próximo sábado (28), no espaço do Bloco do Beco, na zona sul de São Paulo, e a ideia é desvendar as regras, métodos e explicar como funciona o ProAc.

A Coletiva Jovem é um grupo formado por jovens das periferias que buscam criar espaços para construção de redes com foco em trabalho, juventude e geração de renda.

Inscrições: Via formulário online
Endereço: Bloco do Beco – R. Bento Barroso Pereira, 2. Jardim Ibirapuera, Zona Sul.

Impulsiona aí afroempreendedoras na Gastronomia – Empreende aí

Voltado para mulheres negras, empreendedoras e das periferias, a formação realizada pelo Empreende Aí, tem o objetivo de ajudar no desenvolvimento de negócios ligados ao eixo da gastronomia. A formação terá três etapas, sendo que para a primeira fase serão selecionadas 150 afroempreendedoras, e a partir da segunda fase as participantes passarão por uma seleção para dar início a um processo de mentorias e pitch. As inscrições vão até o dia 2 de junho.

O Empreende Aí é uma escola de negócios da periferia, com foco em formar e potencializar empreendimentos e negócios sociais das quebradas.

Inscrições: Via formulário disponível no site
Formato: Híbrido, conforme fase da formação.
Mais informações aqui

Aulas de inglês do Cursinho Popular Ocupa – Ocupação Ermelino Matarazzo

Em 2022, com intuito de preparar alunos dos territórios periféricos para o Enem, a Ocupação Cultural Ermelino Matarazzo deu início ao Cursinho Popular Ocupa, com aulas gratuitas aos sábados, das 08h às 14h. O Cursinho está oferecendo aulas de inglês, também aos sábados, às 15h.

A Ocupação Ermelino Matarazzo é um polo cultural na região leste de São Paulo, com diversas atividades abertas ao público, fomentando o acesso à educação crítica, arte e cultura. 

Inscrições: Diretamente na Ocupação Ermelino Matarazzo
Endereço: Av. Paranaguá, 1633 – Jardim Belem, São Paulo – SP, 03809-170

História Oral e Produção audiovisual, registro de histórias de vida e patrimônio nas periferias – CPDOC Guaianás 

Desde o início do mês de maio, o Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás vem oferecendo formações sobre preservação e difusão de patrimônios materiais e imateriais nas periferias. 

No próximo sábado (28), das 14h às 17h, acontecerá a formação sobre História Oral, e no dia 04 de junho, no mesmo horário, a última formação do circuito será sobre Produção audiovisual, registro de histórias de vida e patrimônio nas periferias.

O CPDOC Guaianás é formado por pesquisadores periféricos do extremo leste de São Paulo, que realizam incidências voltadas para a preservação e registro das histórias do território. 

Inscrições: Via formulário online
Endereço: História oral – Escola Estadual Brenno Rossi Maestro, Rua José Pardo, 41, Parque Boa Esperança, 08341-250, SP / Produção audiovisual – Okupação Cultural CORAGEM, Rua Vicente Avelar, 53, Conj. Res. José Bonifácio, 08253-180, SP.

Comunicação e Construção de Narrativas

Voltada a gestores, produtores, captadores, artistas, agentes e empreendedores culturais que tenham interesse em analisar e refletir sobre a forma como comunicam seus projetos e ações culturais, acontecerá via plataforma zoom, e podem se inscrever pessoas de todo o Brasil. 

As inscrições vão até dia 12 de junho e serão selecionados 12 projetos. O resultado da seleção será divulgado no dia 27 de junho de 2022. Os encontros acontecerão no formato virtual, nos dias 14 e 21 de julho, 11 e 18 de agosto, 15 de setembro de 2022 (quintas-feiras), sempre das 19h30 às 22h30.

A formação será realizada por Luciana Gandelini, jornalista, comunicadora e produtora cultural, como parte da programação do Ciclo de Gestão Cultural 2022, do Programa Oficinas Culturais, que busca inspirar projetos e ações culturais a se conectarem com seus públicos.

Para conhecer e saber mais sobre todas as formações e webinários do Ciclo de Gestão Cultural 2022, oferecido pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa, clique aqui.

Inscrições: Via formulário online
Formato: Online

Casas de Cultura – Secretaria Municipal de Cultura 

Algumas formações e atividades que já indicamos em outros momentos por aqui, acontecem também nas Casas de Cultura. Com 20 unidades espalhadas pelas regiões de São Paulo, esses equipamentos públicos de cultura oferecem acesso a diversas linguagens artísticas através de cursos, encontros, eventos e oficinas.

Aqui neste link você pode encontrar a Casa de Cultura mais próxima de você e conferir a programação da unidade.

Espaço Cultural CITA realiza apresentações gratuitas de maracatu, teatro, dança e literatura

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O Pré-Circuito do Espaço Cultural Cita acontece até o dia 11 de junho, e a programação conta com apresentações que serão realizadas em praças e espaços culturais nos municípios de Embu das Artes, Taboão da Serra e Itapecerica da Serra.

Festival Xaxará Cita – Foto: Divulgação

Entre as atrações confirmadas e coletivos residentes do espaço estão a Bando Trapos, Clã do Jabuti, Via Vento CIA, Maracatu Ouro Do Congo, Baque Mulher SP, Cia Diversidança, Núcleo de Permacultura do CITA e outros convidados. O Pré-Circuito do Espaço Cultural Cita acontece até o dia 11 de junho, sendo um evento que antecede o Circuito oficial, que acontece desde 2015, na região do Campo Limpo, zona sul de São Paulo.

As apresentações acontecerão em diferentes espaços espalhados pelos municípios de Embu das Artes, Taboão da Serra e Itapecerica da Serra, onde cada local receberá 3 atrações, em 3 espaços culturais independentes e praças locais. A agenda traz maracatu, teatro, dança, ações formativas e saraus como protagonistas.

Esta edição, que conta com a curadora convidada Vanessa Rosa, nasce inspirada no verbo “entralhar”, utilizado por pescadores para se referir ao trabalho de tecer as redes de pesca, fazer remendos ou fortalecer a costura da mesma. Aqui, o termo é utilizado para se referir a rede de cultura que acontece na região.

“O Espaço Cultural CITA há 11 anos participa e colabora com diversas redes e linguagens culturais. Não é de hoje que começamos a ‘entralhar’ essa nossa rede, mas faz poucos anos que começamos a de fato apertar esses nós e intensificar as trocas entre os espaços, artistas e coletivos parceiros.”

destaca o programador e produtor cultural, Junior Matos.

O programador ressalta que essa edição do Festival Circuito CITA vem para fortalecer esses laços e levar o nome do espaço e seus coletivos residentes para outras regiões, criando novos parceiros e público.

“Hoje a equipe que produz o festival se renova trazendo sua contribuição para a continuidade do legado e esperamos que nossas construções sejam potentes o suficiente para passar por muitas mãos, se transformar a cada uma que tocar e permanecer viva”, afirma a produtora e coordenadora de projetos Paloma Xavier.

Realizado pelos coletivos residentes do Espaço Cultural CITA – Circuito de Integração de Todas as Artes, o Circuito acontece anualmente desde 2015, e tem como objetivo promover o encontro entre diversas manifestações artísticas produzidas em equipamentos culturais independentes nas regiões paulistas. 

Agenda 

28/05
Local: Praça da Matriz
Apresentação. A mala do caminhante
Grupo e Linguagem: Fuscalhaço (Intervenção Cênica)

04/06, às 16h
Local: Espaço Cultural Becos e Vielas
Espetáculo: Eleguá, Menino e Malandro
Grupo e Linguagem: Clã do Jabuti (Teatro)

05/06, às 16h
Local: Casa de Iáiá – Taboão
Grupo e Linguagem: Baque Mulher SP (Maracatu)

11/06, às 16h
Local: Casa de Cultura Santa Tereza – Embu
Oficina: Teatro de Sombras
Grupo e Linguagem: C9 Iluminação (Iluminação: Oficina de Teatro de Sombras)

Tambor do Divino Espírito Santo

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Vou dar o start nessa coluna me apresentando e contando um pouco da minha caminhada.

Jô Maloupas – Foto: arquivo pessoal

Meu nome é Georgette Maloupas (mais conhecida como Jô), sou formada em Direito e trabalho há 19 anos em uma Metalúrgica. Sou nascida e criada no bairro do Brás e frequentadora assídua do centro de SP.

Mas a pergunta é: quem é a Jô Maloupas? 

Sou filha de um grego com uma brasileira interiorana, cantora, compositora, articuladora cultural, mãe, filha, empresária do aço, vendedora, poetiza e tudo que a arte me permitir ser. Minha música e estilo são provas de todas as influências urbanas possíveis.

Minhas primeiras letras foram escritas em 2002, sempre tive facilidade com a música e fazia muitas paródias com o pessoal do bairro, porém minha efetiva descoberta como MC “mestre de cerimônia” , foi em 2005, na Galeria Olido, local de encontro e consagração de vários rappers espalhados por SP.

Nestes encontros na Olido, juntamente com minhas amigas Robertta Muniz (Roniz) e Manchinha (Afro Let), conhecemos uma galera do Hip Hop. A gente era andarilha, bicho solto, sem rótulos, sem amigos influentes, sem grana e sem vergonha também (no bom sentido), éramos livres. Fizemos muito rolê a pé somente com o dinheiro para tomar um cantinho do vale e fumar um tabaco.

E foi nas quintas da Olido que nós três e nossos tambores do DIVINO ESPÍRITO SANTO criamos laços, elos e músicas. A gente fazia o beat com nossos instrumentos musicais e várias pessoas rimavam em cima da nossa batida imperfeita.

Descobrimos a arte do freestyle. E todo rolê era rima, rima, rima e mais rimas. Sabe aquela galera que fica cantando em cima das músicas que toca nos bailes? Nas rodinhas? Então, a gente também era assim…rs.

Era passar por baixo do busão, ser as primeiras a entrar nas festas para não pagar a entrada e as últimas a sair por conta do transporte público. Rolês ecléticos do forró ao black music, do DUB ao samba de roda, botecos e praças, no vale com as parças. 

Fomos construindo nosso nome e firmando nosso bonde.

Em 2004, iniciamos um projeto dentro da escola da família lá no Heliópolis, chamado: Família Batucada. Nós íamos até o colégio, produzíamos os tambores em latas de tintas e após esse processo de criação, partíamos para um workshop de rimas e melodias. Ficamos um ano com esse especial projeto.

De 2005 a 2007, participei do grupo Contrabando Sonoro, no qual tive meu primeiro contato com estúdio e gravadora. Com esse projeto gravei minhas primeiras canções. Fiz também na mesma época participação no grupo de reggae Guerreiro de Sião.

É tanta vivência e história para contar que daria um livro. Tudo que vivi nas ruas foi formação e sou grata a cada pessoa que passou por minha caminhada e contribuiu para o meu conhecimento e crescimento.

Finalmente em 2008, em um rolê de rap, eu e a Manchinha (AfroLet) conhecemos a Chai. Sintonia e encontro de almas. E foi a partir desse encontro que realizamos o sonho das três. Formar nosso grupo de rap/reggae/ragga: ODISSEIA DAS FLORES. De cantar, compor e viver nossa realidade. 

É tão importante a representatividade. Fui em muitos shows de rap, comprei várias fitas K7, seguia e ouvia muitos grupos e poder cantar, ser vista, ser ouvida e representada nas músicas é algo importante e necessário.

O rap sempre foi muito masculino e patriarcal. As mulheres conquistaram seu espaço na marra. Com muita resiliência e pé na porta. Nada foi dado. Tudo foi conquistado. E ainda temos muito o que conquistar.

Nesse ano de 2022, completamos 14 anos de estrada, amor, dedicação, abdicação, ensinamentos e aprendizados.

Nesses 14 anos, casei, me tornei mãe, senti o peso da solidão pós parto e o peso de se desdobrar em várias para atender as demandas de casa, do trabalho, do lar e da música.

Nesses 20 anos de música, conheci pessoas, posses, coletivos, famílias, amigos e quebradas. Se não fosse a arte, não sei como eu estaria hoje.  

Nesses 20 anos, participei de projetos extraordinários e vou deixar registrado aqui minha gratidão: Odisseia das Flores, São Mateus em Movimento, Associação Cultural do Veio, Quilombaque, Ação Educativa, Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop, SNP-Som Na Praça, Favela Galeria, Linha 3, Mente Blindada, Rude Girls, Divas do Reggae, Guerreiros de Sião, Seleção Brasileira de Rima e Breshow Hip Hop.

Quero agradecer em especial minha mãe e meu companheiro Negotinho por serem meu porto seguro e braço direito e esquerdo. Quero pedir desculpas aos meus filhos por tantas vezes eu estar ausente nesse corre loco que é a arte independente e dizer que meu amor é infinito e incondicional. 

Vamos juntes com amor, respeito e empatia. 

Desenrola e não me enrola, vamos nessa!!!

Israel Neto: escritor fortalece a literatura antirracista nas periferias

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Escritor, educador, produtor musical e MC, são algumas das atuações de Israel Neto, que tem se dedicado a fortalecer e valorizar as produções afrofuturistas e contos antirracistas nas periferias.

Com uma trajetória dedicada ao fortalecimento e valorização do gênero literário afrofuturista e antirracistas nas periferias, Israel Neto, de 34 anos, é nascido e criado na região da Brasilândia, zona norte de São Paulo, e trabalha desde os 17 anos com a arte, atuando principalmente em discussões sobre educação, literatura e música

Tudo começou quando ele e mais alguns amigos se uniram para promover ações dentro das quebradas da zona norte. O escritor, que também é educador e MC, conta que ficou um tempo sem escrever, estudando sobre literatura fantástica, e o universo da cultura pop.

“Fui em todas as feiras que você imaginar, comecei a participar de clubes e constatei que só tinha branco nesse rolê, a galera era racista pra caramba e colocando os personagens negros de maneira esteriotipada”, compartila o escritor, que tem ligação com o mundo da literatura afrofuturista e ficcional também por influencia de sua mãe, que era leitora de ficção científica.

Após encontros e idealizações, junto com alguns amigos, iniciaram ciclos de bate-papos dentro das escolas, sendo que esse foi um dos primeiros caminhos que utilizaram para promover mudanças dentro do território onde moravam. Nesses bate-papos, incentivaram a ligação com a dança, canto, poesia e falavam sobre a cultura negra.

Esses ciclos iniciaram em 2007 e se estenderam durante um ano, tendo como incentivo a Lei nº10.639, que estabelece as bases da educação no Brasil, incluindo na grade curricular oficial da rede de ensino a temática obrigatória de “História e Cultura Afro-Brasileira”.

Incentivo a produção afrofuturista e antirracista nas escolas

Em 2009, Israel começou o curso chamado “Escola da África”, que acontecia dentro de uma das escolas em que passou durante esse tempo. O curso foi mantido por 4 anos, uma vez na semana, onde preparavam oficinas, passeios e traziam convidados para falar da cultura negra com os alunos.

“A gente preparava para eles cada semana uma oficina, sobre a cultura negra, cultura africana, trazia convidados, fazia passeios, então foi um momento muito gostoso”, relembrou o escritor sobre as atividades que realizou dentro das escolas.

E foi a partir dessas ações que o educador começou a realizar um desejo antigo de escrever usando esses ciclos de conversa, como base para criar uma história que ele pudesse usar para trabalhar com as crianças e adolescentes, público que sempre tinha ali por perto. 

“Então eu começo a escrever o romance Amor Banto em Terras Brasileiras, é um livro que foi publicado em 2011, teve a 2ª edição publicada agora em 2018 e em 2020 ganhou uma versão em francês que está rodando lá na França”

contou Israel.

Livros publicados do escritor Israel Neto – Foto: Arquivo pessoal

Assim que termina o curso “Escola da África”, Israel e amigos montam um novo projeto chamado “Coleção Literária Besouro”, em 2012, que está em atividade até hoje. O projeto consiste em publicações de livros infantis e infanto-juvenis, ainda no intuito de fomentar e aproximar as temáticas da história e cultura Afro-Brasileira no ambiente educacional, junto às crianças, adolescentes e educadores.

A partir da influência e das vivências que construiu utilizando a literatura, a história e cultura afro-brasileira, Israel e seus companheiros fundaram a Editora Kitembo, com o objetivo de quebrar alguns estereótipos do mercado editorial, disputando comercialmente com livros já lançados e de outros gêneros.

“Sempre fomos amantes da cultura pop, da cultura geek. Só depois de adultos conseguimos acessar esses produtos culturais, a nível mesmo de comprar uma HQ, ir no cinema, enfim”, conta o escritor, que tem na Kitembo um espaço de estímulo para novos escritores e jovens que têm interesse em falar e escrever sobre ficção científica, fantasia, horror.

Desde 2018 até agora, o catálogo da Editora Kitembo conta com a presença de 11 obras em seu catálogo, e com a assinatura de autores, ilustradores, com uma diversidade de gênero, porém todos eles negros. Jovens, adultos e alguns até residentes de outros estados para além de São Paulo, como o Ceará, Paraíba, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

“A nossa pergunta provacativa era sempre essa: me fala três escritoras ou escritores negros, brasileiros, que escrevem horror, romanscitas, ficcção científica”, citou o escritor sobre a importância do trabalho da Editora. 

Israel em uma roda de leitura com jovens – Foto Arquivo pessoal

As contribuições, estudos e aprendizados ligados ao ensino da história e cultura afro-brasileira, também refletiram em outras produções do escritor. Em 2021, Israel lançou o livro Ancestral, obra afrofuturista que navega pelas culturas do centro, sul e noroeste africano. A obra está concorrendo como melhor literatura geek, no prêmio Clube de Ouro de 2022.

“Todos os livros falam de identidade, de valorização, de potencial da cultura negra, da beleza, só que a gente fala através da fantasia, da ficção, da literatura fantástica”, finalizou Israel, que ao longo de sua carreira tem buscado incentivar jovens leitores a conhecer autores negros, periféricos, fomentando o busca pela identidade, criatividade, resgate da autoestima.


Varre Vila transforma hábitos de coleta de lixo na zona leste de São Paulo

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Em parceria com moradores e poder público, projeto realiza ações de educação ambiental para melhorar os processos de limpeza e conservação dos espaços comuns das periferias de São Paulo. 

Quadra do bairro Santa Inês, zona leste, depois da revitalização do Varre Vila. Foto: Redes Sociais

Durante o ano de 2020, auge da pandemia de covid-19, a Prefeitura de São Paulo registrou aumento de 17,4% na coleta seletiva de resíduos domiciliares. Neste contexto, o trabalho de iniciativas como o Varre Vila, teve grande impacto, pois o projeto criado em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, transforma moradores em agentes comunitários que zelam pela limpeza das ruas, praças e vielas do território.

Mesmo durante o período de isolamento social, os trabalhos não pararam para o Varre Vila, iniciativa que existe há 10 anos e tem como ponto de partida realizar este tipo de trabalho de mobilização de moradores no bairro Santa Inês, que faz parte do distrito de Ermelino Matarazzo.

“Antes eu descartava o lixo juntando tudo, não tinha essa noção de como impacta o meio ambiente”

Jenilda Maria de Jesus, 50, é professora e mora no bairro Santa Inês, no distrito de Ermelino Matarazzo. 

Espaço comum de lazer e convívio dos moradores do Jardim Santa Inês passou pelo processo de revitalização promovido pela Varre Vila. (Arquivo pessoal)

Para a professora e moradora do bairro Santa Inês, Jenilda Maria de Jesus, 50, a relação dos moradores com o lixo impactou não só a limpeza do bairro, mas também a auto estima.

“O Varre, além de proporcionar a limpeza da rua, ele também proporciona a limpeza pessoal. Através do trabalho com lixo e com as pessoas, o projeto já começa com diferencial que é o envolvimento com as pessoas como um todo”, afirma a moradora.

Uma das principais mudanças de comportamento notadas pela professora é o aumento de atenção em relação ao descarte e separação do lixo domiciliar. “Antes eu descartava o lixo juntando tudo, não tinha essa noção de como impacta o meio ambiente e aqui a gente não tinha hora para colocar lixo”, relata a professora.

“A gente entra no território desacreditado e vamos fazer um resgate da confiança entre prefeitura, empresa e morador”

Ionilton Gomes de Aragão, 53, é morador do bairro União de Vila Nova e criador do Varre Vila.

Rotatória onde o lixo é acumulado para remoção. Foto: Ionilton Aragão

O idealizador do projeto, Ionilton Gomes de Aragão, 53, um baiano nascido na Chapada Diamantina, e morador do bairro União de Vila Nova, zona leste, afirma que a ideia é promover a mudança de comportamento e melhoramento dos espaços em comum entre os moradores da região em que o projeto atua.

“A gente entra no território desacreditado e vamos fazer um resgate da confiança entre prefeitura, empresa e morador. Nesses lugares em que a confiança está comprometida, principalmente na periferia, a gente vai tentar conversar com as lideranças e lá dizem que não tem jeito, limpa hoje, amanhã já tá tudo sujo de novo”, comenta menta Aragão.

Para o criador do projeto, o Varre Vila é pautado na mudança de comportamento através de conversas e ensinamentos, ministrados por ele e uma equipe do projeto, nos próprios bairros em implementação, batendo de porta em porta e os convidando para entender a proposta de descarte dos lixos orgânicos, sólidos, recicláveis e entulhos.

O idealizador do projeto explica que utiliza os princípios de Paulo Freire e uma das metodologias aplicadas no projeto é como a do metrô, onde os que estão pichados, são recolhidos para a limpeza antes de voltar a circular, ou seja, o autor nunca mais o vê. Segundo ele, com os moradores funciona da mesma maneira em relação ao lixo. Quando um morador vê o descarte incorreto, ele mesmo tira o quanto antes.

“Tudo isso tem a ver com a disciplina. E aí o morador pensa ‘sempre joguei o lixo aqui’ mas eu faço uma abordagem de que eu estou compartilhando a responsabilidade com eles, eu não tô trazendo uma ordem de que tem que trazer o lixo naquele horário, pronto acabou”, explica.

Os moradores dos bairros onde o Varre Vila atua, passaram por um processo de reeducação, onde aprendem a lidar com o lixo reciclável, com os orgânicos e através da composteira transformar em adubo, e também o entulho.

“Hoje é notável, se você chegar aqui no bairro você não vai ver lixo nas calçadas de forma aleatória e até a maneira de descartá-lo é diferente”, enfatiza a professora, ressaltando a transformação que o projeto gerou de forma coletiva no bairro. 

Túnel revitalizado no bairro União de Vila Nova pelo Varre Vila. Foto: Thomaz Martins

Articulação comunitária 

Durante as reuniões que acontecem nas próprias ruas, os moradores recebem orientações de descartes, combinam os melhores dias e horários para o recolhimento de seus lixos e recebem 20 unidades de sacolas plásticas de 50 litros para a partir daquele momento fazer o descarte correto.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, cerca de mais de 50% dos resíduos sólidos são gerados por atividades humanas de construções. Por conta disso, o Varre Vila também propõe a mudança de hábitos dos construtores da quebrada, os pedreiros e ajudantes que recebem orientações mais específicas e diretas sobre os resíduos pós obras. É uma parceria à parte, já que são eles quem dão fim aos entulhos.

“A geração de entulho passa pelo pedreiro, se nós tivermos o pedreiro conosco ele não vai deixar ninguém levar esse entulho para qualquer lugar, ele vai ensacar bonitinho e levar para o ecoponto ou vai contratar uma caçamba”, explica Aragão.

O Varre Vila disponibiliza uma caçamba de lixo na última sexta e sábado do mês, onde recolhe aproximadamente 30 toneladas de entulho. Nos primeiros quatro anos deste serviço, o projeto disponibilizou um calendário anual com imã de geladeira para os moradores, depois desse período virou hábito e não precisavam mais dele.

Segundo a prefeitura da cidade de São Paulo, existem cerca de 10 mil funcionários responsáveis pela limpeza urbana, que atendem aproximadamente 7.800 quilômetros de vias. São coletadas, em média, 270 toneladas de resíduos domésticos por mês.

Ainda assim, iniciativas como o Varre Vila, acabam se tornando uma ação fundamental para promover o serviço onde o serviço público não chega até a população com a possibilidade de oferecer uma educação ambiental.

Grupo de teatro discute infância e funk em espaços culturais periféricos na zona sul de SP

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 O grupo de teatro Rosas Periférica usa funk para retratar o cotidiano das crianças nas periferias.

Embalado pelo ritmo do funk, o espetáculo retrata o universo das crianças, seus sonhos e desejos. (Foto: Andressa Santos)

Nesta quarta-feira (18), o grupo Rosas Periférica dá sequência a uma série de apresentações gratuitas do espetáculo Ladeira das Crianças – TeatroFunk em espaços culturais independentes localizados no Jardim São Luís, Campo Limpo e Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Após realizar uma série de apresentações na zona leste de São Paulo, o espetáculo chega a ONG Interferência, localizada no Capão Redondo, com apresentações às 11h e 14h. Dando continuidade na circulação pela região, no dia 28, o grupo se apresenta às 11h no Espaço Cultural CITA, no Campo Limpo, e no mesmo dia estará presente às 13h na Quadra da Comunidade Monte Azul.

No domingo (29), o Rosas Periféricas encerra a sua temporada de apresentações presenciais nas periferias da zona sul de São Paulo com uma intervenção às 11h na Casa 27 e às 15h realiza a última encenação na Biblioteca Comunitária Luiza Erundina, localizada no Jardim Ibirapuera.

Cena do espetáculo Ladeira das Crianças – TeatroFunk. (Foto: Andressa Santos)

Inspirados pelos livros ‘O Pote Mágico’ e ‘Amanhecer Esmeralda’ do escritor Ferréz, o grupo de teatro Rosas Periféricas criou o espetáculo Ladeira das Crianças – TeatroFunk, para retratar o universo das crianças periféricas, seus desejos e sonhos embalados pelo ritmo do funk.

No espetáculo tem vários personagens marcantes da infância nas periferias: tem criança que sonha em ser DJ, menino curioso para saber o que há dentro do pote e menina de cabelo de nuvem e garota que vive no mundo da lua.

A peça, dirigida pelo coletivo, estreou em 2019, quando o grupo completou 10 anos. Investigando o próprio território, os integrantes perceberam a importância das crianças para formação de um público periférico e, junto com elas, da valorização da linguagem do funk na região.

Confira a programação:

18/ de maio (quarta-feira)

11h e 14h – ONG Interferência

Rua José de Brito, 91 – Jardim Lilah. SP/SP.

25 de maio (quarta-feira)

15h – Exibição online nas páginas

Facebook e Youtube do Grupo Rosas Periféricas

27 de maio (sexta-feira)

15h – Exibição online nas páginas

Facebook e Youtube do Grupo Rosas Periféricas

28 de maio (sábado)

10h – Espaço Cultural – CITA

Rua Aroldo de Azevedo, 20 – Jardim Bom Refúgio. Campo Limpo. SP/SP.

13h Quadra da Comunidade Monte Azul

Rua Vitalina Grasmann, 290 – Jardim Monte Azul. SP/SP.

29 de maio (domingo)

11h – Casa 27

Rua Pedro Starbulov, 152 – Grajaú. SP/SP.

15h Biblioteca Comunitária Luiza Erundina

Rua Acédio José Fontanete, 86 – Viela Química, Jardim Ibirapuera. SP/SP.

Coletiva Jovem: periferia e alternativas para trabalho e renda

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Os jovens estão sim capacitados, querem sim trabalhar e sabem sim se organizar.

Jovens na oficina de escrita do edital VAI realizada no Bloco do Beco, na zona sul de SP, em abril de 2022.

Ao andar nas ruas podemos observar o aumento de trabalhadores “informais”, muitos jovens com mochilas nas costas trabalhando em meio a chuva e muitos motoristas de aplicativo utilizando “táticas” para ampliar seu ganho mensal, a realidade do trabalho está em mudança, não só no Brasil como no mundo, a ideia de que a burocracia e o envolvimento do Estado no campo do trabalho são um problema estão mais ferrenhas e os brasileiros vem sofrendo um desmonte do que conhecemos um dia como “realidade do trabalhador”.

Buscando ressignificar suas histórias, dar um novo rumo a sua vida ou até mesmo deixar de passar por situações violentas, trabalhadores das periferias acabam construindo seus negócios individuais ou aderindo ao movimento dos coletivos que geram trabalho (neste caso em especial existe uma grande presença de jovens e do meio cultural).

Pensando nisso e em outras questões, a pesquisa financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e em parceria com Ação Educativa, São Mateus em Movimento e Bloco do Beco, a Coletiva Jovem se define enquanto pesquisa-ação e vem ao longo de mais de 2 anos pesquisando dentro da periferia e mais recentemente sendo implementada.

O boletim explicativo com dados detalhados que está disponível no site da Coletiva, ainda explicita que existem 3 principais segmentos nesses coletivos e empreendimentos: cultura, moda e educação. Menos da metade se consideram formalizados, 82% precisam acumular mais de um trabalho para conseguir manter sua renda mensal e 62,5% têm como “sede” a casa de algum dos integrantes.

Como desvantagem principal os coletivos apontam a insegurança com a renda mensal, já os empreendimentos apontam não terem direitos associados ao trabalho.

Jovens na oficina de escrita do edital VAI realizada no espaço São Mateus em Movimento, na zona leste de SP, em abril de 2022.

 Mas o que tudo isso explica sobre histórias e identidades? 

Bem, nos primeiros dados que apresentei aqui já pode-se ver questões como a construção em conjunto, o lugar do jovem nessa história e no mercado de trabalho (parte desses jovens construíram seus próprios negócios a partir de situações difíceis ou com o impulso e planejamento de conseguir empregar seus amigos e explorar algum conhecimento que possuíam, por vezes conhecimentos com fundo afetivo que tem ligação com aprendizado familiar e coletivo).

Isso nos leva a refletir não somente sobre como esses jovens estão sim querendo trabalhar e possuem sim conhecimento para o mercado, bem como precisam de oportunidades para viverem seus sonhos e políticas públicas podem transformar essas realidades complexas e exaustivas de acumulação de trabalho, ausência de direitos, entre outros.

Jovens na oficina sobre alternativas de trabalho realizada no Bloco do Beco, na zona sul de SP, em maio de 2022.

Observar alternativas que buscam fortalecer trabalho e renda na periferia é analisar a contramão as políticas de um Estado que nos largou, a Coletiva Jovem traz não só os dados como uma possibilidade de mudança, mas a participação ativa de jovens em rede como uma possibilidade de transformar a narrativa, os jovens estão sim capacitados, querem sim trabalhar e sabem sim se organizar.

Acreditamos ser possível construir políticas públicas com a participação jovem e que visem garantir direitos básicos, bem como no “nóis por nóis”, e as redes que se formaram na periferia ao longo dos anos como forma de resistência. Eu acredito na Zona Sul e Zona Show como polo cultural, resistente e de luta.

Nós podemos, juntos, podemos e eles sabem disso, por isso nos falaram que é difícil convivermos, mas nós provamos todos os dias que isso é mentira. 

E aí, que tipo de trampo você sonha que nossos jovens acessem? 

Tô no ponto, hora da facul

“Santo Amaro”, “Campo Limpo”, ” Ângela”

Cadê o Capão? Chegou!

Subo e acompanho a cena

Passa o Hospital, passa o terminal

Passo perto da Santos Mártires

Essa muda a quebrada sem igual

Tô de boa, passo em frente à 1daSul

Lembro do Ferréz, Racionais, TSG

Eu tô diante da História, tru

Saulo VilaNova