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Batalhas de poesias reforçam o direito à cidade

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Os slams, competições de poesias faladas, se espalharam pelas periferias e hoje grande parte dos grupos realizam suas edições ocupando espaços públicos da cidade.

A cena do slam, batalha de poesia falada que se tornou popular no Brasil principalmente através do ZAP! Slam, criado por Roberta Estrela D’Alva, teve início na década de 1980, em Chicago, nos Estados Unidos. Desde então, o movimento tem se espalhado pelas periferias e ocupado espaços públicos através da poesia falada, usada como instrumento para performances que abordam desde o amor à desigualdades sociais.

“Entendemos que o Terminal Santo Amaro ainda é quebrada, por mais que queiram elitizar, a região ainda é periferia e é caminho para todas as quebradas da sul, e chamamos de 13 por causa do metrô”

explica Thiago Peixoto, poeta e coordenador do Slam do 13, batalha que em 2022 completou nove anos de atuação na zona sul de São Paulo.

Em outra ponta da cidade e também realizada nas redondezas de uma estação de trem, acontece o Slam Oz, batalha de poesia com edições toda última quarta-feira do mês, na saída da estação Osasco, região metropolitana de São Paulo. Os criadores afirmam que o local foi escolhido por conta da facilidade de retorno dos poetas e público para suas casas.

“A importância de se fazer eventos poéticos e culturais em locais públicos é gigantesca, principalmente porque nem todos têm acesso quando ocorrem em espaços privados”

afirma o poeta Lucão, integrante do Slam Oz e morador de Carapicuíba, município vizinho de Osasco.

Já no distrito da Vila Matilde, na zona leste de São Paulo, acontece o Slam Tiquatira, realizado todo último domingo do mês, em frente a estação Vila Matilde, na linha vermelha do metrô. 

“É um espaço muito democrático. As pessoas que estão passando para trabalhar, para sair, podem ver o Slam, parar um pouquinho para apreciar as poesias e ir embora”

comenta Nicole Amaral, matemática do Slam Tiquatira

Durante as batalhas de poesias, são escolhidas pessoas do público para serem os jurados e atribuírem notas as apresentações dos poetas.
O público nos slams vai desde crianças até pessoas mais velhas. Espaços abertos que acolhem o público que quiser colar. Slam Oz realizado em julho de 2022.
Moradora do Campo Limpo, zona sul de sp, Jéssica Amorim, 25, foi pela primeira vez em um slam a convite de uma amiga. No Slam do 13 viveu de tudo: sorriu, se emocionou, ganhou livro e cogita levar os versos que escreve nas próximas idas. “Me despertou a curiosidade de frequentar mais vezes e quem sabe até mostrar os versos que escrevo”, reflete Jéssica.
Desde a sua primeira edição em 2013, o Slam do 13, que acontece toda última segunda feira do mês dentro do Terminal Santo Amaro, zona sul de São Paulo, tem sido um espaço de fortalecimento de poetas, sejam iniciantes ou veteranos na cena.
Nascido na Bahia e atualmente morador de Osasco, o poeta CJ, 22, escreve poesias desde os 8 anos. “A poesia é a saída para esses sentimentos e através dela pude começar a dar um sentido para aquilo que até então eu mal entendia”, conta o poeta que participou na edição de julho do Slam do 13.

Direita

Da zona sul para zona leste: King a Braba é moradora de Itapecerica da Serra, e foi a campeã da edição de julho de 2022 do Slam Tiquatira.
Kenyt, morador de Ermelino Matarazzo, zona leste, é poeta formador do Slam da Guilhermina e autor do livro “Inté Aqui – Pode me Chamar de Kenyt”. Participação do poeta no Slam Oz, realizado em Osasco, em julho de 2022.
Brenalta, é poeta caiçara, morador de Boiçucanga, litoral norte de São Paulo, e foi um dos finalistas da edição de julho de 2022 do Slam Tiquatira.
Naiá Curumim, é poetisa e moradora de Carapicuíba, região metropolitana de SP. Em julho de 2022 participou do Slam Oz, batalha com edições toda última quarta-feira do mês, na saída da estação Osasco, região metropolitana de São Paulo.
Atualmente existem mais de 200 grupos de slams no Brasil, espalhados em pelo menos 20 estados. Cada slam realiza mensalmente suas batalhas de poesia, sendo que anualmente classificam um poeta representante para batalhar no Slam SP. O ganhador da batalha em São Paulo, se classifica para a final do Slam BR, competição com slams de todo país, e o vencedor representa o Brasil na Copa do Mundo de Slam, realizada em Paris.

Cooperativa de educadores engaja estudantes periféricos em novo modelo pedagógico

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Criada por professores da zona leste de São Paulo, a Cooperativa Bamboo atua através de um modelo pedagógico que vai além de suprir ausências educacionais.

Samuel e Leandro são professores na rede pública e juntos criaram a Cooperativa Bamboo. Foto: Rafaela Araújo

Em duas salas comerciais com cerca de 30 m², são organizadas atividades pedagógicas que atendem crianças, adolescentes e adultos no bairro Cohab II, no distrito de José Bonifácio, zona leste de São Paulo. É através desse espaço, organizado por professores da rede pública, que acontecem as ações da Cooperativa Bamboo, pensada para atender demandas educacionais do território.

Criada em 2016, no distrito de José Bonifácio, a Cooperativa Bamboo atende moradores da região, mas também de territórios vizinhos, como Guaianases, Cidade Tiradentes, Parque do Carmo, Poá e Ferraz de Vasconcelos. 

“Pensar um trampo que primeiro ninguém explora ninguém, e que também não explore a comunidade. Que seja horizontal, todo mundo fizesse parte, que as decisões fossem tomadas juntas”, é a partir desse lugar que nasce o projeto, como conta Samuel Chaves Neto, 37 anos, morador da Cohab II, professor da rede municipal, formado em Geografia pela USP e co-fundador da Cooperativa Bamboo.

Samuel narra que o espaço não surge apenas para suprir ausências do poder público na questão educacional, mas para pensar de forma tecnológica aprendizados para a quebrada. “Um projeto aberto, comunitário e de um aprendizado de movimento social mesmo, de quem vai dar as respostas para os nossos problemas é a gente”, afirma.

Leandro Chaves, 40, irmão de Samuel, é formado em história, co-fundador da cooperativa e professor na rede pública, aponta que sente desde muito tempo essas ausências no território. Uma das influências dos irmãos no campo da educação é a mãe deles, que também é professora. 

“Essa discussão me veio muito a partir de cursinho comunitário e dos movimentos sociais. Boa parte das pessoas que viraram professores aqui, que são nossos amigos, vieram de contatos do movimento social”

Historiador Leandro Chaves

Entre tutorias, cursinhos e aulas de idiomas, o espaço já funcionou de várias formas: com aulas por valores sociais e com bolsas, mas foi um formato que não deu certo. O professor conta que o plano da Cooperativa era conseguir sair de uma lógica de exploração, tanto na hora de oferecer o serviço para comunidade, como no momento de remunerar os professores.

“Oferecer um trampo com um preço social, remunerar decentemente, e chegar na comunidade com um preço que não existe. Tentamos fazer isso até a pandemia, só que não funcionou, então fomos vendo que funcionava no modo voluntário mesmo”, aponta Samuel, reforçando que hoje estão com uma turma mantida com doação e conseguiram abrir mais uma turma de tutoria. 

 “Eu queria que a minha escola fosse como aqui”

Uma das formas de atuação dos professores na Cooperativa é a tutoria, que funciona a partir da identificação das necessidades de cada aluno, para assim definir um caminho que desperte o interesse do grupo.

(Fotos: Rafaela Araujo)

Rodrigo dos Santos, Murillo Henrike e Pedro Henrique, ambos com 10 anos de idade, fazem aulas de tutoria na cooperativa. Eles contam que fizeram uma pesquisa sobre futebol e que isso os levou a discutir sobre história.

“Ontem pesquisamos sobre a 2° Guerra Mundial, começamos a pesquisar sobre futebol, fomos atrás dos países de cada time, daí a gente queria pesquisar sobre a Alemanha que tem aquele goleiro famoso, e chegamos nas guerras”

Rodrigo de 10 anos.

Ele afirma que a forma como aprende na Cooperativa é diferente da abordagem na escola. “É muito difícil ser jogador, tem que saber ler, escrever, matemática e tem que trabalhar em equipe, aí a gente aprende falando do que a gente gosta, é muito diferente da escola, lá é chato”, afirma Rodrigo.

Já Pedro, conta que queria aprender na escola como aprende na Cooperativa. “Também queria que a minha escola fosse assim, legal. Aqui tem o boliche, tem o computador, tem uma sala, um montão de livro, mas eu ainda não gosto de ler”, finaliza contando sobre suas vivências no espaço.

Alexandre da Silva, 19 anos, morador da Cohab II, é ex-aluno da cooperativa e começou com as aulas de reforço quando estava na 6° série. O jovem fez as tutorias no espaço, cursinho, e atualmente estuda licenciatura em Física na Unicamp. Ele conta que se descobriu como professor dentro da cooperativa e a partir das trocas com os professores. 

“Eu digo que a licenciatura na minha vida tem total influência deste último professor que me deu aula aqui no espaço, o Wesley. E diferente desse sistema decoreba que muitas vezes é o vestibular, esse professor me ensinou que ciências naturais estão de forma prática nas nossas vidas, que dá para aprender e é prazeroso”

Alexandre Silva, ex aluno. 

O jovem conta que a cooperativa possibilitou que ele tivesse um sonho e um caminho para seguir, que segundo ele é dentro da educação. “Quando eu era mais novo eu não tinha um sonho, uma pretensão de vida, mas quando eu entrei aqui e comecei a crescer e ver as coisas do mundo, surgiu uma paixão pela educação dentro de mim”

Alexandre Silva, ex aluno. Foto: Rafaela Araújo

“Queremos ter um projeto de educação que saía desse lugar de suprir só a ausência”

Leandro Chaves, co-fundador da cooperativa, relata que durante a pandemia a Cooperativa teve uma crescente procura por tutorias e acompanhamento escolar, para ele isso evidencia a carência do ensino público.

“Durante a pandemia se evidenciou o lugar de que os estudantes de escola pública precisavam muito mais de um acompanhamento escolar, começamos abrir grupos de acompanhamento escolar e teve um boom muito grande”, aponta Leandro.

Samuel Chaves afirma que a busca é por um projeto de educação que dialogue com o que tem de mais moderno no ensino. “Com eixos de educação não violenta, humanizada, cooperação, respeito, equidade e transformação, que pedagogicamente seja avançado, que saía desse lugar de suprir só a ausência”, reflete.

“Um projeto que pense novas práticas, e também uma organização de trabalho de outra maneira, por isso que é a cooperativa”

Samuel Chaves,  professor da rede municipal e co-fundador da Cooperativa Bamboo.

Ele ainda afirma que as crianças e adolescentes precisam de um sistema educacional que acredite nelas, de pessoas que confiem no que elas querem e estão falando. “Alguém para acreditar neles, ouvir, trocar ideia mesmo, acreditar no sonho deles, isso é fundamental no processo de educação, permitir que eles sejam vistos”, afirma o professor.

“A gente nunca teve investimento nenhum, zero investimento sabe, funcionou sempre na loucura. Até para reformar aqui eu pedi um empréstimo no meu CPF, e a maior parte do rolê sempre foi voluntário mesmo”

relata Samuel

Samuel conta que estão pensando outras formas de manter o projeto que não seja com a mensalidade. “Esses grupos de tutoria, que são quatro, conseguimos apoio de pessoas que contribuem mensalmente e financiam esses grupos, e agora estamos buscando outras formas, como editais, apoios, benfeitorias”, aponta.

Atualmente a cooperativa se mantém de forma semipresencial, com quatro turmas de tutorias de forma gratuita, financiadas por professores parceiros, que contribuem mensalmente com os custos de espaço, sendo duas turmas onlines e duas turmas presenciais.

Além das turmas de idiomas aos sábados por um valor social de 80 reais mensais, as turmas dos cursinhos estão sendo re-planejadas, em busca de apoios financeiros.

Para Alexandre, ex-aluno do projeto e hoje estudante de Física, a Cooperativa foi uma possibilidade não só para sonhar, como realizar. “Eu digo que a cooperativa me entrega algo para acreditar, me deram a possibilidade de sonhar”, afirma.

No início de agosto a cooperativa abriu inscrições de bolsa de estudos para as tutorias voltadas as estudantes das redes públicas de ensino.

A cultura fora do senso comum

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Um texto que escrevi no livro “Nenhum passo atrás!” do Fórum de Cultura da Zona Leste, que retrata várias lutas por direitos nas regiões periféricas da zona leste e além dela.

Encontro agentes culturais das periferias. Foto: Arquivo Fórum de Cultura da Zona Leste

Oprê! Salve queride, tudo bem contigo? Espero que sim. O texto que segue é uma escrita de uns anos atrás no livro “Nenhum passo atrás!” do Fórum de Cultura da Zona Leste (FCZL). O nome do livro é uma feminagem / homenagem a um grito de guerra e uma música composta por Daniel Marques Sundiata, grande poeta e ativista negre e LGBTQIA+.

Este livro é bem bacana, retrata várias lutas por direitos nas regiões periféricas da Zona Leste e além dela. A publicação dá uma amostra de como as periferias das diferentes regiões da cidade se organizaram para fundar o Movimento Cultural das Periferias e, além de outras tantas ações, criar de forma popular a Lei de Fomento à Cultura das Periferias (lei 16.496/16), política pública que descentraliza recursos financeiros para a cultura. A lei é vigente na cidade de São Paulo e foi construída de forma suprapartidária e escrita a muitas mãos periféricas.

O livro tem protagonismo plural e foi organizado pela articuladora cultural Elaine Mineiro, pela gestora cultural Mônica Gomes e pela poeta e artesã Queila Rodrigues. São vários textos nessa publicação, estou deixando por aqui a minha contribuição no livro, mas vale muito você conferir ele por completo porque tem várias ideias de manas, manos e de movimentos culturais deste e de outros tempos nas quebradas de Éssepê.

Cultura 

Oprê! Me deram a honra de escrever sobre a importância das discussões culturais do Fórum de Cultura da Zona Leste (FCZL). Para isso darei alguns passos atrás para rascunhar aqui um desenho do que seria cultura e que valores comumente se atribuem a ela.

Cultura: do latim “colere”. Cultura significa cultivar. Em relações humanas teria então o sentido de cuidado com o meio (social ou cultural). Cultura é a relação do humano com o meio nas mais variadas formas: na relação com a natureza (agricultura), na comunicação com os outros seres (linguagens), nos costumes de um povo ou grupo, nas cosmovisões (nos cosmo sensíveis, nas fés dos sagrados afrikanos, como diria Sidnei de Xangô) e, por último e não menos importante, na criação de interações com o meio para cuidar do futuro que é comum a todos.

Resumindo muito, cultura é um “guarda-chuva” que cobre muitas áreas do pensamento e do comportamento coletivo, inclusive o pensamento crítico e político. Para o senso comum atual, muitas vezes cultura é vista como acúmulo, ou como quando se pergunta se “fulana ou ciclano tem cultura”: “foi ao teatro?”, “leu tal e tal livro?” e por aí vai.

Dessa forma, muitas vezes o termo cultura se desprende do cotidiano e, de certa forma, no senso comum vira algo que “está fora”, que precisa ser alcançado, que uns têm e outros não. O Estado e os meios de comunicação têm papel fundamental nessa distorção do que vem a ser cultura.

Estado e Cultura

Foi o Estado que durante muitos e muitos anos apartou a população do direito de discutir e escolher quais caminhos deve trilhar em sociedade. Estamos falando dessa sociedade: a sociedade “brasileira”.

Coloco “brasileira” entre aspas porque um território que não reconhece os direitos humanos essenciais de parte da população (povos originários, negres, mulheres e LGBTQI) não merece ser chamada de nação.

Friso que para mim (e pra muites) não existe Brasil. Nunca existiu. É uma fábula. Foi o Estado Brasileiro que, para justificar seus atos e “pelo progresso da nação”, inventou que povos originários (para eles indígenas) não tinham cultura, por isso mereciam ser subjugados.

Foi o Estado brasileiro que comercializou e escravizou pessoas negras. Foi e é o Estado Brasileiro que não reconhece direitos individuais e coletivos de povos originários, negres, mulheres e população LGBTQI, fazendo que estejam aquém de suas potencialidades.

Este Estado não por acaso, na Ditadura, apartava a população de linguagens culturais, que eram vistas como emancipadoras ou questionadoras do estado geral das coisas. Assim, a população “brasileira” quase nunca se via como detentora do poder de mudança cultural, logo não pôde mudar a política, que segue com poucas mudanças estruturais.

Não era a população que decidia antes da democratização e, após ela, tivemos e temos uma democracia tímida na qual apenas de quatro em quatro anos se pode votar em alguém que quase sempre é membro da “elite” dessa sociedade (geralmente homens brancos), ou seja, esses eleitos geralmente ignoram as particularidades e necessidades de outros meios sociais em que não conviveram. 

E cultura, cultura também é convívio. Convívio e empatia.

Há bibliografia vasta que pode confirmar as afirmações aqui descritas. De Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez e Joel Rufino dos Santos nos anos 70/80, passando por Sueli Carneiro e Rosane Borges nos anos 2000 até chegar a Djamilla Ribeiro, Joice Berth ou Silvio de Almeida na recente coleção Feminismos Plurais.

Apesar das provas estatísticas e das teses dos “excluídos da nação” estarem há anos registradas e editadas em diversos livros, o epistemicídio e a pouca abertura dos meios de comunicação mantém abafadas estas tantas vozes: as vozes da maioria minorizada.

A periferia e o trânsito de ideias

Por outro lado, desde sempre houve e haverá grupos organizados para alterar o estado geral das coisas, alterar o dito “status quo”, que é geralmente eurocêntrico e novamente rendido a um fanatismo e a valores e interesses estadunidenses.

Neste sentido, movimentos sociais, organizações comunitárias, alguns grupos religiosos, grupos de mulheres ou comunidades tradicionais afro-brasileiras e “indígenas” sempre se debruçaram sobre como sobreviver numa sociedade que não foi fundada para reconhecer suas presenças, direitos e suas necessidades específicas.

Acredito que na atualidade, após a explosão dos saraus, slams e depois de um maior acesso da classe trabalhadora às Universidades Públicas, as periferias têm sido um dos catalisadores e organizadores de uma frente ampla por uma sociedade mais justa, igualitária, uma sociedade que busque equidade entre todes, todas e todos membros de seu meio.

Eu acredito que é justamente nesse tipo de atuação que os encontros e eventos organizados pelo Fórum de Cultura da Zona Leste estão inseridos.

Por estarmos na era da internet, vez ou outra este tipo de iniciativa é visibilizada para outras regiões da cidade e o resultado é o trânsito de ideias de uma periferia a outra, o que faz com que uma experiência seja replicada de quando em quando em regiões diferentes da cidade.

Eu pude nos últimos 5 anos ser testemunha ocular e um colaborador ativo em coletividades que têm garantido redes de proteção de direitos e que, a duras penas e com poucos recursos, fazem com que as pessoas tenham consciência do tipo de sociedade em que vivemos.

As experiências das quais estive mais próximo foram a do FCZL e do Movimento Cultural das Periferias, este último, organização que congrega diversas coletividades das periferias.

Durante o ano de 2017, o FCZL se debruçou sobre temas e temáticas importantes, garantindo visões de articuladoras e articuladores das mais variadas atuações. Esses encontros foram fruto de outras tantas articulações, feitas por coletivos de periferia nos últimos 4 anos.

Cada um dos encontros deu conta da paridade de gênero e étnico-racial, de forma que a pluralidade (e não só a diversidade) enriquecesse os temas e as conversas, que tinham participação ativa da comunidade e facilitadores mulheres, negros, bichas, lésbicas, indígenas etc.

Os temas perpassaram questões estruturais como a economia, a população negra no mercado de trabalho, racismo nas artes e na cultura, machismo, sexismo, patriarcado, genocídios e cartografias da exclusão. Todo esse material é disponibilizado em vídeo na página do facebook, incluindo, além das falas de convidadas, as perguntas e comentários do público.

O FCZL junto de centenas de coletivos e organizações de periferia vem fazendo um trabalho que estimula o convívio comunitário e discussões amplas, que provam que cultura é política e que a população de quebrada muitas vezes tem alternativas de pensamento além do senso comum e do que é veiculado na mídia tradicional.

É importante que você, que lê esse livro periférico, visite outros bairros e amplie o leque de opções de diálogo e de organização: pelo direito à cidade e por uma cidadania realmente participativa na cultura e na política! Saravá às mudanças!

E aí, curtiu o texto? Deixa um comentário por aqui pra eu saber o que achou e me diz aí o que a cultura é pra você, na sua vida, na sua vivência, na sua quebrada. 

Valeu! Até mês que vem!

Saravá as mudanças !

Feira cultural e agroecológica reúne empreendedoras das periferias no Butantã

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Com mais de 30 expositoras de produtos e artes, o evento é aberto ao público e conta oficinas para crianças e adultos e show de forró.  

Edição da Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã realizada em junho de 2022. (Foto: Ana Luiza Sanches)

Neste domingo (21), mulheres de diferentes territórios periféricos da capital paulista vão expor seus produtos e artes das 10h às 17h em uma feira no Viveiro 2 do Butantã, uma grande área verde localizada na zona oeste de São Paulo cercada por moradias populares.

O evento faz parte do projeto Conexões PeriFeira, iniciativa criada pela Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã, com apoio do Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), uma política pública de fomento a cultura nas periferias da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo.

“A nossa expectativa é que a PeriFeira seja uma experiência positiva para essas mulheres e possa inspirar naquelas que nunca tinham participado de feiras solidárias, o desejo e a coragem de se organizarem e multiplicarem iniciativas como essa em seus territórios”, conta Merilin Soares, coautora do projeto e integrante da Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã.

Um dos principais objetivos da feira é apresentar a diversidade das produções e serviços oferecidos por empreendedoras periféricas, como terapias holísticas, cosméticos e temperos naturais; roupas em tecidos africanos; bordados à mão; colares em macramê; bonecas de pano; peças em tear e cerâmica, além de comidas e alimentos frescos vindos direto da agricultura familiar. 

“É uma maneira da gente mostrar nosso trabalho fora do nosso local e de gerar renda também”

Tallita Leandro é designer em peças de macramê e expositora da PeriFeira.

A feira reúne mais de 30 empreendimento de mulheres das periferias de São Paulo. (Acervo / Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã)

O evento também se destaca em sua forma de organização. Diferente de outros espaços de comercialização, onde as expositoras chegam no dia marcado para venda mediante a compra de um stand ou espaço na feira para comercialização, o planejamento e produção da PeriFeira vem sendo construídos coletivamente pelas participantes juntamente com a Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã.

“A gente sabe que muitas vezes o nosso produto não consegue ser comercializado na periferia por conta de outras demandas que a galera da periferia tem mesmo. Então, é uma oportunidade de mostrar a nossa cara, a capacidade da periferia; e também, pra mim, é a questão da rede, de poder me conectar com outras manas pra pensar formas de manter um apoio e trocas entre a gente”, comenta Tallita Leandro, designer em peças de macramê, apontando a importância de participar do evento.

Ela ressalta que a proposta de autogestão proposta pelo coletivo que organiza a feita também é um diferencial para contemplar e incluir a visão e vivência de diferentes mulheres das periferias.

“As conversas nas nossas reuniões sempre trazem mulheres com experiências incríveis. E o fato também de que todas essas manas são da periferia rola uma identificação maior. Apesar das realidades entre periferias serem muito distintas, eu consigo visualizar um pouco melhor na fala dessas manas o meu contexto e pensar em coisas para aplicar no meu empreendimento”, argumenta a designer.

Show do Quarteto Mahina na edição de agosto de 2022 da Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã. (Foto: Luciano Botosso)

Além das exposições de empreendedoras das periferias, o evento conta com uma programação especial, oferecendo atividades para crianças e adultos, que vão desde práticas para o corpo até oficinas de artesanato e alimentação. Uma das atrações culturais é o show com o trio de forró Cabra é Fêmea, que acontece às 16h. Tanto a entrada como a participação nas atividades são gratuitas.

Desde 2017, a Feira Agroecológica e Cultural de Mulheres no Butantã atua como um coletivo de produtoras culturais que promove um evento mensal de comercialização solidária e promoção cultural. Com mais de 50 empreendimentos cadastrados, a rede é composta por agricultoras familiares, artesãs, costureiras, cozinheiras e arte-educadoras.

Confira a programação: 

● 10h30 | Yoga e Meditação com Asha Donini

● 11h30 | Oficina de PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais) e Aproveitamento integral de Alimentos com Panc no gueto

● 13h | Oficina infantil de bambolê com Carla Pena

● 14h30 | Oficina de macramê com Artigiana Macramê

● 16h | Show de forró com o trio Cabra é Fêmea Serviço: O que: Conexões PeriFeira Quando: 21/08 (domingo)

Horário: Das 10h às 17h

Local: Viveiro 2 – Rua José Álvares Maciel s/n (Altura do nº 847), Butantã – SP

Entrada:  Gratuita bem como a participação nas oficinas.

Mãe trans enfrenta transfobia na família para não se afastar dos filhos

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Agressões físicas na família e interpretação jurídica obrigaram a mãe trans Maria Eduarda a se afastar dos filhos. 

Maria Eduarda é mãe de dois filhos e tem enfrentado a transfobia no ambiente familiar para não ficar longe das crianças. (Divulgação/Artigo19)

A última vez que Maria Eduarda Campos, 43, moradora do bairro Laranjeiras, na zona oeste do Rio de Janeiro, viu os filhos de 10 e 8 anos foi em janeiro de 2022 . Desde a separação, ela vive o drama do distanciamento forçado dos filhos. Em meio a essa situação, o fato dela ser uma mulher trans tem sido um argumento usado pela ex-companheira para impedir uma relação mais próxima com as crianças.

“Em 2017, quando minha ex-companheira e eu nos separamos, dei início a minha transição. Ainda sem nenhuma determinação judicial sobre quem ficaria com as crianças e quais dias, ela já as escondia de mim, e não deixava eu me aproximar delas”, diz Maria Eduarda sobre a dificuldade de ver os filhos desde o fim de seu relacionamento.

Atualmente, Maria Eduarda pode realizar uma visita aos domingos, podendo pegá-los pela manhã e devolver as crianças até o fim do dia, sem levá-las para sua casa. Por não concordar com essa condição, a mãe busca na justiça o direito de ter um maior convívio com os filhos.

“Até que outra coisa seja decidida na justiça, as crianças não podem vir para cá, eu tenho que ficar lá em Itaipuaçu, brincando com as crianças na pracinha no sol durante a tarde inteira no domingo”

Maria Eduarda é comunicadora e ativista pelos direitos da população LBGTQIA+.

Ela afirma que precisa se deslocar do Rio de Janeiro para a cidade de Maricá, percorrendo uma distância de quase 50 quilômetros para ter contato com os filhos em uma local inapropriado, como uma praça pública. “A minha ex-companheira mudou do Rio de Janeiro para justamente dificultar o meu acesso às crianças.”

O distanciamento dos filhos passou a acontecer com frequência, após ela ter uma desavença famíliar, situação que interferiu diretamente no contato com as crianças, contribuindo para Maria Eduarda perder o direito de passar a noite com os filhos.

Integridade física 

Temendo pela sua integridade física, Maria Eduarda não vai ver os filhos desde o início de janeiro de 2022. Ela tomou essa decisão pelo fato de já ter sido agredida pelo irmão da ex-companheira.

“Ela telefonou para o irmão, para ir até o prédio me agredir fisicamente, e assim ele fez, de forma violenta”, conta ela, afirmando que a agressão aconteceu durante uma discussão com a ex-companheira, onde elas buscavam justamente uma solução para as questões que envolviam recursos financeiros e a guarda dos filhos.

Nesta ocasião, Maria Eduarda também recebeu uma série de ameaças do ex-cunhado que prometeu agredi-la novamente, caso ela voltasse para ver os filhos

Após sofrer a agressão física, ela entrou com uma ação solicitando uma medida protetiva contra o ex-cunhado. O pedido foi negado pela justiça. O juiz alegou que o agressor não é seu companheiro e que ela deve manter distância dele para evitar novas agressões.

Além da transfobia no ambienete familiar, Maria Eduarda está enfrentando diversos desafios no processo judicial.(Divulgação/Artigo19)

Com essa interpretação dos fatos, a justiça interferiu diretamente no contato dela com os filhos, que moram perto do agressor.

Em abril de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estendeu a Lei Maria da Penha as mulheres trans, compreendendo que a violência se dá à expressão e identidade de gênero e não somente ao sexo biológico da pessoa.

Segundo a advogada e ativista LGBTQIA +, Marcia Rocha, a decisão do STJ abre precedentes para que outros casos sejam julgados e interpretados da mesma forma.

“A decisão foi tomada em julgamento de uma mulher trans que foi agredida pelo pai justamente por se identificar como mulher. Um passo importante para nós, visto que o Brasil segue sendo o país que mais mata travestis e transexuais no mundo”, comenta a advogada.

Direitos e deveres 

Desde 2017, tramita na vara da justiça familiar o processo de guarda compartilhada das crianças,  que solicita uma pensão alimentícia a ser paga por Maria Eduarda aos filhos.

A questão é que desde o início do processo, a justiça falha no andamento do caso, seja por não respeitar o nome retificado de Maria Eduarda, tratando-a ainda pelo masculino e sem levar em conta as suas reais condições financeiras para estipular o valor da pensão a ser pago.

“Eu estava iniciando minha transição e estava desempregada. Pagar pensão alimentícia é lei e eu pagava o valor que tinha condições de pagar, mas a justiça determinou que eu pagasse dois salários e meio e era um valor absurdo e surreal para a minha realidade. Não tinha nenhuma base judicial que justificasse esse valor.”, explica.

Mesmo desempregada, o valor da pensão a ser paga foi designado em dois salários mínimos e meio, cerca de R$ 2.400, mas o que ela podia pagar era cerca de R$ 500. O que não era suficiente e sua prisão foi decretada.

“Eu só não fui presa porque uma amiga me ajudou para que eu entrasse com um recurso de habeas corpus, mas não teve jeito. Tive que me articular para conseguir o dinheiro que estava sendo executado como dívida”

Maria Eduarda é comunicadora e ativista pelos direitos da população LBGTQIA+.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro não solicitou recurso, mesmo havendo esse direito, o que dificultou ainda mais a situação. Maria então procurou o Mapa do Acolhimento, um serviço de apoio a mulheres trans e cis em situação de vulnerabilidade. Lá foi direcionada a uma advogada que entrou com uma solicitação informando que os valores não condizem com a realidade financeira dela.

“Mas tinha um detalhe: no processo dizia que eu tinha que pagar 2,5 salários ou 35% da minha renda, o que ainda não tinha sido levado em conta. Então fui contratada para receber 800 reais por mês, trabalhando na parte de comunicação da Casa NEM”, relembra.

Segundo a advogada Márcia Rocha, as responsabilidades com relação a pensão alimentícia, autoridade e guarda são as mesmas, independente do gênero. A pensão deve ser paga por um dos pais quando a criança está sob a guarda do outro, do ponto de vista jurídico são os mesmos direitos e deveres.

Interpretação jurídica 

Atenta a importância de promover um letramento de gênero e sexualidade no espaço acadêmico e profissional de formação de futuros advogados, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) almeja conquistar uma transformação da justiça através de diversas ações afirmativas.

“Esse trabalho requer muitas ações que a gente desenvolve no sistema de justiça, seja alimentando os operadores dentro das nossas temáticas e fazendo com que esses profissionais se aproximem cada vez mais de uma gama de diversidade de temas e de ações que a gente trata na nossa Associação”, explica Keila Thompson, presidente da ANTRA.

Embora seja um trabalho importante, essas ações precisam avançar no Brasil, pois ela reflete por exemplo na falta de sensibilidade de operadores da justiça, para garantir respeito à identidade de gênero e sexualidade.

Segundo a advogada Márcia Rocha, não existe uma lei específica para obrigar um juiz a respeitar o nome social de uma pessoa LGBTQIA+. “Pouquíssimos juízes respeitam o nome e o gênero de pessoas que não fizeram a retificação”.

Um dos impactos causados por esse tipo de abordagem ao longo do processo motivou Maria a desistir do acompanhamento da defensoria pública que também não foi sensível ao seu nome social. “Eu desisti da defensoria porque estavam me tratando de uma forma sem cuidado, mesmo que com o nome retificado em meus documentos civis”, desabafa Maria Eduarda.

Festival Pangeia circula por espaços culturais das periferias de São Paulo

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  Com o tema “Conexão Brasil, África(s) e Caribe”, o evento destaca diversas linguagens artísticas e oficinas culturais. 

Apresentação do Grupo Tinkus San Simón no Festival Pangeia, realizado no Centro Cultural do Grajaú, zona sul de São Paulo. (Foto: Acervo Festival Pangeia)

O Festival Cultural Pangeia, promovido pelo coletivo MisturArte, chega em sua quarta edição em formato híbrido e conta com oficinas e workshops que iniciam em agosto e vai até o mês de novembro. O evento tem como principal objetivo expandir e ultrapassar as barreiras sociais e geográficas, para mostrar e unir culturas distintas que possuem essências parecidas.

“O tema Caribe, surgiu durante o período de estudos do grupo, num momento em que avaliamos as edições anteriores, o coletivo sugeriu a passagem pelo território caribenho que faltava. Identificamos uma grande vontade de continuar o que já tínhamos iniciado no último projeto ‘Américas e África’, decidimos por triangular Caribe – África(s) – Brasil para dar continuidade`, conta Pauliana Reis, diretora do Festival.

O festival destaca a presença de tradições culturais de povos tradicionais da América Latina. (Foto: Acervo Festival Pangeia)

Para alcançar mais pessoas, a programação do Festival Cultural Pangeia acontece de forma híbrida, com atividades presenciais e online. “A edição passada aconteceu totalmente em formato online. Agora esperamos alcançar um público maior e levar o Festival Pangeia para além do oceano, trazendo uma conexão ainda mais afetiva. Tudo isso sem perder um dos momentos mais esperados das atividades que é o contato, a troca, os compartilhamentos e a energia do presencial”, reforça a diretora do evento.

As inscrições para participar das atividades do festival devem ser realizadas através do formulário disponível na bio do perfil de Instagram do evento. . Todas as oficinas são gratuitas e os participantes receberão certificado com a temática de cada atividade.

O Festival ainda irá realizar outras atividades como FIC Pangeia, Exposição, exibição de documentário e apresentações artísticas em datas que ainda serão divulgadas. Desde março o coletivo tem realizado lives e mesas de debates em suas redes sociais.

Confira a programação online e presencial 

Oficina Teatral Ori Ambulante
Artista Ministrante:Dina Maia
Segmento:Teatro
Quando:De 02 à 31 de agosto (Terça e Quarta) – das 19h às 22h
Duração: 30 horas
Local: Ocupação Mateus Santos – eVia Google Meet
Endereço: Av. Paranaguá, 1633 – Jardim Belém, São Paulo

Oficina Pintando África com Acrílico
Artista Ministrante: Paulo Chavonga
Segmento: Pintura
Quando: De 02 à 20 de agosto (Terça a Sábado) – das 13h às 15h
Duração: 30 horas – Online
Onde: Via Google Meet.

Oficina Mapeamento dos Afetos
Artista Ministrante: Bruno Novais
Segmento: Dança
Quando: 15/08 às 20/08 – (Segunda à Sábado) – das 18h30 às 21:30
Duração: 18 horas – Presencial
Local: Comunidade Cultural Quilombaque
Endereço:Tv. Cambaratiba, 05 – Perus, São Paulo – SP

Olhares diversos sobre a diversidade do ser humano – Fotografia
Quando: 03/09 e 10/09 (Sábados) – das 10h às 14h
Artista Ministrante: Bianca Vasconcellos
Segmento: Fotografia
Duração: 8 Horas – Presencial
Local: Fábricas de Cultura. Jardim São Luís
Endereço: Rua Antônio Ramos Rosa, 651 – Jardim São Luís, São Paulo – SP

Oficinas Rastafari: Raiz e Cultura Africana
Artista Ministrante: Ras Soto
Segmento: Cultura Rastafari
Quando: 11/08 à 10/09 (Quinta e Sábado) Quinta das 19h às 21h – Sábado das 13h às 15h
Duração: 20 horas – Presencial
Onde:Instituto Tambor
Endereço: Av. General Francisco Morazan, 181 – Vila Sônia – São Paulo – SP

Oficina Sankofa – Corpo em Diáspora
Artista Ministrante:Bia Rezende

Segmento: DançaQuando: 19/08 a 09/09 (Toda sexta-feira) das 18h às 21h
Duração: 10 horas – Presencial
Local: Fábricas de Cultura. Jardim São Luís
Endereço: Rua Antônio Ramos Rosa, 651 – Jardim São Luís, São Paulo – SP

Oficina AQUARELAS, MEMÓRIAS AFETIVAS e as Águas contam histórias
Artista Ministrante: Sheyla Ayo
Segmento: Pintura – Hibrida
Quando: Sábado 24/09 – das 10h30min às 12h30min online / Domingo 25/09 – das 14h às 17h, Presencial
Duração: 7 Horas
Online e presencial
Local: Fábrica de Cultura do Capão Redondo

Workshops de Fotografia – Olhares diversos sobre a diversidade do ser humano
Artista Ministrante: Bianca Vasconcellos
Segmento: Fotografia
Quando: 03/09 e 10/09 (Sábados) – das 10h às 14h
Duração: 8 Horas – Presencial
Local: Fábricas de Cultura. Jardim São Luís
Endereço: Rua Antônio Ramos Rosa, 651 – Jardim São Luís, São Paulo – SP

Oficinas Kindezi – Neuroeducação e arte em afro perspectiva, estratégias educacionais compensar a brecha educacional do pós pandemia
Artista Ministrante: Rose Mara
Segmento: Processos pedagógicos para professoras (es), arte educadoras (es) e artistas.
Quando: De 03/09 a 01/10 (Todas Segunda e Quarta) – das 19h às 22h
Duração: 30 horas – Presencial
Onde: Container 011 – CEU Vila Rubi
Endereço: R. Domingos Tarroso, 101 – Vila Rubi, São Paulo – SP, 04823-090

Efeitos da covid-19: a maioria dos analfabetos são negros

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Considerando que no Brasil “pardos” são compreendidos como negros, o número de analfabetos superaria grosseiramente os 50% entre crianças negras brasileiras.

Entrega de kits de livros e brinquedos para crianças, realizado no dia 19 de dezembro de 2020, pelo no dia realizamos no Núcleo XI de Agosto, Uneafro Poá. Foto: Wellington Lopes

Podemos dizer, de certo modo, que a pandemia causada pela COVID-19, inaugurou uma nova era para a humanidade, mas que, principalmente, pôde revelar e acentuar em grau elevado os problemas mais graves de desigualdades nas sociedades humanas em um flerte perigoso, incidentemente, com o facismo, discursos de ódio, fundamentalismo e a negação da realidade por teorias conspiratórias.

Segundo o Our World in Data COVID-19, houve 6,39 milhões de mortes causadas pela doença no mundo. Só no Brasil, alcançamos a marca de 677 mil mortes, considerando, inclusive, que o número pode ser objetivamente maior por conta da subnotificação de casos.

Mesmo atingindo o número de 95% da população brasileira vacinada, segundo o Ministério da Saúde, pelo menos com uma dose de vacina contra COVID-19, ainda somos incapazes de mensurar o impacto destrutivo que a pandemia gerou somada aos diversos campos da vida social, econômica, política e institucional da sociedade brasileira.

O médico e professor de antropologia, da Universidade de Connecticut, Merrill Singer, trouxe à luz o conceito de sindemia, que significa a colaboração mútua entre problemas de saúde agravados por contextos problemáticos socioeconomicamente e é o termo que utilizaremos daqui em diante ao falar do período que vivemos.

Isso significa, no contexto da sociedade brasileira, o aprofundamento das desigualdades raciais, de gênero e classe. 

Contudo, na tentativa de mensurar impactos, gostaríamos de propor um exercício de reflexão em torno de um campo específico: o crescimento da desigualdade educacional na alfabetização de crianças durante a extensão desse período de sindemia.

Também revelam o crescimento absurdo do analfabetismo entre crianças pretas e pardas, respectivamente de 28,8% e 28,2% de 2019, para 47,4% e 44,5% em 2021. Considerando que no Brasil “pardos” são compreendidos como negros, o número superaria grosseiramente os 50% entre crianças negras brasileiras.

Já os dados entre crianças brancas apontam um crescimento de 20,3% em 2019 para 35,1% em 2021, o que demonstra que o número não foi pouco, mas o relatório não considera os dados unificados de pretos e pardos para dimensionar a disparidade racial ainda maior – o que nos levaria a um número maior que 12 pontos percentuais de diferença. 

A educação no período da infância e da adolescência é, sobretudo nas periferias, o meio pelo qual se desenvolve relações de pertencimento social e sociabilidade. É onde a criança tem suas primeiras experiências sociais fora do núcleo familiar.

Então todo ambiente escolar desenvolve uma rede de relações que oferta formas de letramento, ou de outra forma, apreensão do universo possível que as cercam. O letramento torna-se um exercício de compreensão da realidade.

Portanto, a alfabetização ganha novos contornos quando consideramos que ela ocupa um papel mediador entre o processo de letramento sobre o mundo social e a linguagem escrita. É uma ferramenta de busca para respostas individuais e coletivas no período escolar.

A identidade assume durante essa fase da infância e da adolescência na escola, um aspecto de formação, porque é nela que se concentra a descoberta de valores morais, éticos e culturais que elas assumirão ao se perceberem parte de um ou mais grupos (a identidade racial, de gênero, cultural e de classe) e do todo (a sociedade como um relação complexa de redes).

Podemos dizer que a literatura infantojuvenil é primordial no desenvolvimento de crianças e adolescentes no geral, mas é imprecindível para crianças negras e negros para o autoconhecimento e valorização da cultura afro-brasileira e africana.

Um dos pontos importantes para que isso aconteça, além da inserção de autores negros nos estudos ao longo da vida letiva, é a presença de personagens negros nas histórias e estórias. 

O avanço dos danos na alfabetização durante a sindemia da COVID-19, desafia educadores a enfrentar um cenário de necro-sociabilidade. Onde o combate à fome ganha o palco das principais atividades e dinâmicas escolares. 

Mas voltando ao tema do acesso a uma literatura negra, a falta de personagens e autores negros, pode trazer para jovens negros a sensação de que devem ser de outra forma. Com a ideia, inconsciente, de que para alcançar humanidade e sucesso, devemos ser representados como “produtos de padronização cultural desse sucesso”: como pessoas brancas.

É a sensação de não pertencimento e de inferioridade, decorrente da falta de acesso ao conhecimento em relação a trajetória e a história da população afro-brasileira, que pode ser gerada pelos danos à educação de crianças e jovens negros.

Afetando em longo prazo o desenvolvimento e autoconhecimento na fase de transição da infância para adolescência, e desta para a vida adulta. A busca de si mesmo torna-se a busca pela representação do outro.

Há um caráter colonizador, também, na disputa institucional em torno do futuro da educação. De um lado a busca pela privatização do ensino e desse mesmo lado uma cruzada contra o que militantes de direita chamam de “doutrinação ideológica”.

Então, ao dimensionarmos a forma que a sindemia atuou, no modelo que temos de educação brasileira, devemos olhar para a forma que é realizada o sistema de cooperação de governança das políticas educacionais nos três níveis federativos: União, Estados e Municípios.

No momento mais grave da nossa história recente, é mais do que uma necessidade, torna-se obrigação pública, pactuar um modelo colaborativo de governança do Sistema Nacional de Educação (SNE).

O problema é que cada rede acaba funcionando como um sistema independente e desvinculado dos outros. Isso acaba não dando clareza à responsabilidade de atribuições a cada nível federativo de governo.

Exatamente esse processo nos leva a compreender que a escassez de distribuição de recursos técnicos e financeiros, leva cada rede a criar estratégias e dinâmicas próprias para lidar com os problemas locais.

Inclusive, segundo o Todos pela Educação, o Brasil seria mais eficiente na criação de soluções dos problemas gerados pela sindemia na educação se pudesse contar com um SNE que melhorasse a governança e a pactuação das políticas educacionais entre os entes da federação.

Num momento de avanço das desigualdades educacionais, além da criação de leis complementares para realizar um processo de pactuação e a diversificação de fundos para educação, como o Fundeb, seria imprescindível alcançarmos alguns parâmetros de articulação mútua.

Mas é impossível pensar todo esse processo com as políticas para educação do atual governo.  

Do enfraquecimento das universidades públicas ao incentivo da privatização, não há ponte para um futuro possível com fundamentalistas religiosos e conspiracionistas pensando as esferas de atribuições federativas da educação.

Na fase em que a literatura ganha o seu papel mais importante no espectro do combate ao racismo na educação básica, podendo apresentar autores e persogens negros que protagonizem narrativas diversas, enfrentamos um gigantesco déficit educacional.

É necessário criar mecanismos de monitoramento e marcos regulatórios para políticas educacionais “pós-sindemicos”, que criem um diálogo permanente e interdependente entre Estados, Municípios e União.

Isso significaria criar prerrogativas para acompanhar políticas de mitigação das desigualdades raciais na educação básica e em todos os níveis. Prevendo a aplicação ampla das Leis 11.645/2008 e 10.639/2003, tornando presente a trajetória das populações afro-brasileira e indígenas nos currículos, a formação continuada e outros mecanismos educacionais.

Então como acessar nossas histórias através da literatura se não sabemos ler? Como estudar se precisamos de trabalho? Como concentrar-se nos estudos se sentimos fome?

Jovem carioca usa NFTs para fazer ações solidárias no Morro Santo Amaro

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A partir da criação e comercialização de NFTs, a iniciativa do artista visual Gean Guilherme, está transformando criptomoedas em recursos para doação de alimentos em favelas do Rio de Janeiro. 

Ele se inspira na realidade e na cultura das favelas para criar suas obras em NFTs. (Foto: Arquivo Pessoal)

Durante a pandemia de Covid-19, Gean Guilherme, 22, morador do morro Santo Amaro, favela localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, uniu a fascinação e criatividade para criar artes digitais em formato de NFT´s, para comercializar essas criações em plataformas de criptomoedas. Metade do recursos arrecadado era convertido em dinheiro para comprar cestas básicas doadas aos moradores do território onde ela mora.

De todos as NFT´s produzidas pelo artista, a que mais rendeu lucro foi a arte tridimensional “Menor portando – Tecnologia”, que na época foi vendida por 500 tezos, uma criptomoedas que após ser convertida para essa transação chegou a quase 2 mil dólares na época. Essa venda ocorreu num momento que Gean não estava conseguindo faturar nada para tocar as ações sociais.

“A primeira ação foi para a compra de alimentos, a gente conseguiu arrecadar em criptomoedas e transformar em cestas básicas e foi aí que percebi que era possível fazer alguma coisa com aquilo ali”

Gean Guilherme, 22, é artista visual e morador do morro Santo Amaro, favela localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro. 

A partir desta ação solidária, ele criou projeto SocialCriptoart, iniciativa que reúne as artes visuais tridimensionais criadas pelo artista em uma plataforma digital, onde o público pode se cadastrar para adquirir as suas criações por meio de criptomoedas, que são fontes de recursos também para realizar a distribuição de alimentos nas favelas.

“E aí qual é o processo: quando você vende uma parada você recebe em criptomoedas, e aí existe um processo de conversão, de transformar essas moedas em reais para poder sacar”, explica o jovem.

Segundo o designer, a conversão das criptomoedas para o valor em real é quase que instantânea, no qual ele envia o valor para a corretora responsável, através de um cadastro com seus dados, e a partir do momento que o contato e confirmação são feitos, a corretora cobra uma taxa de movimentação, mas logo em seguida transfere o valor via pix ao destinatário.

Por ainda ser um assunto de difícil compreensão imediata, o artista e designer diz que seu foco é o social, mas não somente falar de tecnologia futurista para todos, mas também explicar, educar e formar o público jovem sobre tecnologia futurista e usar esse recurso na perspectiva de um olhar periférico.

“Nosso maior objetivo é a educação, porque a galera nem imagina o que é e acaba colocando muita coisa na cabeça, de acabar com o mundo, que tudo é uma farsa e acabam não tendo um olhar pra esses usos da tecnologia, um olhar social”, diz o artista.

Gean Guilherme e seus apoiadores entendem e consideram delicado trazer isso para a periferia, pois essa realidade é um lugar esquecido por políticas públicas, mas com seu trabalho tem buscado pelo menos tentar mudar a perspectiva da juventude da quebrada, para ela voltar a sonhar, fazendo surgir oportunidades para a população.

“O foco é criar perspectiva nesses lugares que a gente nem sempre sabe se vai ficar vivo, a criação de futuro da favela com sensibilidade pode movimentar o morro”

Gean Guilherme criou  uma  plataforma digital que converte a venda de NTF´s em alimentos para moradores das favelas.

Neste contexto social não falta inspiração para Gean criar artes impactantes que retratem a realidade da favela. Um dos trabalhos que o jovem artista se orgulha de ter produzido é uma releitura em NFT da capa do álbum “Sobrevivendo no Inferno” do Racionais MC´s. A venda desta criação resultou em doações de recursos em dinheiro para o Instituto Ademafia de Cultura e Esporte, do bairro da Glória, também localizado na zona sul do Rio.

 Futurologia na favela

Ainda pouco difundida nas periferias e favelas do Brasil, a sigla NFT significa tokens não fungíveis, uma imagem digital única e exclusiva criada com recursos software e plataformas digitais na internet que é protegida por meio de códigos de criptografia, método de identificação que impede a criação de cópias.

“Basicamente a gente vai transformar uma arte em um token, por exemplo, quando eu tenho esse boné aqui, é algo muito específico, sabe? É esse boné, tem as marcas de uso, porque eu usei, então é um boné único”, explica o jovem sobre a tecnologia futurista e como são criados os tokens 3Ds.

Gean acrescenta que esse formato tecnológico conseguiu traduzir o conceito através da criptografia, que significa a garantia de segurança dessas mídias, onde ele criptografa em blocos específicos essas informações, que são armazenadas para sempre de forma totalmente pública e qualquer pessoa pode acessar e validar se é verdadeira ou não, possibilitando a partir dessas ferramentas o novo conceito de criação da internet.

Para se apropriar ainda mais sobre o assunto, o jovem de 22 anos investiu tempo e dedicação para estudar sobre os impactos da futurologia na favela, um campo de pesquisa sociológica que busca identificar tendências de comportamento da sociedade.

Em meio a esse processo, Gean conseguiu definir uma série de projetos de futuro para ampliar a popularidade dos NFT´s nas favelas do Brasil, bem como da sua atuação como um artista visual que usa tecnologias tridimensionais para desenvolver novas formas de enxergar a favela.

Um desses projetos consiste na criação de uma loja virtual de NFT´s que funcione como um Marketplace, visando reunir obras de artistas brasileiros e estrangeiros, para vender esses tokens que resultarão em benefícios sociais voltados para os moradores das periferias.

Realidade 

A vivência profissional e cultural para produzir esse tipo de arte digital custou caro para Gean. Mesmo com tudo aparentemente dando certo, ele percebeu num certo momento de todo esse trabalho que suas atividades estavam cansando e tirando a possibilidade dele fazer suas artes na mesma frequência, o que fez ele refletir e pensar na possibilidade de convidar outros artistas e designers para somar com ele.

“Se eu não tiver tempo pra fazer as artes, não vai ter venda e não vai ter dinheiro pra projeto nenhum, e aí o que eu pensei foi transformar. Ao invés daquilo vir só de mim, pensei que pudesse surgir de várias outras pessoas pra poder descentralizar essa responsabilidade social que eu estava agarrando”, argumenta.

Com a ajuda de outros artistas, ele teve a oportunidade de reunir uma série de novos tokens, para que fossem vendidos e seus valores serem distribuídos diretamente para iniciativas sociais das favelas e periferias.

“É um jogo sinistro, mas é maneiro, porque deu independência para muitos artistas, basicamente eu só usava meus 3D’s para postar no Instagram e ganhar like, hoje em dia coloco elas nas plataformas e consigo tirar uma grana”, finaliza.

Seminário Akofena dialoga sobre política de segurança pública pelo bem viver

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Com atividades virtuais e gratuitas, o seminário terá mesas de debate com foco na população negra, periférica, quilombola e indígena. 

Entre os dias 16 e 31 de agosto, a UFABC (Universidade Federal do ABC), através do Programa de Apoio a Ações de Extensão (PAAE 2022) da Pró Reitoria de Extensão e Cultura da UFABC, receberá o Seminário Akofena: uma perspectiva indígena e preta sobre as facetas do genocídio. O objetivo do evento é desconstruir o imaginário sobre segurança pública, pautado por atores brancos, homens, cisgêneros, de classe média ou alta.

Estes [brancos, homens, cisgêneros] que sempre se mostraram centro do mundo para controlar corpos negros, quilombolas e indígenas, e suas respectivas mentes, línguas e identidades. Que através dos mecanismos brancos de poder determinam quanto valem nossas vidas.

Grupo de estudantes que organiza o evento, formado por militantes do movimento negro.

Com sete mesas temáticas, o debate será guiado pelas principais pautas desses movimentos e seus atores: indígenas, pretos, mulheres, homens, cisgêneros, transgêneros, LGBTQIA+, aldeados, aquilombados e periféricos.

O evento será totalmente online, das 19h às 21h, e reunirá militantes, organizações e coletividades do movimento negro e indígena. As inscrições podem ser realizadas por este link e mais informações aqui na página do evento.

Programação 

16 de agosto – Mesa de abertura: As facetas do genocídio no Brasil
Análise histórica da segurança pública no Brasil em relação às facetas do genocídio negro e indígena, destacando o enfrentamento à morte pelos movimentos sociais e políticos.

18 de agosto – Mesa 2: Racismo ambiental e conflitos de terra
Reverberar os conflitos concernentes ao racismo ambiental que historicamente desmobilizam as comunidades, culturas, ritos, línguas e tradições.

22 de agosto – Mesa 3: A morte antes do tiro: cultura e cosmovisões
O encontro visa elucidar processos de invisibilização e ocultação de cosmovisões, crenças e as culturas que fundamentam as vidas dos povos indígenas e pretos no Brasil.

23 de agosto – Mesa 4: A gestão da morte pelo Estado
Analisar as ferramentas que institucionalizam a necropolítica no Brasil e quais são os interesses econômicos que pautam a segurança pública no Brasil.

25 de agosto – Mesa 5: O genocídio da infância e da juventude negra e indígena
Evidenciar as condições que sustentam imaginários de criminalização, vulnerabilidade e morte de crianças e jovens negros.

29 de agosto – Mesa 6: Abolicionismo Penal: Fim do encarceramento e da “guerra às drogas”
Tratar do abolicionismo penal como forma de traçar uma nova rota sobre segurança pública, no sentido mais amplo, que não mais se sustenta nas práticas do estado de exceção, acusando, encarcerando e matando pessoas e pretas e indígenas.

31 de agosto – Mesa 7: Organizações políticas de mães
Diálogo com mães, amigos e familiares de vítimas do Estado, em uma troca sobre organizações políticas em luta por segurança, garantia de direitos e reparação.

“Macumba não”: faixa expõe racismo religioso em praça na zona leste de São Paulo

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Moradora que reside no local afirma que não é a primeira vez que uma faixa com mensagem de intolerância é exposta na praça pública.

A faixa foi vista pela primeira vez na tarde de sexta-feira, dia 3 de agosto, e retirada por moradores no dia 9. (Foto: Natlia Silva)

Na última sexta-feira (3), Renato Gama, 46, morador da Vila Nhocune, zona leste de São Paulo, estava passando de carro pela praça José Patrocínio Freire, localizada no Jardim Nossa Senhora do Carmo, com destino ao Parque do Carmo. De dentro do automóvel, o filho dele avistou uma faixa estendida entre as árvores do local com a seguinte mensagem: “Macumba Não. Ambiente familiar, pedimos sua compreensão”.

Revoltado com a intolerância e discriminação presente na mensagem da faixa estendida em praça pública, ele produziu um vídeo e imagens denunciando o incidente e acionou pelas redes sociais o assistente social e babalorixá Júlio Cezar De Andrade, que é candidato a deputado estadual pelo mandato coletivo Quilombo Periférico, como tentativa de denunciar e dar visibilidade ao que tinha visto no local.

“Precisamos nos utilizarmos das leis para denunciar e educar para que situações como essa não ocorra”

Renato Gama, 46, morador da Vila Nhocune, zona leste de São Paulo e integrante da Igreja Rosário dos Homens Pretos da Penha.

“Ela traz no seu conteúdo racismo, intolerância religiosa e discriminação”, conta Gama, que é integrante da igreja Rosário dos Homens Pretos, importante patrimônio histórica da população negra na cidade de São Paulo.

Conforme o artigo 5º da Constituição Federal, ela protege o livre exercício dos cultos religiosos, ao enfatizar que é garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e liturgia, de modo a assegurar a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença.

“A narrativa do atual (des)governo brasileiro legitima esses crimes, será necessária uma ação gigantesca de educação e processar as pessoas que tem convicção nesses crimes, temos que valorizar a escola, ampliar e atualizar nossos processos educacionais”, enfatiza Gama.

Não é a primeira faixa

Natália Cristina Silva, 23, mora em frente à praça onde foi estendida a faixa, no Jardim Nossa Senhora do Carmo. Ela conta que sentiu muita revolta quando passou pela praça no dia 3 de agosto pela manhã, para levar o irmão mais novo à escola.

“Senti muita revolta! Reparei em duas coisas: o uso do termo ‘macumba’ e a justificativa dizendo que aqui é um bairro familiar, já ouvi pessoas disfarçando sua intolerância religiosa contra manifestações das religiões de matriz africana com a justificativa de ‘desperdício’ de alimentos e ‘sujeira’ nas ruas. A faixa deixou bem evidente o preconceito de quem a fez, sem qualquer fingimento”, conta Silva 

“Já fizeram outras placas com a mesma estética contra a prostituição, também com a justificativa de ser um bairro familiar”

Natália Cristina Silva, 23, é moradora do Jardim Nossa Senhora do Carmo.

A moradora considera um crime impedir a manifestação religiosa das pessoas, apenas por não concordar com os pensamentos religiosos do outro. “Além de ser moralmente errado impedir alguma manifestação religiosa, é contra a lei também. Acho irônico esses ‘cidadãos de bem’ defensores da liberdade e da lei exporem uma faixa dessa, mas é esperado que essa defesa só se aplique ao que beneficie eles”, comenta.

Oliveira revela que não é a primeira vez que isso acontece na região e que outras faixas assim já foram colocadas. “O bairro é bem religioso, tem muitas igrejas evangélicas e uma igreja católica grande que fazem muitos eventos por aqui, testemunhas de Jeová abordam pessoas constantemente, cultos evangélicos nas praças, mas nunca houve qualquer tipo de manifestação contra isso. Percebe-se que é um preconceito bem direcionado”, relata a moradora. 

O assistente social e babalorixá Júlio Cezar de Andrade registrou um boletim de ocorrência por meio da delegacia online da polícia civil. (Foto: Quilombo Periférico)

Racismo institucional e religioso

O Desenrola entrou em contato com Júlio Cezar de Andrade, assistente social, mestre em serviço social pela Unifesp, e Babalorixá da casa de axé Ilê Asè Ayedum, no bairro Lajeado, zona leste de São Paulo. Ele relata que assim que tomou conhecimento da denúncia, registrou um boletim de ocorrência por meio da delegacia online da polícia civil, e buscou mobilizar outras lideranças de religiões de matrizes africanas nas periferias da zona leste da cidade.

“No dia 04/08, na parte da noite, eu verifiquei nas minhas redes sociais que tinha uma marcação em uma foto, quando vi, era uma imagem com uma faixa escrito “Macumba não. Ambiente familiar, pedismo sua compreensão”, e diante disso começamos a fazer um processo de mobilização com algumas lideranças das comunidades de Axé e Terreiro”, diz Júlio, que foi até o local para produzir um vídeo nas redes sociais e denunciar o ato de intolerância religiosa. 

Além do boletim de ocorrência, o babalorixá conta que o mandato coletivo Quilombo Periférico que ocupa um gabinete na Câmara Municipal de São Paulo, protocolou um ofício junto a subprefeitura de Itaquera, solicitando a retirada da faixa.

Segundo o artigo 208 do Código Penal, é considerado crime de “ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo”, punido com detenção de um mês a um ano, ou multa, a conduta de quem “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar (tratar com desprezo) publicamente ato ou objeto de culto religioso.

Ciente da importância da política institucional para construir políticas públicas e projetos de lei sensíveis as questões de intolerância às religiões de matriz africana que afetam principalmente a população negra, Júlio lembra da importância de valorizar e eleger lideranças políticas do movimento negro e das periferias nas eleições.  

“Precisamos escolher candidaturas que se aliem ao projeto do movimento negro, aos projetos dos movimentos periféricos, e que defendam objetivamente o estado democrático de direito e a laicidade do Estado e denuncie as práticas de racismo estrutural e institucional”

Júlio Cezar De Andrade, assistente social, mestre em serviço social pela Unifesp, e babalorixá na casa de axé Ilê Asè Ayedum, no Lajeado, zona leste de São Paulo.

De acordo com o babalorixá que está acompanhando de perto os debates políticos importantes dentro de casas legislativas, como a Câmara Municipal de São Paulo e a Assembleia Legislativa do estado, casos como esse estão diretamente ligados à concepção de racismo institucional e religioso.

“É o racismo institucional religioso, porque ele não só criminaliza a pessoa pelo direito de manifestar a fé nas religiões e dos povos tradicionais de matriz africana, mas também ele criminaliza toda vivência, não podemos esquecer que uma menina foi tirada a força pelo poder judiciário, institucionalizado no serviço de acolhimento institucional, devido ela estar participando de um ritual de candomblé, essas práticas são as manifestações cotidianas do racismo, que está presente nas relações sociais e que vem violando e violentando nossos corpos, mentes e corações dos povos de terreiros”, explica.

O mestre em serviço social faz uma alerta importante, apontando que na cidade existem poucos lugares em que as pessoas de religião matriz africana possam fazer seus cultos. “Hoje em São Paulo, existem poucos espaços para que as religiões de matriz africana possam fazer o seu culto, principalmente no Estado de São Paulo, precisamos criar a nível legislativo, tanto no estado, como no município, espaços onde as religiões possam garantir, vivenciar e materializar o seu contato com a natureza.”

Diante dos ataques que as religiões de matriz africana vêm sofrendo tanto pelo poder público, quanto pela sociedade, Júlio compartilha um exemplo de articulação política realizada pelos povos de terreiro na Bahia, que servem de exemplo para elaborar propostas concretas de políticas públicas para combater a intolerância e o racismo religioso.

“Diferente do que tá escrito naquela placa, as religiões de matrizes africanas são sustentáveis, porque elas preservam a natureza e os recursos naturais. Na Bahia, com muita resistência das comunidades e povos tradicionais de terreiro, hoje tem um espaço, onde fazem as festas e colocam os objetos sagrados na natureza. É fundamental que o estado de São Paulo aja nesse caminho, precisamos que o estado crie estratégias para que haja respeito aos nossos corpos, aos nossos tambores, ao nosso sagrado”, conclui.