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Quando os meninos negros morrem

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Você, homem negro, ame a si mesmo e a sua cultura. Dê amor, respeite o tempo e às pessoas que você ama e não permaneça onde te querem capataz.

Ensaio Resgate de Cauane Oliveira (@baduona) e Renata Santos (@olhodeanubis), set. de 2020.

Se deparar com índices que denunciam a mortalidade e a degradação da vida nas periferias não é novidade, a morte ganha um peso único quando contamos os números e procuramos o que eles significam.

Um peso no corpo, uma dor no peito, acordar e descobrir que a realidade é mais dura que o pesadelo. O trauma da perda é uma marca que separa os que sonham com o futuro e os que buscam justiça – ou que morrem aos poucos enquanto o tempo apaga as marcas de quem passou pela terra.

Então tenho pensado, por que os meninos negros morrem tão cedo? 

Estou cada vez mais perto do fim da faixa etária das estatísticas de expectativas de mortalidade entre a juventude negra e tenho me perguntado, por que isso acontece?

Podemos criar representações das motivações e efeitos que levam centenas de milhares de jovens de 14 à 29 anos a números expressivos de mortalidade. Da violência policial ao suícidio, da situação de rua ao encarceramento, o homem negro é o principal alvo – mesmo que essas violências acometam a população negra e periférica como um todo.

Como exercício de reflexão, vamos remontar parte dos problemas que sustentam esses acontecimentos até hoje e que tem origem no passado escravocrata.

Quem nunca ouviu na escola, na rua, em espaços públicos de modo geral, um “educação vem de casa” que atire a primeira pedra.

A questão é que a família é o pilar de diversos desafios e problemas que vamos experimentar durante a vida e também o lugar de busca por superação, redenção e cura. 

Em diversas sociedades de origem não-brancas ou que não são de cultura ocidental cristã, podemos ver modelos diferentes de enxergar o papel da família.

Por exemplo, em comunidades de culturas indígenas e africanas, em que o papel da família é mais amplo do que o particular: está em relação com a preservação de modos de pensar, distribuir tarefas, organizar os papéis que todos devem desempenhar por idade, por vezes, gênero (de culturas matrilineares, híbridas ou mesmo não baseadas em modelos de gênero), na relação com o íntimo, o particular e o coletivo (a cultura, o grupo, a religião, a política).

Esse é o caso das culturas do povo Akan, de Gana, onde o poder é distribuído por mulheres, ou o povo Bribri, da Costa Rica, em que o direito de propriedade e de execução dos rituais sagrados são matrilineares.

Apesar de ser um fato de que a cultura brasileira está profundamente enraizada nas culturas africanas e indígenas, o modelo familiar que nos governa, das elites às favelas, é o modelo patriarcal escravista, tendo como pilar o homem branco e seu poder de posse.

É aqui que o resultado dessa equação homem branco e família patriarcal nos leva à uma espiral de problemas para a população negra e não-branca como um todo, sobretudo, obriga o homem negro a ser antagonicamente o contrário daquele que detém o poder ao mesmo tempo em que se obriga que ele seja o espelho de seu opressor.

Mas, que poder é esse? E por que é um poder?

Primeiro, imaginem que nos modelos de famílias que vimos antes, família e comunidade são quase sinônimos. Podemos ver isso presente nas periferias nos modos de cumprimentos ou “apelidos”, quando chamamos uns aos outros de “irmão”, “tia”, “tio” e etc.

Já no modelo patriarcal, o homem pensa o mundo a partir do particular. Então se a família pertence a ele, assim como um carro ou um boi, tudo onde ele projeta a família, ou seja, tudo onde ele gostaria de ver a si mesmo ou suas posses, deve corresponder a sua vontade.

Significa compartilhar privilégios do seu espaço particular estendido para instituições públicas (e privadas): um cargo, uma vantagem, favores. É estabelecer os inimigos que ameaçam seu espaço particular, seus aliados e os seus privilégios.

O homem negro, em busca de humanizar a si mesmo, desumaniza sua identidade, depara-se com a questão de seu sofrimento.

O amor que o humanizaria encontra barreiras para se edificar como parte fundamental da sua identidade, deformada pela busca de existir como “o outro”. E em tudo que busca, aqueles mais afundados na deformação de sua identidade, exercem força e violência contra si e seus semelhantes em nome daqueles que buscam extingui-los.

Os conflitos internos de cada grupo racial são sempre intensificados pelos conflitos urbanos. Então quem ocupa majoritariamente o poder, privilégios e propriedade, precisa buscar um suspeito padrão dos males para depositar todos os problemas da sociedade.

É aqui que nos encontramos numa encruzilhada de armadilhadas raciais para homens negros em busca de humanidade.

O que pode nos tornar seres humanos? 

Para o menino negro que se tornará um homem, reafirmar sua masculinidade passa pela busca do controle das pessoas, de suas relações e pela ostentação. Todo caminho é possível, do trabalho exaustivo em busca de ser “o provedor” e a submissão a situações de exploração absoluta característico do capitalismo ao crime como forma de exercer o poder através da força.

Então tudo que os meninos negros vivem entre homens se torna uma forma de provação de uma masculinidade que deforma sua identidade.

No trabalho é pegar mais peso do que deveria, na quebrada pode ser usar drogas muito cedo, no crime e na polícia é demonstrar frieza. Mas é principalmente a busca por tornar tudo uma posse, como um boi ou um carro. 

Nos ensinam, assim, a tratar nossas relações. Entretanto a diferença é que criam homens brancos para serem senhores e homens negros para serem capatazes.

Isso significa, de modo geral, que os homens negros são os principais alvos, porque querem fazer e ter tudo aquilo que homens brancos tem e fazem. Entretanto de modo mais intenso, porque o custo é maior e nós nos arriscamos mais ao ponto de perder tudo.

Enquanto o homem negro busca uma relação entre iguais com homens brancos, o homem branco busca impedí-lo e instrumentaliza seu extermínio.

Para viver, precisamos ter a oportunidade de estruturar melhor nossas famílias. Compartilhar o exercício de poder do particular ao coletivo. Barrar o crescimento precoce como prova de maturidade para reforçar os papéis de gênero.

E por fim ao medo branco de que nossa liberdade da herança colonial de família, comunidade, posse e cultura significa o fim da deles, isso não é sobre eles e sim sobre viver feliz.

Por último, a exaustão mental da busca inalcançável por ser “o outro”, para pôr fim aos desafios sociais, nos encaminha ao sofrimento, à depressão, ao que os africanos escravizados chamavam de banzo.

Esses sentimentos nos levam a crer que a única forma de expulsar os males que habitam o corpo negro é deixar de habitá-lo, seja pela descaracterização ou pelo suícidio. Só o amor por si mesmo, pela vida (e tratamento médico), pode ajudar a curar o banzo.

Você, homem negro, ame a si mesmo e a sua cultura. Dê amor, respeite o tempo e às pessoas que você ama e não permaneça onde te querem capataz.

Esse texto surgiu como uma reflexão sobre um amigo, que morreu assassinado, traficava e um dos seus sonhos era ter um fusca. Também é sobre mim e os homens que eu quis ser.

Para além dos descontos nas lojas, o que mais conquistaremos neste 8 de março?

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Peço licença e saúdo as que me inspiram Dandara dos Palmares, Esperança Garcia, Tereza de Benguela, Enedina Alves Marques, Margarida Alves, Lelia Gonzaléz, Sueli Carneiro, Dona Maria Eterna dos Reis e tantas outras que lutaram.

Foto: Gabriela Barbosa

Chegamos a mais um março das mulheres, uma data comemorativa internacional que imprime como as lutas e seus significados ainda são pautadas pelo colonialismo. A imposição de um sistema europeu de vida que se modifica em nosso solo, mas ainda cumpre seu papel de garantir o poder baseado em gênero, cor e classe, como sonhado pelos primeiros invasores.

Nós como povo conquistado continuamos nas cadeiras mais baixas do mundo, cumprindo nosso papel de colônia de extração e de mão de obra barata para produção constante do capitalismo. Além de sermos consumidores atentos a todas as tendências impostas por esse modo de vida, aprendemos que consumir é um dos lugares reservados a nós na máquina capitalista.

Temos sempre que lembrar que para a maioria das sociedades do mundo a colonização e o capitalismo criou o processo de inferiorização racial e subordinação de gênero que conhecemos hoje. Li nas redes sociais, que o óbvio deve ser dito, pois tem sempre gente nova chegando, como educadora acho sempre importante redizer, o que já foi dito.

O aprisionamento das mulheres na ideia do servir e do cuidar de quem tem mais poder e condições de manter nossas vidas é ainda o alimento que subsidia toda ideia de mulher constantemente difundida, e se apresenta constantemente nos dados de violência doméstica, no feminicídio, na transfobia e no oneroso avanço de políticas de moradia, economia, saúde e educação voltadas aos nossos corpos. 

Em contraponto cresce o mercado de cosméticos, estética e as redes sociais, permitem o escandaloso crescimento de grupos misóginos.

Ainda somos vistas como mercadorias moldáveis constantemente aos valores patriarcais, mudando nossos corpos, se sentindo insatisfeitas com o que somos a partir da nossa história, ancestralidade e o meio social que promoveu nosso processo de amadurecimento.

Eu não estou dizendo isso porque me sinto livre, muito pelo contrário, aos 41 anos, sendo uma trabalhadora constante, não tenho conquistas materiais relevantes, pois o pouco de liberdade que pude empregar na minha vida, foi para viver constantemente minha vontade de mudança.

Hoje temos um grande avanço para pensar nas estruturas capitalistas em nosso país com a entrada de mulheres nas estruturas estatais de poder, parece pouco, mas imageticamente promove uma simetria de poder entre homens e mulheres que ainda é baixa, mas que possibilita o debate sobre a importância da alternância de poder.

Nossas críticas são muitas nesse campo, pois em inúmeras instâncias não basta ser mulher, ou ser negra, ou ter passado pela periferia, mas que as práticas estejam a serviço do povo. 

Quais são as mulheres que a estrutura de poder capitalista está permitindo chegar ao poder? E quais mulheres continuam em cargos menores? 

As mulheres conseguem hoje empregar em seu mandato visões que norteiam a multiplicidade de formas de se viver em nosso país, que mulheres não se permitem ser bajuladas pelo sistema a favor de que garantias reais sejam forjadas como leis?

Essa conversa não é fácil, sim, somos mais subjugadas, criticadas e exigem da gente mais postura ética, e isso, é sim, uma face do machismo.

Ser mais forte que a bancada da bala e da bíblia, que tráfico de influência, drogas e pessoas, não é fácil. Porém, mulherada, também tem sido muito difícil ter que confrontar mulheres publicamente por posturas políticas autoritárias, capitalistas e de descredibilidade do movimento cultural, social e político popular das periferias.

Não queremos novas formas de colonização da nossa cultura, intelectualidade e corpos, sejam elas explícitas ou mascaradas de democracia. 

Queremos políticas de consulta e participação, as ideias são sempre bem vindas, mas as decisões precisam imprimir a nossa voz. Não lutamos para ter domínio dos nossos corpos e poder de voz para terceirizar ou privatizar nossos direitos. 

Poderíamos dizer que a saída do Bolsonaro nos daria essa garantia, mas o fascismo é mais antigo que ele e em reviravoltas econômicas, a ética se renova e reaparece como um espírito que se personifica em um candidato, mas que ronda mentes e corpos para além dele.

A saída representa imageticamente uma derrota importante, mas que formas práticas de educação e cultura precisam ser impressas em nossa sociedade para que isso aconteça. Entregar os espaços de formação e de cultura na mão do empresariado e da burguesia desse país em um momento tão delicado político é de um rico absurdo.

Nós mulheres da periferia, não queremos na política brasileira arranjos bonitos, modelos da VOGUE, enfeites como flores em um caixão. Uso essa analogia séria, pois vimos e sentimos na pele que o poder executivo desse país, pode matar ou deixar viver quem ele bem escolhe.

Não estou aqui buscando representar todas as mulheres, mas eu não ando só, e sei do corre de muitas professoras, advogadas, enfermeiras, médicas, assistentes sociais, artistas, gestoras, pastoras, Yalorixás, Madres, que vem na luta em nossas quebradas por políticas públicas que detenham a fúria da miséria e da fome que se instaurou e vem crescendo em nosso país. 

Vivemos tempos de acirramento da desigualdade que se instala debaixo do tapete de algumas pessoas que ascendem ao sucesso, de redes sociais, onde tudo vira negócio. O sucesso dentro dessa estrutura se dá levando em conta que nossas bocas cheias de champanhe sejam caladas. 

Eu, mulher, mãe, ventre fértil, que um dia não será mais, preciso garantir minha existência para além de criar, mas permanecer nesse mundo. Reflito que palavras precisamos plantar e colher para nossa gente, garantir felicidade para todes esses, sendo a felicidade o lado subjetivo da saúde.

Como o cuidado pode ser uma ferramenta de luta, cuidando de mim, cuido do todo e o todo bem cuidado, me cuida também. Para além dos descontos nas lojas, o que mais conquistaremos neste 8 de março?

Sabedoria de mãe, sua cabeça, seu guia. 

“Ainda não construímos nossa plena humanidade como mulheres”, afirma antropóloga

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A pesquisadora e antropóloga Alessandra Tavares aponta que é preciso construir uma sociedade que não ignore as meninas negras e a humanidade das mulheres.

Vila Princesa Isabel, Guaianazes – Zona Leste – SP, 2022. Foto: DiCampana Foto Coletivo

O mês de março é marcado por homenagens e reverências às mulheres, que no Brasil, representam 51,1% da população, conforme dados da PNAD Contínua de 2021. Mas como as políticas públicas e a sociedade se relacionam com essas mulheres enquanto sujeitas de direitos?

A antropóloga Alessandra Tavares, afirma que a luta do movimento feminista e negro, foram fundamentais para a existência de uma lógica mínima de humanidade, mas ainda é um processo inacabado. “Nós não construímos nossa humanidade plenamente ainda como mulheres, isso fica evidente”. 

“Não temos acesso livre ao nosso corpo, porque nós não temos o direito de decidir ter filhos, entre continuar uma gravidez ou abortar. Mas principalmente, nós também não temos direito de vivenciar a nossa maternidade, porque sendo mulheres negras, os nossos filhos são assassinados. Se você pensar por essa lógica, a lógica de ‘a favor da vida’, não nos contempla”

Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.

Alessandra, que também é atuante no movimento de mulheres negras e periféricas na zona sul de São Paulo, reforça a necessidade de um olhar generoso para as demandas das mulheres, e como o símbolo de mulher forte passa a ser um atravessamento cotidiano.

“Para mulheres negras e periféricas, se humanizar, ser generosa contigo, com seus próprios processos, é realmente muito desafiador. É como se a gente enfrentasse uma situação de violência hoje e a gente tivesse sempre que estar respondendo”, afirma.

“Muitas vezes já [ouvi] assim, ‘mas eu não consegui fazer nada’, e olhado como um absurdo não conseguir fazer nada. Mas você acabou de viver uma violência, você está em choque, você está em negação. Então está tudo bem não conseguir fazer nada. Nem sempre a gente consegue”

Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.

Além desse olhar atento para si, Alessandra aponta a urgência da sociedade cumprir a função de proteger essas mulheres. “Aquele velho teste social com a criança: uma criança negra sozinha na rua é ignorada. Então como a gente constrói uma sociedade que não ignore essa menina negra, assim como não ignore nós, mulheres negras?”, questiona a pesquisadora.

Equidade de gênero 

Fonte: Dieese – Inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dados dos terceiros trimestres de 2019 e de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.
Fonte: Dieese – Inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dados dos terceiros trimestres de 2019 e de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.
Fonte: Dieese – Inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dados dos terceiros trimestres de 2019 e de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.

Dados como esses reforçam a relevância do debate sobre igualdade e equidade de gênero, mas também contribuem na compreensão de como essas relações de poder e servidão estão presentes – de forma direta e indireta – no dia a dia das mulheres, principalmente negras.

“Durante muito tempo a gente olhava e falava: ‘essa mulher, dona de casa, essa mulher que está ali submetida a um patriarcado servindo ao outro’. Só que existem outras lógicas de servir ao outro”

Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.

Além da disparidade salarial dentro do mercado de trabalho e ambiente formal, a pesquisadora pontua que é preciso ter um olhar atento para essas questões também dentro dos movimentos de luta.

“É muito comum no ativismo como o misto, você vê que as mulheres que estão arrumando as cadeiras, as mulheres que estão preparando a comida, as mulheres que estão servindo a comida, mas não são elas que estão ocupando o microfone. E é importante desnaturalizar isso”, afirma.

A desnaturalização desses lugares invisíveis de poder foi e é parte da luta de muitas mulheres. Alessandra reforça que essa busca deve ser coletiva. “Colocar mais uma responsabilidade nas mulheres de transformar esses ambientes é uma sobrecarga, porque elas já estão resistindo a esse ambiente. Então é preciso que outras pessoas, principalmente homens, se atentem a isso”, finaliza a pesquisadora.

Batalhas de rima discutem gênero e sexualidade nas periferias

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Com intuito de criar espaços para pautar gênero e sexualidade dentro do território, a Batalha de Guaiana e Batalha da Encruzilhada atuam como locais de trocas para pessoas LGBTQIA+.

1° Edição da Batalha de Guaiana, aconteceu na Casa de Cultura de Guaianases, quem venceu foi a Maria Preta (Foto: Miuara Rodrigues)

O desejo de criar uma rede de fortalecimento entre pessoas LGBTQIA+ mobilizou articuladores culturais da zona norte e leste de São Paulo, na criação de batalhas que dialogassem com seus corpos e demandas. Na Batalha da Encruzilhada que acontece na Praça Sete Jovens no bairro do Elisa Maria, distrito da Brasilândia zona norte de São Paulo, e na Batalha de Guaiana, realizada em formato itinerante pelo distrito de Guaianases, zona leste da cidade, os articuladores buscam proporcionar espaços de reflexão sobre gênero e sexualidade na quebrada.

“Quando eu estava fazendo o mapeamento para realizar o projeto aqui no meu território, eu soube de um dado que dizia que aqui era o território que mais mata pessoas LGBT, então como é que a gente está em uma praça falando sobre isso aqui?”, questiona Guayana, 23, não binarie, moradore do Parque Guaianases, na zona leste de São Paulo e organizadore da Batalha de Guaiana.

A Batalha de Guaiana foi criada na Casa de Cultura de Guaianases, mas acontece de forma itinerante pelos bairros do território. O foco é criar um espaço acolhedor principalmente para mulheres, pessoas trans e não bináries, para que possam rimar sobre os temas escolhidos.

“Existe uma dificuldade de acessar pessoas LGBTQIA+ na quebrada, porque ainda sim temos que ficar nos escondendo. Às vezes você é uma pessoa trans e não vai falar disso na quebrada, ou vai tentar se proteger ao máximo”

Guayana – Batalha da Guaiana

A batalha é organizada por Rafaela Araujo e Natália Freires, que são produtoras culturais da zona leste de São Paulo, e também por Guayana, que é MC, poeta e arte educadore. Na Guaiana a batalha é temática: a plateia propõe um tema para ser debatido a cada rodada e ainda podem participar de formações organizadas pelas articuladoras.

“Na batalha de tema a plateia sugere um assunto, e daí temos um tempo para falar desse tema a partir da nossa perspectiva e vivência em cima de um beat. A [batalha] de sangue é um enfrentamento, você vai atacar o outro, e pode atacar de várias formas: as ideias, tem gente que ataca as roupas, aparência”, conta Guayana sobre algumas diferenças na Batalhas da Guaiana.

Guayana conta que dentro das atividades que articulam na batalha, já rolaram oficinas de freestyle, funk e rima com artistas LGBTQIA+, reforçando a importância de ter esses corpos como artistas e educadores.

“A Batalha de Guaiana vem para abrir espaço para esses artistas no território”, aponta Guayana que coloca como um diferencial propor oficinas que são ministradas principalmente por pessoas trans.

Diferentes abordagens, um mesmo objetivo

Na zona norte de São Paulo, acontece outra batalha que também tem o intuito de levantar discussões sobre gênero e sexualidade: a Batalha da Encruzilhada. Organizada por Marcela Trava, Sé da Rua, Quixote, Mendonça e MLK de MEL, a batalha acontece na Praça Sete Jovens, no bairro Elisa Maria, localizado no distrito da Brasilândia, zona norte de São Paulo.

Diferente da Batalha da Guaiana em que a ideia é criar um espaço exclusivo e juntar os moradores LGBTQIA+ do território, na Batalha da Encruzilhada a narrativa é a convivência entre os diferentes corpos, não só LGBTQIA+. A batalha é organizada por corpos dissidentes e o gênero é um marcador que está entrelaçado a essa criação e organização.

“Eu sinto que de alguma [forma a] militância vai entrando em um bolha e acaba afastando as lutas. Eu entendo que as vezes é insuportável conviver com gente cis e hétero, mas até quando vamos precisar nos fechar em bolhas para fazer as coisas acontecerem?”. Djoásis de Mel, 25, artista, produtor cultural e morador do Parque Taipas, na região noroeste de São Paulo, conhecido como MLK de MEL e um dos articuladores da Batalha da Encruzilhada.

O artista afirma que desde o começo existia um consenso entre os criadores de não ter um recorte específico de público, de ser um lugar aberto para os artistas do território movimentarem a sua arte, pois os recortes que os corpos dos próprios criadores têm, já leva a batalha para um lugar distinto. 

“A ideia é ser uma batalha para todo mundo, só que são 5 pessoas LGBTQIA+ organizando uma batalha e tem vários recortes: racial, PCD, trans. Estamos ali organizando com todos esses recortes, mas a nossa ideia é organizar pra todo mundo”

Djoásis – Batalha da Encruzilhada

Diferente da Batalha de Guaiana, a Encruzilhada é uma batalha de sangue, onde os MCs se enfrentam na rima de improviso, sem tema definido. A ideia do grupo é apontar que batalhas de sangue podem ter diferentes perspectivas.

“Até pela experiência das pessoas de pensar que batalha de sangue parece algo meio hétero, ‘coisa de macho’, e não tem que ser. A batalha de sangue na verdade é um debate de ideias, onde a melhor rima ganha da outra, e a nossa ideia era resgatar isso”, afirma Djoásis, conhecido como Mlk de Mel.

O artista aponta que as batalhas também buscam aproximar diferentes pessoas desse movimento. “Regra de não poder falar palavrão, não pode preconceito, não pode falar de terceiros. Descumpriu a regra, perdeu o round. É uma forma do debate ficar lúdico sobre o que tá acontecendo ali e fomentar a cultura hip hop”, comenta.

Ele afirma que as batalhas como a da Encruzilhada são caminhos para gerar debates e também entender novas linguagens. “Queremos fazer rima e fomos entendendo que existem linguagens diferentes, e que a batalha vai criando essa ponte”, finaliza o articulador.

Confira formações promovidas por iniciativas periféricas com inscrições abertas

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A partir de diferentes abordagens, de mercado musical a breaking, as formações promovidas por grupos enraizados nos territórios são gratuitas e tem previsão de início para o mês de março.

Peça Jardim Vertical do grupo Pandora de Teatro – Foto de Mandy Barboza

Elas no Corre – Coletivo Nóiz na Rua

Com intuito de fortalecer jovens mulheres que trabalham no mercado da música, o coletivo Nóiz na Rua está com inscrições abertas para as formações do Elas No Corre: Mercado Musical. Os encontros tem como público alvo mulheres cis e trans, de 18 a 29 anos, moradoras das periferias de São Paulo, que empreendam ou se interessem em alguma área do ecossistema da música, como fotografas, estilistas, maquiadoras, videomaker, produtoras, beatmaker’s, dj’s, entre outras.

Com inscrições abertas até dia 09/03, as formações acontecem entre 16/03/23 até 04/05/23, com encontros às quintas, das 19h às 20h30, em formato presencial na sede da produtora A Banca, no Jardim Kagohara, zona sul de São Paulo. Serão 8 encontros abordando temas como: propriedade intelectual, direitos autorais, distribuição, marketing e outras temáticas que envolvem o mercado musical.

O Nóiz na Rua é um coletivo criado no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, formado por jovens artistas e produtoras culturais que tem o objetivo de realizar eventos, formações e ser uma rede de fortalecimento entre jovens que buscam atuar a partir de sua arte. 

Teatro e Audiovisual – Casa de Cultura São Miguel Paulista

A Casa de Cultura São Miguel Paulista, localizada na zona leste de São Paulo, está com inscrições abertas para oficinas artísticas gratuitas de audiovisual e teatro. A formação “Democratizando o cinema na periferia”, será ministrada por Allyns, artista multilinguagens, e irá utilizar o celular como ferramenta de produção audiovisual.

A oficina não tem classificação de idade, mas tem como foco o público iniciante e intermediário. Os encontros serão aos domingos, das 14h às 17h, com início no dia 05 de março e vão até dia 26 de novembro. Interessados podem se inscrever e acompanhar as oficinas mesmo depois da turma já iniciada.

Na formação de Teatro e Ancestralidade, o objetivo é pensar a criação artística como um lugar de encontro e partilha, além de ampliar as referências na linguagem do teatro, estimular a autonomia e oferecer ferramentas de criação cênica.

Os encontros de teatro serão às quintas-feiras, das 13h30 às 16h30, com início em 02 de março até 30 de novembro, e tem como público alvo maiores de 12 anos, em nível iniciante. Assim como a oficina de audiovisual, com a inscrição realizada pelo formulário a participação está liberada mesmo após a data de início dos encontros.

Poéticas do Absurdo Latino Americanas – Grupo Pandora de Teatro

No dia 04 de março, sábado, das 13h às 16h, o Grupo Pandora de Teatro ministra a formação “Poéticas do Absurdo Latino Americanas”, com 20 vagas voltadas para maiores de 14 anos, que será realizada na Oficina Cultural Oswald Andrade, no Bom Retiro, São Paulo, com entrada gratuita. A formação propõe refletir sobre as formas que o Teatro do Absurdo influenciou a dramaturgia na América Latina.

Aliado a oficina, o grupo também irá apresentar no mesmo espaço cultural o espetáculo “Jardim Vertical”, na sexta (03/03), às 20h00 e sábado (04/03), às 18h00. A peça é uma fábula que reflete sobre as relações familiares e a falsa ideia de segurança a partir do dia a dia de uma família que opta por se isolar do mundo exterior em um seguro apartamento no 47° andar de um edifício.

Com 19 anos de atuação, o Grupo Pandora de Teatro é enraizado no território de Perus, zona noroeste de São Paulo, e em suas criações abordam temáticas que envolvem à história de Perus e do Brasil, suas injustiças sociais e problemáticas, através da invenção poética.

Breaking – Grupo Unity Warriors

No sábado, (04/03), às 16h, no município de Cajati, São Paulo, acontece a oficina de breaking ministrada pela Unity Warriors. No mesmo dia, às 20h, o grupo apresenta o espetáculo “MANOfestAÇÃO”, seguida de bate-papo. As atividades são gratuitas e acontecem na Concha Acústica da Praça da Bíblia, que fica na Avenida Fernando Costa, 1535 – Jardim Isabel, Cajati.

Já no domingo, (05/03), às 10h, o grupo ministra a oficina de breaking em Registro, São Paulo. No mesmo dia, às 18h, realizam a apresentação do espetáculo “MANOfestAÇÃO”, seguida de bate-papo. As ações também são gratuitas e acontecem no Teatro Caixa Preta de Teatro, que fica na Rua Meraldo Prévidi, 531, no Centro de Registro, São Paulo.

Nas duas cidades, a oficina apresentará os fundamentos técnicos do breaking por meio de jogos e diálogos estabelecidos sobre o pensar e fazer dança. Cada oficina contará com 20 vagas gratuitas destinadas para adolescentes e jovens com ou sem experiência em dança.

O grupo Unity Warriors surgiu em 2015, a partir da união de jovens da periferia de Perus e São Miguel Paulista, com a proposta de celebrar a cultura hip-hop através do breaking.

“Quando você fica tanto tempo no transporte a cidade muda”, afirma poeta sobre direito à cidade

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Através da poesia, Midria Pereira busca construir narrativas que dialoguem com sua identidade e reivindica o direito de acessar todos os espaços a que tem direito.

A partir da convicção de que todas as pessoas podem ser agentes transformadores, Midria da Silva Pereira, 23, que é nascida e criada no bairro Recanto Verde do Sol, no distrito de Iguatemi, na zona leste de São Paulo, se considera uma trabalhadora da palavra, tendo essa como sua ferramenta de mudança e transformação social.

Além de poeta, Midria também é cientista social e atua diretamente com outros jovens. O contato com a literatura aconteceu ainda no ensino fundamental, ao participar do projeto Círculos de Leitura, onde teve a possibilidade de discutir suas leituras de forma coletiva e assim também começou a escrever.

“Meu primeiro poema foi sobre amor, era uma coisa tipo assim: ‘será que um dia, eu vou sonhar e iremos nos encontrar para então dançar, a noite do luar’, era uma coisa assim tudo com ar”, relembra a poeta.

Cidade linda?
Pra quem?
Porque enquanto o cartão postal continuar a ser a Avenida Burguesa
Paulista, o resto da cidade vai continuar sendo sempre o resto
O relegado, o deixado de lado, a borda, a horda, a várzea
A periferia
Inclusive amo a minha quebrada
Salve São Mateus, salve Recanto!

Trecho da poesia Paulistana Periférica de Midria Pereira.

Já no ensino médio, a poeta conheceu o Sarau do Vale que acontecia no seu bairro, e foi nesse momento que sua relação com a poesia também mudou. “Foi esse espaço de eu entender que tinha gente viva escrevendo, gente que era parecida comigo, de ouvir falar da Carolina Maria de Jesus, de Cora Coralina”, conta Midria.

Direito à cidade 

A atuação da poeta tem ligação direta com o direito à cidade. Ela conta que a partir do momento que ingressou no ensino superior, sua relação com a cidade mudou. O que passou a refletir diretamente nas suas criações. “Quando você começa a fazer esse percurso todo dia e fica tanto tempo no transporte, a cidade muda”, afirma a poeta que realizava um trajeto de quatro horas no período da graduação.

“Até então minha relação com a cidade estava muito circunscrita ao meu bairro, aquela parte da zona leste: São Mateus, Jardim Iguatemi, Cidade Tiradentes. Era ir até o Carrão para fazer um cursinho no sábado, no Aricanduva para ir no shopping, e no Parque do Carmo pelo Sesc e o parque”, conta Midria.

Eu quero que as distâncias dessa cidade sejam encurtadas
e que a mobilidade não restrinja mais nossos caminhos de vida
Mas isso não significa que eu queira chegar mais rápido até o centro
Eu quero um fura-fila pra cultura e pra todas as vias de desenvolvimento
bem ali perto de mim, na quebrada
Na zl, na zs, na zo, na zn
Que toda periferia seja reconhecida em sua pluralidade
Na sua gama de interminável de possibilidades

Poema da Midria Pereira.

Através desse processo de acessar a cidade, Midria aponta que se conectou com diversos movimentos que lutam pelo direito de ir e vir, e passou a se aproximar de movimentos como o Passe Livre São Paulo.

“O direito à cidade é tudo. Embora eu conseguisse ter uma vida ok só estando no meu bairro, quando começo a sair dos meus distritos minhas redes se expandem. Com isso a possibilidade de projeção daquilo que estou fazendo”

conta a poeta que também passa a recitar em slams pela cidade.

“Chego a participar do ZAP! Slam e depois ir recitar na televisão no programa Manos e Minas, e isso acontece por questões de rede que estão em determinados lugares e em outros não”, afirma Midria sobre estar em espaços que não foram projetados para corpos como o seu, mas que através da sua poesia tem se tornado possível.

Possibilidades de existência

Antes de participar do sarau no seu território, as poesias de Midria tinham um tom mais contemplativo sobre a vida. A partir do contato com o sarau, passou a refletir sobre si “tentando construir uma narrativa que me coubesse”, conta.

“Tem uma poesia que eu escrevi que termina: ‘A sociedade querendo ou não, vou usar meu cabelo assim ponto final da questão’. Era uma afirmação, e no sarau as pessoas ouvindo e valorizando aquilo, criava outra realidade, que tudo bem eu ter meu cabelo natural e não preciso passar por nenhum tipo de violência por conta disso”, compartilha.

Poeta Midria Pereira recitando poema do seu livro “A menina que nasceu sem cor”. Foto: Millena Nascimento

A poeta ainda descobriu novas versões do racismo e da sua própria existência também no processo de circular pela cidade e no ensino superior. A partir disso, Midria publicou dois livros onde fala sobre ‘a menina que nasceu sem cor’.

“Eu precisava construir alguma coisa que refletisse a minha experiência [que] era essa do não lugar. Quando eu escrevo ‘a menina que nasceu sem cor’, que hoje é meus dois livros publicados, não é só colocar que eu sou negra e ponto, é uma forma de fazer toda reconstrução da minha identidade”, diz Midria.

Com a possibilidade de acessar novos espaços, junto com dois amigos, Nuno e Ygor, a poeta criou o Slam Usperifa. Inicialmente era uma forma de recepcionar os calouros do curso de ciências sociais da USP, mas em pouco tempo passou a reunir poetas de vários territórios, onde muitos entraram pela primeira vez na universidade recitando sobre seus corpos.

A poeta ainda busca unir sua arte com as palavras à sua atuação enquanto cientista social, e assim reafirmar os poetas como profissionais em um campo importante de atuação.

“Fiz duas pesquisas sobre slam, uma primeira estudando a trajetória de profissionalização de poetas negras do slam em São Paulo. É muito importante registrar isso e estou transformando essa pesquisa em um documentário para ter registrado. Porque é isso, a minha avó não vai ler as 100 páginas de relatório, mas se tiver um filme, um vídeo, ela vai conseguir entender”

Midria Pereira.

É nessa associação entre suas diversas formas de atuação que a poeta une esforços para colocar a poesia e o trabalho de poetas em evidência. Sua próxima produção será sobre poetas negras surdas dentro do slam, evidenciando o corpo dentro da poesia.

“O mundo entrega muitos marcadores em relação à raça, gênero, sexualidade, classe, e a gente sempre tem que ir criando nossa história, nosso ponto de vista”, finaliza a poeta.

Fábrica de Cultura do Jardim São Luís abre inscrições para curso gratuito de moda

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A formação é voltada para jovens e adultos, e as inscrições estão abertas até o dia 01 de março, presencialmente, na Fábrica de Cultura do Jardim São Luís.

NÚCLEO DE MODA – Desfile Sonhos

Criadores, estilistas e fazedores de moda das periferias de São Paulo têm até 1º de março para se inscrever no curso de formação do Núcleo de Moda das Fábricas de Cultura, para estudos teóricos e práticos sobre moda periférica. Gratuito e com certificado, o curso tem duração de dois anos e contará com módulos bimestrais teóricos sobre criação, negócios e indústria da moda; e módulos práticos em laboratórios de corte e costura.

Podem se inscrever pessoas a partir de 16 anos com alguma experiência em moda: desde uma costura em casa até a administração do próprio negócio, como um brechó. As inscrições são presenciais na Fábrica de Cultura Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo, local em que as aulas serão ministradas. Para a inscrição é necessário apresentar documento com foto e comprovante de residência.

Em dezembro de 2022, participantes da 1ª imersão do Núcleo de Moda desfilaram as peças produzidas de forma colaborativa. | Crédito: Vxldinei Sousa

São disponibilizadas 30 vagas, preenchidas por ordem de inscrição. As aulas do Núcleo de Moda serão ministradas às terças e quintas, das 19h30 às 21h30, sob a supervisão de Jaqueline Loyal, criadora do LOYAL, movimento de moda periférica.

Serviço 

Núcleo de Moda

Período de inscrição: de 1º de fevereiro a 1º de março de 2023.
Gratuito, 30 vagas, preenchidas por ordem de inscrição.

Inscrições presenciais na recepção da Fábrica de Cultura Jardim São Luís.
Endereço: Rua Antônio Ramos Rosa, 651 | Telefone: (11) 5510-5530

Início das aulas: 2 de março de 2023
Período das aulas: terças e quintas das 18h30 às 21h30
Duração da formação: 2 anos

Além do carnaval: comunidades de samba atuam o ano inteiro nos territórios

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Criadas a partir de rodas de samba ou do encontro no futebol, iniciativas movimentam comunidades de samba na quebrada e também são espaços de referência cultural nos territórios.

O Bloco Filhos do Zaire possui uma raiz que representa a ancestralidade africana e foi fundada em 1 de setembro de 2012 (Foto: Acervo pessoal)

Os blocos de rua são uma das atrações mais aguardadas pelos foliões que curtem o carnaval. Na quebrada não é diferente, e ainda conta com blocos de rua tradicionais que fazem parte da história do carnaval nos territórios. Com origens em rodas de samba e times de futebol, iniciativas periféricas como Filhos de Zaire, Bloco do Beco e Samba do Congo são referências culturais ao longo do ano todo nas quebradas.

Esse é o caso da Associação Filhos do Zaire, que surgiu em 2012, no bairro Jardim Matarazzo, no distrito de Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo. A criação da iniciativa foi inspirada em um time de futebol dos anos 70 da região que foi inspirado em uma seleção do continente africano chamado Zaire, que hoje é conhecido como República Democrática do Congo e com intuito de utilizar o carnaval como oportunidade para discutir questões raciais no cotidiano.

“Tem toda essa questão da ancestralidade. Todos os nossos temas em 10 anos de história, independente de qual enredo seja, a gente faz questão de destacar e trazer o olhar sobre a ancestralidade”, afirma Rejane Romano, 44, jornalista e presidenta da Filhos do Zaire.

Rejane, afirma que a atuação dos blocos de rua periféricos também tem o papel de empoderar pessoas que são invisibilizadas no dia a dia de uma grande metrópole como São Paulo. 

“Imagina você, a pessoa que mora na periferia, que pega ônibus lotado pra chegar no trabalho e que acaba sendo só mais uma naquele trem. Mas quando chega na avenida é a musa, a rainha de bateria. Então esse processo é muito importante”

aponta a jornalista.

A presidenta da Filhos do Zaire enfatiza que iniciativas como a escolas e blocos de carnaval que tem suas origens ligada ao território, estão presentes no cotidiano, na vida dos moradores, e que se importam com as famílias do entorno não só durante o período das festas, mas ao longo do ano.

“Os blocos de periferia estão presentes no dia a dia da comunidade, porque a gente sabe da situação de vulnerabilidade. Então essas pessoas têm dos blocos esse apoio, essa possibilidade de ter com quem contar”, afirma Rejane.

Rejane afirmou que as comunidades de samba de periferia estão ligados diretamente ao dia a dia do território e que inclusive, durante a pandemia, o Filhos do Zaire realizou entregas de cestas básicas para a população e também para a equipe que compõe o desfile, principalmente por entenderem que essas famílias precisam ser enxergadas antes durante e depois do período carnavalesco, sem exceção.

Com um nome que representa uma seleção africana composta apenas por jogadores negros, a Filhos do Zaire é uma associação que em 2023 completa 11 anos de existência. Mesmo com tanto tempo de atuação na região de Ermelino Matarazzo, a iniciativa ainda não possui um espaço físico para realizar suas atividades durante o ano. Já conseguiram apoio de alguns espaços para confeccionar as roupas do desfile, realizar ensaios e encontros do grupo, mas Rejane conta que essa é uma dinâmica que dificulta o processo de desenvolvimento.

“A gente sente falta de um lugar nosso para poder fazer girar um caixa para escola, fazendo eventos todo final de semana. O principal desafio é esse, principalmente de não ter como criar possibilidades de manter a subsistência da escola e dos projetos dela”, comenta Rejane.

Mesmo com pouco incentivo público, a presidenta da Filhos do Zaire se sente realizada com o trabalho realizado até aqui.

“A minha motivação é através do maior evento do universo que é o carnaval. Oportunizar que pessoas da quebrada tenham acesso a tudo isso, e mais, que elas acreditem no potencial do carnaval. Porque o carnaval é um espaço de resistência”, conclui Rejane. 

Ponto de referência cultural e educativa no território

Na zona sul de São Paulo, o Bloco do Beco é mais uma iniciativa que movimenta o carnaval de rua na periferia e é um ponto cultural para os moradores. Criada em 2002, no bairro do Jardim Ibirapuera, quebrada localizada no distrito do Jardim São Luís, o Bloco do Beco surgiu das rodas de samba que aconteciam espontaneamente após jogos de futebol em um beco próximo à principal rua do bairro.

“Nada formal, era um espaço de confraternização dos jogadores e apreciadores do futebol de várzea”, compartilha Sabrina Lana, 26, moradora do Jardim Ibirapuera e comunicadora na associação.

Sabrina conta que ainda em 2002, um grupo de sambistas junto com moradores da região do Jardim Ibirapuera, decidiram organizar um desfile de rua. “Dessa primeira experiência nas ruas pipocaram sonhos, a chama se acendeu e todo mundo sabe o que uma chama é capaz de fazer quando existe combustível”, coloca a comunicadora.

As rodas de samba que deram origem ao Bloco do Beco inicialmente eram compostas por batuqueiros de diversas escolas de samba e que tocavam em eventos. Juntos, viram no carnaval de rua uma possibilidade mais acessível para todos e com gastos menores. 

“O carnaval se tornou parte da cultura do bairro Jardim Ibirapuera, fazendo parte do cotidiano dos moradores de todas as idades e se consolidou como um bloco tradicional da zona sul de São Paulo”, afirma Sabrina Lana, moradora do Jardim Ibirapuera e comunicadora no Bloco do Beco.

O primeiro desfile de rua do Bloco do Beco aconteceu em 2002 e no outro ano, em 2003, a Associação foi oficialmente fundada. (Foto: Acervo pessoal)

A integrante do bloco aponta que em determinados momentos se torna um desafio manter viva a cultura do carnaval de rua, principalmente quando se trata da falta de recursos, ausência de parcerias, patrocínios e apoio de órgãos públicos. “O carnaval não se faz apenas com banheiro químico, ambulância e policiamento, estruturas ofertadas pela Prefeitura de São Paulo, ainda mais depois da crise que nosso setor enfrentou”, ressalta Sabrina.

Diferente do bloco Filhos do Zaire, mas também com poucos recursos, o Bloco do Beco conseguiu a conquista do espaço físico no bairro e passaram também a proporcionar oportunidades de formação e vivências para os moradores.

O Bloco articula e gerencia três espaços no território: o Ponto de Cultura Bloco do Beco, a Biblioteca Comunitária Luiza Erundina e o IbiraLab, espaço voltado para produção audiovisual. Com aulas de instrumentos musicais, oficinas de percussão, debates e outras atividades, o Bloco do Beco se tornou uma associação cultural que luta pela garantia do direito à cultura, educação e lazer a todo cidadão.

“Para além do carnaval, hoje atuamos em diversas frentes e trabalhamos todos os dias para construir um espaço de educação integrada, enxergando a cultura como potência transformadora”

coloca Sabrina.

Ela reforça que o acesso à cultura abre novas possibilidades: “Uma aula de percussão não ensina só a tocar um instrumento, ensina respeito, história, afeto, valores que o dinheiro não paga. Aqui já faltou dinheiro, instrumentos, estrutura, mas nunca faltou combustível. Nosso combustível é sonhar, sonhar com um mundo melhor e transformar a nossa quebrada”, afirma Sabrina.

 Encontro de compositores periféricos

“Um colega meu abriu um bar e eu falei que organizava uma roda [de samba] pra ele”. E foi assim que o Samba do Congo surgiu em 2011, na Brasilândia, zona norte de São Paulo, como conta Fernando Ripol, um dos fundadores e representante do Samba do Congo.

“Eu tinha uma ideia de fazer um projeto de composição para as pessoas levarem as músicas que escreveram pra gente tocar e compor junto também”, conta Fernando sobre o início do Samba ainda em 2011. Após o período de um ano que os compositores se encontravam para compor, passaram a ocupar a Casa de Cultura da Brasilândia, onde ficaram por sete anos até conquistarem sua sede em 2018, também no território.

“Fizemos o primeiro [Cordão do Congo]em 2013. Foi bem espontâneo e foi crescendo. Mas a gente sempre teve a filosofia e o entendimento do carnaval de rua de São Paulo em forma de resgate”, aponta Fernando sobre a criação do Cordão que surgiu a partir das rodas de samba.

O carro-chefe do Cordão do Congo é na terça-feira. Toda semana acontecem encontros de compositores e rodas de samba na sede da escola. (Foto: Acervo pessoal)

O intuito do Samba do Congo sempre foi manter viva a essência do carnaval de rua. Fernando enfatiza a característica de ser uma manifestação periférica, que ao longo do tempo foi se tornando elitizado. “A essência do samba é africanista, é periférica e é negra, diga-se de passagem”, coloca.

Em suas composições, o Samba ainda busca homenagear figuras importantes para o território, com a intenção de manter esse legado histórico vivo e na memória coletiva, como por exemplo compositores que fizeram parte do coletivo mas que já faleceram, o embaixador do samba da região chamado Luiz do ‘pandeiro’ e até mesmo o bairro do Morro Grande já foi também prestigiado.

“É gigante a importância do carnaval na periferia, porque é devolver para a periferia o que sempre foi dela. Sempre levando no peito a bandeira do samba e fazendo com que as coisas aconteçam, independente do poder público”

afirma Fernando.

Além do Cordão e das rodas de samba que acontecem toda semana, o Samba do Congo realiza atividades culturais, como encontros de compositores, confraternizações e eventos mensais, seja com ou sem apoio de políticas públicas.

Conheça 10 blocos de rua para curtir o carnaval nas periferias de São Paulo

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 Você acha que só dá para curtir o carnaval saindo da sua quebrada? Saiba que não! Separamos 10 bloquinhos para você curtir o feriado também nas periferias.

Bloco do Beco durante Carnaval de 2020 – Jardim Ibirapuera, zona sul, 22/02/2020. Foto: Divulgação.

Para te ajudar a curtir o carnaval de rua mais perto de casa, separamos 10 blocos carnavalescos que desfilam a partir do dia 18 de fevereiro em várias quebradas de São Paulo.

“O Bloco dos Zatt’revidos foi feito por um coletivo de moradores da Vila Zatt que entendeu a necessidade de se buscar uma alternativa para participação popular no maior evento cultural do país”.

Ademir de Novaes, um dos fundadores do Bloco dos Zatt’revidos, da região de Pirituba, zona norte de São Paulo.

Por mais que a região central e o centro expandido concentrem cerca de 60% dos blocos de carnaval – só a região da Sé receberá 126 desfiles, um quarto dos 507 aprovados pela prefeitura, segundo dados da Secretaria Municipal de Cultura – tem uma galera de quebrada que busca mudar esse cenário, criando iniciativas culturais e sociais nas periferias para democratizar a folia.

“Nosso maior objetivo é trazer para nossa comunidade a magia do carnaval, descentralizar e deselitizar o carnaval de rua.”

Bloco Copo Quebrado, da COHAB Juscelino, região de Guaianases, zona leste de São Paulo.

Tem para vários gostos e estilos: das tradicionais marchinhas, passando por sambas-enredo, sambas clássicos e até baião. Escolha o seu preferido, prepare o look e já chama os amigos e familiares para curtir. De quebra você ainda fortalece a economia e projetos sociais da sua quebrada.

Zona Norte – SP

1. Embondeiro Queixada – Salve o povo da rua!

Comunidade Cultural Quilombaque durante evento em Perus, zona norte de São Paulo, em maio de 2022. Foto: Divulgação.

O bloco afro-percussivo Embondeiro Queixada faz do carnaval da Comunidade Cultural Quilombaque, um movimento político, étnico e cultural regido pelos tambores, com 15 anos de luta e resistência em Perus, zona norte. Por meio de uma proposta afro-religiosa, o bloco saúda os antepassados, pede por proteção e abertura de caminhos, resgatando uma ancestralidade afro-ameríndia.

Data e horário: 18/02/23, às 14h.
Local: Rua Júlio Maciel s/n (em frente à Casa do Hip Hop Perus), entrada do Recanto dos Humildes, Perus, Zona Norte.

2. Bloco dos Zatt’revidos

Desfile Bloco dos Zatt’revidos na Vila Zatt, Pirituba, zona norte de São Paulo, em março de 2019. Foto: Divulgação.

O Bloco dos Zatt’revidos foi criado no final de 2012 por um coletivo de pessoas da Vila Zatt, encabeçado por Ademir de Novaes, em Pirituba, zona norte. Além de realizar o desfile desde 2013, a organização também oferece aulas de percussão e capoeira para as crianças do bairro, que precisam estar matriculadas na escola. O projeto é mantido por meio de rifas, eventos e confecção de abadás feitos pela comunidade. O desfile já se tornou uma referência de lazer e cultura para a região, levando para as ruas mais de 1200 pessoas de todas as idades, ao som de marchinhas típicas e muito samba.

Data e horário: 18/02/23, às 14h.
Local: Rua Jenny Bonilha Costivelli, esquina com Rua Dr. Joe Arruda, Pirituba, Zona Norte.

3. Samba do Balaio do Canjico

Samba do Balaio do Canjico e Samba do Congo. Vale do Anhangabaú, abril de 2022. Foto: Divulgação.

O Samba do Balaio do Canjico existe desde setembro de 2013, e foi criado com o objetivo de promover um encontro da população com o samba. Mantido pela própria comunidade, por meio de vaquinhas, sorteios e vendas de camisetas, blusas e bonés, oferece um desfile que propicia um espaço de confraternização para ser desfrutado por toda a família, com base nos pilares: amizade, alegria, consciência e resistência.

Data e horário: 25/02/23, às 14h.
Local: Rua Raimundo da Cunha Matos – Sítio Morro Grande, Zona Norte.

Zona Sul – SP

4. Bloco do Beco

Bloco do Beco durante Carnaval no Jardim Ibirapuera, zona sul, em 22/02/2020. Foto: Divulgação.

O bloco nasceu no Jd.Ibirapuera, onde muitos batuqueiros da região desfilavam – ou tinham vontade de desfilar – nas grandes escolas de samba, mas precisavam enfrentar obstáculos, como a distância e os gastos. O primeiro desfile ocorreu em 2002 e reuniu cerca de 50 pessoas. Hoje o grupo arrasta mais de 2 mil foliões atrás do trio elétrico, que toca marchinhas, sambas enredos e outros sambas do gosto popular, tornando-se parte da cultura do bairro e se consolidando como um bloco tradicional e ponto cultural na região.

Data e horário: 18/02/23, às 12h.
Local: Rua Salgueiro do Campo, 612 – entre as ruas Margarida de Fátima e Pinhal Velho, próximo ao ponto final do Jardim Ibirapuera, Zona Sul

5. Bloco do Hercu – 10 anos de Re-existência

Bloco do Hercu durante Carnaval no Jardim Herculano, zona sul, em 23/02/2020. Foto: Divulgação.

O Bloco do Hercu é um projeto cultural sem fins lucrativos, organizado de maneira horizontal por seus membros e que desenvolve atividades no Jardim Herculano. Desfilando pelas ruas do bairro desde 2013, propõe a realização de um carnaval popular em que as pessoas possam festejar no bairro onde residem, de forma tranquila e gratuita. Busca fortalecer os laços culturais existentes e estimular a convivência, o espírito comunitário e o senso de pertencimento, através do resgate da arte e magia do carnaval de rua.

Data e horário: 19/02/23, às 11h.
Local: Rua Ignácio Limas (em frente à UBS Jardim Herculano), Jardim Herculano, Zona Sul

6. Bloco Afro É Di Santo – Águas de Axé

O grupo Afro É Di Santo surgiu em 2010, a partir da junção de alguns percussionistas da região do M’Boi Mirim para elaborar projetos musicais: oficinas, shows, workshops e a formação de um bloco de percussão afro-brasileira. O bloco desfila pelas ruas do bairro de Piraporinha, com as cores amarelo e branco. O tema do Carnaval deste ano é “Águas de Axé, nos caminhos do Bloco Afro É Di Santo”, destacando que a água é essencial para a humanidade e um fator elementar na Umbanda e Candomblé, vista como um símbolo potente de renovação, com poder de limpeza, purificação e energização.

Data e horário: 20/02/23, às 14h.
Local: Casa de Cultura do M’Boi Mirim, Avenida Inácio Dias da Silva, Piraporinha, Zona Sul.

Zona Leste – SP

7. Cordão Sucatas Ambulantes – Bloco Caras e Caretas para espantar a caramunha

Sucatas Ambulantes na Praça Brasil, COHAB 2, zona leste, em dezembro de 2019. Foto: Divulgação.

Fundado em 2007, o Cordão Folclórico de Itaquera “Sucatas Ambulantes” é um grupo de pesquisa e valorização da cultura popular que confecciona diversos tipos de bonecos, realiza cortejos de rua e blocos carnavalescos. Com influência de grupos como o Cordão Folclórico de Tatuí fundado em 1928, Cabeções Vovô da Serra do Japi de Pirapora do Bom Jesus e dos Gigantões de São Luiz de Paraitinga, o cordão vai às ruas com a batucada do samba de bumbo, contribuindo com a preservação de uma das expressões mais antigas do carnaval.

Data e horário: 19/02/23, às 15h.
Local: Praça Brasil, Av. Nagib Farah Maluf, Conj. Res. José Bonifácio, Zona Leste.

8. Bloco do Sabota

Bloco do Sabota durante desfile de Carnaval no Jardim Samara, zona leste, em 05/03/2019. Foto: Divulgação.

O Bloco do Sabota foi fundado no final de 2017 pela torcida do time de futebol Família Sabotagem, do Jardim Samara, zona leste – que já era conhecido pelo esporte e pelo samba na beirada de campo. Criado para unir a comunidade e espalhar alegria pelas ruas do bairro, o primeiro desfile ocorreu em 2018 e levou cerca de 1.500 pessoas às ruas para seguir a bateria do bloco, tocando sambas-enredo e marchinhas de carnaval. Segundo os organizadores, o sucesso do evento deu-se por conta da fórmula: amor + amizade + vontade.

Data e horário: 21/02/23, a partir das 12h.
Local: Avenida Professor Xavier de Lima, em frente à escola Humberto de Campos, Vila Matilde, Zona Leste.

9. Bloco do Baião

Bloco do Baião e Sacha Arcanjo e Alzira Viana (ao centro) – homenageados do desfile deste ano, em 09/02/23. Foto: Divulgação.

O Bloco do Baião foi criado pelo Mestre Lua 2012, para homenagear o Centenário de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, na Praça do Forró, em São Miguel Paulista, zona leste, com um grande cortejo que passou por pontos turísticos do bairro, até chegar à Casa de Farinha. Em 2023, o grupo fará homenagem a dois mestres de cultura do bairro de São Miguel Paulista: Sacha Arcanjo e Alzira Viana, fundadores da Praça do Forró e do Bloco do Baião.

Data e horário: 21/02/23, às 17h (Carnaval de Rua de São Miguel Paulista – das 12h Às 21h)
Local: Avenida Deputado Doutor José Aristodemo Pinotti, 1100, entre a Avenida Nordestina e a Moacir Dantas do Itapicuru, São Miguel Paulista, Zona Leste.

10. Bloco Copo Quebrado

Bloco Copo Quebrado durante desfile de Carnaval passado, na COHAB Juscelino, zona leste. Foto: Divulgação.

O bloco foi criado em janeiro de 2017, na COHAB Juscelino, em Guaianases, zona leste de São Paulo, com o objetivo de levar arte e cultura para a comunidade e aproximar a magia do carnaval. Suas cores vermelho, azul, amarelo e preto representam, respectivamente, a capa de São Jorge, o manto da Nossa Senhora Aparecida, o povo (que apresenta como seu maior tesouro) e a luta contra o preconceito, seja racial, religioso, de gênero etc.

Data e horário: 21/02/23, às 12h.
Local: Avenida Utaro Kanai, número 795 a 120, COHAB Juscelino Kubitscheck de Oliveira, Guaianases, Zona Leste.

Agentes culturais se articulam contra terceirização das Casas de Cultura em São Paulo

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Articuladores locais apontam que o processo de terceirização impacta trabalhadores da cultura e o diálogo direto com iniciativas culturais dos territórios.

Reunião da Subcomissão de Cultura em 06/02/23. Foto: Arquivo SOS Casas de Cultura.

O chamamento para OSCs (Organizações da Sociedade Civil) concorrerem à administração das Casas de Cultura de São Paulo, foi colocado para conhecimento público no dia 16 de dezembro de 2022, pela Secretaria Municipal de Cultura. No total, são 20 Casas de Cultura espalhadas pelo território e através da construção feita por articuladores, coletivos e iniciativas locais, se tornaram patrimônios culturais das periferias.

A mobilização SOS Casas de Cultura, composta por trabalhadoras da cultura, como jovens monitores culturais, artistas autônomos e ativistas periféricos, tem se mobilizado para dialogar sobre as dificuldades que a possibilidade de terceirização desses espaços representa.

Plenária realizada dia 18/01/2023 junto com o SOS Casas de Cultura
Plenária realizada dia 18/01/2023 junto com o SOS Casas de Cultura

“Não existe diálogo por parte do poder executivo na pessoa do prefeito Ricardo Nunes e da secretária de cultura Aline Torres. Eles não abriram os processos de participação da sociedade civil organizada para discutir esse projeto que eles têm de privatização”, afirma Aurélio Prates, agente cultural e integrante do movimento SOS Casas de Cultura, sobre a falta de diálogo e decisões tomadas sem consultas públicas.

“Já teve 9 audiências públicas onde em nenhuma eles [Ricardo Nunes e Aline Torres] apareceram. Até foi dito para o chefe de gabinete lá em março de 2022 que não existia nenhum estudo acerca dessa possível privatização, e no final do ano [2022], em um momento de férias, isso foi colocado a público”.

Aurélio Prates, ativista cultural e integrante do movimento SOS Casas de Cultura

O agente cultural pontua que o movimento SOS Casas de Cultura nasce a serviço da construção de políticas públicas culturais, pautadas no que é público, “no orçamento de uma cidade bilionária”. Ele também reforça que mesmo o chamamento tendo sido aberto no período próximo ao recesso, “com muita pressão foi prorrogado até dia 30 de janeiro e seguimos lutando para barrar e propor outras formas de gerenciar os serviços públicos em São Paulo”.

Aurélio aponta que esse movimento em torno das Casas de Cultura é uma política estrutural do governo de Ricardo Nunes.

“A partir de João Dória e Ricardo Nunes, temos a política de desestatização. Eles usam a máquina pública municipal para vender tudo que é público. Eles acreditam nesse investimento do quanto mais enxuto for a participação do estado, melhor é. Quando na verdade, diminuir sua responsabilidade enquanto estado é injetar grana em empresas, OS, que usam indevidamente o dinheiro público”, aponta Aurélio. 

“O casarão é nosso!”  

Morgana Sales, 35, moradora do Parque Edu Chaves, na zona norte de São Paulo, é artista, educadora e oficineira no Casarão Vila Guilherme, uma das casas de cultura que entrou no processo de privatização. Ela conta que sua relação com a cultura está diretamente atrelada ao Casarão.

“Antes era uma casa abandonada. Os artistas e moradores locais ocuparam esse espaço e foi assim que começamos a fomentar a cultura. É um espaço fruto de ocupação popular, é um espaço muito nosso”, afirma a educadora.

Morgana ainda ressalta a importância de uma gestão que se propõe a abrir as portas e deixar os artistas e coletivos locais ocuparem e co-criarem a programação.

“Essa gestão [atual] tem um olhar muito sensível para o território e para a demanda de estar propondo cultura na periferia. Os participantes conhecem a gestão pelo nome, é um diálogo de fato, e a ideia é que siga ocorrendo.Ter uma gestão que considera, que ouve e dialoga, transforma o espaço”.

Morgana Sales, moradora do Parque Edu Chaves, na zona norte de São Paulo, é artista, educadora e oficineira no Casarão Vila Guilherme.

Ela conta que o impacto da licitação já está acontecendo com as oficinas de longa duração suspensas. “E se a gente for pensar na remuneração, o edital que eu estou hoje da prefeitura paga um valor, agora, o valor da hora aula que as OSCs oferecem no CEUs, por exemplo, é muito baixo. Ou seja, o impacto vai vir para os trabalhadores que vão receber muito menos e para a comunidade.”

Reunião geral realizada no Casarão Vila Guilherme em 01/02/2023. Foto: Arquivo SOS Casas de Cultura.

“Precarização hoje é utilizada para justificar uma terceirização desses espaços” 

Elaine Mineiro, vereadora da mandata Quilombo Periférico, preside à subcomissão de Cultura, e aponta que a precarização das Casas de Cultura é um projeto. “Elas passaram por um processo contínuo de precarização, uma falta absurda de funcionários, falta de política estruturante, não se segue a lei que indica que essas casas precisam de conselhos participativos e deliberativos para o seu funcionamento, e essa precarização hoje é utilizada para justificar uma terceirização desses espaços”, afirma.

A vereadora ressalta que até o momento não tem como medir o impacto desse processo no território, que ainda não é nítido o plano da Prefeitura, mas que é possível observar que onde existe a gestão de OS, se encontra uma precarização.

“Essas casas de cultura foram construídas em territórios periféricos justamente para atender as especificidades de cada território, para que houvesse uma coordenação de cada território, um conselho gestor do território, para ser um espaço que acolhe arte que é produzida na periferia, e não apenas um espaço de circulação de arte de outros territórios”.

Elaine Mineiro, vereadora da mandata Quilombo Periférico e presidente da subcomissão de Cultura.

A vereadora comenta que a mandata já protocolou um pedido de audiência pública sobre as Casas de Cultura com a presença da Secretária de Cultura Aline Torres e do Prefeito Ricardo Nunes. Essa solicitação será votada nos próximos dias na Comissão de Finanças.

“A gente entende que a secretária precisa dar explicações sobre qual o impacto dessa terceirização, qual o motivo de fato, quais foram os estudos que a Secretaria Municipal de Cultura e o executivo fez que viabiliza a ideia de terceirização”.

Elaine Mineiro, vereadora da mandata Quilombo Periférico e presidente da subcomissão de Cultura.

Além disso, Elaine pontua sobre as ameaças que trabalhadores da cultura estão recebendo por chamar esse processo de privatização. Segundo ela, a secretária de cultura ameaçou denunciar como fake news e acusar na justiça todos aqueles que chamarem o processo de privatização. Os movimentos reafirmam como privatização o processo de tirar a gestão da administração pública e colocar na mão de instituições.

“O que não pode acontecer é que quando esses trabalhadores, militantes, artistas fazem esse tipo de denúncia sejam ameaçados pela Secretaria Municipal de Cultura para que não se manifestem mais, e isso estamos de olho e não vamos permitir que aconteça”, finaliza Elaine.

Transarau realizado dia 25/01/23 no Centro Cultural São Paulo, com microfone aberto para os trabalhadores da cultura e o SOS Casas de Cultura. Foto: Arquivo SOS Casas de Cultura.

O que diz a Secretaria Municipal de Cultura 

Entramos em contato com a assessoria da Secretaria Municipal de Cultura, mas não pontuaram sobre como tem se dado o diálogo com os movimentos e artistas para ouvir as demandas e sugestões dos agentes locais.

A assessoria pontuou que “o modelo de gestão compartilhada segue o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), regulamentado pela Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, e é utilizado com sucesso em outras iniciativas da Secretaria, como a EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) e o Programa Jovem Monitor”.

E afirmam que o edital garante que todas as atividades oferecidas continuem gratuitas e permaneçam ligadas ao território. “Nos documentos disponíveis para consulta pública, através da plataforma Participe +, há diversas referências para que a linha curatorial das Casas de Cultura leve em consideração atividades ligadas aos territórios”, disse a assessoria.

Trabalhadores da cultura, junto com a mobilização do SOS Casas de Cultura, seguem reivindicando uma audiência pública com o Prefeito Ricardo Nunes e a Secrétaria de Cultura Aline Torres, além da instituição de Conselhos Deliberativos para as Casas de Cultura.