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Espetáculo discute evasão escolar na perspectiva de jovens periféricos

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Com apresentações gratuitas, a peça “O sinal tocou e eu ainda não cheguei” reflete sobre as ausências que levam à evasão escolar nas periferias.

Apresentação do grupo Coro de Teatro. Foto: Toscani

Entre os dias 25 de fevereiro a 05 de março, o grupo Coro de Teatro apresenta a peça “O sinal tocou e eu ainda não cheguei”, que através do debate sobre evasão escolar busca apresentar uma alternativa a situação por meio da cultura hip-hop. A ideia da peça surgiu da vontade do grupo em construir um espetáculo que fosse próximo de sua realidade.

O espetáculo é gratuito e acontece no dia 25/02, no CEU Feitiço da Vila, com apresentações às 15h e 19h; e nos dias 04/03 e 05/03, às 19h, na Casa de Cultura do Campo Limpo. Como parte da agenda do grupo, no mês de abril realizam uma oficina de Teatro Hip-Hop, também no CEU Feitiço da Vila, localizado na Chácara Santa Maria, zona sul de São Paulo.

O cenário da peça é uma escola pública da periferia, com jovens de diferentes personalidades que estão para fazer uma prova de recuperação para concluir o Ensino Médio. Suas histórias são contadas e rimadas com ajuda de elementos da cultura hip-hop e a vivência dos próprios atores, criando um debate sobre como diversos conflitos e ausência de políticas públicas na quebrada podem caminhar até a evasão escolar.

O grupo Coro de Teatro foi formado em 2021, por estudantes de teatro com propostas semelhantes e com uma vontade coletiva em refletir sobre as situações que passam no cotidiano de quem está ‘da ponte pra cá’, nas periferias, assim como eles.

Serviço

O sinal tocou e eu ainda não cheguei – Drama, 60 minutos, classificação: 12 anos, grátis.

Data: 25/02, às 15h e às 19h.
Local: CEU Feitiço da Vila
Endereço: R. Feitiço da Vila, 399 – Chácara Santa Maria, São Paulo – SP, 05879-000

Data: 04 e 05/03, às 19h.
Local: Casa de Cultura do Campo Limpo
Endereço: R. Aroldo de Azevedo, 100 – Jardim Bom Refugio, São Paulo – SP, 05788-230
Instagram: Coro de Teatro

A corrida do hoje

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Esses dias me peguei pensando o quanto me subestimo.

Esses dias me peguei pensando o quanto me subestimo. Sabe, às vezes nós mesmos duvidamos do nosso potencial, de quanto podemos realizar e correr atrás dos nossos sonhos.

Já rolou isso com você? 

Eu fico num looping infinito, e toda vez é como se o mesmo filme se repetisse de novo…. de novo… e de novo.

E é como se nada realizasse. 

Um filme entre sobreviver, não ter, a dúvida incessante de quando conseguirei, de quando terá trabalho.

Ter que se manter e sobreviver acho que hoje é o que faz a maioria das pessoas desistirem de correr atrás daquele sonho que tanto almeja, mas que muitos nos chamam de loucos.

Para nós da periferia a correria é tão mais dobrada. É correr para dois lados ao mesmo tempo.

Nós estamos em dois lugares ao mesmo tempo nessa corrida, a corrida para poder comer e sobreviver, e a corrida para tentar sonhar e viver, que loucura!

Quero expressar hoje o que talvez milhões de autônomos vivem. Correr atrás daquilo que acreditamos dói, ir contra a maré dói, não seguir o que todos fazem pode parecer loucura, mas eu ainda prefiro acreditar em meus sonhos, lutar e correr por eles até se realizarem.

Se vão se realizar? Não sei, mas isso é tema pra outro texto.

Coletivo Labirinto de Palavras realiza oficina de escrita poética em Parelheiros

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Voltada para jovens entre 14 e 29 anos, as atividades são gratuitas e acontecem até o dia 11 de fevereiro.

Foto: Coletivo Labirinto de Palavras

O Coletivo Labirinto de Palavras realiza até o dia 11 de fevereiro, um ciclo de oficinas sobre escrita poética para jovens entre 14 e 29 anos no Parque Nascentes do Ribeirão Colônia, localizado no bairro do Jardim Novo Parelheiros, zona sul da capital paulista. As atividades são gratuitas e para participar é necessário preencher este formulário.

A atividade é dividida por períodos: na parte da manhã, das 9h às 11h30, a oficina tem como tema a “Escrita narrativa criativa, como conto uma estória?”. No período da tarde, das 14h às 16h30, a temática do encontro é “Escrita poética, ferramentas e disparadores.”

Os encontros iniciaram no dia 21 de janeiro, mas ainda é possível participar das últimas oficinas, nos dias 04 e 11 de fevereiro. As atividades de escrita poética fazem parte do projeto “Que escrita é essa?”, que visa estreitar o acesso à escrita a jovens periféricos por meio da produção literária.

Formado por três jovens escritores da periferia da zona sul de São Paulo, o Coletivo Labirinto de Palavras surge do encontro por meio da escrita entre os autores e pela demanda de popularizar a escrita poética na quebrada.

Foto: Coletivo Labirinto de Palavras

Serviço 

Oficina de escrita poética com o coletivo Labirinto de Palavras

Data: Sábados, dias 04 e 11 de fevereiro
Horário: 9h às 11h30 e 14h às 16h30.
Inscrições: Formulário
Local: Parque Nascentes do Ribeirão Colônia
Endereço: Estr. Da Colônia Marinho Remberg Christle, 2500 – Jardim Novo Parelheiros, São Paulo – SP
Mais informações: Instagram do coletivo Labirinto de Palavras

Exposição reúne obras de artistas negros, indígenas e periféricos na cidade de SP

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Com visitação gratuita de terça a domingo, a exposição realizada no Museu da Cidade, destaca as múltiplas linguagens dos artistas participantes.

Foto: Pedro Salvador (Periferia em Movimento)

Com realização do Museu da Cidade, a exposição ‘Intersecções: Negros (as) indígenas e periféricos(as) na Cidade de São Paulo’ conta com mais de 300 obras entre fotografias, pinturas, vídeos, instrumentos musicais e figurinos de diversas linguagens artísticas produzidos por mais de 100 artistas paulistanos nos últimos 40 anos.

A exposição apresenta movimentos artísticos e culturais que contribuíram não somente para fomentar as narrativas negras, indígenas e periféricas na cidade nos últimos 40 anos, como também foram fundamentais para a construção do que entendemos como cultura paulistana nos dias atuais.

“Essa exposição parte de um pensamento decolonial. Se hoje a gente tem um processo crítico em relação à produção intelectual e cultural se deve a esses movimentos que ajudaram a construir esse campo de arte-ativismo que temos hoje.”

Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta e co-curadora da exposição

Territórios, Sujeitos e Imaginários 

“Essa exposição vai proporcionar ao público imergir numa contação de histórias sobre quem se é quanto indivíduos negros, periféricos e indígenas”.

Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta e co-curadora da exposição

A exposição busca proporcionar aos visitantes memórias e reconhecimento do processo de formação de identidades e movimentos culturais a partir de eixos que lembram “Territórios”, como o Centro Cultural Quilombaque; “Sujeitos”, com aos vídeos da equipe de baile Black Mad e Zezão Eventos, assim como para os populares fluxos que ocorrem nas comunidades de Heliópolis e Paraisópolis, e “Imaginários”, com uma reflexão que gira em torno da popularização da expressão “da ponte pra cá” e do futebol de várzea.

“Não dá para pensar a vida cultural de São Paulo sem o rap, o pagode, o fluxo, a literatura de quebrada, o grafitti, a moda forjada pela juventude preta. Tentamos construir um panorama dessas produções que, se para muitos é desconhecida, para muitos outros foram responsáveis pela construção de suas identidades.”

Nabor Júnior, jornalista e co-curador da exposição.

Foto: Nego Junior

Realidades em retratos 

Em formato imersivo e cronológico, a exposição conecta os conceitos de negritude, periférico e indígena, sem sobrepor uns aos outros, compreendendo essas zonas de cruzamento e horizontalidade. A exposição também proporcionará o contato com obras e experiências inéditas.

A exposição busca também situar o público de que o povo indígena está às margens da cidade, e por isso também compõe sua periferia, além de possibilitar o acesso à conhecimentos como o fato de que somente no município de São Paulo existem mais de 20 aldeias e inclusive uma cachoeira.

Dentro da exposição é possível ter o contato visual com elementos naturais da aldeia, como a água da cachoeira Capivari da terra Tenondé, que é a única e última com água limpa dentro do município de São Paulo.

Outras experiências inéditas serão a exibição de duas pinturas do artista plástico Sidney Amaral, além de um estandarte do bloco Ilu Inã, de autoria de Dona Jacira.

Carnaval: samba, pagode e blocos afro 

A exposição também traz elementos que rememoram as narrativas de como a celebração do carnaval, por meio dos blocos afro, das rodas de samba e do pagode dos anos 90, fizeram parte dessa construção. Manifestações como o Samba da Vela, o Pagode da 27, os blocos afro Ilu Obá de Min e Ilu Inã são exaltados durante o percurso da exposição.

Serviço 

Exposição Intersecções: Negros (as) indígenas e periféricos(as) na Cidade de São Paulo

Local: Solar da Marquesa de Santos e Casa da Imagem/Museu da Cidade de São Paulo
Endereço: R. Roberto Simonsen, 136 e 136B – Centro Histórico de São Paulo, São Paulo – SP, CEP 01017-020.
Período de visitação: Terça a domingo, das 09h às 16h, até 28/07/2023.

A ameaça de terceirização das Casas de Cultura de São Paulo

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Ameaça de privatização e a perspectiva crítica dos efeitos danosos à cultura e a população das periferias.

Movimento Cultural das Periferias de São Paulo durante audiência pública, realizada na última sexta-feira, 13, sobre discussão do processo de terceirização da gestão das Casas de Cultura do município de São Paulo. Foto: Gustavo Pagador

A ideia privatizar um espaço cultural é completamente absurda e precisa ser fortemente combatida. Isto é especialmente verdade na cidade de São Paulo, onde as Casas de Cultura são parte fundamental da identidade da cidade e parte essencial de sua vida cultural. A cultura da periferia é democrática, pública, fundada na solidariedade e na coletividade. Mas está sob ataque da Gestão do prefeito Ricardo Nunes.

Criadas em 1992, na Gestão da então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina e implementada pela então Secretária de Cultura: Marilena Chauí, as Casas de Cultura na Cidade de São Paulo têm sido a pedra angular da gestão pública da cultura por décadas, proporcionando um espaço de livre expressão e uma plataforma para que a comunidade se una. Principalmente nos territórios periféricos onde elas são um farol de esperança em uma cidade que tem sido atormentada pela desigualdade e pobreza, oferecendo um espaço de consolo e solidariedade para aqueles que mais precisam dela.

Imagem de arquivo da Casa de Cultura M’boi Mirim

Para entendermos a gravidade do que está em jogo, é preciso voltar no tempo. Em fevereiro de 2022, uma matéria na folha, anunciou a intenção da Secretaria Municipal de Cultura, na figura da secretária Aline Torres em repassar a gestão das casas de cultura para OSC’s (Organizações da Sociedade Civil). A partir dessa notícia, diversas investidas foram feitas para que a Secretária viesse a público falar abertamente sobre as intenções de terceirizar os serviços.

Porém, em um edital, colocado em conhecimento público no dia 16 de dezembro de 2022, na calada do recesso de final de ano, a secretária sob o consentimento da gestão do Prefeito Ricardo Nunes, tornou público o chamamento de OSC’s (Organizações da Sociedade Civil) para concorrerem a administrarem indiretamente as casas de cultura.Isso se deu sem nenhuma consulta pública ou nem mesmo um debate com os movimentos culturais da cidade de São Paulo, pois a secretária e o Prefeito tem como prática evitar o comparecimento em audiências públicas.O edital prevê o valor de aproximadamente 170 milhões de reais que serão passados para as OSC’s em 5 anos, podendo ser revisto em 2 anos de execução do contrato. O edital também deixa a possibilidade de entidades religiosas e internacionais poderem concorrer a administração dos espaços.

Sabemos que a tentativa de privatização e monetização dos aparelhos públicos é uma estratégia política da gestão Nunes. Na campanha de 2020, em que o prefeito era então vice na chapa com o Bruno Covas, Nunes era defensor das creches conveniadas e foi retirado de campo quando foi apurado o seu envolvimento direto com OSC”s. No decorrer do mandato vimos setores da educação, assistência social, saúde e o serviço funerário sendo totalmente dados de mão beijada para OSC’s. O que se provou ser uma atitude bastante equivocada, pois os serviços perderam a qualidade e a transparência na prestação de contas ficou totalmente prejudicada pela falta de fiscalização.

A privatização da cultura seria um desastre para a cidade de São Paulo. Significaria que as Casas de Cultura não seriam mais administradas pela cidade e seus moradores, mas por empresas privadas que podem não ter o mesmo compromisso de servir ao bem público. Significaria também que os serviços prestados pelas Casas de Cultura se tornariam exclusivos para “poucos”, e o livre acesso à cultura e às artes que tradicionalmente prestam não estaria mais disponível para aqueles que vivem em territórios periféricos. Eventos importantes como o “Panelafro”, “Noite dos Tambores, “Mostra cultural da Cooperifa”, etc, que acontecem na Casa Popular de Cultura de M’Boi Mirim, a primeira a ser implementada, correm o risco de ter dificuldades para acontecerem.

As Casas de Cultura na Cidade de São Paulo não são apenas um bem para a cidade, elas são parte essencial da identidade da cidade e de sua vida cultural. Privatizar tal parte integrante da cidade não seria nada menos do que um crime. Devemos defender as Casas de Cultura, a administração pública e os territórios periféricos, e deixar bem “escurecido” que a cultura não está à venda e vai ter luta! 

A vitória de Lula é o fim do golpe?

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A vitória de Lula e a derrota de Bolsonaro com uma diferença relativamente pequena simboliza o grau da crise de valores humanos.

Foto: EVARISTO SA/AFP/JC

Estamos fechando o ano de 2022 com uma mudança significativa do rumo político da administração pública do Governo Federal. A vitória de Lula e a derrota de Bolsonaro com uma diferença relativamente pequena simboliza o grau da crise de valores humanos.

O ano de 2022 foi marcado pelo fim de um governo propositalmente excludente, mas também representa o início de um novo ciclo de edificação da democracia. Desde as eleições de 2014, entre Dilma e Aécio, que prenunciaram uma ruptura ainda maior, com apoio em larga escala da “grande mídia tradicional”, às instâncias reguladoras dos três poderes.

Passamos desde aquele período por marchas que convocavam o fechamento do congresso e ditadura. Disso, passaram aos pedidos golpistas de impeachment em 2016, que afastou Dilma, fortaleceu a ala mais conservadora de extrema direita, violenta e predatória do poder e do orçamento.

Aécio, que questionou o resultado das eleições, já não era “O” protagonista naquele momento da liderança no processo de golpe. Tudo foi organicamente alinhado no parlamento, no judiciário, entre empresários e ex-chefes de autarquias do governo que estavam sendo investigados pela operação “Lava-jato”.

A ideia era que o impeachment retardaria as investigações, enfraqueceria o PT e serviria como bode expiatório da explicação do “mal funcionamento” das instituições públicas e da corrupção moral do poder político. 

Ao mesmo tempo, entregaria de bandeja a cabeça de figuras importantes do PT em troca de benefícios em condenações para “investigados delatores”, holofotes e tapete vermelho para o juiz e o procurador que lideram os processos e, o ganho da fama e de capital político tornaram o PT, o Lula e seus aliados objeto de desejo e cobiça.

Era preciso, na frase de Romero Jucá, um “acordo com o supremo, com tudo”. Entretanto, na política não há vácuo de poder. Temer, o vice que assumiu o poder e orquestrou o golpe, tinha baixa popularidade e todo seu mandato foi marcado por manifestações e investigações.

Mesmo assim, conseguiu aprovar a PEC do teto de gastos, com endosso do impeachment justificado pelas “pedaladas fiscais”, limitaram gastos essenciais e enfraqueceram instituições fundamentais ligadas principalmente às minorias numéricas, políticas, mas também ao desenvolvimento do acesso à pesquisa, educação, saúde e etc.

Dali em diante, se “O Mercado” vinha demonstrando insatisfação com a falta de concessões da presidente petista, com a sua saída “O Mercado”, tornou- se uma entidade reguladora e avaliadora de políticas públicas, programas sociais, orçamento público.

Foram inúmeras as emendas, leis e decretos aprovados que degradam políticas sociais e direitos coletivos da sociedade civil.

Tudo isso, enquanto uma grande e extensa relação entre investidores, juízes e jornalistas criaram uma narrativa de que a corrupção e a crise que se arrastava desde 2014, era decorrente de uma “corrupção moral” do petismo, orquestrada por uma “quadrilha” liderada por Lula, o que se converteu em todo símbolo de degradação moral e de valores conservadores, cristãos e da família nuclear heteronormativa.

Esse texto é uma síntese da minha memória de como chegamos até aqui. Antes de continuar é importante dizer que é impossível descrever detalhadamente todos os acontecimentos significativos que conduziram o Brasil a ter um presidente elogiado por nazistas, odiado por ambientalistas e que dividiu as favelas e quebradas nessas eleições. 

Falar em primeira pessoa é reviver parte desses acontecimentos. Dilma foi meu primeiro voto, eu tinha 18 anos, em 2014. No ano seguinte, eu estava na universidade, eufórico, com medo, há 800 km de casa.

Acessei na universidade programas federais de bolsas oferecidos pela Capes, – foge o nome da memória, mas – também do fundão da Leste nas divisas entre Kemel e Itaim Paulista, da cidade de São paulo, viajei e pude me hospedar em hotéis para apresentar trabalhos e participar de eventos científicos tudo através de programas do governo. Tudo era novo e eu transbordava esperança.

Eu nunca imaginei ser o primeiro da família a entrar na universidade. Ser cotista. Ter um diploma. Mas era possível, então eu tentei e tudo era favorável. Haviam diversos programas de incentivo a pesquisa da graduação à pós-graduação, mesmo que alguns fossem elitistas na garantia ao acesso.

Mas, voltando à síntese de “como chegamos até aqui”, foi justamente a coincidência do momento em que ingressei no ensino superior, que fui espectador da decomposição da democracia e o desgaste das relações entre os três poderes.

Ouvimos muito dizer que 2020 foi um ano atípico pela pandemia, mas naquele 2018 havia um ar apocalíptico que se arrastaria nos próximos 4 anos seguintes, no Brasil. 

Moro ainda era juiz e tinha um papel a cumprir para executar o afastamento do principal candidato na corrida eleitoral, Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas antes disso o governo Temer aprovou uma intervenção militar no governo do Estado do Rio de Janeiro (RJ), em 16 de fevereiro, 11 dias depois uma frase que revela a anatomia do golpe em curso, feita pelo então interventor e vice da campanha de Jair Messias, no ano de 2022, o general da reserva Walter Braga Netto diz, no dia 27 de fevereiro, “o Rio de Janeiro é um laboratório para o Brasil”.

Em 14 de março daquele ano, a vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes (seu motorista) foram assassinados numa emboscada. Marielle era relatora da comissão que tinha a função de avaliar intervenção militar no RJ.

Justamente porque parte significativa da população brasileira comunga dos mesmos valores violentos e atrasados.

Bolsonaro se tornou peça central no processo de continuidade do golpe, que envolveu múltiplos projetos: o dos militares, representado pelos generais Heleno e Braga Netto; dos lava-jatistas, pelo juiz Moro e o procurador Deltan Dallagnol; e o que ganhou mais poder e força política do que nunca antes visto, as milícias representadas pela “Família Bolsonaro”.

O “quarto poder” dessa “fusão”, está representado pelas forças parasitárias e fisiológicas que estão cravejadas no legislativo: as bancadas da bíblia, do boi e a bancada da bala (que não é o mesmo que milícias, mas se confundem).

Por obra do destino, ou mera coincidência, o interventor que foi candidato a vice e o presidente com relação com a milícia em busca de reeleição, têm algo em comum: o interventor comandava as forças de investigação e inteligência naquele Rio que matou a vereadora; Bolsonaro tinha como vizinho, num condominio fechado, um dos envolvidos no assassinato (que era um velho conhecido da família, mas também da segurança pública).

Os últimos 4 anos significaram o aprofundamento do projeto político patrimonialista desses quatro protagonistas no golpe e de suas lutas pelo poder. Cada um deles vêem o Estado como o quintal de casa à sua maneira.

Os militares alçaram o poder como nunca antes visto, tendo mais de 8 mil oficiais ativos e da reserva em cargos civis. A milícia instrumentalizou a máquina pública para fortalecer diversas práticas criminosas: grilagem de terras, garimpo ilegal, expansão do acesso à armas de fogo para o tráfico de armas e crescimento do seu arsenal, flexibilização do combate ao trabalho escravo, a busca pelo excludente de ilicitude, e por aí vai.

Parte dos objetivos de cada grupo se cruzam, e acabaram fortalecendo a dinâmica de degradação de políticas públicas ambientais, trabalhistas, de saúde, educacionais e econômicas (o então ministro da economia, Paulo Guedes, inclusive, chegou a se beneficiar com a especulação do valor do dólar).

Por último, o mais cruel dos crimes, foi a proposital má condução do combate à pandemia. Mas só investigações e a pesquisa histórico-ciêntifica poderão responder a determinadas coincidências.

Múltiplos esforços de todas as áreas possíveis foram realizados no esforço de contenção e de efeitos da propagação da pandemia. Os movimentos negros, liderados pela iniciativa da Coalizão Negra por Direitos, juntou maus de 20 milhões de reais e entregou centenas de milhares de alimentos para famílias negras e periféricas de todo Brasil.

Mas a pecha de “genocida” que marcou esses últimos três anos é a certeza da capacidade destrutiva da ideologia militar, da reação conservadora e a esquizofrenia liberal em relação ao futuro da administração pública da política.

A sensação mais desumana de todo esse processo é ter se habituado com a “estabilização” do número de mortes por covid. Alcançar o número de 694 mil mortes é uma tragédia e cada história, cada rosto, os calos nas mãos de quem trabalhou e não pode voltar para casa, às súplicas para não morrer sem ar, os casos subnotificados, todos anseiam por justiça.

Aécio Neves, Eduardo Cunha, Temer e Sérgio Moro nos trouxeram a Jair Messias Bolsonaro: um militar e político sociopata, corrupto e aficionado pela pulsão de morte, que de março, de 2014, quando comemorou os 50 anos do Golpe Militar caminhou ao estímulo a um golpe ao final de seu mandato no ano de 2022. 

Antes de responder a questão do fim do golpe, é importante pontuar que não podemos anistiar os criminosos da pandemia.

Em meados de 2020, Donald Trump, defendeu o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, sendo acionista da Sanofi, empresa que produz o medicamento. Ken Fisher, administradora da empresa dos remédios, era doadora do partido de Trump.

Apesar do anseio de que ele funcionasse, estudos comprovaram a ineficácia e malefícios do uso das drogas.

Entretanto, curiosamente, o presidente brasileiro convocou uma equipe formada por médicos e empresários do ramo da saúde e passou a propagandear o uso do “kit covid”, estimulando a distribuição no SUS e a compra nas farmácias, enquanto subiam às mortes.

Inclusive, o governo optou por não realizar a compra antecipada de vacinas, estimulando a compra e o uso do medicamento ineficaz e realizando campanha conspiracionista contra o uso de vacinas.

Durante a pandemia, o governo cometeu todo tipo de atrocidade, enquanto milhares agonizavam por um tanque de oxigênio. O governo ocultou dados de mortes de covid por cor ou raça, e nada aconteceu.

Muita coisa aconteceu, e ainda não temos dimensão das mudanças causadas pelo golpe em longo prazo. Mas temos noção do que isso significou no agora.

Das emergências climáticas às ameaças de “intervenção federal”, o golpe só acabará quando:

Vencemos uma batalha, mas como vencer a guerra contra golpistas? O povo está preparado para tudo: para revolução e para um golpe, que vença a esperança.

Moradoras das periferias apontam os serviços públicos que precisam de maior atenção no início do governo Lula

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Com base nas desigualdades sociais que afetam o cotidiano das moradoras das periferias, o Desenrola entrevista mulheres que apontam quais serviços públicos devem ser prioridade nos primeiros 30 dias do governo Lula. 

Faltando 11 dias para a posse do presidente Lula (PT), mulheres moradoras das periferias de São Paulo e Taboão da Serra, elegem uma lista de prioridades da nova equipe de Ministros, para passarem por melhorias no início do novo mandato.

“Eu acho que deve priorizar a saúde, educação e a segurança pública”, Michele Gomes Bernardo, 40, moradora do Jardim São Judas, um dos bairros periféricos da cidade de Taboão da Serra.

Michele espera que Lula, sua equipe de ministros, bem como outros candidatos eleitos para o cargo executivo de governador, tenham um bom planejamento para realizar uma boa administração e gestão do Estado.

Segundo a moradora, a falta de políticas de empregabilidade no governo Jair Bolsonaro (PL) e a reforma trabalhista que flexibilizou as leis do trabalho foram responsáveis por aumentar o número de desempregados no bairro onde mora.

A percepção de Michele é comprovada pelo estudo do IBGE, no qual o desemprego atinge 9 milhões de pessoas. Em São Paulo, estado mais populoso do Brasil, o índice de desemprego é de 9,2%. Além do desemprego, o trabalho informal, que impacta 39 milhões de pessoas, é outro vilão que afeta a renda e os direitos trabalhistas dos brasileiros.

Durante a corrida eleitoral, Lula fez 103 propostas que devem começar a sair do papel já no início de 2023 – o número corresponde a uma promessa que precisa ser colocada em prática a cada duas semanas durante todo o mandato que tem duração de quatro anos.

As propostas vão desde o setor de educação, à economia, administração, segurança pública, saúde, pautas sociais etc. Dentre as demandas populares estão a criação de uma nova legislação trabalhista, estímulo à economia criativa, reajuste do salário mínimo acima da inflação e o retorno do Bolsa Família e manutenção dos $600 por família.

Na cidade de São Paulo, o presidente eleito no segundo turno recebeu mais de 60% dos votos válidos em territórios periféricos. No bairro de Piraporinha, que pertence ao distrito do Jardim São Luís, na região sul do município, Lula conquistou 66,56% dos votos.

“Como mulher, preta e nordestina jamais votaria em um candidato como o atual presidente”, diz Leidiane dos Santos Carmo, 32 anos, moradora do Jardim São Luís, eleitora que faz parte desta margem de votos válidos que elegeram o presidente Lula nas periferias.

Ela é mãe solo da Sofia, de 9 anos. Após as eleições, Leidiane deseja que as pessoas coloquem a cabeça no lugar e cobrem do candidato eleito as promessas de campanha.

Entre as principais áreas do novo governo presidencial, a moradora destaca especial interesse pelas áreas de saúde e educação, como já foi apontada por Michele, moradora de Taboão da Serra.

A temática Saúde e Educação se repetem entre as moradoras das periferias, e reforça as marcas deixadas durante a pandemia de Covid-19.

Com forte atuação nas redes sociais durante o período eleitoral, Michele afirma que as eleições foram importantes para escolher um candidato que representa os interesses da população, e portanto, ela espera que o presidente eleito desenvolva ações para a promoção da dignidade dos trabalhadores, das mães, jovens e crianças.

“Minhas expectativas para o nosso país é um futuro de oportunidade, respeito, prosperidade e amor entre as pessoas, a defesa por direitos trabalhistas, direito à moradia digna, saúde, educação, segurança e todos os serviços que envolvem a transformação da situação de desigualdade no país”, finaliza.

Artistas visuais retratam seus territórios e identidades a partir de suas criações

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Através de um olhar afetivo, político e crítico, artistas visuais da quebrada pautam sobre suas identidades e símbolos periféricos em suas obras.

Stefany Lima, 26, nasceu em Embu das Artes, é artista visual, grafiteira e arte educadora.

A imagem do que é ser periférico, quando retratado por pessoas que não vivenciam as quebradas, sempre vem ligadas a colocar esses corpos como sinônimo de violência ou pobreza.

Amor, vivência, afeto e muitas outras camadas fazem parte das criações de artistas visuais de quebrada que recontam sobre o que é ser periférico. A partir de suas criações, esses artistas buscam evidenciar os corpos, ideias, falas e vivência nos territórios.

“Eu tento enxergar essa potência na vivência cotidiana na periferia. É a roupa, o jeito que as pessoas falam, o que elas fazem, pra onde estão indo, como estão indo. Busco analisar a relação das pessoas com esses espaços. Tento olhar para esses lugares”. 

artista Saudade³.

Sidnei Junior, 26, mora no Jardim Elvira em Osasco, região metropolitana de São Paulo, é ilustrador, quadrinista, educador e mais conhecido pelo como Saudade³. O artista vem da linguagem do rabisco, do desenho no papel e desde 2018, está em imersão para propor a sua arte no mundo digital.

Para ele, a arte digital foi um recurso para expandir a visão das pessoas sobre seu trabalho, principalmente após uma de suas obras ter viralizado, chamada ‘Eu, você e o foguetão’, que é o personagem Magrelo e Bombom em uma moto XT660. “As redes são uma janela para arte, o instagram é um museu na internet”, pontua.

O artista afirma que a partir do momento que consegue representar a vivência de quebrada, que também é a vivência dele, aí a arte vai de encontro com a vivência de outras pessoas.

“E para além das pessoas se sentirem representadas, outros artistas que também produzem e estão representando a quebrada, vem junto fazer essa troca. Seja do processo criativo, quanto de buscar se aquilombar dentro da cena das artes”, afirma. 

“Represento um lugar apagado, um não lugar, uma identidade invisível que é das pessoas da terra”

Daniela Ramos Pereira, 25, é moradora de Santana, zona norte da cidade de São Paulo, artista, assistente de arte e educadora, conhecida pelo vulgo Danirampe. Ela é filha de imigrantes cearenses e já participou de eventos como a Feira Margens realizada pelo Museu Afro Brasil em 2022, e da exposição coletiva Ilustra Delas realizada pelo Pátio Metrô São Bento em 2020.

A artista produz ilustrações, vídeo arte, grafite, lambe-lambe e pinturas sobre fotografias antigas como linguagem autoral com a ideia de investigar sua identidade, memória e autoestima em uma perspectiva decolonial.

“O território em que localizo meu trabalho é o da terra roubada, é de um lugar que faz parte da trajetória de muitas pessoas que vivem em contextos diversos nas quebradas de São Paulo e que são filhes de tapuyas, caboclos, nordestinos migrantes como meu caso e de meus pais”

Danirampe

A partir da vivência de ser uma artista indígena na cidade de São Paulo, em sua arte ela busca representar identidades apagadas, retratando sua família: pais, avós, tios e tias, para que as pessoas se sintam identificadas.

“A transgeneridade marginal é viva, ativa e potente. Eu procuro ilustrar para toda e qualquer pessoa que é marginalizada”

Nana dos Santos Silva, 25, é designer e ilustrador que TRANSmuta sua vivência nas artes. É morador da Vila Formosa, zona leste de São Paulo e conhecido pelo vulgo Gabiru, produzindo trabalhos que envolvem um olhar social, crítico e político do seu cotidiano.

O artista pontua que sua ideia com a arte é trazer reflexão sobre o cotidiano que vive, para despertar a auto observação das pessoas, no desejo de que a quebrada entenda que ela é quem pode produzir e falar sobre sua vivência.

“Procuro ilustrar para toda e qualquer pessoa que é marginalizada e é por isso que ilustro seres humanos ‘ratificados’. Porque contrariando o senso comum de que ratos são sujos e traiçoeiros, eu os vejo como os seres mais humildes e injustiçados desse mundão moderno, assim como as pessoas que fogem do padrão branco-cis-hétero-burgues”

Gabiru

Gabiru faz o movimento de encorajar as pessoas a pontuarem o que pensam para se sentirem pertencentes, mas também se enxergarem enquanto produtoras de conhecimento e vivência.

“Minha arte é também uma forma de despertar a auto-observação e quem sabe gerar um movimento de encorajar as pessoas a fazerem o mesmo. Vejo isso quando pessoas trans me dão um salve, felizes em dizer que é tão bom estarem nas narrativas dos meus trampos, tá ligado?”, finaliza.

“Minha arte gira em torno de trazer para o real a minha sensibilidade, descobertas, referências, minha forma de enxergar e me projetar no mundo” 

Stefany Lima, 26, nasceu em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, e atualmente vive em Recife – Pernambuco. Conhecida pelo vulgo de Fany, é artista visual, grafiteira e arte educadora e começou seu trabalho através do movimento hip hop, pautando seu cotidiano, corpo, ancestralidade, memória e afeto.

A artista conta que vem de uma vivência onde o rap, o grafite e a arte no geral, são compromisso, e que sua arte parte do lugar de uma mina jovem de quebrada, da rua, do terreiro, dos encantamentos. 

“Meu irmão é uma figura importante nisso. Tive uma relação com a fotografia por influência dele, mas o que me ganhou mesmo foi o graffiti, quando me identifiquei com a cultura de rua por volta de 2012, no Núcleo de Hip Hop Zumaluma, na minha quebrada em São Paulo. Ali eu tive vivências que me formaram pra vida”

Fany

 Fany pinta há 10 anos, e ressalta que nasceu como artista em São Paulo, mas amadureceu muito em Pernambuco, que foi abraçada pela cena local com coletivos como Quilombo do Catucá, Cores do Amanhã, Cordalama, Kardume, entre outros.

“Estudar artes visuais numa universidade, apesar das controvérsias, também abriu horizontes na minha criação. Porém, meus caminhos sempre foram feitos pelas ruas e pela coletividade que parte dela”, afirma a artista. 

Conheça o trabalho dos artistas

Saudade³

 Daniela Ramos, Danirampe.

 Nana dos Santos, Gabiru.

 Stefany Lima, Fany.

Iniciativas independentes promovem garantia de direitos humanos para a população periférica

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Articuladores das iniciativas Casa F.U.R.I.A e Espaço Pubere contam como a partir da ausência de políticas públicas, atuam com a garantia de direitos humanos na quebrada.

Performance: Pátria Amada ou Nossa Bandeira Sempre foi Vermelha de Sangue. Foto: Diego Nascimento

Dia 10 de dezembro foi celebrado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, data que marca a oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e que aborda os direitos que todo indivíduo deveria ter. 

É nesse cenário que surgem muitas iniciativas independentes para apoiar moradores das quebradas. São projetos, coletivos, ações e iniciativas periféricas que buscam garantir direitos básicos. Um desses exemplos é a Casa da F.U.R.I.A – Frente Unificada de Resistência Interseccional Abolicionista, localizada na Vila Guilherme, região da zona norte de São Paulo, que atua com o apoio às famílias e sobreviventes do sistema carcerário, através da arte e de ações sociais.

“Foi uma proposta de pensar no fortalecimento da comunidade LGBTQIA+ de quebrada, tendo as artes e a cultura como um disparo pra gente criar novas formas de recontar as nossas próprias histórias”, explicou Murilo Gaulês, 35, morador do bairro Tucuruvi, zona norte de São Paulo e co-fundador da Casa da F.U.R.I.A.

Entre diversos direitos, como acesso a informação, a Casa F.U.R.I.A. tem uma atuação ligada principalmente a garantia de plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, detalhados no artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

“O nosso projeto vai lidar exatamente com isso: como é que a gente enfrenta esse sistema escravocrata de cara? A gente vai trabalhar com a população sobrevivente do cárcere.”, coloca Murilo.

Performance: Muro Cinza ou das Cores que eu Ainda Não Perdi. Foto: Rodrigo Munhoz

Murilo conta que o objetivo da Casa da F.U.R.I.A é fazer com que seja possível pessoas que passaram pelo processo de encarceramento se inserirem novamente na sociedade. Principalmente pelo fato de que, na maioria das vezes, são pessoas que foram submetidos à tortura e punição, que segundo ele, é uma continuação contemporânea das senzalas. “O nosso projeto lida exatamente com isso”, pontua.

A Casa começou quando Murilo percebeu que uma grande parte do coletivo já havia passado pelo sistema prisional, mas que nunca tinham buscado entender como funcionavam os sistemas penitenciários. Ao perceber que era um tema que precisava ser debatido e reivindicado, decidiu juntamente com outras pessoas, começar a iniciativa. 

“Aqui na nossa casa a gente insiste a partir de um estudo de perspectiva da cultura ameríndia, de povos africanos, pensar outras possibilidades de justiça que não são a produção de mais violência, punição e vingança”

disse o co-fundador da Casa da F.U.R.I.A.

Murilo aponta que pessoas que foram presas, precisam passar por processos de reparação, formação e responsabilização para que entendam os danos causados, mas de forma humana, sem que esse sistema mate esses indivíduos.

“Já fizemos livros, peças de teatro, agora vamos fazer um desfile de moda, uma série de obras artísticas que vão ter no seu teor a possibilidade de debater e denunciar o sistema carcerário, e essa denúncia é feita por pessoas que foram violadas e são pagas como artistas por isso”, ressaltou Murilo sobre os formatos de atuação do coletivo.

Performance: S.O.C.O – Suprimir o Opressor com Opressão. Foto: Diego Nascimento

Murilo ressalta que o objetivo é desconstruir conceitos para que as pessoas entendam como é grave prender, torturar e punir as pessoas de forma desumana, que muitas vezes é tão doloroso e fatal quanto a morte em si. Para ele, sempre será uma luta independente e distante do suporte governamental.

“Acho que o estado nunca vai dar conta de fazer esse trabalho, porque ele não vai reverter um problema que ele mesmo construiu. Prender não é menos grave que matar”, aponta Murilo. 

Direito à informação e a saúde

Elânia Francisca, 38, é moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo, formada em psicologia e fundadora do Espaço Pubere. O espaço criado pela psicóloga, tem como objetivo debater os direitos sexuais reprodutivos de crianças e adolescentes.

O trabalho do Espaço Pubere busca trabalhar a saúde de forma ampla, desenvolvendo o conhecimento da ancestralidade africana, entender e aprofundar a origem e importância sobre as curandeiras, benzedeiras, rezadeiras, que segundo Elânia, é crucial para o cuidado e amor com seu próprio corpo. 

Atividade sobre autoestima de meninas negras que aconteceu em 2019 num Espaço Terapêutico que ficava na Capela do Socorro. (Foto: Acervo pessoal)

“Além desse direito à liberdade de expressão, entendemos o nosso trabalho especificamente como direito à saúde. Para além do acesso ao SUS que é necessário, mas não se resume só à isso, mas também ao acesso às tecnologias ancestrais de cuidar da saúde”, explica Elânia sobre o Espaço Pubere.

A psicologa reforça que o trabalho feito com as crianças e adolescentes dentro das ações do projeto, ao contrário do que muitos acham, não tem ligação com ideologia de gênero ou incentivá-los à praticar sexo.

É nesse aspecto que a iniciativa busca manter contato com o poder legislativo para fazer com que a sexualidade seja um tema debatido dentro dos ambientes educacionais. 

“Lembrando que o direito à saúde sexual e reprodutiva de crianças e adolescentes é o direito do seu corpo ser protegido. E o direito reprodutivo é o direito de entender, saber e pensar sobre reprodução”

pontuou a psicóloga sobre a atuação do Espaço Pubere.

Elânia participou de uma Campanha de 18 de maio na região de São Mateus, em
2022. (Foto: Acervo pessoal)

Segundo Elânia, o Espaço Púbere garante também através de suas práticas, que meninas, meninos e menines sejam fortalecidos através do autoconhecimento e através disso possam se cuidar, se proteger e não se submeterem ao ódio de si mesmo e ao seu corpo.

“Falar de sexualidade infanto juvenil fortalece os adolescentes e as crianças da quebrada para entenderem sobre seu próprio corpo, para entenderem a importância de autoproteção, autocuidado, autoamor, autovalorização e a importância desse corpo no mundo”, afirma Elânia. 

Artistas transformam vivência com rap e literatura para ocupar escolas públicas

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Em parceria com professores e gestores pedagógicos, poetas e coletivos culturais da periferia ocupam escolas com ensinamentos e vivências que vão além dos livros didáticos.

O Coletivo esteve na FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty) fazendo intervenções em grupo. Foto: Dayse Serena.

Entendendo a necessidade da cultura marginal e periférica dentro das escolas, professores da rede pública de ensino levam artistas do fundão da zona sul de São Paulo para apresentações individuais e em coletivo, com intervenções de saraus, batalhas de rima e oficinas criativas que incentivam os alunos a produzir seus próprios textos literários.

O Coletivo IncentivArt é uma das iniciativas que fazem parte deste cenário. Ele existe há pouco mais de seis meses, mas os integrantes já atuam com atividades culturais há pelo menos dois anos. O grupo é composto majoritariamente por jovens negros e periféricos do municipio de Itapecerica da Serra e do distrito do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo.

Kelly Pereira, conhecida como King Abraba, 21, é moradora do Jardim Paraíso, em Itapecerica da Serra, é membro do coletivo IncentivArt, poeta, produtora cultural, fundadora do Sarau Baobá, e tri vice-campeã do Slam BR, maior competição de slam nacional. 

Com o Coletivo IncentivArt, as apresentações de poesia em grupo se tornaram um dos diferenciais do coletivo nas escolas, além de possibilitar a descoberta de novos artistas através de assuntos abordados que vão além do papel e caneta.

“É importante dar uma direção para que os alunos que já escrevem ou têm planos de escrever, consigam se identificar com a nossa escrita, maneira de falar, além de ter diretamente as vivências delas e entender que podem falar e escrever sobre aquilo.”

explica a poeta.

 Para os professores, a conexão entre alunos e artistas é uma experiência diferente, como aponta Janaina de Oliveira Silva, 36, moradora do Capão Redondo, que leciona Geografia na que EMEF Prof. José Francisco Cavalcante (TAJAL).

Ela organizou o primeiro Sarau Literário da escola e conheceu os movimentos de literatura periférica a partir do contato com Sarau da Cooperifa, como o poeta tendo Sérgio Vaz e Dona Edite, referências do movimento literário da zona sul.

Apresentação em grupo dos alunos do ensino fundamental da escola Tajal. Foto: Patricia Santos.

“Foi uma experiência incrível, uma vez que, enquanto escola, estamos no território periférico do Jardim São Bento, lugar de lutas constantes e históricas por moradia. Assim sendo, nada mais significativo que levar aos nossos estudantes a nossa cultura, nossas produções e nossos escritos”

comenta a professora.

Há mais de 10 anos de atuação nas escolas e há 19 fazendo parte da Cooperifa, Cocão Avoz é outro personagem importante da cultura periférica que leva a cultura Hip Hop, sobretudo, o contato com ritmo e poesia, para os alunos como fortalecimento de identidade, de pessoa, da cidadania e da conexão com a quebrada.

“A poesia serve como defesa e o impacto, é sobre a pessoa lutar e buscar se entender como pessoa, saber que faz parte de uma sociedade e de um contexto como sociedade, é um resgate de pessoas.”, diz Cocão.

Cocão Avoz durante a apresentação no primeiro Sarau Literário da escola Tajal. Foto: Patricia Santos.

Aprendizagem através de vivências 

Durante as visitas nas escolas, o coletivo IncentivArt oferece oficinas criativas para os alunos, que visam desenvolver a criatividades, o pensamento crítico, incentivando a escrita com base em uma frase de impacto, ou linha de pensamento pré definida pelo coletivo ou pelos alunos, podendo assim mostrar seus textos e performances para apresentar aos demais em formato de sarau, que é uma das atividades do coletivo nas escolas, se tornando parte das intervenções e aprendendo que temas como racismo estrutural, abandono paterno e assédio podem ser abordados.

“Não tem preço sair da escola e voltar para ensinar alguma coisa. E ter uma idade próxima da deles permite a gente entender as rotinas, frustrações e o mais legal é ser o hoje de outros poetas que estão por vir e poder falar de assuntos como racismo estrutural, abandono paterno, violências e assédio.”, completa King.

Além das apresentações, os alunos ainda têm a oportunidade de conhecer os trabalhos já produzidos pelos artistas, como livros e livretos, podendo ainda entender que os escritores podem ser periféricos e tratar de assuntos do cotidiano.

Pedro Henrique de Carvalho Fernandes, 16, morador do Parque Independência, zona sul de São Paulo, foi aluno no Tajal durante oito anos e voltou no dia do Sarau para apresentar as suas poesias, pois entendeu que ali era um em um lugar que fez parte de sua vida em todo seu período escolar e por se identificação com o bairro. 

“Eu escrevo desde a 6ª série por causa do bullying que eu sofria, reclusão, sobre se sentir incapaz, indefeso e frágil. No começo escrevia sobre o que sente e acontece, depois é sobre o que vê e passa a ter uma visão mais artística da poesia.”

diz Pedro sobre como se deu o seu processo de evolução do olhar para a poesia.

“Eu fui um aluno bagunceiro, mas sempre muito respeitoso, com professores principalmente. Hoje, dentro das escolas eu me sinto útil, pois vejo como uma troca. Somos chamados como artistas para mostrar um pouco do trabalho e podendo agregar com o professor nas escolas.”, comenta Cocão.

Esses encontros de artistas e alunos também é marcado pelo fato dos poetas terem escrito livros, livretos e até antologias, o que dá aos alunos o exemplo de que não precisam ser famosos e ricos para um dia escreverem um livro.

“A rede municipal dispõe de um acervo riquíssimo de literatura periférica e assim sendo nada mais justo do que eventos como Saraus para disseminar literatura e os artistas da nossa quebrada”, finaliza Janaina.