“Aqui é penicilina, é um antibiótico. Não é melhor tomar um chazinho desse do que uma injeção? Eu prefiro”. Essa fala é da Maria Júlia Borges de Sousa, 67, mais conhecida como dona Júlia, que enquanto caminha apresentando a floresta também traz informações sobre a diversidade de plantas e seus benefícios à saúde.
A floresta em questão faz parte do que ainda resta da Mata Atlântica em São Paulo. Essa é uma floresta urbana localizada no bairro Jardim Filhos da Terra, na região de Tremembé, zona norte de São Paulo, que é cuidada e restaurada pelos moradores locais, através do Coletivo Autonomia ZN.
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A iniciativa desenvolve atividades com base em três áreas de atuação: permacultura, economia solidária e educação popular. Entre as atividades que realizam no local está a construção de um lago sazonal, bioconstrução de pallets, compostagem para reciclar resíduos orgânicos e produzir adubo, coleta de água, plantio, revitalização do solo e reciclagem.
“Todo esse chão é forrado de mantas, tipo cobertores, lençol, coisas que os moradores abandonam por aí. A gente sai catando com o carrinho e ao invés da gente ficar usando enxadas, se matando de carpir, a gente fez o pisoteio do capim que tinha aqui”, conta Lincohn, que é professor e um dos fundadores do coletivo Autonomia ZN, sobre um dos processos de cuidado na floresta.
O Coletivo Autonomia ZN existe desde 2019, e surgiu a partir de outro coletivo que atuava na região. “Ao longo do tempo, ele foi amadurecendo e em meados de 2019, se pulverizou em várias outras iniciativas do território”, compartilha Lincohn.
“Selecionamos a palavra Autonomia, justamente porque promovemos a autonomia em vários aspectos. Principalmente autonomia em aprendizagem, mas também autonomia em cura, em alimentação, financeira. E o ZN é da zona norte, para marcar que a gente atua focado nesse território a partir da estrutura e das demandas”, aponta Lincohn Zapelini.
Biodiversidade no território
Apesar da diversidade que há na floresta, que foi batizada com o mesmo nome do coletivo, Lincohn relata que por vezes essa biodiversidade não é reconhecida nem valorizada. Ele também destaca que ainda não há muita aceitação com relação ao cultivo e o consumo das PANCs (plantas alimentícias não convencionais).
“A gente tem mais de 30 espécies de PANCs aqui, mais de 30 espécies de ervas medicinais, 42 espécies de árvores, sendo mais de 20 frutíferas”
Lincohn Zapelini, membro do coletivo Autonomia ZN.
As ações do coletivo também são desenvolvidas com objetivo de reconectar os moradores da região com o plantio e consumo alimentar ancestral. O coletivo Autonomia ZN tem suas ações voltadas principalmente para os mais velhos e as crianças.
“A gente está conseguindo fazer uma conexão entre essas gerações para dar continuidade e não deixar morrer essa cultura do plantio, de se curar com as plantas, com as ervas medicinais, sabe?”
Lincohn Zapelini, professor da rede pública municipal de São Paulo.
Além das plantas, na floresta há também criação de abelhas sem ferrão, chamada de meliponicultura. “A abelha Jataí é uma abelha nativa, que faz parte do ecossistema da Mata Atlântica e é muito bem adaptada a áreas urbanas”, comenta o professor sobre as abelhas contribuírem com a proliferação de plantas e na manutenção da floresta.
Território de luta
A floresta Autonomia ZN é um lugar de resistência assim como a ocupação que hoje forma o bairro Jardim Filhos da Terra. Parte do terreno da floresta é uma ocupação feita nos fundos da Escola Estadual Professora Eunice Terezinha de Oliveira Fragoas e outra parte é da competência administrativa estadual do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Alezani Barbosa, 50, ou Ale, como prefere ser chamada, é moradora do bairro Jardim Filhos da Terra há 21 anos e conta como a atuação do coletivo no cuidado com a floresta vem mudando a região.
“Aqui na floresta era um lixão, descarte de tudo que não prestava, chegou uma época que tinha [até] um corpo aí. Olha como a nossa floresta está hoje, né? E tem as coisinhas que a gente colhe de lá. Não tem tudo, mas a gente agora vai fazer uma horta”.
Alezani Barbosa de Oliveira, moradora do bairro Jardim Filhos da Terra
“Além do lixão, tinha muita violência, as crianças não tinham muita coisa pra se ocupar. Hoje a gente oferece coisas pra eles, igual a oficina de hoje”, conta Ale. A oficina a que ela se refere faz parte do projeto Escritas da Terra, que foi desenvolvido durante as atividades dos encontros mensais que acontecem entre os membros do coletivo.
Esses encontros são chamados de Mutirão e funcionam para a manutenção do espaço. “A gente sempre tem alguma proposta para o dia. Às vezes é fazer uma poda, às vezes é refazer um canteiro, fazer o plantio ou trabalhar nas estruturas do espaço”, explica Lincohn.
Há também atividades nas outras frentes de atuação do projeto, como as vendas de alimentos das produtoras locais através da economia solidária, nos projetos de educação popular, como o Escritas da Terra. Em todo mutirão é feito um almoço solidário para todos que estão presentes.
Lincohn destaca que todos os projetos desenvolvidos no coletivo têm como base a floresta. “O que mantém a gente vivo e o planeta saudável são as florestas”, pontua.
Ele também destaca os impactos mais marcantes do cuidado com a floresta na região. “A pacificação do espaço, a convivência e o senso de pertencimento ao espaço público”, completa.