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Padre Jaime, um homem que une a periferia

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No último dia 7 de março de 2023, Padre Jaime faria 78 anos, na verdade fez, porque continuará presente, hoje e sempre. E sua voz continuará ressoando: coragem, menino! coragem menina!

Padre Jaime – Foto: Admilton Martinho

Há homens que lutam um dia e são bons,
Há outros que lutam um ano e são melhores,
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.

Bertolt Brecht

Esse foi justamente o padre Jaime, um ser humano, um altruísta como poucos, que nos deixou no dia 20 de fevereiro de 2023, na Irlanda, sua terra natal, onde estava vivendo com seus familiares.

Padre Jaime viveu no Brasil por mais de 50 anos e aqui fez história por onde passou, caminhando e lutando juntos aos pobres e perseguidos. Sua atuação se deu para além dos muros da igreja católica, tornou-se referência social e política em São Paulo e no país, por suas ações em favor da vida.

Em comunhão com leigos e religiosos progressistas da Igreja Católica, padre Jaime não separava a evangelização da vida concreta do povo, escolheu levar a palavra e o pão para os que mais necessitavam, nem que para isso tivesse que enfrentar políticos, “coronéis” e mesmo religiosos da própria igreja. 

Com seu jeito acolhedor e sorridente, padre Jaime fez da paróquia Santos Mártires um espaço de acolhida e articulação social. Assim, conseguiu unir diferentes denominações religiosas, inúmeras lideranças sociais, o poder público, movimentos sociais, partidos políticos, pessoas anônimas, mães, educadores e pesquisadores. 

Tudo isso na busca de transformar a realidade social do Jardim Ângela, que na década 1990 chegou a ser considerado um dos bairros mais violentos do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Foi no Jardim Ângela que padre Jaime passou a maior parte de sua vida no Brasil, mais de 30 anos. Pode-se dizer que existia um Jardim Ângela antes do padre Jaime e outro depois.

Das lutas encampadas pelo padre Jaime, a esperança se tornou uma chama permanente que fez nascer creches, escolas, espaços de acolhida para crianças, adolescentes e jovens, serviços de assistência às famílias e um centro de defesa e convivência para as mulheres vítimas de violências.

Arte produzida pela Rede Ubuntu Educação Popular em homenagem ao Padre Jaime Crowe

Encampou campanhas e mobilizações por moradias, saúde e mobilidade urbana. A partir de sua atuação também observou-se a diminuição nos índices de violência do bairro.

Poderíamos elencar inúmeras conquistas da nossa região que tiveram a liderança e apoio do padre Jaime, mas vale citar duas de grande importância: o Hospital M’Boi Mirim e as bases de polícia comunitária.

Mas para além de falar das conquistas, é preciso pensar no legado que o padre Jaime nos deixa. Muitas das suas lutas continuam demandando esforços dos movimentos e coletivos.

Infelizmente as dificuldades e problemas em nossas periferias permanecem, as vidas dos nossos jovens continuam sendo ceifadas, a violência contra as mulheres cresce, a falta de médicos é gritante, a moradia continua a ser um privilégio de poucos, e a mobilidade ainda nos impede de andar pela cidade. 

Assim, nossos agradecimentos ao padre Jaime devem ser feitos dando continuidade as suas/nossas lutas. Estou seguro de que é isso que o padre Jaime desejaria.

Ele nunca descansou, sempre esteve em movimento para combater qualquer injustiça cometida a qualquer pessoa, esse era seu exemplo, um homem incansável.

Nos últimos anos estive muito perto do padre Jaime, que era pra mim um guia, um conselheiro, e de tantas coisas que me ensinou, a mais importante foi de não desistir dos sonhos, de acreditar em uma outra sociedade: mais justa, de ter coragem para enfrentar as dificuldades e as lutas.

Também pelo padre Jaime, quero retomar essa coluna e fazer desse espaço memória viva de suas lutas.

No último dia 7 de março de 2023, Jaime faria 78 anos, na verdade fez, porque continuará presente, hoje e sempre! E sua voz continuará ressoando: CORAGEM, MENINO! CORAGEM MENINA!

Intercâmbio musical reúne DJs de Cabo Verde em evento gratuito no Capão Redondo

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Pela primeira vez no país, os DJs Mama Demba e Micáh participam de um intercâmbio musical organizado pelo produtor musical Mario Cezro.
Dj Mario Cezro e os Djs cabo-verdianos Mama Demba e Micáh. Foto: Divulgação.
Nesta quinta-feira (16), o DJ brasileiro e produtor cultural Mario Cezro, realiza um intercâmbio musical. A atividade acontece a partir das 18h na sede do espaço cultural independente Ateliê Nu Capão, localizado no Capão Redondo, zona sul de São Paulo.
O encontro contará com a participação dos DJs nascidos em Cabo Verde e radicados em Portugal, Mama Demba e Micáh. Um dos propósitos do intercâmbio é investigar os desdobramentos da musicalidade presente em Cabo Verde, Portugal e no Brasil.
O organizador do evento, o Dj Mario Cezro, é morador do Jardim São Luís e há décadas pesquisa sonoridades espalhadas pelo mundo e divulga seu trabalho por meio do selo musical Estados Sonidos.

“Há mais semelhanças do que diferenças entre esses dois lugares. A história de Cabo Verde e do Brasil se conectam, e a música é mais uma prova disso”

Dj Mario Cezro

Conheça o Dj Mamba Demba, clique aqui
Conheça o Dj Micáh, clique aqui
Conheça selo musical Estados Sonidos, clique aqui

Serviço

Estados Sonidos apresenta: Conexão Brasil – Cabo Verde – Portugal

Dia: 16 de março
Horário: 18h às 23h
Local: Ateliê NuCapão
Endereço: Rua Maria Blanchard,177 – Capão Redondo, São Paulo (SP).

Grupo de rap fundado no Carandiru promove ações culturais com jovens na quebrada

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Com anos de atuação artística e cultural no território, desde 2020 o grupo Comunidade Carcerária gerencia espaço cultural que promove ações formativas no distrito de Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo.

Washington Pereira Paz e Flaviano Souza estão há mais de 20 anos atuando juntos acolhendo a juventude da periferia e se inspirando em suas próprias histórias. (Foto por: Flávia Santos)

 Em meados de 1996, dentro da antiga casa de detenção localizada na zona norte de São Paulo, o Carandiru, surgiu o grupo de rap Comunidade Carcerária, criado por alguns amigos, entre eles Washington Pereira Paz, conhecido como W.O e Flaviano Souza, conhecido como F.W Guerreiro da Paz.

Na intenção de sobreviverem ao sistema prisional, os amigos iniciaram suas jornadas no mundo musical escrevendo e compartilhando suas vivências sobre um futuro de liberdade que não sabiam se estava próximo ou não de chegar.

“Nos espelhamos muito na gente, nos nossos problemas, no veneno que a gente estava passando ali preso, sem poder sair, ver um amigo, um parente”. Washington Paz, conhecido como W.O, 47, rapper, morador da Vila Missionária, bairro localizado na zona sul de São Paulo.

Washington conta que a ideia de pensar outras possibilidades para se viver surgiu a partir de suas próprias experiências e também na tentativa de tirar o máximo de jovens que conseguissem de um caminho que afirma não ser o melhor para a juventude das periferias. “Tem como você crescer através de um estudo, através de um curso”, afirma.

O músico saiu da casa de detenção em 1999, mas continuou frequentando o local para ensaiar e trabalhar no projeto que não queriam deixar apenas no papel. No início, o grupo era formado por três MC’s, sendo eles o Washington (WO), o Flaviano (FW) e o Jairo, conhecido como MC Jhay, mas apenas Washington e Flaviano seguiram com as atividades do Comunidade Carcerária.

“A gente criou até um centro cultural no presídio na época. A gente viu passar por lá Detentos do Rap, 509-E, o grupo de samba Bola Mais Um. A maioria da galera que saiu de lá e que gravou passaram pelo nosso espaço cultural”

compartilha o rapper sobre as ações culturais que mobilizaram ainda dentro da casa de detenção.

Na época, com o auxílio de um agente penitenciário, conseguiam se encontrar para darem continuidade às produções dentro do complexo. Continuaram com as atividades no local até o ano 2000, período em que os outros integrantes foram transferidos devido ao processo de desativação e implosão de pavilhões do Carandiru, como reflexo do massacre ocorrido em 1992.

 Apoio de políticas públicas

Mesmo com dificuldades, ao longo dos anos o grupo permaneceu na ativa. Em 2006, com Flaviano também fora do sistema prisional, seguiram em busca de possibilidades de existência e formas de seguirem construindo o que começaram anos atrás dentro da casa de detenção.

“Hoje a gente tem [um espaço físico], depois de muitos anos de história, de resistência, através de projetos da Secretaria de Cultura feitos aqui na região”, conta Washington sobre o espaço que conseguiram fundar em 2020, após serem contemplados no Programa de Fomento à Cultura da Periferia, política pública da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. 

“A porta é aberta para você investir no seu sonho, no que você acredita, e através dessa parceria é que a gente conseguiu essa estrutura para os jovens saírem da rua”

afirma Washington.

O grupo de rap Comunidade Carcerária foi fundado em 1996, dentro da Casa de Detenção do Carandiru, e atualmente são linha de frente de um projeto social pensado para a juventude de quebrada. (Foto por: Flávia Santos)

Atualmente, no espaço gerido por Washington e Flaviano, que fica na Vila Missionária, bairro localizado no distrito de Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, são realizadas oficinas semanais, de quarta a domingo. O espaço que se chama GR2C (sigla para Grupo de Rap Comunidade Carcerária), abriga diferentes atividades: vivências de MC’s, aulas de break, grafite, trança, fotografia e também encontros de batalhas de rima.

Além disso, o grupo circula pela cidade realizando visitas a casas de recuperação para debaterem temas como encarceramento, ressocialização e acesso à cultura.

Entre os jovens que colam no espaço GR2C, a maioria já passou pela Fundação Casa, e é exatamente esse um dos maiores focos da iniciativa, que busca criar possibilidades para que esses jovens não precisem ter mais contato com o sistema prisional. Para isso também buscam fortalecer uma rede de apoio e de oportunidades para os jovens.

“Ao invés dele estar na biqueira ou assaltando alguém no farol, ele está no palco com o microfone na mão, fazendo aquilo que ele gosta, pulando, sorrindo e cantando. Então é isso que traz energia e a vontade de continuar”

pontua Washington.

Um dos jovens que frequenta e é impactado pela existência do local, é o Gabriel Lima, 21, conhecido como MC Kazuê, morador da Vila Joaniza, bairro da Cidade Ademar, zona sul de São Paulo. Gabriel é organizador da Batalha do Kaos, que acontece no seu bairro desde 2016. Ele começou a rimar com 14 anos e conta que decidiu sonhar com o rap para sua vida.

“Me senti bem no espaço, me senti importante e me livrou de muitos rolês que não valiam a pena, onde eu só me drogava e ficava mal. Hoje nossa conexão está pesadíssima e estou muito feliz por essa mudança comportamental”, compartilha Gabriel.

Sistema desigual

Atuante no movimento social Amparar, que atende pessoas afetadas pelo sistema prisional para garantir direitos básicos também às famílias, Fabio Pereira, estudante de serviço social, aponta a importância de ações que deem suporte para as pessoas e famílias atravessadas por esse sistema.

“É fundamental que a gente possa reivindicar políticas públicas para pessoas que passaram pelo cárcere e de ações individuais”, afirma Fábio Pereira.

O abolicionista penal também analisa o fato do grupo Comunidade Carcerária ter conseguido um apoio apenas mais de 20 anos depois de sua atuação. Como isso representa a diferenciação entre pessoas a partir de seus corpos e endereços. 

“A maioria das pessoas saem das cadeias sem perspectivas e acabam retornando pra ela porque não se oportuniza outras oportunidades. Se hoje, nesse momento, cair um jovem agonizando em qualquer quebrada, é mais fácil chegar uma viatura do que uma ambulância do samu”

aponta.

W.O e F.W possuem o sonho de alcançarem o maior número de jovens vulneráveis de quebrada que conseguirem, e oportunizar que possam sonhar de novo. (Foto por: Flávia Santos)

Fábio pontua a necessidade de pensar políticas efetivas de seguridade social nas periferias, garantir os direitos básicos dessas pessoas e refletir verdadeiramente sobre o papel das prisões.

“Será que se garantissem tudo isso, essas pessoas estariam no crime? Estariam nessa situação? A prisão funciona muito como uma vingança social. Se a prisão fosse pensada para pessoas ricas ela não seria da forma que ela é”, finaliza Fábio. 

Quando os meninos negros morrem

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Você, homem negro, ame a si mesmo e a sua cultura. Dê amor, respeite o tempo e às pessoas que você ama e não permaneça onde te querem capataz.

Ensaio Resgate de Cauane Oliveira (@baduona) e Renata Santos (@olhodeanubis), set. de 2020.

Se deparar com índices que denunciam a mortalidade e a degradação da vida nas periferias não é novidade, a morte ganha um peso único quando contamos os números e procuramos o que eles significam.

Um peso no corpo, uma dor no peito, acordar e descobrir que a realidade é mais dura que o pesadelo. O trauma da perda é uma marca que separa os que sonham com o futuro e os que buscam justiça – ou que morrem aos poucos enquanto o tempo apaga as marcas de quem passou pela terra.

Então tenho pensado, por que os meninos negros morrem tão cedo? 

Estou cada vez mais perto do fim da faixa etária das estatísticas de expectativas de mortalidade entre a juventude negra e tenho me perguntado, por que isso acontece?

Podemos criar representações das motivações e efeitos que levam centenas de milhares de jovens de 14 à 29 anos a números expressivos de mortalidade. Da violência policial ao suícidio, da situação de rua ao encarceramento, o homem negro é o principal alvo – mesmo que essas violências acometam a população negra e periférica como um todo.

Como exercício de reflexão, vamos remontar parte dos problemas que sustentam esses acontecimentos até hoje e que tem origem no passado escravocrata.

Quem nunca ouviu na escola, na rua, em espaços públicos de modo geral, um “educação vem de casa” que atire a primeira pedra.

A questão é que a família é o pilar de diversos desafios e problemas que vamos experimentar durante a vida e também o lugar de busca por superação, redenção e cura. 

Em diversas sociedades de origem não-brancas ou que não são de cultura ocidental cristã, podemos ver modelos diferentes de enxergar o papel da família.

Por exemplo, em comunidades de culturas indígenas e africanas, em que o papel da família é mais amplo do que o particular: está em relação com a preservação de modos de pensar, distribuir tarefas, organizar os papéis que todos devem desempenhar por idade, por vezes, gênero (de culturas matrilineares, híbridas ou mesmo não baseadas em modelos de gênero), na relação com o íntimo, o particular e o coletivo (a cultura, o grupo, a religião, a política).

Esse é o caso das culturas do povo Akan, de Gana, onde o poder é distribuído por mulheres, ou o povo Bribri, da Costa Rica, em que o direito de propriedade e de execução dos rituais sagrados são matrilineares.

Apesar de ser um fato de que a cultura brasileira está profundamente enraizada nas culturas africanas e indígenas, o modelo familiar que nos governa, das elites às favelas, é o modelo patriarcal escravista, tendo como pilar o homem branco e seu poder de posse.

É aqui que o resultado dessa equação homem branco e família patriarcal nos leva à uma espiral de problemas para a população negra e não-branca como um todo, sobretudo, obriga o homem negro a ser antagonicamente o contrário daquele que detém o poder ao mesmo tempo em que se obriga que ele seja o espelho de seu opressor.

Mas, que poder é esse? E por que é um poder?

Primeiro, imaginem que nos modelos de famílias que vimos antes, família e comunidade são quase sinônimos. Podemos ver isso presente nas periferias nos modos de cumprimentos ou “apelidos”, quando chamamos uns aos outros de “irmão”, “tia”, “tio” e etc.

Já no modelo patriarcal, o homem pensa o mundo a partir do particular. Então se a família pertence a ele, assim como um carro ou um boi, tudo onde ele projeta a família, ou seja, tudo onde ele gostaria de ver a si mesmo ou suas posses, deve corresponder a sua vontade.

Significa compartilhar privilégios do seu espaço particular estendido para instituições públicas (e privadas): um cargo, uma vantagem, favores. É estabelecer os inimigos que ameaçam seu espaço particular, seus aliados e os seus privilégios.

O homem negro, em busca de humanizar a si mesmo, desumaniza sua identidade, depara-se com a questão de seu sofrimento.

O amor que o humanizaria encontra barreiras para se edificar como parte fundamental da sua identidade, deformada pela busca de existir como “o outro”. E em tudo que busca, aqueles mais afundados na deformação de sua identidade, exercem força e violência contra si e seus semelhantes em nome daqueles que buscam extingui-los.

Os conflitos internos de cada grupo racial são sempre intensificados pelos conflitos urbanos. Então quem ocupa majoritariamente o poder, privilégios e propriedade, precisa buscar um suspeito padrão dos males para depositar todos os problemas da sociedade.

É aqui que nos encontramos numa encruzilhada de armadilhadas raciais para homens negros em busca de humanidade.

O que pode nos tornar seres humanos? 

Para o menino negro que se tornará um homem, reafirmar sua masculinidade passa pela busca do controle das pessoas, de suas relações e pela ostentação. Todo caminho é possível, do trabalho exaustivo em busca de ser “o provedor” e a submissão a situações de exploração absoluta característico do capitalismo ao crime como forma de exercer o poder através da força.

Então tudo que os meninos negros vivem entre homens se torna uma forma de provação de uma masculinidade que deforma sua identidade.

No trabalho é pegar mais peso do que deveria, na quebrada pode ser usar drogas muito cedo, no crime e na polícia é demonstrar frieza. Mas é principalmente a busca por tornar tudo uma posse, como um boi ou um carro. 

Nos ensinam, assim, a tratar nossas relações. Entretanto a diferença é que criam homens brancos para serem senhores e homens negros para serem capatazes.

Isso significa, de modo geral, que os homens negros são os principais alvos, porque querem fazer e ter tudo aquilo que homens brancos tem e fazem. Entretanto de modo mais intenso, porque o custo é maior e nós nos arriscamos mais ao ponto de perder tudo.

Enquanto o homem negro busca uma relação entre iguais com homens brancos, o homem branco busca impedí-lo e instrumentaliza seu extermínio.

Para viver, precisamos ter a oportunidade de estruturar melhor nossas famílias. Compartilhar o exercício de poder do particular ao coletivo. Barrar o crescimento precoce como prova de maturidade para reforçar os papéis de gênero.

E por fim ao medo branco de que nossa liberdade da herança colonial de família, comunidade, posse e cultura significa o fim da deles, isso não é sobre eles e sim sobre viver feliz.

Por último, a exaustão mental da busca inalcançável por ser “o outro”, para pôr fim aos desafios sociais, nos encaminha ao sofrimento, à depressão, ao que os africanos escravizados chamavam de banzo.

Esses sentimentos nos levam a crer que a única forma de expulsar os males que habitam o corpo negro é deixar de habitá-lo, seja pela descaracterização ou pelo suícidio. Só o amor por si mesmo, pela vida (e tratamento médico), pode ajudar a curar o banzo.

Você, homem negro, ame a si mesmo e a sua cultura. Dê amor, respeite o tempo e às pessoas que você ama e não permaneça onde te querem capataz.

Esse texto surgiu como uma reflexão sobre um amigo, que morreu assassinado, traficava e um dos seus sonhos era ter um fusca. Também é sobre mim e os homens que eu quis ser.

Para além dos descontos nas lojas, o que mais conquistaremos neste 8 de março?

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Peço licença e saúdo as que me inspiram Dandara dos Palmares, Esperança Garcia, Tereza de Benguela, Enedina Alves Marques, Margarida Alves, Lelia Gonzaléz, Sueli Carneiro, Dona Maria Eterna dos Reis e tantas outras que lutaram.

Foto: Gabriela Barbosa

Chegamos a mais um março das mulheres, uma data comemorativa internacional que imprime como as lutas e seus significados ainda são pautadas pelo colonialismo. A imposição de um sistema europeu de vida que se modifica em nosso solo, mas ainda cumpre seu papel de garantir o poder baseado em gênero, cor e classe, como sonhado pelos primeiros invasores.

Nós como povo conquistado continuamos nas cadeiras mais baixas do mundo, cumprindo nosso papel de colônia de extração e de mão de obra barata para produção constante do capitalismo. Além de sermos consumidores atentos a todas as tendências impostas por esse modo de vida, aprendemos que consumir é um dos lugares reservados a nós na máquina capitalista.

Temos sempre que lembrar que para a maioria das sociedades do mundo a colonização e o capitalismo criou o processo de inferiorização racial e subordinação de gênero que conhecemos hoje. Li nas redes sociais, que o óbvio deve ser dito, pois tem sempre gente nova chegando, como educadora acho sempre importante redizer, o que já foi dito.

O aprisionamento das mulheres na ideia do servir e do cuidar de quem tem mais poder e condições de manter nossas vidas é ainda o alimento que subsidia toda ideia de mulher constantemente difundida, e se apresenta constantemente nos dados de violência doméstica, no feminicídio, na transfobia e no oneroso avanço de políticas de moradia, economia, saúde e educação voltadas aos nossos corpos. 

Em contraponto cresce o mercado de cosméticos, estética e as redes sociais, permitem o escandaloso crescimento de grupos misóginos.

Ainda somos vistas como mercadorias moldáveis constantemente aos valores patriarcais, mudando nossos corpos, se sentindo insatisfeitas com o que somos a partir da nossa história, ancestralidade e o meio social que promoveu nosso processo de amadurecimento.

Eu não estou dizendo isso porque me sinto livre, muito pelo contrário, aos 41 anos, sendo uma trabalhadora constante, não tenho conquistas materiais relevantes, pois o pouco de liberdade que pude empregar na minha vida, foi para viver constantemente minha vontade de mudança.

Hoje temos um grande avanço para pensar nas estruturas capitalistas em nosso país com a entrada de mulheres nas estruturas estatais de poder, parece pouco, mas imageticamente promove uma simetria de poder entre homens e mulheres que ainda é baixa, mas que possibilita o debate sobre a importância da alternância de poder.

Nossas críticas são muitas nesse campo, pois em inúmeras instâncias não basta ser mulher, ou ser negra, ou ter passado pela periferia, mas que as práticas estejam a serviço do povo. 

Quais são as mulheres que a estrutura de poder capitalista está permitindo chegar ao poder? E quais mulheres continuam em cargos menores? 

As mulheres conseguem hoje empregar em seu mandato visões que norteiam a multiplicidade de formas de se viver em nosso país, que mulheres não se permitem ser bajuladas pelo sistema a favor de que garantias reais sejam forjadas como leis?

Essa conversa não é fácil, sim, somos mais subjugadas, criticadas e exigem da gente mais postura ética, e isso, é sim, uma face do machismo.

Ser mais forte que a bancada da bala e da bíblia, que tráfico de influência, drogas e pessoas, não é fácil. Porém, mulherada, também tem sido muito difícil ter que confrontar mulheres publicamente por posturas políticas autoritárias, capitalistas e de descredibilidade do movimento cultural, social e político popular das periferias.

Não queremos novas formas de colonização da nossa cultura, intelectualidade e corpos, sejam elas explícitas ou mascaradas de democracia. 

Queremos políticas de consulta e participação, as ideias são sempre bem vindas, mas as decisões precisam imprimir a nossa voz. Não lutamos para ter domínio dos nossos corpos e poder de voz para terceirizar ou privatizar nossos direitos. 

Poderíamos dizer que a saída do Bolsonaro nos daria essa garantia, mas o fascismo é mais antigo que ele e em reviravoltas econômicas, a ética se renova e reaparece como um espírito que se personifica em um candidato, mas que ronda mentes e corpos para além dele.

A saída representa imageticamente uma derrota importante, mas que formas práticas de educação e cultura precisam ser impressas em nossa sociedade para que isso aconteça. Entregar os espaços de formação e de cultura na mão do empresariado e da burguesia desse país em um momento tão delicado político é de um rico absurdo.

Nós mulheres da periferia, não queremos na política brasileira arranjos bonitos, modelos da VOGUE, enfeites como flores em um caixão. Uso essa analogia séria, pois vimos e sentimos na pele que o poder executivo desse país, pode matar ou deixar viver quem ele bem escolhe.

Não estou aqui buscando representar todas as mulheres, mas eu não ando só, e sei do corre de muitas professoras, advogadas, enfermeiras, médicas, assistentes sociais, artistas, gestoras, pastoras, Yalorixás, Madres, que vem na luta em nossas quebradas por políticas públicas que detenham a fúria da miséria e da fome que se instaurou e vem crescendo em nosso país. 

Vivemos tempos de acirramento da desigualdade que se instala debaixo do tapete de algumas pessoas que ascendem ao sucesso, de redes sociais, onde tudo vira negócio. O sucesso dentro dessa estrutura se dá levando em conta que nossas bocas cheias de champanhe sejam caladas. 

Eu, mulher, mãe, ventre fértil, que um dia não será mais, preciso garantir minha existência para além de criar, mas permanecer nesse mundo. Reflito que palavras precisamos plantar e colher para nossa gente, garantir felicidade para todes esses, sendo a felicidade o lado subjetivo da saúde.

Como o cuidado pode ser uma ferramenta de luta, cuidando de mim, cuido do todo e o todo bem cuidado, me cuida também. Para além dos descontos nas lojas, o que mais conquistaremos neste 8 de março?

Sabedoria de mãe, sua cabeça, seu guia. 

“Ainda não construímos nossa plena humanidade como mulheres”, afirma antropóloga

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A pesquisadora e antropóloga Alessandra Tavares aponta que é preciso construir uma sociedade que não ignore as meninas negras e a humanidade das mulheres.

Vila Princesa Isabel, Guaianazes – Zona Leste – SP, 2022. Foto: DiCampana Foto Coletivo

O mês de março é marcado por homenagens e reverências às mulheres, que no Brasil, representam 51,1% da população, conforme dados da PNAD Contínua de 2021. Mas como as políticas públicas e a sociedade se relacionam com essas mulheres enquanto sujeitas de direitos?

A antropóloga Alessandra Tavares, afirma que a luta do movimento feminista e negro, foram fundamentais para a existência de uma lógica mínima de humanidade, mas ainda é um processo inacabado. “Nós não construímos nossa humanidade plenamente ainda como mulheres, isso fica evidente”. 

“Não temos acesso livre ao nosso corpo, porque nós não temos o direito de decidir ter filhos, entre continuar uma gravidez ou abortar. Mas principalmente, nós também não temos direito de vivenciar a nossa maternidade, porque sendo mulheres negras, os nossos filhos são assassinados. Se você pensar por essa lógica, a lógica de ‘a favor da vida’, não nos contempla”

Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.

Alessandra, que também é atuante no movimento de mulheres negras e periféricas na zona sul de São Paulo, reforça a necessidade de um olhar generoso para as demandas das mulheres, e como o símbolo de mulher forte passa a ser um atravessamento cotidiano.

“Para mulheres negras e periféricas, se humanizar, ser generosa contigo, com seus próprios processos, é realmente muito desafiador. É como se a gente enfrentasse uma situação de violência hoje e a gente tivesse sempre que estar respondendo”, afirma.

“Muitas vezes já [ouvi] assim, ‘mas eu não consegui fazer nada’, e olhado como um absurdo não conseguir fazer nada. Mas você acabou de viver uma violência, você está em choque, você está em negação. Então está tudo bem não conseguir fazer nada. Nem sempre a gente consegue”

Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.

Além desse olhar atento para si, Alessandra aponta a urgência da sociedade cumprir a função de proteger essas mulheres. “Aquele velho teste social com a criança: uma criança negra sozinha na rua é ignorada. Então como a gente constrói uma sociedade que não ignore essa menina negra, assim como não ignore nós, mulheres negras?”, questiona a pesquisadora.

Equidade de gênero 

Fonte: Dieese – Inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dados dos terceiros trimestres de 2019 e de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.
Fonte: Dieese – Inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dados dos terceiros trimestres de 2019 e de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.
Fonte: Dieese – Inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dados dos terceiros trimestres de 2019 e de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.

Dados como esses reforçam a relevância do debate sobre igualdade e equidade de gênero, mas também contribuem na compreensão de como essas relações de poder e servidão estão presentes – de forma direta e indireta – no dia a dia das mulheres, principalmente negras.

“Durante muito tempo a gente olhava e falava: ‘essa mulher, dona de casa, essa mulher que está ali submetida a um patriarcado servindo ao outro’. Só que existem outras lógicas de servir ao outro”

Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.

Além da disparidade salarial dentro do mercado de trabalho e ambiente formal, a pesquisadora pontua que é preciso ter um olhar atento para essas questões também dentro dos movimentos de luta.

“É muito comum no ativismo como o misto, você vê que as mulheres que estão arrumando as cadeiras, as mulheres que estão preparando a comida, as mulheres que estão servindo a comida, mas não são elas que estão ocupando o microfone. E é importante desnaturalizar isso”, afirma.

A desnaturalização desses lugares invisíveis de poder foi e é parte da luta de muitas mulheres. Alessandra reforça que essa busca deve ser coletiva. “Colocar mais uma responsabilidade nas mulheres de transformar esses ambientes é uma sobrecarga, porque elas já estão resistindo a esse ambiente. Então é preciso que outras pessoas, principalmente homens, se atentem a isso”, finaliza a pesquisadora.

Batalhas de rima discutem gênero e sexualidade nas periferias

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Com intuito de criar espaços para pautar gênero e sexualidade dentro do território, a Batalha de Guaiana e Batalha da Encruzilhada atuam como locais de trocas para pessoas LGBTQIA+.

1° Edição da Batalha de Guaiana, aconteceu na Casa de Cultura de Guaianases, quem venceu foi a Maria Preta (Foto: Miuara Rodrigues)

O desejo de criar uma rede de fortalecimento entre pessoas LGBTQIA+ mobilizou articuladores culturais da zona norte e leste de São Paulo, na criação de batalhas que dialogassem com seus corpos e demandas. Na Batalha da Encruzilhada que acontece na Praça Sete Jovens no bairro do Elisa Maria, distrito da Brasilândia zona norte de São Paulo, e na Batalha de Guaiana, realizada em formato itinerante pelo distrito de Guaianases, zona leste da cidade, os articuladores buscam proporcionar espaços de reflexão sobre gênero e sexualidade na quebrada.

“Quando eu estava fazendo o mapeamento para realizar o projeto aqui no meu território, eu soube de um dado que dizia que aqui era o território que mais mata pessoas LGBT, então como é que a gente está em uma praça falando sobre isso aqui?”, questiona Guayana, 23, não binarie, moradore do Parque Guaianases, na zona leste de São Paulo e organizadore da Batalha de Guaiana.

A Batalha de Guaiana foi criada na Casa de Cultura de Guaianases, mas acontece de forma itinerante pelos bairros do território. O foco é criar um espaço acolhedor principalmente para mulheres, pessoas trans e não bináries, para que possam rimar sobre os temas escolhidos.

“Existe uma dificuldade de acessar pessoas LGBTQIA+ na quebrada, porque ainda sim temos que ficar nos escondendo. Às vezes você é uma pessoa trans e não vai falar disso na quebrada, ou vai tentar se proteger ao máximo”

Guayana – Batalha da Guaiana

A batalha é organizada por Rafaela Araujo e Natália Freires, que são produtoras culturais da zona leste de São Paulo, e também por Guayana, que é MC, poeta e arte educadore. Na Guaiana a batalha é temática: a plateia propõe um tema para ser debatido a cada rodada e ainda podem participar de formações organizadas pelas articuladoras.

“Na batalha de tema a plateia sugere um assunto, e daí temos um tempo para falar desse tema a partir da nossa perspectiva e vivência em cima de um beat. A [batalha] de sangue é um enfrentamento, você vai atacar o outro, e pode atacar de várias formas: as ideias, tem gente que ataca as roupas, aparência”, conta Guayana sobre algumas diferenças na Batalhas da Guaiana.

Guayana conta que dentro das atividades que articulam na batalha, já rolaram oficinas de freestyle, funk e rima com artistas LGBTQIA+, reforçando a importância de ter esses corpos como artistas e educadores.

“A Batalha de Guaiana vem para abrir espaço para esses artistas no território”, aponta Guayana que coloca como um diferencial propor oficinas que são ministradas principalmente por pessoas trans.

Diferentes abordagens, um mesmo objetivo

Na zona norte de São Paulo, acontece outra batalha que também tem o intuito de levantar discussões sobre gênero e sexualidade: a Batalha da Encruzilhada. Organizada por Marcela Trava, Sé da Rua, Quixote, Mendonça e MLK de MEL, a batalha acontece na Praça Sete Jovens, no bairro Elisa Maria, localizado no distrito da Brasilândia, zona norte de São Paulo.

Diferente da Batalha da Guaiana em que a ideia é criar um espaço exclusivo e juntar os moradores LGBTQIA+ do território, na Batalha da Encruzilhada a narrativa é a convivência entre os diferentes corpos, não só LGBTQIA+. A batalha é organizada por corpos dissidentes e o gênero é um marcador que está entrelaçado a essa criação e organização.

“Eu sinto que de alguma [forma a] militância vai entrando em um bolha e acaba afastando as lutas. Eu entendo que as vezes é insuportável conviver com gente cis e hétero, mas até quando vamos precisar nos fechar em bolhas para fazer as coisas acontecerem?”. Djoásis de Mel, 25, artista, produtor cultural e morador do Parque Taipas, na região noroeste de São Paulo, conhecido como MLK de MEL e um dos articuladores da Batalha da Encruzilhada.

O artista afirma que desde o começo existia um consenso entre os criadores de não ter um recorte específico de público, de ser um lugar aberto para os artistas do território movimentarem a sua arte, pois os recortes que os corpos dos próprios criadores têm, já leva a batalha para um lugar distinto. 

“A ideia é ser uma batalha para todo mundo, só que são 5 pessoas LGBTQIA+ organizando uma batalha e tem vários recortes: racial, PCD, trans. Estamos ali organizando com todos esses recortes, mas a nossa ideia é organizar pra todo mundo”

Djoásis – Batalha da Encruzilhada

Diferente da Batalha de Guaiana, a Encruzilhada é uma batalha de sangue, onde os MCs se enfrentam na rima de improviso, sem tema definido. A ideia do grupo é apontar que batalhas de sangue podem ter diferentes perspectivas.

“Até pela experiência das pessoas de pensar que batalha de sangue parece algo meio hétero, ‘coisa de macho’, e não tem que ser. A batalha de sangue na verdade é um debate de ideias, onde a melhor rima ganha da outra, e a nossa ideia era resgatar isso”, afirma Djoásis, conhecido como Mlk de Mel.

O artista aponta que as batalhas também buscam aproximar diferentes pessoas desse movimento. “Regra de não poder falar palavrão, não pode preconceito, não pode falar de terceiros. Descumpriu a regra, perdeu o round. É uma forma do debate ficar lúdico sobre o que tá acontecendo ali e fomentar a cultura hip hop”, comenta.

Ele afirma que as batalhas como a da Encruzilhada são caminhos para gerar debates e também entender novas linguagens. “Queremos fazer rima e fomos entendendo que existem linguagens diferentes, e que a batalha vai criando essa ponte”, finaliza o articulador.

Confira formações promovidas por iniciativas periféricas com inscrições abertas

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A partir de diferentes abordagens, de mercado musical a breaking, as formações promovidas por grupos enraizados nos territórios são gratuitas e tem previsão de início para o mês de março.

Peça Jardim Vertical do grupo Pandora de Teatro – Foto de Mandy Barboza

Elas no Corre – Coletivo Nóiz na Rua

Com intuito de fortalecer jovens mulheres que trabalham no mercado da música, o coletivo Nóiz na Rua está com inscrições abertas para as formações do Elas No Corre: Mercado Musical. Os encontros tem como público alvo mulheres cis e trans, de 18 a 29 anos, moradoras das periferias de São Paulo, que empreendam ou se interessem em alguma área do ecossistema da música, como fotografas, estilistas, maquiadoras, videomaker, produtoras, beatmaker’s, dj’s, entre outras.

Com inscrições abertas até dia 09/03, as formações acontecem entre 16/03/23 até 04/05/23, com encontros às quintas, das 19h às 20h30, em formato presencial na sede da produtora A Banca, no Jardim Kagohara, zona sul de São Paulo. Serão 8 encontros abordando temas como: propriedade intelectual, direitos autorais, distribuição, marketing e outras temáticas que envolvem o mercado musical.

O Nóiz na Rua é um coletivo criado no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, formado por jovens artistas e produtoras culturais que tem o objetivo de realizar eventos, formações e ser uma rede de fortalecimento entre jovens que buscam atuar a partir de sua arte. 

Teatro e Audiovisual – Casa de Cultura São Miguel Paulista

A Casa de Cultura São Miguel Paulista, localizada na zona leste de São Paulo, está com inscrições abertas para oficinas artísticas gratuitas de audiovisual e teatro. A formação “Democratizando o cinema na periferia”, será ministrada por Allyns, artista multilinguagens, e irá utilizar o celular como ferramenta de produção audiovisual.

A oficina não tem classificação de idade, mas tem como foco o público iniciante e intermediário. Os encontros serão aos domingos, das 14h às 17h, com início no dia 05 de março e vão até dia 26 de novembro. Interessados podem se inscrever e acompanhar as oficinas mesmo depois da turma já iniciada.

Na formação de Teatro e Ancestralidade, o objetivo é pensar a criação artística como um lugar de encontro e partilha, além de ampliar as referências na linguagem do teatro, estimular a autonomia e oferecer ferramentas de criação cênica.

Os encontros de teatro serão às quintas-feiras, das 13h30 às 16h30, com início em 02 de março até 30 de novembro, e tem como público alvo maiores de 12 anos, em nível iniciante. Assim como a oficina de audiovisual, com a inscrição realizada pelo formulário a participação está liberada mesmo após a data de início dos encontros.

Poéticas do Absurdo Latino Americanas – Grupo Pandora de Teatro

No dia 04 de março, sábado, das 13h às 16h, o Grupo Pandora de Teatro ministra a formação “Poéticas do Absurdo Latino Americanas”, com 20 vagas voltadas para maiores de 14 anos, que será realizada na Oficina Cultural Oswald Andrade, no Bom Retiro, São Paulo, com entrada gratuita. A formação propõe refletir sobre as formas que o Teatro do Absurdo influenciou a dramaturgia na América Latina.

Aliado a oficina, o grupo também irá apresentar no mesmo espaço cultural o espetáculo “Jardim Vertical”, na sexta (03/03), às 20h00 e sábado (04/03), às 18h00. A peça é uma fábula que reflete sobre as relações familiares e a falsa ideia de segurança a partir do dia a dia de uma família que opta por se isolar do mundo exterior em um seguro apartamento no 47° andar de um edifício.

Com 19 anos de atuação, o Grupo Pandora de Teatro é enraizado no território de Perus, zona noroeste de São Paulo, e em suas criações abordam temáticas que envolvem à história de Perus e do Brasil, suas injustiças sociais e problemáticas, através da invenção poética.

Breaking – Grupo Unity Warriors

No sábado, (04/03), às 16h, no município de Cajati, São Paulo, acontece a oficina de breaking ministrada pela Unity Warriors. No mesmo dia, às 20h, o grupo apresenta o espetáculo “MANOfestAÇÃO”, seguida de bate-papo. As atividades são gratuitas e acontecem na Concha Acústica da Praça da Bíblia, que fica na Avenida Fernando Costa, 1535 – Jardim Isabel, Cajati.

Já no domingo, (05/03), às 10h, o grupo ministra a oficina de breaking em Registro, São Paulo. No mesmo dia, às 18h, realizam a apresentação do espetáculo “MANOfestAÇÃO”, seguida de bate-papo. As ações também são gratuitas e acontecem no Teatro Caixa Preta de Teatro, que fica na Rua Meraldo Prévidi, 531, no Centro de Registro, São Paulo.

Nas duas cidades, a oficina apresentará os fundamentos técnicos do breaking por meio de jogos e diálogos estabelecidos sobre o pensar e fazer dança. Cada oficina contará com 20 vagas gratuitas destinadas para adolescentes e jovens com ou sem experiência em dança.

O grupo Unity Warriors surgiu em 2015, a partir da união de jovens da periferia de Perus e São Miguel Paulista, com a proposta de celebrar a cultura hip-hop através do breaking.

“Quando você fica tanto tempo no transporte a cidade muda”, afirma poeta sobre direito à cidade

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Através da poesia, Midria Pereira busca construir narrativas que dialoguem com sua identidade e reivindica o direito de acessar todos os espaços a que tem direito.

A partir da convicção de que todas as pessoas podem ser agentes transformadores, Midria da Silva Pereira, 23, que é nascida e criada no bairro Recanto Verde do Sol, no distrito de Iguatemi, na zona leste de São Paulo, se considera uma trabalhadora da palavra, tendo essa como sua ferramenta de mudança e transformação social.

Além de poeta, Midria também é cientista social e atua diretamente com outros jovens. O contato com a literatura aconteceu ainda no ensino fundamental, ao participar do projeto Círculos de Leitura, onde teve a possibilidade de discutir suas leituras de forma coletiva e assim também começou a escrever.

“Meu primeiro poema foi sobre amor, era uma coisa tipo assim: ‘será que um dia, eu vou sonhar e iremos nos encontrar para então dançar, a noite do luar’, era uma coisa assim tudo com ar”, relembra a poeta.

Cidade linda?
Pra quem?
Porque enquanto o cartão postal continuar a ser a Avenida Burguesa
Paulista, o resto da cidade vai continuar sendo sempre o resto
O relegado, o deixado de lado, a borda, a horda, a várzea
A periferia
Inclusive amo a minha quebrada
Salve São Mateus, salve Recanto!

Trecho da poesia Paulistana Periférica de Midria Pereira.

Já no ensino médio, a poeta conheceu o Sarau do Vale que acontecia no seu bairro, e foi nesse momento que sua relação com a poesia também mudou. “Foi esse espaço de eu entender que tinha gente viva escrevendo, gente que era parecida comigo, de ouvir falar da Carolina Maria de Jesus, de Cora Coralina”, conta Midria.

Direito à cidade 

A atuação da poeta tem ligação direta com o direito à cidade. Ela conta que a partir do momento que ingressou no ensino superior, sua relação com a cidade mudou. O que passou a refletir diretamente nas suas criações. “Quando você começa a fazer esse percurso todo dia e fica tanto tempo no transporte, a cidade muda”, afirma a poeta que realizava um trajeto de quatro horas no período da graduação.

“Até então minha relação com a cidade estava muito circunscrita ao meu bairro, aquela parte da zona leste: São Mateus, Jardim Iguatemi, Cidade Tiradentes. Era ir até o Carrão para fazer um cursinho no sábado, no Aricanduva para ir no shopping, e no Parque do Carmo pelo Sesc e o parque”, conta Midria.

Eu quero que as distâncias dessa cidade sejam encurtadas
e que a mobilidade não restrinja mais nossos caminhos de vida
Mas isso não significa que eu queira chegar mais rápido até o centro
Eu quero um fura-fila pra cultura e pra todas as vias de desenvolvimento
bem ali perto de mim, na quebrada
Na zl, na zs, na zo, na zn
Que toda periferia seja reconhecida em sua pluralidade
Na sua gama de interminável de possibilidades

Poema da Midria Pereira.

Através desse processo de acessar a cidade, Midria aponta que se conectou com diversos movimentos que lutam pelo direito de ir e vir, e passou a se aproximar de movimentos como o Passe Livre São Paulo.

“O direito à cidade é tudo. Embora eu conseguisse ter uma vida ok só estando no meu bairro, quando começo a sair dos meus distritos minhas redes se expandem. Com isso a possibilidade de projeção daquilo que estou fazendo”

conta a poeta que também passa a recitar em slams pela cidade.

“Chego a participar do ZAP! Slam e depois ir recitar na televisão no programa Manos e Minas, e isso acontece por questões de rede que estão em determinados lugares e em outros não”, afirma Midria sobre estar em espaços que não foram projetados para corpos como o seu, mas que através da sua poesia tem se tornado possível.

Possibilidades de existência

Antes de participar do sarau no seu território, as poesias de Midria tinham um tom mais contemplativo sobre a vida. A partir do contato com o sarau, passou a refletir sobre si “tentando construir uma narrativa que me coubesse”, conta.

“Tem uma poesia que eu escrevi que termina: ‘A sociedade querendo ou não, vou usar meu cabelo assim ponto final da questão’. Era uma afirmação, e no sarau as pessoas ouvindo e valorizando aquilo, criava outra realidade, que tudo bem eu ter meu cabelo natural e não preciso passar por nenhum tipo de violência por conta disso”, compartilha.

Poeta Midria Pereira recitando poema do seu livro “A menina que nasceu sem cor”. Foto: Millena Nascimento

A poeta ainda descobriu novas versões do racismo e da sua própria existência também no processo de circular pela cidade e no ensino superior. A partir disso, Midria publicou dois livros onde fala sobre ‘a menina que nasceu sem cor’.

“Eu precisava construir alguma coisa que refletisse a minha experiência [que] era essa do não lugar. Quando eu escrevo ‘a menina que nasceu sem cor’, que hoje é meus dois livros publicados, não é só colocar que eu sou negra e ponto, é uma forma de fazer toda reconstrução da minha identidade”, diz Midria.

Com a possibilidade de acessar novos espaços, junto com dois amigos, Nuno e Ygor, a poeta criou o Slam Usperifa. Inicialmente era uma forma de recepcionar os calouros do curso de ciências sociais da USP, mas em pouco tempo passou a reunir poetas de vários territórios, onde muitos entraram pela primeira vez na universidade recitando sobre seus corpos.

A poeta ainda busca unir sua arte com as palavras à sua atuação enquanto cientista social, e assim reafirmar os poetas como profissionais em um campo importante de atuação.

“Fiz duas pesquisas sobre slam, uma primeira estudando a trajetória de profissionalização de poetas negras do slam em São Paulo. É muito importante registrar isso e estou transformando essa pesquisa em um documentário para ter registrado. Porque é isso, a minha avó não vai ler as 100 páginas de relatório, mas se tiver um filme, um vídeo, ela vai conseguir entender”

Midria Pereira.

É nessa associação entre suas diversas formas de atuação que a poeta une esforços para colocar a poesia e o trabalho de poetas em evidência. Sua próxima produção será sobre poetas negras surdas dentro do slam, evidenciando o corpo dentro da poesia.

“O mundo entrega muitos marcadores em relação à raça, gênero, sexualidade, classe, e a gente sempre tem que ir criando nossa história, nosso ponto de vista”, finaliza a poeta.

Fábrica de Cultura do Jardim São Luís abre inscrições para curso gratuito de moda

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A formação é voltada para jovens e adultos, e as inscrições estão abertas até o dia 01 de março, presencialmente, na Fábrica de Cultura do Jardim São Luís.

NÚCLEO DE MODA – Desfile Sonhos

Criadores, estilistas e fazedores de moda das periferias de São Paulo têm até 1º de março para se inscrever no curso de formação do Núcleo de Moda das Fábricas de Cultura, para estudos teóricos e práticos sobre moda periférica. Gratuito e com certificado, o curso tem duração de dois anos e contará com módulos bimestrais teóricos sobre criação, negócios e indústria da moda; e módulos práticos em laboratórios de corte e costura.

Podem se inscrever pessoas a partir de 16 anos com alguma experiência em moda: desde uma costura em casa até a administração do próprio negócio, como um brechó. As inscrições são presenciais na Fábrica de Cultura Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo, local em que as aulas serão ministradas. Para a inscrição é necessário apresentar documento com foto e comprovante de residência.

Em dezembro de 2022, participantes da 1ª imersão do Núcleo de Moda desfilaram as peças produzidas de forma colaborativa. | Crédito: Vxldinei Sousa

São disponibilizadas 30 vagas, preenchidas por ordem de inscrição. As aulas do Núcleo de Moda serão ministradas às terças e quintas, das 19h30 às 21h30, sob a supervisão de Jaqueline Loyal, criadora do LOYAL, movimento de moda periférica.

Serviço 

Núcleo de Moda

Período de inscrição: de 1º de fevereiro a 1º de março de 2023.
Gratuito, 30 vagas, preenchidas por ordem de inscrição.

Inscrições presenciais na recepção da Fábrica de Cultura Jardim São Luís.
Endereço: Rua Antônio Ramos Rosa, 651 | Telefone: (11) 5510-5530

Início das aulas: 2 de março de 2023
Período das aulas: terças e quintas das 18h30 às 21h30
Duração da formação: 2 anos