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Bloco Maria Fuá fortalece carnaval brincante em São Bernardo do Campo

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Criado em 2011, pela companhia de teatro “As Marias”, o Bloco Maria Fuá desfila pelas ruas do bairro Parque Imigrantes, localizado em São Bernardo do Campo, com o intuito de tornar a festa acessível e próxima para os moradores do território.

“Quando a gente funda As Marias é no intuito de ir para as ruas, e nessa utopia de levar a arte para todo lugar, porque me incomodava fazer espetáculo e não vê a minha vizinhança indo me assistir”, conta Cibele Mateus, 38, atriz e uma das fundadoras do bloco, sobre a motivação de criar o Maria Fuá a partir das experiências na companhia de teatro.

A atriz conta que uma das características do bloco é ser uma brincadeira para a comunidade. “Tem esse lugar lúdico, de trazer esse imaginário fantástico dessas bonecas grandes”. 

Diferente de alguns blocos em São Paulo que convidam o público para pular carnaval, o Maria Fuá convida o público para brincar o carnaval. Esse brincar envolve se divertir, dançar, tocar, se fantasiar, cantar marchinhas, e juntar linguagens como o coco de roda, a capoeira e a apresentação de pife.

O bloco nasceu inspirado no trabalho do grupo Caixeiras das Nascentes, que são criadoras do bloco Caixeirosas, formado por mulheres moradoras de Campinas que tocam caixas, e se referenciam na Festa do Divino Espírito Santo, que acontece no Maranhão.

“A gente resolveu criar um bloco e deu o nome de Maria Fuá por sermos mulheres negras, com todos os nossos cabelos, nossos fuás que já foram tão ditos de uma forma pejorativa, mas que aqui a gente traz uma valorização. E esse Fuá vai desde esse cabelo volumoso, como fuá de bagunça mesmo.”

Cibele Mateus, atriz e fundadora do Bloco Maria Fuá.

A cada ano o bloco segue um trajeto diferente para contemplar cada canto do bairro, e também percorre escadões e vielas. “[A gente] nunca teve a pretensão de ser um bloco profissional aos moldes de São Paulo, a gente sempre quis atuar dentro da periferia e dentro da nossa realidade”, afirma Cibele.

Referências

A figura dos bonecos gigantes que popularmente são conhecidos pelo carnaval de Olinda, também está presente em carnavais de outras regiões. Como é o caso do bloco das Caixeirosas, de Campinas, que usa as bonecas como principal elemento das suas brincadeiras durante o cortejo, e que inspirou a criação da Maria Fuá, em São Bernardo do Campo.

As Caixeirosas, grupo que é madrinha da Maria Fuá, todo ano homenageia uma boneca nova, e em 2013, a homenageada foi a Fuá, desde então o bloco Maria Fuá participa do cortejo das Caixeirosas no fim de semana do Carnaval, e realiza o próprio desfile na semana seguinte. 

Fora a boneca Fuá, o bloco tem mais duas bonecas: a Zabé da Loca, criada em 2019, e a Ginga, de 2023. Todas as bonecas têm o próprio momento na brincadeira durante o cortejo. 

A boneca Zabé da Loca foi inspirada na mestra de pife nordestina Isabel Marques da Silva, considerada a rainha do pífano. “A gente tem esse instrumento no nosso bloco [pífano], que foi trazido pela Gil Lavorato, que é uma integrante do grupo. Por conta desse instrumento a gente foi homenagear a Zabé da Loca”, conta Cibele.

“A Ginga é uma boneca capoeirista, coquista (que dança coco de roda). Ela vem dançando com o som do berimbau e depois a gente puxa um repertório de coco, do carimbó de caixa”. Cibele compartilha que ao todo são três bonecas e um repertório com, em média, 14 marchinhas feitas a cada carnaval.

Além das bonecas, o Bloco Maria Fuá também incorpora elementos do circo, a partir da rede de amizade com artistas circenses. “Sempre vem gente de perna de pau, malabares, palhaço e nos últimos anos a gente vem fazendo o carnaval e depois um espetáculo de circo”, conta a fundadora.

Negritude e território

Embora o bloco tenha elementos que remetem ao carnaval e às manifestações culturais nordestinas, como o pífano, o carimbó, a capoeira, o coco de roda, Cibele conta que essas escolhas não foram feitas conscientemente nesse sentido, mas sim com foco na negritude. 

“Para além de ser nordestina, tem um lugar na periferia que é a negritude, que talvez esteja mais preservado no nordeste essa negritude, essa comunidade voltada para uma brincadeira. Quando o bloco Maria Fuá vem para o Parque Imigrantes, por exemplo, tem muitas famílias, pessoas nordestinas que moram aqui, mas para além disso são pessoas negras”, aponta a atriz que também cresceu na região. 

Cibele explica que a constituição do bloco se dá, principalmente, pelos núcleos negros de famílias das mulheres que integram o grupo, e que são moradoras da região. “São famílias que vão se juntando, pessoas da comunidade que vão se juntando em prol de fazer essa brincadeira. A gente vê esse valor que as comunidades negras têm que é o fazer junto”, comenta.

Cibele Mateus, fundadora e diretora geral do bloco Maria Fuá (Foto: Amanda Lopes).
Cibele Mateus, fundadora e diretora geral do bloco Maria Fuá (Foto: Amanda Lopes).

A organização do bloco é descentralizada. Cibele faz a direção geral e artística do evento, e todas as demandas são divididas, desde a preparação da comida, articulação, divulgação nas escolas, carro de som, entre outras atividades. “Tudo isso é a mulherada da comunidade que faz”, conta Cibele sobre esse poder de organização no território.

“A comunidade se junta e faz vaquinha, os mercadinhos, as pessoas fazem doação de refrigerante, pipoca, gelinho, a gente se junta e faz confetes e serpentinas também para a criançada poder brincar”.

Cibele Mateus, atriz e fundadora do Bloco Maria Fuá.

De 2011 a 2016, o Maria Fuá atuou no bairro Jardim Calux, que é a terceira maior favela de São Bernardo do Campo, onde é a sede do grupo fundador “As Marias”. Em 2016, o bloco migra para o Parque Imigrantes e é abraçado pela comunidade. 

Cibele comenta que viver e atuar no Parque Imigrantes é uma forma de resistência contra as ausências. “A gente precisa muito [disso] no contra fluxo também dessas violências, da drogadição, tem um lugar do alcoolismo [que é] muito forte aqui, tem também um lugar do fundamentalismo religioso, então a gente também vai tentando dialogar com esses espaços”, aponta Cibele.

Desde sua criação o bloco tem se tornado um local de formação e ponto de contato com arte e cultura no território. “Para que [os moradores] entendam que também são criadores de cultura e de arte”, pontua Cibele.

Além do bloco, na tentativa de alcançar mais moradores do bairro, o Maria Fuá também realiza outras atividades no território como uma festa junina.

Carnaval 2024

Nesse ano, o cortejo da Maria Fuá acontece dia 17 de fevereiro, a partir das 14h. A concentração do bloco será na Rua da Passarela, no bar do Marcelo. Além das marchinhas de carnaval, o bloco terá a participação de um grupo de maracatu, o Mulheres do ABC.

Para participar do bloco é só chegar e brincar. Pode ir fantasiado e se quiser tocar junto com o bloco basta levar algum instrumento. O bloco também empresta alguns acessórios e fantasias, basta chegar com antecedência.

CancelaoVape: Campanha lista 10 fatos para manter a proibição aos cigarros eletrônicos

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Mirando a participação de jovens, um dos públicos mais impactados pelo consumo de cigarros eletrônicos, a #CancelaOVape reúne informações confiáveis para o público participar da consulta pública da Anvisa, que recebe propostas inovadoras até 9 de fevereiro.

“Tem sabor de morango, mas pode matar” é a mensagem de alerta que estampa a página inicial do site da campanha #CancelaOVape que reúne 10 motivos para manter a proibição aos cigarros eletrônicos e um link com orientações sobre como participar da consulta pública da Anvisa. A proposta é falar principalmente com formadores de opinião e o público mais jovem, que são os principais usuários no Brasil.

A ACT Promoção da Saúde, a Vital Strategies e organizações parceiras lançam a campanha #CancelaOVape com o objetivo  de oferecer informações confiáveis e sem conflitos de interesses sobre os cigarros eletrônicos e outros dispositivos eletrônicos para fumar – DEFs. A iniciativa foi pensada em apoio à proposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa submetida à consulta pública, que recebe contribuições da população até a próxima sexta-feira, 9 de fevereiro.

Segundo Mariana Pinho, coordenadora do Projeto Controle do Tabaco da ACT, esses produtos são pensados para atrair principalmente o público jovem e, mesmo com evidências científicas robustas e posicionamentos de entidades como a Organização Mundial da Saúde contra esses dispositivos, ainda há muita desinformação, divulgada principalmente pela indústria do tabaco. 

“Esses produtos têm sabores agradáveis e design moderno. São feitos para atrair adolescentes e jovens. Assim, a indústria garante a dependência logo cedo, formando um mercado consumidor que durará por muito tempo. Os danos à saúde são imensos e têm aparecido cada vez mais cedo, quando comparados aos usuários de cigarros convencionais”, explica a coordenadora do Projeto Controle do Tabaco da ACT. 

A proposta da consulta pública da ANVISA é ampliar a abrangência de restrições para o uso de cigarros e dispositivos eletrônicos que aproximam as juventudes do tabagismo. (Foto: Pixabay)

Fatos sobre tabagismo entre jovens

Os vapes têm sido a porta de entrada das juventudes para o tabagismo. De acordo com dados do Vigitel de 2023, inquérito de saúde brasileiro mais duradouro e ininterrupto feito por entrevistas por telefone, 60% dos usuários de 18 a 24 anos nunca haviam fumado cigarros convencionais.

Ainda segundo o Vigitel, no ano passado, 6,1% dos jovens adultos – de 18 a 24 anos – haviam utilizado DEFs. Em 2019, o índice era de 7,4%. 

Proibidos no Brasil desde 2009 pela Anvisa, os DEFs estão sob consulta pública em uma norma ainda mais abrangente e detalhada, baseada em evidências científicas e alinhada às recomendações da OMS, que substituirá a atual vigente. 

A #cancelaovape também apresenta evidências que desmontam o argumento da indústria de que os dispositivos eletrônicos são mais seguros que os cigarros convencionais. Pesquisas já identificaram cerca de duas mil substâncias químicas em cigarros eletrônicos, levando ao adoecimento dos seus consumidores mais precocemente do que os consumidores de cigarros.  

Assim como os cigarros, os DEFs, em sua maioria, contêm nicotina, substância que causa forte dependência. Alguns têm sais de nicotina, o que aumenta a capacidade de gerar dependência. 

Estudo do Instituto do Coração – InCor mostrou que os usuários de dispositivos eletrônicos apresentam níveis de nicotina no organismo equivalentes ao consumo de, pelo menos, 20 cigarros convencionais por dia. 

A proibição dos vapes no Brasil é uma estratégia de proteção da população que tem dado certo. Ao contrário do que a indústria tenta fazer parecer, o consumo está concentrado nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília e tem caído ao longo do tempo.

Já os países que liberaram o comércio estão vendo um aumento significativo no consumo. Os Estados Unidos, por exemplo, declararam enfrentar uma epidemia de vapes entre adolescentes. De acordo com a pesquisa “Uso de cigarros eletrônicos e uso dual entre jovens em 75 países: estimativas da Global Youth Tobacco Surveys (2014-2019)”, realizada com estudantes entre 13 e 15 anos, nos países que proíbem a venda de cigarros eletrônicos os níveis de consumo por jovens são menores do que países que permitem, e há redução das chances do consumo por este público.

Blocos de rua nas periferias: confira a programação do carnaval em São Paulo

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Aproveite a folia de carnaval nas periferias. Confira nossa lista com 15 bloquinhos nas quebradas da cidade.

Zona sul

10/02/24 – Bloco do Beco
O Bloco do Beco é uma Associação Cultural sem fins lucrativos que atua desde 2002 no Jardim Ibirapuera. O principal objetivo é atrair crianças e adolescentes para a cultura local.

Horário de concentração: 12h
Saída do Bloco: 14h
Local: Rua Salgueiro do Campo, altura do 612 – Jd. Ibirapuera, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

11/02/24 – Bloco do Litraço
Fundado em 2016, o Bloco do Litraço foi criado para divertir não só os moradores do Jd. São Luís, mas também todos que tem espírito coletivo. O repertório vai de marchinhas clássicas a temas famosos como trilha de filmes.

Horário de concentração: a partir das 11h
Local: R. Dr. Otacílio de Carvalho Lopes – Jardim São Luís, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

12/02/24 – Bloco Afro É Di Santo
O Bloco Afro É Di Santo nasceu em 2010 na região de M’Boi Mirim. Com composições autorais e também canções de ritmo samba-reggae, o grupo busca valorizar toques e ritmos de origem afro-brasileira.

Horário de concentração: a partir das 13h
Local: Casa de Cultura do M’boi Mirim – Av. Inácio Dias da Silva, s/nº – Piraporinha, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

17/02/24 – Império do Morro
O bloco desfila desde 1982 pelas ruas de M’Boi Mirim promovendo o resgate das tradições carnavalescas por meio da música e cultura popular. Os organizadores incentivam a participação dos moradores da comunidade, atraindo crianças, jovens e famílias.

Concentração: 14h
Local: R. João Meimberg – Jardim Monte Azul, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

17/02/24 – Cordão das Amoxtradas
Cordão Carnavalesco, criado em fevereiro de 2020, em Parelheiros.

Concentração: 13h
Local: Nazle Mauad Lutfi, 183 – Parelheiros, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

Zona Leste

10/02/24 – Baú do Pirata – Infantil
O Baú do Pirata já existe há 10 anos e esta é sua estreia como bloquinho de Carnaval.

Concentração: 09h
Local: Praça Fortunato da Silveira – São Miguel Paulista, São Paulo – SP
Mais informações, acesse aqui.

12/02/24 – Cordão Sucatas Ambulantes
Fundado em 2007, o Cordão Folclórico de Itaquera “Sucatas Ambulantes” é um grupo de pesquisa e valorização da cultura popular que confecciona diversos tipos de bonecos, realiza cortejos de rua e blocos carnavalescos.

Concentração: 15h
Local: Praça Brasil – Av. Nagib Farah Maluf, s/n – Conj. Res. José Bonifácio, São Paulo – SP
Mais informações, acesse aqui.

12/02/24 – Bloco do Baião
No Carnaval também tem baião! Uma homenagem a Luiz Gonzaga, o rei de todos os tempos do gênero nordestino.

Concentração: 15h
Local: Av. Dr. Jose Aristodemos Pinotti – São Miguel Paulista, São Paulo – SP
Mais informações, acesse aqui.

13/02 – Bloco do Sabota
O bloco Sabota nasceu no Jardim Samara para espalhar alegria pelas ruas do bairro.

Concentração: 11h
Rua Angélica da Costa (em frente a EMEF Humberto de Campos), Cidade Patriarca, São Paulo – SP.

18/02/24 – Bloco BatucAfro
O bloco Batucafro em 2024 traz um dos princípios do kwanzaa para as ruas do Itaim Paulista: “Umoja – A unidade é estar entre seus pares, família, comunidade e povo”.

Concentração: 14h
R. José Cardoso Pimentel – Vila Alabama (em frente a escola de samba Unidos de Santa Bárbara), Itaim Paulista, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

Zona norte

10/02/24 – Bloco dos Zatt’revidos
O Bloco dos Zattrevidos foi fundado em 2013 com o objetivo de levar o carnaval de rua para os moradores da região.

Concentração: 14h
Local: R. Jenny Bonilha Costivelli – Pirituba, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

11/02/24 – Perus Folia
Bloco carnavalesco realizado no bairro de Perus, em São Paulo.

Concentração: 13h
Local: Av. Dr. Sylvio de Campos, a partir do número 418 ao 201 – Perus, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

13/02/24 – Diversidade Unida
O bloco Diversidade Unida representa o Carnaval com liberdade e diversão para todos em uma folia com clima de família. Na busca por espaço na folia paulistana, o bloco LGBTQIA+ festeja ao som do pop e funk nas ruas de Perus.

Concentração: 14h
Local: Av. Dr. Sylvio de Campos a partir do número 418 ao 201- Perus, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

17/02/24 – Balaio do Canjico
O Samba do Balaio do Canjico existe desde setembro de 2013, e foi criado com o objetivo de promover um encontro da população com o samba.

Concentração: 14h
Local: Rua Raimundo da Cunha Matos – Sítio Morro Grande, Pirituba, São Paulo – SP.
Mais informações, acesse aqui.

18/02 – Bloco do Fumaça
Bloco tradicional do Jaçanã, nascido a partir de um clube de futebol formado por amigos de infância que resgataram a antiga amizade com muito samba.

Concentração: 12h
Local: Rua Manoel Gaya, 800 – Vila Nova Mazzei, São Paulo – SP
Mais informações, acesse aqui.

Falta de água no Jardim Santa Lúcia expõe desigualdades no abastecimento da Sabesp

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Zona Sul de São Paulo – O Jardim Santa Lúcia, fundão do Jardim Ângela, periferia de São Paulo, vive dias críticos e secos. A água, recurso essencial à vida, tornou-se uma miragem para as quase mil famílias da região, que lidam com a ausência contínua do suficiente. São muitos dias sem uma gota cair da torneira na Rua Afonso Rui.

A indignação cresce à medida que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) não apresenta soluções imediatas, apesar de anunciar projetos futuros.

Vilma Carla (44), mãe de quatro filhas e avó de 1 neta, expressou sua exaustão: “Não aguentamos mais tanto descaso. Toda vez é a mesma resposta. Já não aguentamos tamanho abandono”. 

Já Willian Sales (42), casado e com duas filhas, que tem o sonho de sair do aluguel e está construindo uma casa para sua família, relata que sua obra teve que parar mais uma vez por falta de água. “O pedreiro pediu para parar a obra. É difícil, porque já não temos dinheiro e o pouco que temos não rende. Eles deviam pensar em quem é mais pobre”.

A comunidade, sentindo-se abandonada pelas autoridades, cogita medidas desesperadas como a contratação de um caminhão pipa para aliviar uma situação mais drástica. O preço por 5.000 litros é de 750 reais. Uma contradição, porque segundo o site Nível de Água em São Paulo, nos últimos 30 dias o sistema Guarapiranga ganhou 8,60% da sua capacidade máxima, o que corresponde a 1.471 milhões de litros, que são equivalentes a 73.530 caminhões pipa de 20.000 litros.

A busca por respostas levou um grupo de moradores até a sede da Sabesp. A companhia, no entanto, limitou-se a mencionar um projeto que promete melhorar o abastecimento na região até 2034, uma promessa distante que pouco faz para saciar a sede imediata da população. 

A falta de respostas objetivas sobre o problema atual aumenta a incerteza ao cenário já conturbado, exacerbado pelas discussões sobre uma possível privatização da empresa de saneamento, deixando o futuro do abastecimento como uma incógnita.

A crise não é apenas localizada. Dados mostram que a periferia de São Paulo enfrenta desafios de abastecimento muito maiores quando comparados aos bairros nobres. Enquanto regiões como o Jardim Santa Lúcia convivem com interrupções incomuns, áreas privilegiadas raramente experimentam tais inconvenientes.

Uma análise dos serviços da Sabesp revela que, em bairros nobres como Morumbi e Moema, as interrupções no fornecimento de água são pontuais e geralmente associadas a manutenções programadas, com avisos prévios e restabelecimento rápido. 

Em contraste, a periferia luta com a irregularidade e a imprevisibilidade não adequada, evidenciando uma disparidade que reflete desigualdades sociais e econômicas.

A situação do Jardim Santa Lúcia é um microcosmo de crise hídrica que afeta diversas outras comunidades periféricas, onde a água, um direito humano básico, é transformada em artigo de luxo. 

Os moradores, entre a denúncia e a revolta, aguardam ações concretas que possam trazer alívio imediato e garantir a segurança hídrica.

O olhar atento da sociedade e a pressão contínua sobre os responsáveis ​​são essenciais para garantir que o direito à água não seja apenas uma promessa distante, mas uma realidade para todos, independentemente do CEP.

A questão permanece: até quando o Jardim Santa Lúcia e tantas outras comunidades terão que esperar por água?

O relato de Vilma e a luta dos moradores do Jardim Santa Lúcia não são apenas um apelo por água, mas um chamado por justiça social e equidade sem acesso aos recursos básicos. 

A Sabesp e as autoridades competentes devem considerar e responder com urgência à sede dos direitos que a periferia reivindica, antes que a seca física se transforme em uma seca de esperança.

Nota: A Sabesp foi contatada para comentar a respeito das ações imediatas e dos planos a longo prazo para o Jardim Santa Lúcia, mas até a publicação da coluna não houve retorno.

Onda de privatizações e política de encarceramento

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A intensificação das privatizações levanta questões cruciais sobre o papel do Estado no atendimento das necessidades primárias da sociedade. Enquanto a busca por eficiência e atração de investimentos são motivadores, é crucial avaliar como essas mudanças impactam diretamente o acesso da população a direitos essenciais, como saúde, educação, transporte, dentre outros.

Essa reflexão é fundamental porque há um equívoco comum em acreditar que os programas de privatizações melhoram a qualidade dos serviços, expandem seu alcance, trazem benefícios de arrecadação e, por último, que o setor privado existe separado dos interesses políticos que contaminam o serviço público.

“Eficiência” e “corrupção” são as duas palavras mais entusiastas dos liberais que “promovem à marteladas, ferro e fogo”, os programas de privatização, como o carioca que governa São Paulo, Tarcisio de Freitas. Entretanto, isso não é uma característica exclusiva da direita brasileira ou do carioca que governa os paulistas.

Sempre o que está em jogo é o interesse, o capital político e econômico por trás do lobby pela privatização e a criação de coalizões de forças em qualquer um dos três níveis federativos nas relações entre os poderes legislativo e executivo.

Entretanto, não é apenas no Estado paulista que direitos essenciais estão na mira de grandes empresas e correm riscos de serem privatizados. Apesar do nosso enfoque ser as ondas de privatizações em SP, abaixo vocês podem verificar um breve panorama das políticas de privatização de líder a frente do governo federal.

Políticas de privatizações de cada governo

Governo FHC (1995-2002) – durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil vivenciou o período de maior privatização da história, entre 1994 e 2002. Foram concedidas 80 empresas de diversos setores, incluindo a Vale, Telebras, Embratel e bancos. Embora o PIB brasileiro tenha aumentado em 20% nesse período, a média mundial ficou em 32%. Esse processo marcou uma mudança significativa na gestão estatal de empresas.

Governo Lula (2003-2010) – Lula, em seu primeiro mandato, adotou um modelo diferente, optando por concessões em setores como usinas, rodovias e aeroportos, em vez de privatizações diretas. Durante seus dois mandatos, o Brasil registrou o maior crescimento econômico da série histórica, com o PIB aumentando 43% entre 2003 e 2010. Esse período contrasta com a fase de privatizações massivas no governo anterior, embora tenha focado em concessões.

Governo Dilma (2011-2016) – Dilma Rousseff, mantendo a estratégia de Lula, continuou com concessões em setores como transporte rodoviário, linhas de transmissão e aeroportos, além da privatização da IRB-Brasil Resseguros. No entanto, o país enfrentou um período de estagnação econômica, com o PIB brasileiro não registrando crescimento nos seis anos de seu governo.

Governo Temer (2016-2018) – sob o comando de Michel Temer, o Brasil iniciou um ambicioso pacote de privatizações, com a expectativa de concluir 75 projetos em 2018. Esses projetos envolviam diversas modalidades, como venda total ou parcial de participações acionárias em estatais, concessões, arrendamentos e prorrogações de contratos existentes. A previsão oficial de arrecadação com os leilões era de R$28,5 bilhões, com destaque para a Eletrobras, estimada em R$12,2 bilhões.

Governo Bolsonaro (2018-2022) – Jair Bolsonaro, ao assumir a presidência, manteve e intensificou a agenda de privatizações. Durante seu governo, 36% das estatais brasileiras foram privatizadas, reduzindo o controle da União de 209 para 133 empresas. A Eletrobras foi uma das empresas emblemáticas privatizadas, e outras, como os Correios, entraram na mira do processo de desestatização. A busca por atrair investimentos e reduzir a participação do Estado na economia foi um dos pilares dessa estratégia.

Privatizações em São Paulo

A história das privatizações em São Paulo desvendam um padrão inquietante de decisões que favorecem interesses econômicos em detrimento do bem-estar coletivo.

É essencial que a sociedade se envolva no debate sobre o futuro do estado, questionando a lógica por trás dessas privatizações e exigindo transparência, prestação de contas e uma abordagem mais alinhada às necessidades reais da população.

A confiança no modelo privatizante precisa ser substituída por um olhar crítico, considerando os impactos sociais, econômicos e éticos dessas políticas.

Na década de 90, os governadores Mário Covas e Geraldo Alckmin protagonizaram a privatização do setor energético, comprometendo a qualidade dos serviços, elevando tarifas e reduzindo empregos. 

Mesmo após críticas do então candidato Covas ao projeto no governo Fleury, Covas e Alckmin lideraram o maior programa de privatizações do estado, aprovando o PL 71/96, instituindo o Programa Estadual de Desestatização (PED) e a Companhia Paulista de Administração de Ativos (CPA) em junho de 1996. 

Geraldo Alckmin, presidente da CPA, conduziu as privatizações, resultando na venda de rodovias, ferrovias e empresas essenciais, gerando redução de postos de trabalho e salários.

Em 2007, José Serra contratou instituições financeiras para avaliar o patrimônio de 18 estatais paulistas e avançou nas políticas neoliberais sobre a gestão pública. Serra montou um conselho com bancos como JP Morgan, Morgan Stanley, UBS Banco, Banco Espírito Santo, Citi e Fator. 

As 18 empresas foram categorizadas em três grupos, considerando o potencial de venda e valor de mercado: 

1) Nossa Caixa, Sabesp e Cesp, estimando um patrimônio conjunto de R$ 25 bilhões, conforme a Bolsa de Valores de São Paulo, na época; 

2) o Metrô, CDHU, CPTM, Dersa, Emae e Cosesp; 

3) CPP, Cetesb, Prodesp, Imesp, EMTU/SP, CPOS, IPT, Codasp e Emplasa.

Sob a gestão de João Dória, os planos de privatizações focaram em concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs). Incluiu a preparação da privatização da Sabesp e a concessão das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda. 

Estudou-se, também, a possibilidade de empresas gerirem presídios, – onde vamos nos deter mais a frente – e o Tribunal de Contas do Estado autorizou a privatização de quatro presídios em São Paulo em 2019. 

Nos últimos anos, debates intensos surgiram sobre as implicações sociais, econômicas e políticas dessas privatizações. A história revela que o impacto dessas decisões vai além do econômico, afetando a vida e o bem-estar dos cidadãos.

Ao invés de preservar o controle estatal e ampliar o acesso a direitos essenciais, o governo paulista dificulta esse acesso e entrega o patrimônio do estado à iniciativa privada, afundando ainda mais o abismo econômico entre a população mais pobre e negra e o bem-estar coletivo.

É fundamental defender a produção nacional, sem fanatismo patriótico, mas que garanta a soberania do país em confronto direto com a política de privatização que rouba dos mais pobres para entregar aos mais ricos.

5 desvantagens para a sociedade civil com as privatizações

1 – Possível aumento de tarifas: Privatizações podem resultar em aumentos nas tarifas de serviços essenciais.
2 – Perda de controle democrático: Transferência do controle democrático para o setor privado, levantando preocupações sobre transparência.
3 – Desafios para os trabalhadores: Privatizações frequentemente resultam em reestruturações e cortes, prejudicando a estabilidade no emprego.
4 – Foco em lucros de curto prazo: Acionistas privados podem priorizar retornos financeiros em detrimento de investimentos a longo prazo.
5 – Impacto na equidade social: Privatizações têm o potencial de agravar as desigualdades sociais, afetando negativamente comunidades carentes no acesso a recursos essenciais.

Privatização dos presídios e do sistema socioeducativo

ste escopo de privatizações, como colocado anteriormente, estão nos três níveis federativos e com as terceirizações que se deram primeiro nas áreas de conservação e limpeza, e segurança. E agora vemos se expandindo para outras áreas e em relação aos governos municipais, estaduais ou/e federal.

É importante registrar aqui que este movimento de suposta modernização, eficiência e desenvolvimento se deu de maneira impulsionada por países do norte global, aos países periféricos. Sempre apontando como essas medidas seriam uma superação de um atraso econômico. Entretanto as privatizações nesses países centrais do capitalismo se concretizam apenas quando eles têm de fato uma vantagem.

Se por um tempo as concessões de parceria público e privadas, estavam atreladas em relação ao transporte, energia, usinas, comunicação entre outros, demonstram que tais parcerias, por fim, se davam como qualquer outro processo de privatização e não menos inofensivo. Entretanto a coisa se expandiu por completo e temos hoje agendas de privatização de presídios.

Neste ano de 2023 tivemos o segundo presídio privatizado, onde a concessionária que ganhou vai ter o direito de construir o local, gerenciar, e assim como as outras privatizações o lucro vai ser dos lobistas e a conta para os trabalhadores.

Se no Brasil racista em que vivemos a prisão é máquina de privar a liberdade e de matar pessoas negras, conseguem imaginar eles lucrando com isso?

Sim, lucrando, dado que cada vaga neste presídio terá o valor de 233 reais, se atingimos recordes de encarceramento de pessoas sem muitas empresas lucrando, a partir disso enquanto mais pessoas encarceradas, maior vai ser o repasse do Estado para esses presídios privatizados.

Como um efeito cascata, o governador de São Paulo Tarcisio Freitas (PP) também já comunicou no seu pacote privatista, além da CPTM, METRÔ e SABESP, também quer ampliar a privatização da Fundação Casa. Aqui é colocado como ampliação da privatização porque, a vigilância, cozinha e lavanderia já são terceirizados no estado.

A Fundação Casa é um espaço onde jovens cumprem medidas socioeducativas seja em forma de internação ou semiliberdade. As outras medidas socioeducativas se dão por meio aberto, como a Liberdade assistida (LA), prestação de serviço à comunidade (PSC), obrigação de reparo de danos e advertência. Tanto a LA quanto a PSC já são aplicadas por meios terceirizados em São Paulo.

 Os trabalhadores da fundação entraram em greve em conjunto com as outras categorias no dia 28/11/2023 em forma de protesto contra a onda de privatização que vem tomando conta do nosso cenário político, mas que não é de agora, e sim projeto de longa data de privatização que só vem demonstrando no processo histórico que só é benéfico para as grandes empresas.

Em um país que tem dificuldades de falar e compreender cotas raciais, que sempre levanta a pauta de reduzir a maioridade penal como solução de segurança pública, estes projetos privatistas vem de contra mão do que entendemos como direitos humanos e básicos.

Ainda coloca em risco a vida de centenas de pessoas, onde o ataque de direitos sai de todas as esferas e o alvo é o mesmo, pessoas preferencialmente pretas.

O governo Lula mantém a política de encarceramento em massa

Segundo o site Intercept Brasil, o governo Lula, ao buscar ampliar a privatização de presídios, trouxe à tona questionamentos e críticas. A iniciativa foi impulsionada por um contexto em que a empresa Soluções Serviços Terceirizados venceu um leilão para construir e administrar um presídio em Erechim, no Rio Grande do Sul. 

Vale ressaltar que essa não foi uma ideia originada no governo Lula, mas sim uma continuidade de uma proposta que já existia no governo anterior, de Jair Bolsonaro e residia em antigas intenções de seu vice, Geraldo Alckmin. 

Em setembro de 2022, aumentaram-se os benefícios para a privatização de presídios, evidenciando uma postura que reforça a lógica do encarceramento em massa. 

O vice-presidente Geraldo Alckmin assinou um decreto classificando o sistema prisional como “projeto de investimento prioritário”, inserindo-o na área de infraestrutura ou produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

A população negra, periférica e pobre, é o alvo prioritário das políticas de encarceramento. As medidas de avanço às privatizações dos presídios e do sistema socioeducativo revelam uma incerteza do futuro quanto à regulação e fiscalização do sistema penal.

Podemos estar vendo o nascimento de ações para o lobby da reforma do código penal para manter as pessoas presas durante mais tempo visando a obtenção do lucro. 

Num país que visa a ratificação dos direitos humanos, deveríamos ter horror com a especulação através das prisões. Precisamos de mais escolas, ampliação de postos de trabalhos com dignidade, e às cadeias privatizadas abrem espaço para condições de trabalho análogo à escravidão (eufemismo para a escravidão moderna), mas vivemos sob o céu do país mais racista do mundo.

“Nossas ancestrais sempre se cuidaram”, diz  Leila Rocha, cofundadora da Coletiva Ilera

A Casa Ilera, centro comunitário de auto cuidado e saberes ancestrais, localizada no Jardim Robru, periferia da zona leste de São Paulo, acolhe moradores do território, para vivenciar o compartilhamento de conhecimento sobre saúde, alimentação e medicina a base de saberes ancestrais afro indígenas.

A iniciativa foi criada por mulheres negras e periféricas. Uma das criadoras da coletiva Ilera é Leila Rocha, enfermeira e gestora de políticas públicas. A profissional de saúde valoriza a cultura africana e indígena para desenvolver e aplicar estratégias de autocuidado para a população negra e periférica. 

Rocha já morou na Amazônia, onde conviveu com a população indígena, buscando aprender e desenvolver os tratamentos fitoterápicos, hoje aplicados nas ações da coletiva.

Leila Rocha, cofundadora da Coletiva Ilera. Foto: Andreza Vieira, aluna do Você Repórter da Periferia/Outubro 2023.

Em entrevista para Caroline Pina,  aluna da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática antirracista – promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola,  à co-fundadora da Coletiva Ilera ressalta que a palavra “Ilera vem do Yoruba, que significa, fazer saúde através do compartilhamento”.  

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: Quando você percebeu que a ancestralidade é um instrumento para promover saúde da população negra e indígena?

Leila Rocha: Nossas ancestrais sempre se cuidaram assim. Em 2015,  na organização da marcha das mulheres negras, nós ficamos refletindo em como iríamos incidir na saúde das mulheres que andavam conosco, sem se machucar tanto com a Alopatia (Remédios da farmácia). Questionamos em como nossas mães se cuidavam, e fomos observar os terreiros de candomblé, os quilombos e nossas próprias mães, e notamos  que antes nossos remédios eram naturais. Tanto que hoje as indústrias farmacêuticas, nos observam, colocando os nossos saberes e tecnologias ancestrais em uma cápsula.

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: O que mudou na sua vida desde então?

Leila Rocha: Tudo! Digamos que larguei tudo,  primeiro eu saí do hospital , sou enfermeira de formação, sou especialista em gestão de políticas públicas,  e mudou o jeito como eu olhava o meu fazer profissional, e percebi que o hospital passou a não fazer sentido pra mim, porque eu entendia que ali era o fim, não o meio ou o começo.  

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: como é o seu trabalho hoje na Casa Ilera?

Leila Rocha: Hoje todo meu trabalho está neste lugar de cura a partir das plantas medicinais. E das diversas tecnologias negras e indígenas, nós achamos que tecnológico é só aquilo que é europeu, que é do branco. Mas não, o nosso povo tem tecnologia. E a Ilera faz isso, como Sankofa, que olha pro seu passado, para construir seu presente e seu futuro.

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: o que a Coletiva Ilera representa para você e para o território do Jardim Robru?

Leila Rocha: Significa a materialização e a continuação das nossas ancestrais. A Ilera pra mim é um instrumento de  fortalecimento e preservação da história e memória do povo negro, a partir do cuidar da saúde. E poder compartilhar isso com o território, ensiná-los a produzir e usufruir disso.

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: Quais impactos você sente em promover a preservação da cultura afro-indígena em um território periférico?

Leila Rocha: Quando as pessoas chegam aqui, falam que se curaram com um remédio nosso! Essas coisas são impactantes para nós. E também contribuiu com a nossa saúde mental e de quem está ao nosso redor,  porque promovemos saúde a partir da circularidade, musicalidade, da cooperação e do axé. Precisamos pensar que se não houvesse os terreiros de candomblé, os quilombos preservando a nossa cultura e a nossa saúde, nós não estaríamos aqui. 

É urgente a aprovação do tratado do Acordo do Escazú: atraso gera desconhecimento e aumento dos riscos dos povos originários

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No período recente, entre 2019 e 2022, o país registrou 795 assassinatos de pessoas indígenas, segundo relatório do Comitê Indigenista Missionário (CIMI), divulgado em julho de 2023. Sabe-se a partir dos próprios dados revelados que o principal alvo de crimes ambientais, os povos originários, estão cada vez mais ameaçados de atuarem como guardiões das florestas, rios e animais e ecossistema. No Brasil, são eles os constantes alvos do racismo ambiental e das mudanças climáticas.

Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Brasil não iniciou a implementação do Acordo de  Escazú, tratado internacional ratificado por 15 países da América Latina e Caribe, e tem por objetivo promover os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais, garantindo um sistema de proteção para ativistas climáticos. 

Estudante de Direito, Camilo Kayapó, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que pertence ao povo Kayapó, conhecido como Mebêngôkre. Foto: Thais Siqueira/Outubro 2023.

De acordo com a apuração realizada por essa reportagem, em conversa com alguns integrantes de grupos dos povos originários do país de diferentes etnias, relataram desconhecer o propósito e a importância do Acordo de  Escazú. A exemplo disso foi o que o estudante de Direito, Camilo Kayapó, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que pertence ao povo Kayapó, conhecido como Mebêngôkre, que habita e protege há décadas uma extensa área da Floresta Amazônica que se estende do norte de Mato Grosso ao sul do Pará, afirmou na conversa: “nós desconhecemos o Tratado. Também há pouca divulgação sobre ele entre os nossos povos aqui”, disse.

Segundo o estudante de direito, os povos indígenas irão ocupar cada vez mais espaços na luta pela sobrevivência e defesa dos seus modos de vida, por isso, o aumento das violações e ameaças aos povos originários.

“Os nossos povos estão resistindo até hoje, sempre estiveram aqui, sempre estarão, enfim, a gente pode observar hoje uma aparente reviravolta porque os nossos povos têm ocupado cada vez mais espaço. Eu penso que a abertura desses espaços são de suma importância para nós.”

Camilo Kayapó.

Assim como afirmado por Camilo, para Trudruá Makuxi, indígena Makuxi de Roraima (povo que possui uma vasta história de luta por direitos e pela terra), escritora e pesquisadora de literatura indígena, o Acordo de Escazú também não faz parte do repertório de lutas por direitos de seu povo.

 “Esta pode ser mais uma política pública para fortalecer a proteção dos guardiões da floresta. Os povos indígenas são os maiores protetores de biomas, né? Então para mim essa política pública deveria passar fundamentalmente pela proteção do território desses povos, todos os povos indígenas que ocupam o Brasil. Precisamos ter mais conhecimento sobre este Tratado”

Trudruá Makuxi, indígena Makuxi de Roraima.
Trudruá Makuxi, indígena Makuxi de Roraima. Foto: Thais Siqueira/Outubro 2023.

Ela complementa ainda que a principal política pública de defesa do território é a preservação da autonomia dos povos tradicionais para tomadas de decisão, reconhecida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi reiterada pela declaração universal das Organizações Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas em 2008.

De acordo com Maria Trajan, da Artigo 19, toda essa discussão dos direitos humanos dos acordos internacionais acaba geralmente ficando muito restrita com a sociedade civil e precisamos mesmo resolver esse problema de falta de comunicação. Há diversos outros Tratados que as pessoas no geral não têm acesso. “Este é um Tratado relativamente recente, no entanto, neste momento ele será muito difícil chegar na sociedade civil. Há também um processo interno de ratificação do poder legislativo, enquanto isso não acontece, o Estado não está vinculado a cumprir com as obrigações que estão neste texto”, explicou. 

Maria complementa ainda dizendo que com esse atraso não se tem política de divulgação, de implementação, e quando se fala nos povos originários, dentre outros elementos e problemáticas, há também diversos problemas que atravessam essa falta de divulgação, “assim como acesso a internet, a questão da linguagem, porque geralmente a linguagem também não é acessível, isso precisa realmente ser contornado, melhorado”, falou. 

Para terminar, explicando sobre a demora na aprovação e implementação do Tratado, ela enfatiza que o que falta é passar pela instância do poder legislativo para validar, a partir dessa validação, ele será incorporado.

“Queremos que este Tratado não fique parado, queremos que seja aprovado porque se refere a defesa do meio ambiente, das vidas das comunidades, além do acesso de mecanismo do poder judiciário e da proteção e defesa dos defensores ambientais. Ou seja, teríamos mais elementos para que os direitos dessas comunidades fossem respeitados”

Maria Trajan, da Artigo 19.

Defesa do território e o cumprimento de outros tratados em defesa do meio ambiente

Muralista, Akuã, do povo pataxó do sul da Bahia. Foto: Thais Siqueira/Outubro 2023.

A artista plástica, visual e muralista, Akuã, do povo pataxó do sul da Bahia, considera que uma política pública de reconhecimento dos povos tradicionais como guardiões da biodiversidade seria a maior estratégia de proteção que o Brasil poderia executar.

“É preciso compreender e respeitar o fato de que o Brasil só existe ainda porque os povos originários protegem o pouco de terra virgem que ainda não foi ocupada e desmatada”

Akuã

Para ela, o Marco Temporal é uma das principais demonstrações de desrespeito à soberania indígena, proteção dos saberes ancestrais e do território, fato que coloca a vida dos povos da floresta em risco a todo o momento.

Com vivências em cursos promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos, Ana Luiza, indígena do povo Pankararu, relatou que mesmo sem conhecer o Acordo de Escazú, a proteção do território vem em primeiro lugar: “Quando a gente fala sobre a segurança, para nós a principal falta é o território. Tem muitos territórios sem sua devida documentação, sem demarcação, a consequência disso é a invasão desses territórios. Inclusive até territórios que já estão demarcados estão tendo seus direitos violados, e muitos indígenas morrendo. Então, a gente poderia começar cumprindo o que tá na nossa legislação, né?”, questionou.

Tekoá Yvy Porã, território indígena localizado no Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Foto: Ruan Henrique/Outubro 2023.

Por uma Política de Proteção para além do indivíduo, coletivo e territorial

Quando se fala em política de proteção aos povos originários, Raquel Cruz, da Artigo 19, diz que o Acordo tem a ver com a aproximação das temáticas de direitos humanos e meio ambiente. Segundo Raquel, não existem direitos humanos sem que a gente se implique na necessidade de alinhar com o meio ambiente. O Acordo promove a integração desses dois mundos, é a ideia do acesso à justiça para as populações da população que habita esses territórios. “O Acordo é um documento recente, o Brasil assinou, mas não ratificou ainda, assinar significa se implicar nessas tarefas do acordo, estar a par desse tratado”, disse. 

Ainda de acordo com ela, a falta do acesso à justiça local tem a ver quando a gente não consegue ter acesso localmente e, ter um tratado internacional nos coloca em outro lugar.

“Debater esse Acordo nao é só falar da pessoa, indivíduo, mas é falar dele dentro de um coletivo, dentro de um ambiente. Afinal, esse defensor está dentro de um conjunto, território, povo, ele defende algo. O Acordo traz essa diversidade dos países da América Latina e Caribenhos. É dar liberdade para que os povos de cada território olhem para o seu território e veja formatos de luta, é um tratado diverso, mas que tem o objetivo de olhar para cada território, podem olhar para a sua própria comunidade e realidade específica. Parece um Tratado amplo, mas o objetivo é respeitar o local, o território”, conclui Raquel Cruz da Artigo 19.

Mas o que o governo atual tem feito?

A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, participou em abril de 2023 da 2ª Reunião da Conferência das Partes (COP-28) do Acordo de Escazú, que aconteceu em Buenos Aires, na Argentina.

Em uma das suas declarações no evento, ela enfatizou que “o Brasil passou a ser um dos piores lugares para ativistas ambientais no mundo”, devido ao abandono das políticas públicas e fiscalização de crimes ambientais durante a gestão do ex-presidente Bolsonaro.

Mariana ainda ressaltou que o Brasil irá avançar na implementação do Acordo de Escazú, a partir de um plano de ação que prevê medidas de controle ao desmatamento, combate contra a violência e a destruição da Amazônia. 

Tekoá Yvy Porã, território indígena localizado no Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Foto: Ruan Henrique/Outubro 2023.

O Acordo do Escazú e o direito à liberdade de expressão, ao protesto e a luta pelo território e justiça no Brasil

O Acordo de Escazú busca promover os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais e a proteção de defensores/as ambientais. Trata-se do primeiro acordo ambiental da América Latina e do Caribe e o primeiro do mundo com obrigações específicas de proteção de defensores/as ambientais. O Acordo é fundamental para garantirmos uma governança ambiental e climática transparente, participativa e inclusiva que garanta os direitos de defensores e defensoras ambientais da região. 

Escazú entrou em vigor em abril de 2021 e já foi ratificado por 15 países, incluindo Argentina, Chile, México e Uruguai. O Brasil ainda não ratificou o Acordo. O país assinou o documento em 2018 e o governo federal enviou ao Congresso Nacional em maio de 2023. Cabe agora ao Congresso a sua aprovação. O Movimento é formado por organizações da sociedade civil, redes, coalizões, movimentos sociais e cidadãos e cidadãs que atuam para promover o Acordo de Escazú no Brasil e a participação qualificada da sociedade civil brasileira nas Conferências das Partes (COPs) e outras atividades relacionadas ao acordo.

No Brasil, o movimento é formado por organizações da sociedade civil, redes, coalizões, movimentos sociais e cidadãos e cidadãs que atuam para promover o Acordo de Escazú no Brasil e a participação qualificada da sociedade civil brasileira nas Conferências das Partes (COPs) e outras atividades relacionadas ao acordo. 

Parte dessa campanha divulgada por integrantes da Coalizão de Mídias, foram organizados por vídeos aulas preparatórias junto a Artigo 19, e Dandara Souza foi uma das convidadas, ela relatou que “o Tratado tem a ver com o direito à informação, essa falta de informação afeta diretamente a população local, queremos saber quais são os acordos empresariais e estatais que estão sendo projetados para estes territórios, hoje há mais de 400 sendo preparados para estes territórios, queremos saber valores, empresas, projetos, impactos etc, mas a consulta prévia é desrespeitado, queremos saber todas essas informações para podermos nos organizar também”. 

Ou seja, o direito à liberdade de expressão e protesto e defesa do território tem a ver com informações prévias para que as comunidades se organizem e lutem por direitos e justiça.

“Queremos saber os nomes das empresas, como eles conseguiram essas aprovações, como foi feito, planejado, com quem? Quais são os dinheiros para esses projetos? Para a gente lutar e suspender esses projetos, precisamos saber da existência deles. Há historicamente um cerceamento a estas informações, o que dificulta a comunidade de protestar, de exercer a sua liberdade de expressão e de organização de luta comunitária”, diz Dandara Souza.

O não acesso à informação tem a ver com o silenciamento, com a desestimulação de forças de lutas. Para terminar, disse ainda que: “Para que a gente consiga nos olhar e nos organizar, precisamos saber quem viola, a comunicação é essencial nessa articulação. Por isso, temos que defender a liberdade de informação e de expressão”, finalizou Dandara. 

“Muitos expositores começaram com a gente”: o impacto do Festival Percurso no empreendedorismo cultural da periferia

No próximo domingo (10) de dezembro, acontece mais uma edição do Festival Percurso na Praça do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, a partir das 9h. Um dos organizadores do evento, Jaime Diko Lopes, 42, que também é comunicador da Rádio Mixtura, ressalta o propósito da agência Solano Trindade, criadora do evento, de fortalecer a economia local fomentado por empreendedores culturais e artistas independentes, que não são valorizados pelo sistema da indústria cultural.

Após 4 anos de realização da última edição presencial, o Festival Percurso retorna a praça do Campo Limpo com a sua tradicional feira de empreendedores, rodas de conversas e shows de artistas enraizados nos territórios periféricos. Ruan Henrique, aluno do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática antirracista – promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola, conversou com o Jaime Diko Lopes para entender os propósitos do evento que já faz parte do calendário cultural da cidade de São Paulo.

Jaime Diko e Tia Nice durante evento do Organicamente Rango. Foto:Vitória Rosendo, aluna da 7ª edição do Você Repórter da Periferia/Novembro 2023.

Ruan Henrique – Você Repórter da Periferia: Como foi criado o Festival Percurso?

Jaime Diko: Quando você fala de festival de música, somente vem à mente os grandes festivais que todo mundo fica ostentando, que são absurdos os valores cobrados, R$ 200, R$ 300 ou R$ 500, para você ir em um festival, o lance da ostentação chega até a gente, e a gente não tem esse recurso para pagar. O Percurso (Festival) é justamente isso. Eu falei assim: “mano, a gente vai fazer um festival nosso aqui, tá ligado? Que ele seja gratuito.” Aí a gente começou a entender como funciona esse mecanismo.

Ruan Henrique – Você Repórter da Periferia: Como o Festival Percurso impacta na vida dos empreendedores locais?

Jaime Diko: Muitos expositores começaram com a gente para depois entrar em várias outras feiras que acontecem na cidade, porque ninguém quer um expositor que não tem uma experiência, e a experiência acaba se dando no Festival Percurso, talvez um artista que não tem uma experiência, já exclui de um monte de situação, às vezes você não tem o diploma da faculdade X, e isso não te contempla diante da sociedade, então o Festival Percurso dá a experiência aos expositores locais e artistas que não são contemplados pelo sistema, por falta de experiência ou profissionalização.

Ruan Henrique – Você Repórter da Periferia: Qual a visão de futuro daqui pra frente?

Jaime Diko: Queremos ser referência, mas é uma consequência. A gente chegou pra fazer a diferença, desde o princípio, com certeza. O primeiro show nosso foi dos Racionais, uma das maiores bandas do Brasil, da quebrada. Depois de 15 anos que eles não faziam show no Capão Redondo, em 2014. A gente realizou no território deles, então é esse lance, de a gente conseguir também trazer os shows do sonho, sabe? Tipo, a gente fala assim: “Mano, tá acontecendo esse show lá do Racionais naquele palco, mas nós também queremos ter”. O show do Mano Brown do Boogie Naipe, o único show deles em uma praça pública foi feito por nós.

Ruan Henrique – Você Repórter da Periferia: Como você chegou até o Festival Percurso?

Jaime Diko: No primeiro Festival que aconteceu em 2014, eu cheguei, mas eu era um expositor, mas já trabalhava com produção cultural, porque até então eu era colaborador de um espaço que chamava Espaço Comunidade, onde agregava vários coletivos, aí eu fui convidado pra uma exposição no Festival Percurso. “Ó, vai ter um festival e o Racionais vai tocar”. Foi assim que eu entrei, eles já sabiam que eu trabalhava com o Z’áfrica Brasil, que é uma grande banda de Zâmbia, da Zona Sul de São Paulo.

Psicanalista fala das dificuldades no acesso de homens negros e periféricos à saúde mental

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“Existe uma ideia de masculinidade construída muito a partir do mito do homem negro. Onde o homem precisa ser sempre forte, viril e potente. Onde um homem não pode se permitir, em nenhum momento, sentir. Existe uma ideia de masculinidade construída a partir daquilo que é inalcançado”, é desse modo que o psicanalista, Cleubecyr Barbosa, 37, relaciona a masculinidade e o acesso de homens negros e periféricos à saúde mental. 

Nascido e criado no município de Nilópolis, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, Cleubecyr é doutor em psicanálise, com linha de formação Freudiana, e tem como foco a saúde mental para pessoas negras através de atendimento, cursos e palestras sobre o tema.

Cleubecyr Barbosa, psicanalista e idealizador do projeto Racismo na Subjetividade. (foto: arquivo pessoal)

O psicanalista aponta que a construção de uma masculinidade idealizada é nociva para a saúde mental, pois para serem aceitos, esses homens se moldam à uma imagem insustentável de masculinidade depositada sobre eles. “O homem negro vai interagir constantemente com essa estrutura do não pertencimento. Isso que diferencia o homem negro dos outros homens”, pontua.

Cleubecyr coloca que a ideia criada de que homem não chora é uma representação forte, porque o choro representa o sentir, que se relaciona diretamente com o se permitir lidar com as próprias emoções e vulnerabilidades.

“A masculinidade passa por esse lugar do sujeito se permitir e interagir com as suas próprias questões, assumindo as suas responsabilidades, mas entendendo também as suas fragilidades. Então, uma masculinidade saudável é aquela que se sustenta nisso que o sujeito dá conta de ser.”

Cleubecyr Barbosa, psicanalista clínico.

Saúde mental e as estruturas sociais

O psicanalista cita três fatores que distanciam homens, principalmente negros e periféricos, dos cuidados com a saúde mental: elitização, preconceito e a desconstrução do ideal de masculinidade

Segundo Cleubecyr, a terapia foi colocada no lugar do erudito, do culto, do padronizado, que não consegue se adaptar às outras realidades, o que cria essa elitização. O profissional também ressalta o papel dos analistas, que devem buscar se adaptar à realidade de cada sujeito, para que o processo terapêutico tenha identificação entre ambas as partes.

“Existe muito a ideia [de que] psicanálise é coisa de rico, de madame, [que] é coisa para quem é fraco da cabeça, para quem não tem fé. Existe essa ideia equivocada em relação ao que é o processo, para quem é, e isso vai dificultando o acesso”, coloca.

O preconceito é outro fator que interfere na procura de homens negros por saúde mental. Cleubecyr relata que muitos homens fazem análise escondido, com receio de serem expostos ou descredibilizados. 

O psicanalista também aponta que o processo analítico trabalha com o oposto de tudo aquilo que a pessoa constrói para sustentar a ideia de masculinidade.

“Quando nós estamos falando de masculinidade, nós estamos falando dessa ideia de precisar ser forte, viril, potente, desse cara que não sente, e em análise é completamente o oposto. Você vai ser o tempo todo estimulado a interagir com as suas fragilidades, com seus sentimentos, a se permitir olhar e trabalhar questões que em algum momento precisou reprimir”, afirma Cleubecyr.

Outro ponto identificado por ele, é que a maioria dos homens entra no processo terapêutico a partir das suas parceiras. Essa resistência à prática é tão enraizada que dificulta, inclusive, no atendimento de meninos, crianças e adolescentes, que desde cedo buscam se sentir incluídos e pertencentes a partir desse ideal equivocado de masculinidade.

Sistema Público de Saúde

O acesso à saúde mental não se relaciona apenas a uma busca individual. Ao analisar pelo aspecto da saúde pública, esse acesso também esbarra na elitização e preconceito.

“Existe um preconceito do próprio sistema, que não dá muita importância ao cuidado mental [e] emocional. Existe uma ideia de que a psicanálise ou processos terapêuticos, não são para esses ambientes [para as periferias], então é tudo muito caro, as consultas são caras, os cursos de formação e isso inviabiliza o acesso”, afirma o psicanalista. 

No entanto, ele aponta que aos poucos esse preconceito está sendo quebrado e que projetos têm ajudado nessa questão, mas ainda assim, é necessário a atuação no aspecto de saúde pública.

“Existe a necessidade de uma estrutura pública prestando um real serviço na saúde mental, é o que está faltando”, coloca Cleubecyr, e ressalta que atualmente o que existe é um atendimento emergencial que se baseia no encaminhamento para a medicação, que tem sua função, mas não dá conta do tratamento como um todo.   

“O poder público não oferece o básico, você vai na maioria das periferias do Rio de Janeiro e não vê sistema de esgoto, sistema de educação, então o não cuidado com a saúde mental é mais um elemento que compõe todo esse não cuidado. Então realmente é um desafio estabelecer um programa de saúde mental que consiga alcançar esses homens negros da periferia”, diz.

Terapia em grupo

Desde 2021, Cleubecyr toca um projeto chamado Racismo na Subjetividade, com a proposta de falar sobre os efeitos do racismo na subjetividade negra. O projeto é conduzido junto com Terapretas, iniciativa que promove saúde mental de forma acessível para pessoas negras.

Através do projeto, os profissionais conduzem um grupo de acolhimento para homens negros, com encontros semanais, toda terça-feira, on-line e gratuito. Cleubecyr aponta que é possível alcançar o fortalecimento da saúde mental através da terapia em grupo, como a que conduz em parceria com o Terapretas. 

“O ponto principal é justamente a identificação. São histórias que se misturam. E aí as pessoas vão se percebendo acolhidos por essa ideia de identificação no sentido de não se perceberem mais sozinhas”, comenta o psicanalista.

Acesso de homens negros e periféricos à saúde mental
Cleubecyr com o grupo de acolhimento no sistema socioeducativo do Rio de Janeiro. (foto: arquivo pessoal)

O profissional relata que a partir dos encontros em grupo, até os homens que não se sentem à vontade para falar, são influenciados pela experiência e escuta, pois, às vezes, aquilo que o outro traz aciona uma identificação e desperta gatilhos positivos. Esse acolhimento e interação, mesmo sem a fala, são capazes de gerar um processo de cura.

“O processo analítico tanto em grupo, como individual, tem um fator principal que é: nós não estamos construindo esse processo para estabelecer sobre o outro um olhar de julgamento”, afirma Cleubecyr. 

O psicanalista aponta que esse processo terapêutico não tem o propósito de orientar ou aconselhar, a finalidade é construir um ambiente de acolhimento, onde os homens consigam encontrar um lugar seguro de pouso para as suas questões, algo, que por vezes, não conseguem encontrar em outra experiência.

Para participar do grupo terapêutico basta acessar o link das reuniões que acontecem às terças, a partir de 20h, disponibilizado nas redes sociais do Terapretas (@terapretas).

Genocídio em Gaza: As armas que matam na palestina, são as mesmas que matam nas favelas e nas periferias do Brasil

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Em 55 dias de massacre ocasionado por Israel por meio de bombardeios e ataques terrestres em Gaza, na Palestina, Oriente Médio, mais de 15 mil palestinos foram assassinados (sendo a maioria mulheres e crianças) e mais de 60 jornalistas e comunicadores também perderam as vidas. Jornalistas e comunicadores têm perdido suas vidas, primeiro, por serem palestinos, depois por tentarem mostrar o genocídio de seu próprio povo. 

Na história recente, o que o mundo assiste neste exato momento sobre a situação da Palestina, já é considerado um dos casos mais cruéis da história da humanidade. Toda essa situação vem acontecendo sob o olhar de lideranças mundiais que até se reúnem em conselhos das Organizações das Nações Unidas (ONU), mas não avançam por um fim a este massacre, ao partheid, a esta limpeza étnica, a este crime racial.

O Estado israelense massacra o povo palestino com o discurso de que os palestinos são todos terroristas. Mas o que o mundo assiste neste momento não começou agora, já são 76 anos que os palestinos sofrem com apartheid, racismo, colonização e militarização após a criação do Estado israelense. Diante disso, a professora e tradutora Ruayda Rabah, brasileira-palestina e residente na Palestina, explica que o que ocorreu no dia 07 de outubro é na verdade parte daquilo que chamamos de direito de defesa, um princípio internacional aplicável a todos os povos dominados pela ocupação, não àqueles que ocupam territórios que não lhes pertencem. 

Para Ruayda, primeiramente deveríamos saber o que é terrorismo para o estado sionista de Israel e para os norte-americanos.

 “O verdadeiro objetivo já se sabe desde 1947: Eles querem fazer uma limpeza étnica da Palestina. Eles querem o domínio do território que é de extrema importância para os norte-americanos e para Israel, que não passa de uma base militar para os interesses de estrangeiros, e a exploração das riquezas da Palestina, como o gás da Costa de Gaza no Norte de Gaza, onde inclusive, já existe exploração deste gás por parte de empresas estrangeiras”

diz, Ruayda Rabah

Ainda de acordo com ela, “o resultado disto tudo é uma grande revolta, em especial pelo silêncio internacional, e incertezas. Mas por outro lado, fortalecimento à resistência do povo palestino! Resistência está, em que milhares de centenas de mártires têm se amontoado, e outras centenas de pessoas presas em cárceres sionistas”.

Já em relação ao atual momento de trégua de cessar-fogo, Ruayda destaca que, na realidade, não ocorreu uma trégua por parte de Israel e que a violência persiste contra a população palestina tanto na Faixa de Gaza quanto na Cisjordânia.

 “Em toda a Palestina não há ninguém que acredite em tréguas por parte do ocupante, pois o desejo do povo palestino é a desocupação total de todo o território palestino. O grande receio pra gente é discutir trégua e não desocupação do território palestino e Israel com isto têm, mais uma vez, luz verde dos norte-americanos de continuar a limpeza étnica na Palestina”

conclui, Ruayda Rabah

Nem Gaza e nem as favelas e periferias do Brasil tem direito à liberdade de expressão

Foto de crianças palestinas durante manifestações na Faixa de Gaza (2018) em solidariedade aos moradores de favelas do Rio de Janeiro.

O que ocorre com os jornalistas e comunicadores da Faixa de Gaza, na Palestina, no Oriente Médio, não é muito diferente do que acontece com os jornalistas e comunicadores comunitários de espaços periféricos, favelados, quilombolas e indígenas do Brasil. Pois um dia estamos transmitindo a notícia, no outro, podemos ser também a própria notícia. Isso acontece porque estamos inseridos e vivenciamos estes territórios, nós compreendemos os códigos e os signos internos, no qual, a realidade das nossas fontes, personagens e especialistas, são as mesmas que a nossa. 

Jornalistas na Faixa de Gaza enfrentam o desafio de cobrir diariamente o massacre contra a população palestina, arriscando suas vidas e deixando suas famílias “seguras” em casa. Muitos desses profissionais têm suas contas bloqueadas por plataformas, impedindo o compartilhamento de seus registros com o mundo. Recentemente, os jornalistas Mohammed Farra e Wael Al Dahdouh, tiveram suas esposas e filhos assassinados por bombardeios israelenses que atingiram suas casas em, outubro de 2023, enquanto cobriam e registravam por meio de suas lentes o genocídio de seu povo.

Aqui no Brasil, produzir jornalismo e comunicação em territórios de periferias, favelas, quilombos, aldeias e no campo é, sem dúvida, um grande desafio. Precisamos estar muito atentos para realizar nosso trabalho e, ao mesmo tempo, ponderar sobre a nossa própria segurança e a de todos que nos cercam, afinal, isso de certa forma pode colocar nossa comunidade e nossos familiares em risco também. 

Por vezes, somos invisibilizados, mas continuamos sempre a trazer outras perspectivas e olhares para os territórios periféricos e favelados e todas as nuances que nos afetam no cotidiano. Sempre pautamos que periferias/favelas não são iguais, e cada uma, apesar de ter os mesmos problemas macros e socioeconômicos, consistem em peculiaridades únicas.

Diante do cenário macro político, o jornalismo produzido nas periferias e favelas do Brasil, tem suma importância, por ter um repertório em suas ações que vão do online ao offline, comunicando de forma territorial, combatendo a desinformação, pautando a realidade do cotidiano desses territórios, quebrando o estereótipo difundido pela mídia hegemônica de que periferias é tudo igual.

O avanço da internet e das plataformas digitais tem facilitado a comunicação nas periferias/favelas, mas essa democratização digital também tem seus limites. O Racismo Digital/Internet é uma realidade, o que nos leva a questionar de que lado os algoritmos e meios de distribuição de conteúdo se colocarão quando a corda se romper de vez. O mesmo tem acontecido com os conteúdos dos jornalistas de Gaza, eles têm tido os seus conteúdos retirados das plataformas. Com isso nos perguntamos: A internet é mesmo democrática? É para todos os povos?

Muro do apartheid que separa Jerusalém do campo de refugiados de Aida. Foto_Thais Siqueira

Maré (RJ) e Capão Redondo (SP) na Palestina: Nossa visita à Palestina em julho (2023)

Em julho deste ano, tivemos a oportunidade de visitar a Palestina representando a Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas junto ao Julho Negro (Do movimento de favelas do Rio de Janeiro) e Frente de Evangélicos pelo Estado de Direitos, numa missão internacional de luta antirracista organizada pelos grupos palestinos: Stop The Wall e BDS Brasil.

Nos sete dias que percorremos a Cisjordânia, o que presenciamos ali foi o aumento do racismo, da militarização e do apartheid. Foram sete dias de intercâmbio com representantes de movimentos favelados, periféricos, negros e indígenas do Brasil, Colômbia e Equador. Participamos ativamente de encontros com coletivos e organizações sociais locais, visitas a lugares históricos e rodas de conversa nesses territórios.

Durante a visita, foi possível compreender de perto os efeitos do apartheid e do extermínio étnico e racial promovidos por Israel contra o povo palestino, que perdura há cerca de 76 anos, impondo uma série de retirada de direitos da população. Palestinos na Cisjordânia e em Gaza tem suas águas controladas, em alguns dos territórios eles têm água apenas uma vez na semana. Energia e redes de internet e telefonia também são controlados por Israel. 

Homenagem a Aboud Shadi, criança palestina de 13 anos, assassinada pelo exercito Israelense, em outubro de 2015, no Campo de refugiados de Aida. Foto_Thais Siqueia 02.07.2023

Entre as vítimas dessas ações estão crianças, mulheres e idosos, cujas vidas são afetadas de maneira irreparável. Dentro do território palestino, existem postos de controle, chamados de Checkpoints, nos quais o exército israelense decide quem pode entrar e sair, gerando uma constante sensação de incerteza e vulnerabilidade para a população local. 

Campos de refugiados abrigam pessoas cujos direitos são rotineiramente violados, casas são incendiadas e demolidas como parte da ocupação israelense, o que leva à expulsão ou morte da população palestina. Além disso, as terras e casas são frequentemente confiscadas à força para serem entregues a colonos vindos de várias partes do mundo, resultando em uma injusta usurpação de propriedade.

Visita da delegação na casa incendiada pelo exercito israelense , em junho de 2023, na cidade de Turmus Ayya. Foto_Thais Siqueira 05.07.2023

As mortes da juventude palestina nos chamam atenção e lembra o extermínio que a juventude preta e periférica/favelada enfrenta no Brasil. De acordo com os dados fornecidos pela organização Defense for Children International – Palestina (DCI), entre os anos de 2000 a novembro de 2023, foram registradas 2.3349 mortes de jovens palestinos menores de idade em decorrência da ocupação e presença de militares israelenses. Vale ressaltar que esses dados estão em constante mudança, sendo atualizados tragicamente todos os meses. Além disso, ouvimos inúmeros casos de prisões de crianças e jovens palestinos, um dos depoimentos nos chamou muita atenção, quando um jovem de 23 anos disse que já havia sido preso 33 vezes. Com isso nos perguntamos: Qual o direito à infância e à juventude que os palestinos têm em sua própria terra?

Vimos ali muitas semelhanças com o que ocorre nos nossos territórios. Pois as técnicas militares utilizadas pelo exército israelense na Palestina são vendidas para todo o mundo. Não por acaso a polícia militar brasileira, a carioca, durante os megaeventos no Brasil foi até a Palestina fazer treinamento. Ou seja, são muitas relações que o Estado brasileiro com o Estado israelense têm, comerciais e em detalhes. Eles financiam o apartheid na Palestina e financiam o genocídio da população negra moradora de favelas e periferias no Brasil.

Caveirão israelense no território palestino. Foto Thais Siqueira 05.07.2023

Neste cenário, fizemos registros fotográficos pela Cisjordânia para trazer reflexões sobre o impacto do sionismo (movimento político que defende a construção de um país dedicado a acolher a população judaica, por meio da ocupação do território palestino). E esse relato e essas fotos são parte dessa construção que nós comunicadoras faveladas e periféricas, que estivemos na Palestina este ano, trazemos como parte do nosso trabalho na ideia de contextualizar as lutas e as resistências de cá e de lá.

Para finalizar esse artigo argumentativo, nos perguntamos: Cadê a população mundial que estava indigina e inconsolável com a notícia falsa divulgada pela jornalista Sara Sidner que dizia que o Hamas havia decapitado 40 bebês? Dias depois, Sara pediu desculpas na sua conta no Instagram, mas o fato que essa notícia falsa já havia feito um estrago, sendo colocada como “justificativa” para as mortes da população palestina que ocorrem sob os ataques do governo de Israel todos os dias. 

Saiba mais

BDS, Stopthe Wall, Julho Negro: Contra o Racismo, a Militarização e o Apartheid (documentário), Da Palestina à Maré: a luta pelo direito à vida (relato), Do Rio de Janeiro à Palestina: a militarização dos territórios (entrevista)