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“A minha identidade é arte”, diz Kamala Nala, multiartista moradora da Vila Ede

Nascida no Maranhão, Kamala Nala Omoborin, 23, afirma que constrói sua identidade social e artística a partir de seus mochilões pelo Brasil. A multiartista atravessou o Piauí, Brasília, Porto Alegre, Bahia, entre outros locais, até chegar na Vila Ede, bairro do distrito da Vila Medeiros, zona norte de São Paulo, em 2022. Além de artista, Kamala é educadora de diversidade e atua na causa do HIV. 

A educadora compartilha que a formação da sua travestilidade foi sendo construída a partir dos territórios que passou, e que os fragmentos desses locais fazem parte da sua identidade. Kamala também participa da comunidade Ballroom, movimento artístico, cultural e político criado por mulheres trans, negras e latinas como um espaço de resistência à discriminação e violência, através de experimentações artísticas.

Como você se descobriu uma multiartista?

É muito aquele processo que falei da personalidade quando a gente se constrói enquanto uma corporeidade. Sou uma travesti. Quando eu me construí enquanto essa personalidade, essa travestilidade, eu comecei a ramificar as coisas no meu corpo que na minha cabeça isso foi se movimentando nos espaços que caminhei enquanto projeto, vivência e trajetória. Me descobri uma multiartista no momento em que me encontrei enquanto uma travestilidade que vive com HIV e consegue se ramificar não só corporalmente, como mentalmente. Quando encontrei isso em mim, falando de ser uma artista, foi um processo de me identificar, não só em um espaço, mas enquanto uma ramificação de acessos. Já sou uma corporeidade preta, periférica e nordestina, preciso entender que o que consigo entregar é excelência. Vejo que faço isso em muitos espaços, como sou bartender, educadora de diversidade, trabalho com ativismo de pessoas que vivem com HIV [e] trabalho enquanto uma dançarina também. Então me ramifico em muitas coisas. Sou da comunidade Ballroom em várias categorias, da [categoria] Face a Vogue Performance.

De que forma a sua identidade reflete na sua arte?   

Acho que não tem como dividir. A minha identidade Kamala Nala Omoborin é arte, e a identidade Alexainy Miriam Farias Torres é arte, só são em lugares diferentes, mora em métodos [e] movimentos diferentes. A Alexainy é uma pessoa que vai estar em outro espaço, em algo mais casual. A Kamala já é naquele pique de fazer a performance, de entregar, sorrir, trazer e chamar as pessoas. As duas são [minha] identidade.

Como essa identidade foi construída a partir dos territórios que passou?

Costumo dizer que a minha vivência enquanto Kamala, enquanto Alexainy, são muitas coisas, e parte desse processo tem o Alexander, que é o meu menino, o meu amigo que viveu muito nesse corpo e que passou por muitas coisas para se construir o que é hoje. Quando se pensa em trajetória no meio de tudo isso, você imagina que o universo te ensina e precisa que veja algumas coisas antes para quando entrar nesse mundo artístico sem identidade, te moldar para que se blinde, para que consiga acessar [e] se movimentar. Costumo resumir isso em aprendizado. Minha trajetória é identidade, a construção dela sempre vai ser os territórios que o Alexsander, que a Kamala, que a Alexainy vivem e passam diariamente. Tudo que sou é uma ramificação, é uma consequência da minha trajetória, do meu caminho da rua, de Brasília, do Piauí, de Pernambuco, da Bahia, de Floripa, de Porto Alegre, é um pedaço de cada lugar dentro de mim sendo eu, e entregando a minha personalidade.

Qual a diferença entre a Kamala pessoa física e a artista?  

A Kamala artista é uma palhaça e a Kamala pessoa [física] é muito meiga. Eu costumo dividir assim, talvez seja até pesado falar palhaça, mas é que a Kamala é essa personalidade aqui, que vai trocar, falar, sorrir, chamar energia, sabe? Ela é muito essencial enquanto energia, enquanto força. E a Kamala pessoa [física] é mais afetuosa, meiga, tem que ter uma troca. Acho que é mais essência, é força, é poder, é empoderamento e a outra é mais o casulo para se curar e ficar quietinha, depois voar que nem uma borboleta.

Quem é a Kamala do passado, do presente e quem será a Kamala do futuro?

A Kamala do futuro vai ser aquela que vai conseguir tudo que ela quer nessa selva de pedra. Que vai conseguir mostrar e fazer as pessoas identificarem o quanto de excelência trago no que eu falo, no que faço, no que movo, no que produzo. A Kamala do presente é a que está naquele processo de entendimento, de construção de identidade, de personalidade, porque todo dia vou aprender algo novo. Então essa é a Kamala do agora, está sempre num processo de olhar, aprender e receber, de fazer todo aquele processo de identificação, de reciclagem de tudo, de absorver e continua sendo a Kamala Nala Omoborin. A do passado era a Kamala que não achava propósito, foi a que passou por muitas coisas, uma em cima da outra, aí descobriu que vivia com HIV, descobriu que enquanto uma personalidade estava em processo de transição, transicionou, se encontrou e foi procurando onde conseguia agir enquanto área artística. Estava no processo de descoberta de muitas coisas, aí depois que descobriu se torna a Kamala do presente e a do futuro ao mesmo tempo.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

Pesquisadora aponta ligação entre Kemetic Yoga e práticas ancestrais de cuidado

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Através de práticas relacionadas ao autocuidado presentes no cotidiano, Merit Amon, pesquisadora e instrutora da yoga de base africana, busca aproximar a Kemetic Yoga às pessoas pretas e periféricas. “Geralmente uma pessoa na periferia só vai se dar conta de que realmente precisa se cuidar quando adoece. O trabalho que a gente faz é trazer essa atenção para o corpo”, diz a pesquisadora.

A prática de Kemetic Yoga, segundo Merit, envolve o desenvolvimento da autonomia, que pode contribuir na prevenção de doenças, o que aponta ser necessário diante das faltas existentes no campo da saúde pública. 

O questionamento sobre autocuidado, segundo Merit, é o princípio para o desenvolvimento da autonomia, na perspectiva de que não dá para terceirizar o próprio cuidado e esperar que alguém te salve. “São pequenas oportunidades que tem você no dia de falar assim ‘cinco minutos é meu, é tudo que eu tenho’, mas você valoriza seus cinco minutos [por saber] que é essencial para você, então é um processo de auto investigação, ele vai provocar o autoconhecimento”. Merit menciona que tentar encaixar o yoga na vida de um modo leve, para que não se torne mais uma obrigação, é um bom caminho.

A pesquisadora coloca que a prática do yoga vai além de movimentar o corpo físico. “[O yoga] vai provocar você a olhar para as suas estruturas. Como está a sua vida hoje? E como que você realmente quer? Para projetar, a gente tem que estimular a imaginação, tem que se visualizar [e] o yoga ajuda muito nesse processo”, aponta. 

“A yoga de base africana nas periferias é uma novidade, embora tenhamos na nossa memória ancestral esse caminho mapeado. Porém, de acordo com a forma que as informações são manipuladas, a gente acaba, sem perceber, ficando afastado desse conhecimento por conta da rotina, das necessidades, que ainda são as básicas de sobrevivência.”

Merit Amon, pesquisadora e instrutora de Kemetic Yoga.

A pesquidara pontua que existem dificuldades para que a prática alcance corpos negros e periféricos não apenas no âmbito de enfrentar os preconceito, por se tratar de uma prática de matriz africana que envolve espiritualidade, mas também por outras necessidades que essa população enfrenta. “Como pensar em yoga nas periferias se a gente ainda está no modo de sobrevivência?”, questiona.

“O desafio da nossa periferia é: eu enxergo, vejo que é importante, mas quando vou no mercado o orgânico é R$ 10”, exemplifica a instrutora. “A gente vê no Brasil muitos casos de hipertensão, diabetes, ansiedade”, aponta Merit ao ressaltar que essas não são demandas da yoga, e que apenas a prática não é capaz de mudar esse cenário, mas que pode auxiliar na busca por melhorias.

A instrutora conta que a Kemetic Yoga é uma prática cultural que nasceu no continente Africano, e “Kemet” se relaciona ao estudo do antigo Egito e significa “a terra preta” ou “terra dos pretos”. O método envolve as posturas, que são chamadas de progressão geométrica, respiração, meditação e contato com os fundamentos da espiritualidade africana. “A intenção é que essa prática, [para além] do tapete, possa ser levada de forma coerente para a vida”, Merit pontua. 

Ela também comenta que devido ao processo de escravização, o reconhecimento das próprias potências tem sido um processo de construção para parte da população negra. “[Assim como] reconhecer o poder de onde a gente vem e provocar essa transformação social onde a gente reside”, menciona.

Moradora do bairro Jardim São Bento Novo, que fica no distrito do Capão Redondo, zona Sul de São Paulo, Merit conta que, através do estudo, notou que experiências e práticas que faziam parte do seu cotidiano também se relacionavam com a Kemetic Yoga. “Eu nasci em uma periferia e isso chegou tardiamente para mim. Eu fui me ligar que eu já pratiquei meditação num processo que eu já estava no meio do rolê do estudo do yoga de base Africana”, conta. 

Ela relembra quando, na quarta série, a professora da escola colocava a turma sentada ao sol e passava meditações. “E aquilo foi uma coisa que marcou na minha infância. Depois eu comecei a olhar para o lado da saúde”. 

A pesquisadora também identifica essas conexões no âmbito familiar. “A minha avó é rezadeira, então a prática de cuidado dentro da minha família era muito parecida com as coisas que eu fui ler depois. Para mim a prática do Kemetic Yoga foi um processo de resgate”, afirma. Ela conta que a avó também atendia a comunidade a partir dos seus saberes, e relaciona a prática como um conhecimento de autopreservação de identidade, etnia e cultura.

“A gente cuidava também do corpo energético com os banhos. Minha avó também ajudava a comunidade, porque quando as pessoas tinham seus problemas de saúde ou problemas espirituais iam lá. [Ela] falava ‘Merit, pega aquela erva x’, eu ia lá trazia um punhado”, relembra.

Com formação iniciada pelo mestre Yirser Ra Hotep, criador do Yoga Skills Method of Kemetic Yoga, realizada pela Kasa de Maat, a pesquisadora autodidata em saúde integral, atualmente conduz a yoga de base africana de forma online e presencial em eventos pontuais. Merit indica que é possível encontrar instrutores pela internet e que, por vezes, espaços como Casas de Cultura e unidades do Sesc oferecem atividades relacionadas.

Embranquecimento e comercialização

Merit chama atenção para o contexto de embranquecimento da prática do yoga, que também se dá através da questão de classe, em que pessoas brancas viajam para adquirirem esses saberes na Índia, em mosteiros, e se apropriam disso. “Tem gente que tem esses privilégios que acha que basta vir na comunidade e falar ‘vem fazer yoga de graça’. Nada é de graça nessa vida e acaba utilizando da estética e dos corpos das pessoas que pertencem a esse território”, observa. 

“A maioria das pessoas daqui da região acordam extremamente cedo, voltam tarde, tem uma rotina pesada e quando tem filho então nem se fala. Tudo o que se tenta ter é um mínimo de paz. E aí quando eu falo que o Kemetic Yoga é uma ferramenta muito potente nesse aspecto de bem-estar.”

Merit Amon, pesquisadora e instrutora de Kemetic Yoga.

A prática de yoga indiana é mais conhecida por ter se disseminado pelo Ocidente. Segundo a pesquisadora, essa vertente se difere da Kemetic Yoga pelas posturas, símbolos, fundamentos, aspectos da espiritualidade e origem de ambas.

Outra prática de yoga que tem se popularizado, mas não necessariamente se tornou acessível, é a yoga encontrada nas academias, que para Merit traz um esvaziamento de aspectos existentes no yoga de base africana ou indiana.“Esse processo de embranquecimento da yoga no âmbito comercial é uma estrutura que fatura bilhões, que pauta muita saúde mental, mas é de quem para quem?”, questiona.

“Quando a gente pensa em yoga a imagem que vem à nossa mente são de pessoas brancas praticando”, menciona ao dizer que é importante a reconstrução desse imaginário com o conhecimento e retomada do Kemetic Yoga, que vai atuar tanto no fortalecimento do indivíduo, como da comunidade. “Não existe senso de comunidade sem senso de autocuidado”, finaliza.

Os meninos das quebradas e a ausência de referências masculinas em saúde

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Pedro (nome fictício) tem 16 anos de idade e nunca foi à uma consulta com urologista. Na verdade, Pedro sequer sabia de que se tratava essa especialidade antes de nossa conversa. 

O menino conta que a última vez que foi à Unidade Básica de Saúde foi na infância, numa consulta pediátrica e quem o levou foi a mãe, depois disso nunca mais “precisou ir”, pois não adoeceu.

Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) tenha definido a mais de 70 anos que saúde está relacionada ao bem-estar físico, mental e social, ampliando o conceito para além da ausência de doenças, muito se acredita ainda que só devemos procurar um atendimento em saúde para tratar enfermidades.

A adolescência é um período da vida em que acontecem muitas mudanças emocionais, sociais e físicas e é importante que adolescentes possam acessar equipamentos de saúde para cuidar de si e aprender sobre as alterações que tem acontecido em seus corpos.

Tenho trabalhado a mais de 14 anos com adolescentes e pessoas adultas, falando sobre a importância do cuidado à vida durante o período da puberdade, e o que observo é sempre um número alto de meninas interessadas em debater sobre autocuidado e as mudanças em seus corpos. 

O número de meninos ainda é muito baixo nos espaços de diálogo e reflexão sobre saúde, e por que isso acontece?

Eu quero arriscar uma hipótese e quero pensar junto contigo sobre isso: Acredito que os meninos têm pouca (ou nenhuma) referência masculina que aborde temas em saúde com foco nas masculinidades.

Temos bastante iniciativas de mulheres de quebrada que dialogam com adolescentes, mas muitos meninos não se sentem a vontade de falar conosco sobre suas mudanças, ou porque acreditam que não vamos entender (já que não passamos por isso), ou porque sentem vergonha de falar com mulheres sobre desejo, sexualidade e medos.

Os meninos precisam dos homens, sobretudo os meninos de quebrada, eles precisam que homens periféricos se organizem para falar de saúde do menino e não só ser referência na música, cultura ou esportes. 

Os homens precisam aprender e desenvolver estratégias de diálogo com os meninos sobre saúde, sexualidade, corpo e adolescência. 

Fiz uma pesquisa no Portal de Transparência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais e só este ano, são cerca de 5.537 crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento. 

Então soma aí a ausência paterna e a ausência de referências positivas em cuidados à saúde do homem. O resultado é uma população de meninos que vão aprender sobre sexualidade, corpo e puberdade com os recursos que estão facilitados para eles: a pornografia.

São poucos os meninos que sabem o que é urologista, mas muitos sabem o que é tadalafila. Poucos meninos sabem como usar corretamente um preservativo, mas muitos sabem como acessar conteúdo erótico adulto.

Nós, mulheres de quebrada, temos nossas limitações no cuidado à adolescentes e homens periféricos precisam se colocar como responsáveis também pela promoção de saúde com os meninos. 

A ausência para os meninos de quebrada não é só paterna, ela é uma ausência de referências masculinas em saúde também.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

Feira Literária da Zona Sul chega a 10ª edição com atividades na Praça do Campo Limpo

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“A Poética dos Caminhos – Donde Miras?” é o tema da FELIZS deste ano, que destaca uma década da feira e 20 anos do Sarau do Binho. 

Comemorando 10 anos de existência, a Feira Literária da Zona Sul (FELIZS) realiza o encerramento da edição deste ano, no próximo sábado (21), na Praça do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Entre os destaques da programação está a feira literária, que reunirá mais de 50 editoras independentes de todo o Brasil.

Suzi Soares, produtora da FELIZS, destaca que o tema deste ano remete à trajetória do Sarau do Binho, e especialmente à expedição ‘Donde Miras’, que percorria a pé longas extensões entre cidades, acampando em escolas e realizando saraus nas paradas. 

“A comemoração pretende celebrar a existência do Sarau e da FELIZS, sem deixar de pontuar os problemas que permanecem nos territórios onde o evento acontece, como o genocídio da juventude negra, o feminicídio, a transfobia, temas que percorrem as produções artísticas e a literatura produzida por nossas e nossos autores”

Suzi Soares, Produtora da FELIZS.

A 10ª edição da FELIZS também irá homenagear o “Grupo Clariô de Teatro”, coletivo que busca, através da cena e da troca com outros coletivos, discutir a arte produzida pela periferia, na periferia e para a periferia. Atualmente, o grupo está com uma campanha coletiva aberta para compra do espaço onde realizam suas atividades e onde também acontece o Sarau do Binho.

Sobre a FELIZS

A FELIZS nasceu do desejo de unir os diversos artistas e escritores da periferia da zona sul de São Paulo, com ênfase na literatura. A feira realiza ações que promovem a formação do público e incentivam o livro e a leitura, ampliando os meios de difusão e acesso cultural por meio de suas atividades literárias. Com o objetivo de valorizar a produção existente no território, que muitas vezes não tem a oportunidade de alcançar um grande público, a FELIZS articula autores e artistas periféricos com outros espaços, possibilitando apresentações e a publicação de suas obras. Até o momento, 22 títulos foram lançados pelo Selo Sarau do Binho através da feira.

SERVIÇO

Confira a programação completa

21 de setembro (sábado)
Praça do Campo Limpo (Rua Aroldo de Azevedo, 100)

FRENTE DO PALCO / PALCO

ACESSIBILIDADES: Intérprete de Libras em algumas atividades/ Monitores para acessibilidade/abafadores de ruídos/ Local reservado sinalizado/banheiros adaptados

11h – Cortejo Baque Atitude 

12h – Baile Bons Tempos Nostalgia Black

13h – Música Núcleo Caboclinhas – Rodinha da Ivone

14h às 15h30 – Conversa Literária
Pedras na caminhada – literatura, resgate e afirmação
Com Luiza Romão,  Luz Ribeiro e Cristina Judar – Mediação Jéssica Balbino 
Sinopse: Três escritores reúnem-se para colaborar na resposta às questões: qual o espaço a ser conquistado por autoras/es nos diversos gêneros da ficção? A literatura pode abrir caminho para a constatação da violência? Que mediações estéticas, éticas e políticas estão sendo propostas como forma de resistência a esta violência por parte de autoras/es de literatura?

16h teatro Lona Preta – O Concerto da Lona Preta  

17h30 às 18h50 – Sarau do Binho 20 anos

19h – Show Raquel Tobias

21h – Show MC Marechal

TENDA DAS CRIANÇAS/OFICINAS

12h às 13h30 – Oficina Boneco articulado com Rager Luan

13h30 às 15h30 – Espetáculo Figaza Show + oficina de circo com Painé Santamaria

15h30 – Contação de histórias 

Intervenções na praça Brincantes Urbanas
Praia Literária
Poesia nos Muros com Silvana Martins
Palhaçaria com André Schule e Bruno Coqueiro
Tranças criativas com Isabela Mohana
Boneco articulado com Rager Luan
Bicicloteca
Leitura Surpresa

“As crianças não estão nos lugares públicos”, afirma Beatriz Souza, educadora infantil

Durante o Festival Código da Arte, que busca transformar praças públicas em espaços de convivência, realizado em setembro, no bairro do Morro Doce, pertencente ao distrito de Anhanguera, zona noroeste de São Paulo, a professora de educação infantil Beatriz Souza, integrante do Coletivo Uirapuru, abordou a influência da cultura nas infâncias periféricas. 

Beatriz foi uma das agentes culturais que realizou oficinas com as crianças durante o evento, tendo como matéria principal o barro. Ao longo da atividade, as crianças puderam criar elementos a partir do contato com a argila. 

A educadora participa do Coletivo Uirapuru, criado em 2021, que desde então atua com pesquisas sobre arte, ancestralidade, cultura indígena e africana, e a relação entre natureza e educação. Isso através da ocupação de espaços culturais públicos e independentes nas periferias de São Paulo. 

Como surgiu o coletivo e qual objetivo?

Eu, Karina e Paloma trabalhávamos na mesma escola privada e todas nós somos da periferia. A gente pensava muito nesse lugar da infância periférica, quais espaços essas crianças ocupam e os espaços que elas não ocupam, e principalmente, políticas públicas para a infância na periferia. Surge desse incômodo que a gente percebe que não existe um lugar para as infâncias. E aí quando a gente pensa em contextos periféricos não existem muitas coisas na periferia. Então as crianças não são muito olhadas. 

Por que utilizar a argila e qual a técnica usada?

A gente tem um ciclo de oficinas e hoje escolhemos usar argila porque a gente tem pensado mais nessa relação do barro, dessa coisa da manualidade [das] crianças tendo contato com barro. O contato com a natureza de alguma forma recupera esse lugar ancestral também, porque a gente no Brasil, enquanto constituição do nosso país, tem muito forte a cultura indígena e africana, e o quanto que a gente vem perdendo esses lugares. Reafirmar essa potência para as crianças de trazer esse contato é um lugar também de buscar essa ancestralidade de alguma forma, ainda que seja um contato ali muito pequeno, sabe? Eu tenho certeza de que essas crianças vão lembrar disso em algum momento da vida delas, nesse momento do contato com argila em uma praça pública, nesse evento. Essa é uma técnica indígena, estamos nos aprofundando, como coletivo estamos buscando caminhos. E sobre as crianças fazerem o passo a passo, a cobrinha com a argila, para depois montar o objeto, o contato de como fazer, por que é importante entenderem esse processo de começo, meio e fim. Isso traz um lugar das crianças conseguirem imaginar possibilidades do que fazer com barro e fazer com a mão.

Qual o significado de participar de eventos como o Festival Código da Arte?

Acho que enquanto coletivo de três mulheres periféricas, é muito importante estar em um espaço desse, de pensar na descentralização dos espaços culturais e pensar o quanto que a periferia é potente, o quanto a gente dá conta só [por nós] de produzir e fazer cultura na nossa quebrada. E [também] de trazer os artistas locais e as crianças [que] estão nos lugares públicos. Acho que assegurar que tenham atividades e espaços pensados para a gente é um lugar de muita satisfação e orgulho de poder fazer parte.

Quais os desafios que o coletivo enfrenta?

O coletivo tem mais ou menos três anos e meio. Eu acho que um dos maiores desafios é conseguir se manter pela questão da grana. Se não somos contempladas por um edital público a gente não consegue fazer as nossas ações, porque para comprar argila, para comprar os materiais precisa de grana. E aí é muito difícil a gente conseguir tirar da nossa grana, porque trabalhamos em escola e tem as demandas da vida, e os materiais não são baratos.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.


Especialista fala sobre consumo de PANCs e segregação alimentar nas periferias

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Taioba, peixinho, dente de leão, trapoeraba zebrina, azedinha, begônia, hibiscos, cambuquira, brilhantina, açafrão, cúrcuma e ora-pro-nóbis são algumas PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) que podem contribuir com uma alimentação saudável, de qualidade e variada, é o que aponta Sabrina Leite. Cozinheira e cientista social, Sabrina associa a utilização das PANCs aos cuidados com a saúde e pontua como a indústria alimentícia prejudica essa relação.

Moradora do bairro Vila Aurora, no distrito do Jaraguá, zona norte de São Paulo, a cozinheira aborda a alimentação como uma ferramenta de mudança social. “Trazer a utilização integral dos alimentos e de PANCs é trazer [a discussão do] direito à alimentação. [No sentido] das pessoas entenderem e reivindicarem o quão é direito delas terem acesso à uma alimentação variada que vai nutri-las, [para] que possam desfrutar de uma velhice saudável, [sem] ter doenças construídas ao longo da vida por déficit nutricional”, coloca.

Embora para algumas pessoas o termo PANC seja recente, a utilização dessas plantas atravessa gerações. Sabrina cita que, a depender do contexto, esse consumo passa a ser associado à escassez, mas ressalta a relação de proximidade desses alimentos.“Esse modo de se alimentar partia dos nossos avós”, menciona. 

Sabrina afirma que existem diferenças no modo de se alimentar se comparado ao dos nossos ancestrais por conta da introdução dos ultraprocessados. “Mas a alimentação baseada no feijão, na farinha, muitas pessoas continuam se alimentando dessa forma e isso é bom, porque são alimentos in natura. O que a gente não pode romantizar é o cerceamento da alimentação por esses alimentos. Não continua tendo uma diversidade, a pessoa está se alimentando da farinha, do feijão porque é o que ela tem para se alimentar”, diz. 

“Por exemplo, os negros escravizados sequestrados de África, que se alimentavam basicamente da farinha e do feijão, se alimentavam dessa forma porque não havia possibilidade de ter uma variedade alimentar, era fome mesmo. Eles não tinham possibilidade de fazer um roçado, de plantar outras coisas. Inclusive quando as plantações de cana [e] algodão aumentavam, a fome também aumentava, porque diminuía essa parte física de terra de plantio [do alimento]”, coloca Sabrina.

“A memória que algumas pessoas têm desse tipo de alimentação é muito dolorida, e para elas, ter a possibilidade de se alimentar de arroz, feijão e carne, sendo a carne o principal alimento dentro da refeição, é algo muito significativo. [Isso] significa que elas conseguiram melhorar de vida”.

Sabrina Leite, cozinheira e cientista social.
No Brasil, em 2023, cerca de 27,6% (21,6 milhões) de casas estavam em situação de insegurança alimentar, de acordo com a pesquisa realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

Segundo a cientista social, a separação de quem come determinado alimento é reforçada pela construção de um imaginário sustentado e espalhado pela publicidade utilizado pela indústria alimentícia. Ela também aponta que a periferia é o público-alvo quando se trata de incentivar o consumo de alimentos ultraprocessados. 

“Até mesmo as frutas para as crianças que vêm da periferia [têm um significado]. Às vezes a criança tem vergonha de levar uma banana para a escola, porque a banana não representa o mesmo status que um biscoito recheado.”

Sabrina Leite, cozinheira e cientista social.

Sabrina ressalta que a indústria não é responsabilizada pelos danos que a alimentação ultraprocessada causa à saúde da população, tendo inclusive isenção de impostos que auxiliam na produção desses alimentos.

Embora haja esforços por políticas públicas de incentivo à alimentação saudável, principalmente através da luta popular e de organizações sociais, ela destaca que ainda há muito a ser conquistado. “Falar de políticas, cada vez mais dentro desse processo de pressionar para que essas políticas de incentivo à alimentação saudável aconteçam [e] a população esteja cada vez mais ciente de que é só a pressão social que vai fazer com que essa realidade se transforme”, coloca.

Alimento como mercadoria

Para a cozinheira, o consumo de alimentos in natura é direcionado para uma determinada classe social que pode escolher ter um estilo de vida a partir do que come. “O alimento está sendo utilizado como ferramenta de segregação e diferenciação social. Quem é que tem [tido o] direito ao alimento fitness, a fazer exercício e a comer saudável? Não é a quebrada”, afirma Sabrina.

Ela reforça que as PANCs são fontes de vitaminas, minerais, fibras e antioxidantes, e que cascas, talos, sementes, folhas, raízes, flores e caules servem como um acréscimo na alimentação. “Com elas a gente consegue fazer geleias, refogados e muitas [outras] opções”.

“A utilização integral dos alimentos pode ser feita a partir da observação e da reavaliação do que a gente enxerga como lixo. Muitas vezes a gente enxerga que só a polpa da melancia é comestível e a casca joga fora. Quando eu penso dessa forma eu não só estou jogando ingredientes, mas também jogando dinheiro fora”, comenta.

A cientista social afirma que é possível fortalecer a segurança alimentar com o incentivo ao consumo integral dos vegetais e das PANCs, mas reforça que “não tem como as pessoas ressignificarem a forma de se alimentar se não for pelo direito”, ao apontar o papel das políticas públicas nesse debate. 

Ela também coloca que em muitos casos as pessoas não alcançam o conhecimento sobre a possibilidade de consumir uma PANC ao invés de um ultraprocessado, o que também se relaciona com a perda de autonomia. 

“Não é só a questão de utilizar PANCs e a utilização de alimentos integralmente, mostrar como faz ou quando isso pode ser benéfico. Porque isso as pessoas simplesmente podem dar um Google e acessar. Mas como que a gente pode utilizar esses alimentos como ferramenta para falar de acesso à direito, falar de políticas públicas, de exploração do trabalho, de diversas informações que não chegam”, ressalta Sabrina.

Empreendedor mistura samba com yakisoba e frutos do mar para surpreender o paladar de moradores da Vila Império

Todo primeiro domingo do mês acontece o Samba de Calçada, localizado no bairro Vila Império, na zona sul de São Paulo. Nesse samba de quebrada temos o Seu José Geraldo Pereira, 55 anos, que se destaca no evento com a sua barraca customizada de yakisoba, uma mistura improvável, mas que deu muito certo. 

Diferente das proteínas que são disponibilizadas para consumo e venda nos eventos de samba como churrasco, batata frita, calabresa, feijoada, salgados fritos e assados, o yakisoba vem com uma outra proposta rendendo boas vendas e novas oportunidades para José que nos contou um pouquinho sobre sua trajetória na cozinha. 

O ponto de venda do empreendedor se destaca pela sua barraca diferenciada, construída a base de artesanatos feitos de reciclagem. Mas a verdadeira surpresa é o alimento que ele comercializa no território em que está localizado. 

Em entrevista para o Você Repórter da Periferia, ela conta que o seu objetivo é simples: mostrar para as pessoas de seu entorno que é possível se alimentar bem e de forma saudável. É essa discussão que Seu José propõe com seus pratos diversificados e majoritariamente oriundos de peixes e outros frutos do mar.

VCRP: Qual é a reação das pessoas ao chegarem no Samba da Calçada e verem uma barraca de yakisoba?

Foi a opção que me deram de fazer yakisoba e perguntaram pra mim, se eu executava eu falei “Opa, com o maior prazer”, e hoje é um sucesso no Samba da Calçada, as pessoas gostam. Uma vai falando para o outro de boca a boca e até a minha marmita que eu separo no fim da balada, eu vendo, porque sempre tem um que quer e bate o pé e acaba vendendo.

VCRP: Como foi a construção da estética diferenciada da sua barraca?

Eu comecei com um tambor que eu fiz um fogão, e começou a demanda e as pessoas queriam yakisoba. Ninguém colocou fé que eu ia criar essa barraca, eu comecei em janeiro do ano passado (2023). Comecei a pegar madeira e fazer, e quando chegou no mês de março eu falei agora eu tô preparado pro yakissoba que me deram essa oportunidade, mas a barraca muitas pessoas vêm tirar foto aqui, né? E cada hora ela vai ser diferente, da próxima vez que você vier, ela vai estar com o telhado. Ela vai estar com um gerador movido a luz solar, então a cada hora você vai ver ela diferente.

VCRP: Como é o início da sua trajetória na culinária de frutos do mar?

Eu aprendi porque um dia eu comi errado e quase morri, aí eu me joguei na comida e aprendi a fazer comida de verdade. Então eu reunia amigos em casa, e aí começava, eu fazia tudo, pegava abria o atum e fazia hambúrguer, fazia linguiça de atum e começou. Então através de amigos eles falaram: “cara você teve uma mão boa para culinária, por que que você não se joga?”. Eu falei: “vou”. Hoje eu tô na culinária.

VCRP: Como é a sua demanda de comercialização de pratos à base de frutos do mar na região?

Então os pratos de fruto do mar a demanda é mais para amigos, porque eu acho que as pessoas têm que provar todo tipo de peixe. Qualquer tipo de peixe eu faço de uma forma saudável e saborosa, você come com os olhos e assim, eu acho que a periferia tinha que comer uma moqueca de peixe com banana e saber o sabor.

VCRP: Qual a sua visão de futuro para o seu negócio?

Então eu gostaria muito de ficar na quebrada, eu precisava disso, principalmente preparar comida sem nenhum tipo de conservante químico, tem como você comer bem e saudável. Eu tenho muita proposta, mas é que eu falei no início, né? Eu quero ter essa vida, essa simplicidade de fazer comida assim, não quero crescer, eu quero fazer uma coisa natural, porque se eu crescer não vai ser natural de verdade. Eu prefiro atender pouco, e a pessoa comer bem, é isso.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

“Eu sou admiradora”: moradora relata impacto de comunidade de samba na Vila Império

Indo na contramão de experiências ruins que muitos moradores das periferias relatam sobre festas de rua que viram a madrugada e bailes funks que não respeitam os vizinhos, Suely Macedo, moradora da Vila Império, zona sul de São Paulo, há mais de 20 anos, assiste sentada na entrada da garagem da sua casa o processo de montagem de palco e passagem de som do Samba na Calçada, um coletivo de moradores que preservam a tradição de utilizar a música como instrumento de fortalecimento de vínculo comunitário.

A moradora conta que se sente honrada em ser vizinha do Samba na Calçada e ser impactada pelas ações solidárias promovidas pela iniciativa, que existe há 13 anos. Em datas comemorativas como o dia das mães e pais e festas de final de ano, os organizadores do samba distribuem  presentes para os vizinhos e realizam uma super festa beneficente com direito a presentes e montagem de brinquedos para as crianças, com comida solidária para todos que quiserem participar do evento.

Enquanto moradores e vizinhos começam a chegar no Samba na Calçada, a moradora conta ao Você Repórter da Periferia que costuma ceder a sua garagem para os organizadores distribuírem refeições solidárias para o público no final do ano.

Ela conta com bastante carinho os cuidados que os organizadores têm com os moradores, para garantir a segurança das casas e carros estacionados, limpeza da rua, horário para início e fim do evento, bem como evitar brigas e discussões entre o público. 

VCRP: O que a Comunidade Samba da Calçada significa para você como moradora?

Eu sou admiradora do evento, gosto do que eles proporcionam para o bairro, para a rua e os moradores, principalmente para as crianças, que no final do ano eles fazem a distribuição de brinquedo para todas as crianças carentes e não carentes, montam brinquedos na rua, para as crianças terem um momento de lazer. Quanto ao Samba, não tenho nada a reclamar! Somos livres para fazermos o que quisermos! Se quisermos sair, ok! Se quisermos ficar em casa, ok! Se quiser participar, ok. Somos todos convidados. a festa é do bairro e a rua é de todos.

VCRP: Qual é o principal diferencial do samba na calçada que mais afeta você como moradora?

Somos todos livres para fazer o que quisermos, se quiser montar algum comércio podemos montar sem nenhum problema, não tem não tem nenhuma restrição em relação a isso, quem puder vende o que quer, somos todos livres para fazermos o que quiser, não existe uma regra e não existe impedimentos.

VCRP: Você Relatou sobre a segurança. Como você se sente nos dias de samba aqui no bairro?

O término do samba não ultrapassa às 10 horas, geralmente é no horário combinado que termina, existe uma equipe de limpeza que deixa a rua limpíssima. Caso venha ocorrer algum problema, há uma interferência de imediato para resolver. É um evento de rua onde cada um é responsável por si, mas tem sempre pessoas do samba olhando para ver se está tudo bem com os moradores e as casas no entorno.

VCRP: Você se sente beneficiada estando aqui com esse evento cultural?

Quando vejo quem monta um comércio e consegue fazer uma renda eu fico mais feliz E mais honrada ainda, pelo que eles conseguem proporcionar para as crianças carentes, e nós mães, somos todas lembradas no Dia das Mães, todos os pais da Rua São lembrados no dia dos pais, então isso já é gratificante.


“Eu faço café e torradinha todo dia e levo aos vizinhos”: o legado de Luiz Freire, velha guarda do samba da Vila Império

Enquanto os batuqueiros do Samba da Calçada animam o público presente numa tarde de domingo, na vila Império, zona sul de São Paulo, o empreendedor Luiz Freire, 73 anos, criador da comunidade de samba que existe há mais de 10 anos, está atrás de um balcão de um pequeno bar atendendo o público que começa a chegar para prestigiar o evento comunitário. 

O seu dia começa bem cedo. Com carisma e alegria, ele recebe crianças, jovens, adultos e idosos, que vão ao estabelecimento não só para comprar bebidas e petiscos, mas também para apreciar o café da manhã comunitário com direito às deliciosas torradinhas que ele realiza para os moradores do território.

Antes de morar na Vila Império, o líder comunitário morava na Vila Nova Conceição, um bairro localizado entre a Vila Olímpia e o Itaim Bibi, cercado por centros comerciais, grandes prédios residências, casas de show, bares com música ao vivo e restaurante de alta gastronomia. Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, ele conta a importância da preservação de um estilo de vida comunitário na periferia onde todos os moradores ainda se ajudam e se importam uns com os outros.

VCRP: Há quanto tempo você se dedica ao samba?

Desde 2004 estou aqui na Vila Império. Comecei com o samba em 2006, mas criamos o Samba na Calçada em 2012.  Temos união aqui com as pessoas, porque aqui tem muita gente carente. Eu faço café e torradinha todo dia de manhã e levo aos vizinhos que eu posso ajudar. Pobreza não é você não ter dinheiro, é você ser pobre de espírito.


VCRP: Como foi trazer o samba de Alagoas para a periferia de São Paulo?

Em Alagoas criamos um grupo chamado “Origem do Samba”. Agora ele se chama “Tô na gandaia”. Estamos aqui na periferia, onde eu não pensava que tinha tanta gente boa que me acolheram muito bem, todo mundo gosta de mim, eu sou muito grato. Ninguém fecha uma rua pra fazer um evento assim no bairro, sem parceria com a comunidade né?

VCRP: Qual a maior transformação que você teve na sua vida?

Você tá lá em cima e cai, e vai dizer que tá bom? Não vai, você pode viver com as pessoas, mas e se você não tá bem? A gente não consegue transformar sempre né, vivemos como pode, na ditadura por exemplo, nós não tínhamos liberdade, hoje estamos todos livres, como eu, trabalho por aqui, pra quem foi auditor, isso aqui nem é trabalhar, eu faço meus salgados, vivo minha vida, ajudo as pessoas.

VCRP: Qual é a maior riqueza ou aprendizado que você teve com o samba?

Não me falta nada. Quando você tem um pouquinho pra dividir é melhor que você tenha pra dividir tudo o que você tem, do que ter necessidade de pedir, não é verdade? Eu sou uma pessoa que gosta de ver o outro lado. Que respeite sempre o ser humano, porque tudo que se joga é como uma bola de borracha, é a força que você pode dar na parede, ela volta pra você, se você for “ameno”, tudo aquilo não volta.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

Como surgem as ruas?

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A noção de rua vem do latim “ruga” que significa “caminho” e pode ser caracterizada como um espaço público urbano de circulação de pessoas, veículos, animais e etc., ao permitir a ligação entre uma origem e um destino, de um ponto a outro nas cidades, metrópoles ou mesmo no meio rural. A rua é o espaço onde o encontro, as trocas e a circulação acontecem nas cidades, já que as cidades representam o centro de aglutinação de pessoas, bens, empresas e instituições, mas também de trocas, culturas, conhecimentos e ideias. A rua representa a passagem, o transitório, o meio de circulação, ao cumprir uma função para os centros urbanos e viabilizar a circulação e o encontro das pessoas seja em acessar centros comerciais, culturais, educacionais, de saúde, etc. Ela pode ser entendida também pela presença de duas ou mais calçadas (passeios e trânsito de pedestres e carruagens, em sua origem na antiguidade) e atualmente pelo fluxo de pedestres, veículos e mercadorias.

De espaço de encontro a espaço para automóveis

Todavia, a rua, como analisou Henri Lefebvre em A revolução urbana, não é apenas um lugar de passagem e circulação, ela é o lugar do encontro, sem os quais não existem outros encontros possíveis nos lugares determinados (cafés, teatro, salas diversas), lugares esses que animam a rua e são favorecidos por sua animação. Na rua efetua-se também o movimento, a mistura, sem os quais não há vida urbana.

Durante séculos as ruas das cidades tiveram uma dinâmica de vibração e de aglomeração de diversas funções sociais, ao representar até a metade do século XX um movimento de integração da vida social, econômica e política, com cidades estruturadas por meio de poderes políticos, econômicos e sociais que determinam a vida social de seus cidadãos. Com as ações de Le Corbusier em suprimir a rua, tornando-a apenas funcional para certo tipo de circulação, em alguns momentos a rua teve a extinção da vida, quando a cidade teve sua redução à condição de dormitório. Entretanto, a rua ainda mantém funções diversas negligenciadas por Le Corbusier, tais como as funções informativa, simbólica, lúdica, entre outras.

A rua foi passando por modificações ao longo da história. Deixou de ser, em alguns momentos, o lugar de todos os encontros para cumprir a função de circulação de veículos automotores. Na lógica de produção do espaço e produção da mercadoria, 

No Brasil, é comum as ruas serem nomeadas em homenagens a personagens históricos, famílias tradicionais de determinados bairros, nome de bairros, cidades, países, lugares, obras literárias e musicais também. Mas quem decide sobre a nomeação de uma rua? A princípio, qualquer pessoa pode enviar uma sugestão para a Câmara Municipal de sua cidade, e lá os/as vereadores/as discutem projetos de lei para nomear ou mudar nome de ruas, por exemplo. Em última instância, é necessário que um/a vereador/a encaminhe um projeto de nomeação de ruas, e isso não costuma ter barreiras para ser aprovado. Porém, as ruas são de atribuição do município e há uma lei orgânica que rege a sua regulação, ao mesmo tempo em que há cada município precisa ter um plano diretor vigente que contribui para as mudanças urbanas e legais.