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Jogo desenvolvido por articuladoras locais fortalece memória coletiva 

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A valorização dos saberes de povos e territórios é uma das demandas que atravessam o trabalho de agentes locais que atuam a partir das periferias. A criação do jogo “Perus no tabuleiro da memória”, formulado pelo Centro de Memória Queixadas – Sebastião Silva de Souza (CMQ), é um exemplo dessa movimentação.

Viabilizado por meio da 7ª edição do edital Fomento à Cultura da Periferia, “Perus no tabuleiro da memória”, propõe atividades lúdicas e educativas para o público infanto-juvenil. A partir da memória coletiva, narrativas locais e o vínculo com o bairro de Perus, território localizado na zona noroeste da cidade de São Paulo, o jogo busca registrar a história local. Desse modo, a iniciativa procura contribuir na difusão e valorização do patrimônio cultural e histórico periférico.

O tabuleiro leva os participantes por uma jornada que retrata as transformações do bairro e estimula reflexões sobre as relações pessoais com o território, reforçando os vínculos afetivos e identitários. “Foi todo desenvolvido em cima de um mapeamento afetivo realizado com a comunidade. Além do mapa do bairro em si, toda a divisão do território tem como base também a memória. O tabuleiro é cheio de pins de lugares que foram citados de alguma forma nesse mapeamento”, explica Sheila Moreira, uma das gestoras do Centro de Memória Queixadas.

Durante as rodadas, os jogadores precisam localizar pins no tabuleiro. Alguns deles são nomeados, como a biblioteca da região. Outros são pins que remetem à memória das pessoas que participaram do mapeamento.

“A memória é um fenômeno coletivo e social que, embora sujeito a transformações, possui marcos que constituem o imaginário social. Esses marcos, presentes no jogo, são ferramentas para fortalecer a conscientização e o protagonismo periférico, gerando identificação e pertencimento”

Angélica Müller, responsável pelo núcleo Educativo do Centro de Memória Queixadas.

Desenvolvido pelo Centro de Memória Queixadas, espaço criado para ser um centro comunitário dedicado à preservação e valorização da memória coletiva de Perus, o jogo foi lançado em fevereiro de 2025, e a ideia não é ser distribuído, mas que circule por diversas escolas. 

“Todas as escolas da região poderão receber a iniciativa mediante agendamento prévio com a equipe do Centro de Memória Queixadas, que oferecerá suporte para integrar o jogo às dinâmicas pedagógicas de cada instituição”, explica Erika Barbosa, gestora no núcleo de Articulação Territorial do CMQ. 

O tabuleiro foi desenvolvido com base em um mapeamento afetivo realizado com moradores de Perus. Foto: Divulgação.

O público geral interessado em conhecer o tabuleiro também pode agendar uma visita ao Centro de Memória Queixadas, via email ou instagram, e assim ter acesso ao jogo. A equipe ressalta que por ser uma atividade colaborativa, se a ida ao espaço for sem agendamento, é preciso ir com mais pessoas, até seis jogadores. 

No caso das escolas, o núcleo do CMQ vai até os alunos, ou as escolas também podem combinar uma visita ao espaço. Para entrar em contato e agendar uma atividade com a equipe é preciso enviar um email para contato@cmqueixadas.com.br ou mensagem no instagram.

O que o fim da escala 6×1 revela de oculto na sociedade brasileira

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No dia 25 de fevereiro de 2025, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), protocolou e apresentou oficialmente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/25) que refere-se ao projeto que objetiva reduzir a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais e 4 dias por semana, cuja finalidade maior é acabar com a possibilidade de escalas de 6 dias de trabalho e 1 dia de descanso, conhecida por escala 6×1, que envolve trabalhadores formais e informais.

Esse projeto é uma iniciativa que nasceu da mobilização do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), desde 2023. Liderado pelo influenciador digital Ricardo Azevedo, vereador eleito pelo PSOL com maior votação do partido na cidade do Rio de Janeiro, o movimento ganhou visibilidade e força nas redes sociais e conseguiu reunir mais de 1,5 milhão de assinaturas via abaixo-assinado entregue à Câmara dos Deputados e que pede a revisão desse tipo de jornada, algo que se tornou padrão em diversos setores econômicos do comércio, da indústria e dos serviços.

A proposta do fim da escala 6×1, ganhou projeção nacional e mobilizou agentes em campos políticos e ideológicos distintos, tanto à esquerda como à direita. Isso ao trazer a tona uma problemática latente e oculta de superexploração do trabalho, com base em baixos salários que sustentam esse tipo de jornada, algo característico de uma formação social dependente como a brasileira que se constituiu baseada na herança colonial e escravocrata, além da subordinação ao imperialismo estadunidense e ampliação da precarização do trabalho como extração de mais-valor permanente.

Enquanto a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que representa uma conquista do movimento trabalhista no país, não especifica escalas e permite o trabalho de até 44 horas semanais divididas em oito horas diárias, com a garantia de um dia de descanso a cada seis trabalhados, o VAT não só propõe a revisão desta legislação, mas conseguiu conquistar corações e mentes de grande parte dos trabalhadores e parlamentares para essa pauta, ao dialogar concretamente com a vida cotidiana e os dilemas da classe trabalhadora no país. Algo que determinadas organizações partidárias tanto à esquerda como à direita não conseguem fazer no dia a dia.

Com grande satisfação digo que este é meu artigo de estreia na coluna do Portal Desenrola e Não Me Enrola. Sou filho e membro da classe trabalhadora, negro, proletário, periférico e corinthiano que há décadas vem atuando, militando e estudando a fim de contribuir com a transformação social. Busco refletir aqui as condições de trabalho com a aprovação da PEC 08/25.

Vida além do trabalho e emprego digno com direitos

Em tempos de políticas neoliberais de austeridade fiscal (privatizações, redução de gastos públicos, etc.), a proposta do fim da escala 6×1 para uma jornada de 36 horas semanais e 4 dias de trabalho permitirá aos trabalhadores maior tempo para viver a vida, já que despendem muito tempo no trabalho e nos deslocamentos. 

A luta pela diminuição da jornada de trabalho sem diminuição de salário é uma luta sindical histórica que conseguiu estabelecer alguns parâmetros legais e civilizatórios nos países centrais do capitalismo e, na periferia, especificamente no Brasil. Alguns desses direitos foram apenas para parte da classe trabalhadora, já que a informalidade sempre foi majoritária no país e a herança colonial e escravocrata sempre pesou sobre as condições de vida na inserção e desenvolvimento da população negra, pobre e periférica nas relações de trabalho. 

Por isso, quando se fala em emprego digno, um direito humano universal inalienável, refere-se aos empregos com direitos sociais (férias, 13º salário, previdência, etc.) e salários dignos correspondentes ao valor do trabalho, cuja situações de crise econômica não prejudiquem os trabalhadores. 

Não por acaso que o VAT tem esse nome: Vida Além do Trabalho, já que as grandes jornadas de trabalho existem apenas para manter a taxa média de lucro e a alta rentabilidade dos grandes capitalistas. 

Num país em que há ainda o mito do Estado ineficiente e do mercado virtuoso, tais agentes do mercado estabelecem longas jornadas de trabalho com trabalhos precários aos trabalhadores, restando a estes um dia de “descanso” na semana. Algo que contraria as condições do bem-viver, porque nesse dia precisam realizar diversas atividades de reprodução social. 

Superexploração do trabalho e longas jornadas de trabalho

A superexploração do trabalho advém da realidade de nossa formação social analisada por Ruy Mauro Marini em sua obra Dialética da dependência, e suas características fundamentam as economias dependentes, tal como a brasileira. 

Para Marini, a superexploração é um processo estruturante das relações de trabalho e corresponde a uma situação na qual os salários pagos aos trabalhadores são inferiores ao valor da força de trabalho. Nesse caso salários rebaixados, aspecto que impede com que a classe trabalhadora tenha condições de se reproduzir em condições “normais”. 

Por exemplo, um operário que trabalha na Volkswagen do Brasil recebe três vezes menos que um operário que trabalha na matriz na Alemanha para realizar a mesma função na atividade produtiva. Nesse sentido, a superexploração advém da condição de dependência econômica e subordinação política de países periféricos aos centros dinâmicos do capitalismo, ou mais precisamente ao fenômeno do imperialismo monopolista, uma fase superior do capitalismo.

Então, a escala 6×1 é oriunda da superexploração do trabalho e reduzir a jornada de trabalho sem redução de salário permitirá ao trabalhador, que vive as condições precárias de trabalho, dispor de mais tempo e condições para realizar sua reprodução social (acompanhar e cuidar dos filhos, da casa, lavar a roupa, fazer comida, dispor de lazer, etc.) e valorizar o tempo de trabalho por receberem baixos salários. Além de exigir de diversos setores econômicos que operam na escala 6×1 ampliar o quadro de funcionários e gerar empregos para realizar suas atividades cotidianas.

Escala 6×1 versus escala 4×3 no contexto sindical frágil

O debate nacional e na Câmara dos Deputados possibilitado pela PEC, provocou diversos posicionamentos sobre a questão a favor e contra. O Ministério do Trabalho afirmou em nota à imprensa que tem “acompanhado de perto o debate”, ao indicar que a redução da jornada é “plenamente possível e saudável”, mas enfatizou que a questão deveria ser tratada em convenções e acordos coletivos entre empresas e empregados. 

Ora, nas últimas décadas o movimento sindical foi enfraquecido em decorrência das políticas neoliberais, de governos de extrema direita, centro e mesmo esquerda e, com o fim da contribuição sindical obrigatória, muitos sindicatos vivem na UTI e desacreditados por parte da classe trabalhadora. Havendo parte expressiva na condição de informalidade e precariedade sem referência em sindicatos, ao passo que esse enfraquecimento fortaleceu o movimento patronal e as empresas que ditam as regras de contratações e demissões, pressionam pela retiradas de direitos por meio das reformas (ou contra reformas) trabalhista e previdenciária e assumiram a negociação direta com os trabalhadores individualizados sem a mediação sindical. O que colocou a classe trabalhadora na lona nesse ringue da luta de classes. 

Por isso, a proposta protocolada pela deputada Erika Hilton se apresenta enquanto uma esperança no fim do túnel dessa sociedade capitalista neoliberal, ao provocar a necessidade do debate e desvelar os interesses políticos em torno da questão. 

A PEC prevê o estabelecimento de uma jornada de trabalho “normal” a partir dos seguintes aspectos: 

1) não poderá ser superior a 8 horas diárias

2) não poderá ultrapassar 36 horas semanais

3) será de 4 dias por semana

Segundo o texto da PEC, as mudanças passariam a vigorar depois de 360 dias de sua eventual promulgação, o que permitiria aos empresários do capital se adequarem para cumprir a nova lei.

O trâmite passa agora a ocorrer na Câmara dos Deputados, cuja análise da PEC está nas mãos do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que precisa encaminhar para uma comissão que realizará o debate da viabilidade da proposta e de sua aprovação. 

Evidentemente que a aprovação só será possível com a mobilização da classe trabalhadora, dos movimentos populares e de sua fiscalização na Câmara e no Senado por meio de um controle social de quem apoia a PEC. 

Trabalhadores de todo o país: uni-vos pela PEC e Vida Além do Trabalho!

É possível traçar uma continuidade do Breque dos APP’s (paralisação de entregadores e motoristas de aplicativos) de 2020, o VAT em 2023-2025 e a PEC entregue em fevereiro deste ano. 

O Breque dos APP’s, no contexto da pandemia, representou a primeira organização nacional de entregadores e motoristas de aplicativos por melhores condições de trabalho e vida, ao chamar a atenção para suas condições de trabalho sem direitos e com diversas precariedades nas relações de trabalho. 

Desde o Breque, até a mobilização do VAT pelo fim da escala 6×1, o que vemos é o grito do precariado (trabalhador precarizado) diante de relações de trabalho sem direitos sociais básicos e com dificuldades de garantir as condições básicas de vida.

São os(as) trabalhadores(as) precarizados(as) no trabalho doméstico, no telemarketing, na construção civil, na entrega e viagens por aplicativo, etc, em suma trabalhadores periféricos, que mais sofrem com as condições de trabalho, sem organização sindical e com dificuldades de ação enquanto categoria.

Por isso, com a mobilização nacional pela PEC, diante da intensidade da exploração capitalista e a ampliação da precarização do trabalho no país nos últimos anos, o VAT conseguiu reunir em uma pauta comum, interesses de trabalhadores formais (com registro em carteira) e informais (sem registro e direitos sociais). 

Uma forte mobilização ocorre no país ao indicar que os trabalhadores “ainda estão aqui” e chamamos a atenção para algumas delas: a greve/paralisação de trabalhadores das fábricas da PepsiCo em Itaquera, zona leste de São Paulo, e Sorocaba, cidade do interior do estado, pela aprovação do fim da escala 6×1 no final de 2024. As manifestações de ruas no país em fevereiro de 2025, organizadas por sindicatos, centrais sindicais e movimentos sociais. A atuação da frente parlamentar de apoio da PEC 08/25, entre outras ações e mobilizações. 

Está prevista para o dia 1º de maio de 2025, dia histórico de luta da classe trabalhadora, uma mobilização nacional pela aprovação da PEC 08/25 como modo de expressar apoio popular ao projeto que irá amenizar a vida cotidiana da classe trabalhadora que vive as condições de trabalho precário, de mobilidade perversa e sem tempo livre para lazer, descanso e simplesmente viver a vida, já que dispõe de apenas um dia de “folga” para retornar ao trabalho no dia seguinte. 

A vida não pode ser apenas viver para trabalhar, estamos diante da necessidade de inversão dessa relação e lógica de dominação.

A classe trabalhadora quer apenas trabalhar para poder viver e gozar a vida um pouco mais do que tem sido permitido nessa relação de trabalho que beira a “servidão”, cujo tempo de vida foi roubado pela lógica de acumulação capitalista para poucos ricos e barões.

Por isso, informe-se, mobilize sua família, sua comunidade, seu bairro e sua categoria de trabalho para que possamos nos unir na luta pelo tempo de vida ao conjunto da classe trabalhadora, pois, como sabemos, “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. 

Sandro Barbosa é cientista social, professor e educador popular. Doutor em Sociologia pelo IFCH UNICAMP, é pesquisador do Centro de Estudos Periféricos (CEP) da UNIFESP ZL, do Grupo Problemática Ambiental e Urbana da UNICAMP e professor do Senac São Paulo.
Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.



Especialista ressalta como crise ambiental agrava desigualdades em territórios periféricos

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Dias de calor extremo, seguidos por períodos de forte chuva. Esse é um cenário cada vez mais comum ao se falar de mudanças climáticas. Entender as consequências dessa crise apenas como um desastre natural é um erro, é o que afirma Thaynah Gutierrez, especialista em transição energética, direitos humanos e integrante da Rede por Adaptação Antirracista, criada por organizações que se reuniram para pensar a agenda de adaptação climática com um viés antirracista centrado nas pessoas. 

Especialista ressalta como crise ambiental agrava desigualdades em territórios periféricos.
Thaynah Gutierrez cresceu no distrito de Ermelino Matarazzo e faz parte da Rede por Adaptação Antirracista. (foto: arquivo pessoal)

A desigualdade, o sistema capitalista – que se baseia no acúmulo de bens e lucros – e o neoextrativismo, modelo de desenvolvimento econômico que também promove a exploração da natureza e de seus recursos, são apontados por Thaynah como as principais causas da crise climática. 

“Todos esses desastres, seja por conta das grandes chuvas, das grandes ilhas de calor ou o grande inverno que algumas regiões vão passar, tudo isso decorre das ações humanas e com o passar do tempo vão modificando como o meio ambiente consegue equilibrar a temperatura do planeta”, aponta a especialista, que também faz parte da Rede por Adaptação Antirracista.

Enchente no bairro Jardim Pantanal que aconteceu em fevereiro de 2025. (foto: José Cícero / Agência Pública)

Thaynah explica que a crise ambiental tem elevado a temperatura do planeta, resultando em diversas alterações no meio ambiente, como a intensidade e frequência das chuvas, o aumento de enchentes e erosões em algumas regiões enquanto em outras há secas prolongadas, além do crescimento das queimadas, entre outros desastres.

Em 2023, uma nota técnica divulgada pelo governo federal, identificou 1.942 municípios mais suscetíveis a ocorrências de desastres associados a movimento de massa, alagamentos, enxurradas e inundações, o que representa 34,9% dos municípios brasileiros. Já uma pesquisa realizada pela Organização Meteorológica Mundial, a agência climática da ONU, aponta que 2024 foi o ano mais quente registrado, o primeiro ano a ultrapassar o limite de 1,5°C de aquecimento em relação ao período anterior à Segunda Revolução Industrial.

Embora Thaynah destaque as ações humanas como a origem da crise climática, a especialista coloca que a responsabilidade disso não é do cidadão comum. “Esse efeito, que é culpa dos países mais desenvolvidos, do desenvolvimento desenfreado, da emissão de gases de efeito estufa dos Estados Unidos e da Europa, acomete principalmente os países mais pobres. E dentro dos países mais pobres, as comunidades mais pobres, que não têm resiliência para lidar com esses efeitos”, analisa ao também citar multinacionais e bilionários como responsáveis pela emergência do clima.

Ela relembra sobre diversas tragédias que acontecem e são chamadas de desastres naturais, mas na realidade são crimes ambientais, como no rompimento das barragens de responsabilidade da empresa Vale, nas cidades de Mariana, em 2015, e em Brumadinho, no ano de 2019, ambas em Minas Gerais. Além do gradativo afundamento de Maceió, em Alagoas, causado pela Braskem, através das atividades de mineração.

Enchente no bairro Jardim Pantanal que aconteceu em fevereiro de 2025. (foto: José Cícero / Agência Pública)

“Essas empresas sabem o que estão fazendo. Para elas é mais lucrativo esperar o desastre acontecer e pagar a indenização do que reconstruir ou fazer uma obra decente para que isso não aconteça”, explica Thaynah.

Ao falar sobre prevenção, no Brasil, segundo a especialista, existe uma agenda pública mais voltada para lidar com as emergências do que com essa prevenção. Ela menciona que para o Estado, esperar que um crime ambiental aconteça é mais caro do que se houvesse políticas públicas para precaução.

“É muito custoso, porque qual é o valor de você perder tudo, inclusive o laço comunitário? Não tem como monetizar isso. Não tem como monetizar a vida de um ente querido. Então, quando chega nesse lugar já não tem reparação suficiente, o que você aceita é esmola comparada à destruição que aconteceu.”

Thaynah Gutierrez, integrante da Rede por Adaptação Antirracista.

Como exemplo, cita a enchente que aconteceu na primeira semana de fevereiro de 2025, no bairro Jardim Pantanal, localizado no distrito Jardim Helena, zona leste de São Paulo. “Estudos mostraram que remover as pessoas custaria quase 2 bilhões e construir o dique para prevenir e fazer as obras de contenção para garantir o escoamento da água custaria 1 bilhão”, comenta.

Territórios criminalizados

Thaynah cresceu na região de Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, e tem parentes que moram no Jardim Pantanal, e ressalta que “ninguém escolhe morar num lugar que alaga”, ao falar sobre os julgamentos que surgem quando as pessoas, mesmo com alertas, permanecem em áreas de risco. “As pessoas moram lá porque elas não têm alternativas para morar em regiões mais seguras, com melhor infraestrutura”, pontua.

“O Estado não reconhece essas pessoas como merecedoras de uma agenda de prevenção. Porque no fundo se criminaliza essas pessoas só pelo direito delas de morar. O fato de morarem no Jardim Pantanal e não no Jardim Europa, faz com que elas sejam pouca coisa para o Estado. Se elas morrerem por causa do alagamento, por bala perdida ou por fome, tanto faz na agenda do Estado.” 

Thaynah Gutierrez, integrante da Rede por Adaptação Antirracista.

“O povo preto sabe que tem algo errado”: pesquisadora explica impacto do racismo ambiental nas periferias

A especulação imobiliária, que também faz parte do contexto de moradia nas periferias, é um dos fatores citados por Thaynah pelo qual não são realizadas políticas públicas de prevenção de desastres nesses territórios. “Toda vez que a gente escuta sobre a remoção, acende esse alerta: será que é remoção porque é uma zona de risco ou é remoção para especulação imobiliária? E todas as situações de remoção que a gente acompanhou foi para especulação imobiliária”, analisa.

“O que acontece é que essa população é removida de uma zona de risco para outra, porque com R$50.000 de indenização você vai morar onde? Se dentro da própria periferia o apartamento novo está custando R$ 200.000, com R$ 50.000 você faz o quê?, menciona Thaynah sobre o contexto de indenização que está sendo proposto para os moradores do Jardim Pantanal e que se assemelha a outras situações de remoção.

Chuvas intensas causam enchentes que impactam o cotidiano da população do bairro Jardim Pantanal. (foto: José Cícero / Agência Pública)

Criar formas de garantia alimentar a partir de quintais produtivos, cultivar agroflorestas, garantir água limpa protegendo as nascentes que existem em partes das periferias e coletivizar esses acessos, são algumas possibilidades mencionadas por Thaynah para as pessoas que vivem em periferias conseguirem lidar com o cenário que está posto com autonomia, mas sem deixar de lado a importância de exigir políticas públicas. 

Fortalecer o senso de comunidade também é apontado por ela como essencial para a garantia da sobrevivência de quem vive em situação de vulnerabilidade. “O individualismo que as favelas verticais geram, em que você entra no seu apartamento e esquece o que está acontecendo ao seu redor, vai fazer com que a gente morra primeiro e rápido. A gente precisa da comunidade”, finaliza.

Realidade a céu aberto: um encontro entre a política e o cotidiano

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O cotidiano é permeado por inúmeros conflitos. Este texto não tem um final, ele é a retomada de um dos primeiros textos desta coluna, onde eu analisei de forma breve e superficial a figura de diferentes políticos como Jair Messias Bolsonaro e Milton Leite. Na mesma época produzi uma série de texto onde trazia bordões para dialogar com a necropolítica presente em nossa sociedade. 

“Atrás de um ditador, existe um grande amor”: as emoções e seu uso na política: Realidade a céu aberto: um encontro entre a política e o cotidiano

Todos estes textos tinham algo em comum, eram uma análise pessoal com respingos de vivências minhas, porém, também norteados pelos conhecimentos que eu adquiri com o passar dos anos como estudante e pesquisadora. Por isso, o início desse texto é afirmando que cotidianamente enfrentamos conflitos, se não pessoais e direcionados a nós, ao menos assistimos eles acontecerem, incluindo os conflitos políticos.

A realidade parece fugir ao nosso olhar, que apegado a ideia egóica que somente com “nosso poder” venceríamos, perdemos muito do cotidiano. Quando falamos de internet hoje, não se pode negar o poder de influência dela em nossas vidas, estou me comunicando com vocês por algum aparelho com acesso à internet, sem isso, este texto talvez jamais seria público.

Quando entendemos o nível a que a comunicação chegou, também se abrem outras questões: será que estamos nos conectando com quem queremos? Ou somente nos isolando numa bolha de afirmação? A realidade é insistente, ela não para, ela nunca parou.

Ao relembrarmos os dados das eleições de 2020, onde Guilherme Boulos e Bruno Covas foram para o 2º turno, Covas foi eleito pelo PSDB com 5.337.230 votos, 59.38% dos votos totais, contra 2.168.109 votos, 40.62% de Boulos, do PSOL. Quando prestamos atenção aos dados, tem algo muito importante: 2.769.179 pessoas escolheram se abster do voto, 30.81%. Nulos somaram 607.062 (9,76%) e brancos 273.216 (4,39%).

Assim, a última eleição para a prefeitura deveria ter uma disputa bem pontual, já que um número bem expressivo de pessoas escolheram não optar por nenhum dos candidatos na eleição anterior. Novamente retorno aos outros textos, as pessoas demonstravam decepção com a política. A eleição de 2020, também foi uma eleição extremamente atípica, com uma pandemia que matou milhões de pessoas ao redor do mundo acontecendo.

Seguindo este raciocínio, a eleição de 2024 reservava muitas lições, levando em consideração o poder que aplicativos como Tik Tok e Kwai tiveram durante a pandemia e o uso das mídias que já havia sendo necessário nos últimos anos, seria possível realizar uma eleição em 2024 sem belos closes? 

Para a surpresa de muitos, a resposta é não. Durante a disputa eleitoral, após somente um debate e algumas entrevistas, Pablo Marçal ganhou as mídias, candidato pelo PRTB, com falas extremas, irreverentes e exageradas conseguiu um crescimento expressivo. Uma tática muito utilizada por Bolsonaro, que em 2009, ganhou as telas da Rede TV com suas posturas polêmicas em Brasília.

Este texto foi escrito antes dos resultados da eleição, todavia decidi publicá-lo somente após a disputa, pois não queria lidar com conflitos, assumo que nos últimos anos venho observando a realidade, porém expondo menos as minhas observações já que enfrentei muitos embates antes e após a pandemia. Expor isso é ser honesta com todos os que me lêem e confiam na minha escrita.

A realidade aparece a céu aberto e não podemos desviar o olhar, para quem estamos falando?

“Uns desistem, outros ficam
Alguns desistem e ficam
Só espaço físico ocupam e indicam
A tragicomédia de quem não tem, da própria existência, as rédeas
Cérebros de férias
Vários vagabundos festejando o fim do mundo
Enquanto isso, o cidadão comum se sente ridículo
Não encontra paz no versículo
Batendo de porta em porta, debaixo do braço, um currículo
Família inteira num cubículo”

Black Alien / From Hell do Céu

Para quem não se recorda, PRTB é o partido fundado por Levy Fidelix, este mesmo que rendeu muitos memes em sua última participação nas eleições após a exposição de suas propostas. Um partido que recebia chacotas, considerado pequeno e com um certo acúmulo de eleições perdidas.

Este é o movimento real, não estou aqui falando do poder do Tik Tok, estou relembrando que a vida se movimenta, assim como a informação. É possível que quando este texto for ao ar, ele já não seja mais candidato devido às medidas judiciais, porém conseguiu o que queria, assim como o partido. 

ELE CONTINUOU SENDO CANDIDATO…

Contudo, em fevereiro de 2025, Marçal se tornou inelegível por oito anos, por abuso de poder político, poder econômico, uso indevido de meios de comunicação e captação ilícita de recursos. Uma vitória, mas posterior a todo o caminho que ele construiu para quem irá vir. 

Quero deixar claro que este não é um texto com uma crítica genérica, é um texto de reflexão. Quando falamos algo, falamos para alguém, então para quem? 

Essa não é somente uma questão de manipulação midiática, tem um movimento acontecendo, inclusive entre as redes que se formaram nestes anos e se mostram dispostas a trabalhar para combater esses discursos, saber responder é necessário. 

Destaco que morando na periferia e vendo o movimento acontecendo nos últimos anos, partidos como Republicanos e União Brasil têm ganhado força, algo que também aparece nas pesquisas recentes na corrida eleitoral pelo Brasil. 

Na última eleição, os candidatos a Prefeitura de SP foram: Altino Prazeres (PSTU), Bebeto Haddad (DC), Datena (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Pablo Marçal (PRTB), Marina Helena (Novo), Ricardo Nunes (MDB), Ricardo Senese (UP) e Tábata Amaral (PSB). De quem mais ouvimos falar? 

Arruaça não faz campanha, mas se movimenta. 

Quem não se lembra do Enéas, eleito deputado federal por São Paulo em 2002? Filiado ao PRONA (Partido de Reedificação da Ordem Nacional) que ao se fundir com o PL (Partido Liberal) se tornou PR (Partido da República), o mesmo que em 2022 se tornou PL (Partido Liberal), pelo qual Jair Messias Bolsonaro foi eleito. 

Será que Enéas não falou para ninguém? Nada é acaso, nós nos tornamos inocentes ao não entender que a realidade acontece. Nós escolhemos nos enganar, nos esconder em vitórias do passado.

Tratar como insano um homem que realizou um movimento minucioso se unindo a grandes figuras famosas no mundo fitness, por exemplo, é ingenuidade. Marçal é a construção da urgência, seu exagero encanta quem adotou o conceito “todos que já estiveram lá roubam”. 

Além disso, temos um movimento massivo e publicitário em cima do livro “Café com Deus Pai” e do marketing sobre uma vida cristã sem renúncias, apenas com o acréscimo do devocional e da divulgação do livro. Porém, Junior Rostirola, pastor e escritor do livro, é um apoiador assumido de Jair Messias Bolsonaro e os influenciadores que vem divulgando uma “conversão” ao cristianismo, em parte, não parecem abandonar nenhuma prática, como divulgar jogos de apostas, por exemplo. 

Todavia, a publicidade de um cristianismo estético está vendendo e essa venda também está parecendo ter um futuro político. 

No meu olhar, isso não é sobre igrejas evangélicas. A maior parte das igrejas nunca teria recursos para produzir um livro desse porte, vivem de assistencialismo e seus líderes possuem trabalhos fixos para se manterem na religião, não o oposto. Estamos aqui falando de um movimento publicitário, político e estrutural, é sobre lucros.

Vivemos em uma realidade onde as pessoas estão exaustas, essa é a verdade, a realidade não nos afaga em nenhum momento, discursos que generalizam a política ganham força. Este não é um texto com receita, é um texto sem finalização. Desejo que possamos refletir para encontrarmos novos caminhos, pois com certeza métodos antigos já não funcionam mais… e eles sabem! 

Abram seus olhos, não se ataquem, é urgente que possamos cuidar dos nossos, sem memes, sem piadas sobre “pobre de direita”, também não temos muito valor partidário para a esquerda sem poder, essa é a realidade, sejamos nós a sermos justos com os nossos! Sejamos nós a falarmos com as dores dos nossos, sejamos nós a olharmos incansavelmente para a profundidade do que estamos lidando cotidianamente, sejamos nós, antes que tudo nos escape. 

“Doa a quem doer, eu não acredito em você
Não acredito no sucesso, não acredito na TV
Não acredito no que me vem impresso
Acredito em ordem e progresso quando o povo tem acesso ao ingresso”

Black Alien / Umaextrapunkprumextrafunk
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Coalizão de Mídias lança podcast que debate a comunicação nas periferias, favelas, quilombos e aldeias

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A Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas lançou os dois  primeiros episódios do seu podcast Escuta Quem Faz, que está disponível no Youtube e no Spotify. A produção é quinzenal e o terceiro episódio será lançado no dia 24 de março.

No formato de entrevistas, a cada episódio o podcast receberá integrantes da Coalizão de Mídias para compartilhar suas experiências e aprofundar debates sobre sustentabilidade financeira, impacto social, inovação e os caminhos para um jornalismo brasileiro comprometido com a realidade dos povos.

Composta por onze organizações jornalísticas espalhadas pelo país, a Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas é um conjunto de soluções tecnológicas ancestrais e jornalísticas para produzir e distribuir informação de interesse público em contextos sociais em que a internet é precária ou inexistente. A iniciativa trabalha por uma comunicação antimachista, antirracista, anticapacitista, antiLGBTQIA+fóbica e antietarista.

Atualmente, a Coalizão de Mídias conta com 11 iniciativas, de 6 estados brasileiros, são elas: Periferia em Movimento (SP), Desenrola e Não Me Enrola (SP), A Terceira Margem da Rua (SP), Frente de Mobilização da Maré (RJ), Fala Roça (RJ), Rede Tumulto (PE), Mojubá Mídias e Conexões (BA), TV Comunidades (MA), TV Quilombo (MA), Coletivo Jovem Tapajônico (PA) e Coletivo de Comunicação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). O episódio de estreia do Escuta Quem Faz  é uma conversa com Thais Siqueira (Desenrola e Não Me Enrola, de São Paulo-SP) e Yane Mendes (Rede Tumulto, de Recife-PE), que compõem a direção executiva da Coalizão de Mídias. Thais e Yane falam sobre a origem e ações promovidas pela Coalizão.

“Com o programa, busca-se alimentar e enriquecer os debates que já acontecem entre os coletivos de comunicação, expandindo para um espaço de mais visibilidade. Especialmente para quem financia projetos desta natureza.”

Thais Siqueira, cofundadora do Desenrola e Não Me Enrola

Thais Siqueira, cofundadora do Desenrola e Não Me Enrola e coordenadora da Coalizão de Mídias.
Thais Siqueira, cofundadora do Desenrola e Não Me Enrola e Coordenadora da Coalizão de Mídias.

Já no segundo episódio, o Escuta Quem Faz recebe iniciativas da rede e dos campos da filantropia e investimento social para entender estratégias de apoio para o campo da comunicação, em uma conversa com Janaína Barbosa do Fundo Baobá, que atua no terceiro setor há mais de 10 anos e é Gerente de Comunicação e Mobilização de Recursos.

Serviço

Podcast: Escuta Quem Faz
Periodicidade: Quinzenal
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Tempestades

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Sei que é muito desafiador para pessoas que estão iniciando este ano com tantas tempestades, intempéries, desastres, perdas e alagamentos intermináveis, o que nos faz perder não só questões materiais, mas a crença em algo maior. Com isso vamos nos perdendo e nos afastamos das possibilidades de nos mantermos equilibrados e tranquilos. 

Só me vem à cabeça, a partir de situações tão dolorosas, a ideia de não desistir. Precisamos nos fortalecer, segurar nossas mãos e não nos abandonar. São nesses processos mais dolorosos que dia após dia vamos construindo tudo novamente. Devagar, um degrau a cada dia, passamos a nos distanciar daquela situação e criando uma nova forma de entender melhor a vida.

Não é nada fácil recomeçar, porém, o fardo é mais leve se recomeçar a vida podendo contar com forças extras, que vem de pessoas físicas, mas também daqueles que nos seguem, nos abraçam, seguram e levam no colo. 

Reconhecer que somos finitos, mas nunca estamos sozinhos e que não temos certeza absoluta de nada, mas ao acreditar que não estamos sozinhos, o fardo fica mais leve e a fé fica mais fortalecida se pudermos contar e confiar em seres tão fortes e poderosos que não nos abandonam.  

São como mães, pais, irmãos, amigos e companheiros fiéis que podemos contar, e até como estranhos que chegam para ajudar em situações como estas. 

Pessoas surgem, nos socorrem e nos acalentam em momentos difíceis e desafiadores. Para mim não é sorte, como muitos dizem: “que sorte a nossa termos pessoas que nos ajudam e nos socorrem de forma inesperada”. Como diz a música do Emicida no álbum Amarelo “nunca foi sorte, sempre foi Exu”. 

Estar seguro dentro e fora de nós, manter a tranquilidade após grandes perdas talvez seja uma das situações mais desafiadoras da vida. 

Podemos ter culpados nas desgraças que nos acomete, porém, não temos um culpado em específico para direcionar a raiva, a dor e as frustrações. Nossa impotência diante da vida pode nos levar a reflexões profundas sobre quem somos, o propósito e o papel  que desejamos exercer. Vai além. Já nos perguntamos como estamos ligados a tudo que acontece ao nosso redor e como tudo pode nos afetar? 

Construir uma forma de viver mais desprendida do outro e das coisas, nos estabilizar e assegurar, permitindo nascer uma luz interna em algo maior, em coisas que não compreendemos, mas sentimos, e disso tomar consciência em viver de maneira simples e amorosa. De nos relacionarmos conosco, com tudo e todas as pessoas que nos circulam é um aprendizado para a vida.

Cuidar do que temos, da vida que habita dentro e fora de nós com afeto e desapego é um dos aprendizados mais profundos e libertadores que vejo acontecer com pessoas, e me incluo nisso.

Somos mais felizes quando estamos plenos de amor e alegria, quando podemos caminhar na areia da praia, realizar uma caminhada numa trilha, encontrar a natureza e lá nos sentimos leves e tranquilos. Se fizermos isso sozinhos, veremos o quão pequenos somos, mas nos conectamos com forças desconhecidas e poderosas, mesmo que não enxergamos com olhos físicos. A energia muda, isso é uma das práticas que trago como exemplo, pois explica o que gostaria de apresentar aqui, uma relação nova com a qual nomearia de Orixás, entidades e ou ancestrais. 

Quando nos relacionamos com a natureza estamos nos conectando para além do material.

Entendo que tempestades passam e limpam tudo, ou destroem para reerguermos o novo e nos curvar diante da sabedoria da vida e sobre quem somos.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.


Fórum em Defesa da Mulher mobiliza ações contra violência de gênero nas periferias

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Na segunda sexta-feira de fevereiro, dia 14, cerca de 30 mulheres se reuniram, no CDHEP (Centro de Direitos Humanos e Educação Popular), para planejar a 2ª Marcha Por Todas Nós, que acontece no próximo dia 8 de março, data que marca o Dia Internacional da Mulher. O ato faz parte da luta contra a violência de gênero e em defesa da vida de todas as mulheres e abrange regiões periféricas da zona sul de São Paulo.

Primeira plenária de organização da 2ª Marcha Por Todas Nós, em 2025 (foto: Viviane Lima)

Realizada pelo Fórum em Defesa da Mulher, a primeira edição da marcha reuniu, em 2024, cerca de 400 mulheres, e parte delas moradoras do Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luís, que são as principais regiões que o Fórum visa impactar, segundo Luana Oliveira. Moradora do distrito do Jardim São Luís, Luana é educadora popular no CDHEP e uma das lideranças que atua na coordenação do Fórum em Defesa da Mulher.

Luana Oliveira, coordenadora do Fórum em Defesa da Mulher. (foto: Viviane Lima)

Para algumas delas, o ato de 2024 foi a primeira experiência em uma manifestação na rua, como no caso de Solange Gonçalves, 49, que mora no bairro Jardim Mitsutani, distrito de Campo Limpo e é professora de educação infantil.

“Foi um ato muito importante para mim [a primeira participação em 2024]. Quando eu estou naquele meio parece que eu tenho mais força e que não estou sozinha. Tem mais mulheres que estão ali lutando pela mesma causa que eu.” 

Solange Gonçalves, frequentadora do Fórum em Defesa da Mulher e professora de educação infantil.

Solange conta que frequenta o Fórum em Defesa da Mulher desde 2024, e que as reuniões mensais, também chamadas de plenárias, ajudaram a lidar com uma relação de violência doméstica. “Não [foi] agressão física, mas psicológica, vivi 20 anos numa situação assim. Hoje não vivo mais, eu me separei e esses encontros me ajudaram muito”, compartilha.

Concentração da primeira Marcha Por Todas Nós em frente Sociedade Santos Mártires. (foto: Maju Rodrigues)

“As mulheres nas periferias ainda sofrem violência calada. Muitas não têm coragem, têm vergonha de dizer. Mas quando você vê uma marcha de mulheres passando na rua dizendo que aquilo não é certo, e que ‘eu sofri violência, mas enfim me libertei, estou mais autônoma’, isso encoraja outras mulheres”, coloca Luana ao apontar que a marcha das mulheres pela periferia é capaz de alcançar pessoas que não estão inseridas na discussão política de gênero. 

“Talvez mulheres que nem têm a possibilidade de sair de casa, [a marcha] já passa em frente da casa [dela] e ela vê. [Por isso] eu acho de extrema importância”, afirma Solange. Ela coloca que através da marcha, mulheres que vivem em situações de violência, podem ter acesso à informações que são passadas durante o ato, por conversas e panfletagem.

Gênero, raça e território

Luana pontua sobre as pessoas que vivem em periferias estarem expostas a vulnerabilidades e urgências, por vezes diferentes das demandas existentes em outros territórios. Por isso, espaços de luta organizados por mulheres periféricas se fazem necessários para acolher e desenvolver soluções que contemplem as realidades dessas mulheres.

“O maior número de mulheres que sofrem feminicídio, violência física, violência obstétrica, estupro, assédio, abuso de todo tipo, são mulheres negras, mulheres que moram em periferias e porque a gente vai marchar na Avenida Paulista, né? Então, faz sentido que a gente traga para cá essa mobilização, para que essas mulheres além de se sentirem pertencentes, elas também conheçam movimentos que estão reivindicando vida melhor para todas”, diz Luana, uma das coordenadoras do Fórum em Defesa da Mulher.

Em 2022, cerca de 18,6 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica e/ou sexual, o que representa 50.962 casos diários, sendo 65% delas negras. Foi o que constatou a pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, publicada em 2023, realizada pelo Instituto Datafolha e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Também em 2022, 67% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras, conforme o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

Questões que envolvem mulheres negras são prioridade nas discussões do Fórum, como conta Janete Novais, moradora do bairro Jardim Bom Refúgio, no distrito do Campo Limpo, e professora de educação infantil. “Tem esse encaminhamento, porque a gente vê que as mulheres pretas sofrem mais violência do que as mulheres brancas”, diz.

Janete Novais é frequentadora do Fórum em Defesa da Mulher e participante da Marcha. (foto: arquivo pessoal)

Janete é uma mulher lésbica e comenta que o acolhimento do Fórum se estende para a comunidade LBGTQIAPN+. “A gente vê como todas as mulheres são bem acolhidas [e] bem-vindas”.

Articulação territorial

O Fórum em Defesa da Mulher foi criado em 2024, como uma ação diante do aumento de feminicídio nas regiões periféricas da zona sul, local de atuação da iniciativa. 

Durante as plenárias são realizadas atividades de acolhimento e discussão que atravessam os direitos e a dignidade das mulheres. Também ocorre a construção coletiva de documentos, como a carta de princípios e carta manifesto do grupo. Há momentos de dinâmicas culturais e trocas. Além disso, o espaço gera um fortalecimento da rede de trabalhadoras que atuam na garantia de direitos, em serviços de saúde, educação e assistência social.

Moradoras das periferias da zona sul de São Paulo marchando contra a violência de gênero. (foto: Maju Rodrigues)

A primeira marcha organizada pela iniciativa foi feita em homenagem à Márcia Soares, de 30 anos, mãe e moradora do Capão Redondo que foi assassinada, esquartejada e teve partes do corpo distribuídas em lixeiras, nos arredores do terminal de ônibus Capelinha, em janeiro do mesmo ano. 

“O cara se sentiu à vontade de partir esse corpo e jogar no lixo. A gente entendeu isso como um recado. Ele deixou uma mão dela para fora da lixeira com as unhas pintadas de dourado”, conta Luana.

A marcha de 2025 homenageia Marli Bonfim, advogada e liderança de luta da região, que reivindicava contra a violência de gênero e pelos direitos das mulheres, e faleceu em 2015. Ela criou ações sociais como a Casa Sofia, Centro Maria Mariá, Fórum Permanente de Mulheres, Conferência Regional de Mulheres, entre outras.

Marli Bonfim é a homenageada da Marcha Por Todas Nós de 2025. (foto: arquivo pessoal da Fabiana Ivo)

“[Marli] deixou um legado super importante de ser revisto, ouvido e compartilhado, porque [ela] faz parte de um processo histórico de mulheres lutadoras desse território, que desde a década de 70 vem lutando de diferentes formas pela redução de violência, seja [por causa da] fome, seja por conta da violência doméstica, pela mortalidade dos seus filhos, sempre foram mulheres que se organizaram”, como conta em plenária, Fabiana Ivo, atuante na área social há 20 anos.

A Sociedade Santos Mártires e o CDHEP são as organizações que fazem a gestão dos encontros e das atividades do Fórum em Defesa da Mulher, que acontecem sempre na segunda sexta-feira do mês, das 9h às 12h, com revezamento entre os dois locais que são as sedes da iniciativa. Luana afirma que todas as pessoas são bem-vindas nos encontros, inclusive os homens.

O mesmo convite se estende para a 2ª Marcha Por Todas Nós, que acontece no dia 8 de março, com concentração na Sociedade Santos Mártires, localizada na Rua Luís Baldinato, n° 9, no Jardim Ângela, com concentração às 8h, e a partir das 9h segue até a estação Capão Redondo.

“A gente quer uma vida digna todos os dias, sem sofrer violência, sem apanhar e poder existir” 

Luana Oliveira, educadora popular e uma das coordenadoras do Fórum em Defesa da Mulher.

“É um dia de luta e de conquistas, mas ainda tem muita coisa que precisamos conquistar: o salário, ainda tem lugares que a mulher faz a mesma coisa [que o homem e] ganha menos, o respeito. Na política, você vê que tem um monte de marmanjo lá e pouca mulher”, menciona Janete sobre o que o Dia Internacional da Mulher significa para ela, que é presença confirmada na marcha.

Carnaval na quebrada

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Na quebrada, o carnaval de rua é mais do que festa, é cultura. É uma expressão de resistência, alegria e identidade, prova viva de que a folia também pulsa forte longe do centro da cidade.

Registro do desfile de 2018, do Carnabronks, bloco da região de Taipas, zona noroeste de São Paulo. Foto: Juh na Várzea

Aqui em Taipas, região noroeste de São Paulo, temos um tradicional bloco de rua, o CARNABRONKS, nas pistas desde 2013. A galera se junta, ensaiam, pegam seus abadás, reúnem pessoas de todas as idades para um dia descontraído, feliz e de muita cultura. Desfilando pelas ruas da Cohab de Taipas, mostram que a quebrada tem sua própria batucada, seu próprio brilho e uma festa raiz. 

Registro do desfile de 2018, do Carnabronks, bloco da região de Taipas, zona noroeste de São Paulo. Foto: Juh na Várzea

Sem grandes patrocínios ou infraestrutura luxuosa, a folia acontece na base do corre coletivo. A comunidade se faz presente, as crianças se jogam na brincadeira fortalecendo a tradição. 

Ocupando o asfalto com muita dança, a quebrada se enche de cores e muitos sorrisos. 

Registro do desfile de 2018, do Carnabronks, bloco da região de Taipas, zona noroeste de São Paulo. Foto: Juh na Várzea

Mais do que um evento, o bloco de rua é um ato de pertencimento. É o povo mostrando que a festa também é nossa. 

Porque quando a comunidade está unida para celebrar, o que rola é isso, muita alegria. E no fim, o que fica é a memória de dias intensos onde a rua se torna um grande palco de felicidade e liberdade.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas. 





Blocos de rua para curtir o carnaval nas periferias

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01/03/25, sábado

Recicla Folia

Itinerário: Pça. Comendador Alberto de Sousa
Subprefeitura: Jaçanã/Tremembé
Concentração: 12h
Desfile: 13h
Dispersão: 17h

Bloco Granada da Brasilândia

Itinerário: Av. Humberto Gomes Maia
Subprefeitura: Freguesia
Concentração: 14h
Desfile: 15h
Dispersão: 18h

I Love Paraisópolis Skate

Itinerário: R. Rodolfo Lutze, 55 até 350
Subprefeitura: Campo Limpo
Estilo: Eletrônico, Internacional, MPB, Rock, Pop, Outro
Concentração: 11h
Desfile: 12h
Dispersão: 16h

Vai Quem Quer

Itinerário: R. Gilberto Freyre, R. Ver. José Gomes de Morais Neto
Subprefeitura: Capela do Socorro
Estilo: Ax
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

Grêmio Recreativo e Cultural do Imirim Brás Pereira Banda Show

Itinerário: R. João Roque, 93, R. Miguel Roque, R. Aida Gomes de Toleto, R. Carolina Roque, R. João Roque
Subprefeitura: Casa Verde
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

TREZE ROOTS

Itinerário: R. Kobe, entre R. Osaka e Av. das Cerejeiras
Subprefeitura: Vila Maria/Vila Guilherme
Concentração: 11h
Desfile: 12h
Dispersão: 15h

Forró de Todos

Itinerário: R. Kobe, R. Osaka ,Av. das Cerejeiras
Subprefeitura: Vila Maria/Vila Guilherme
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

Bloco Saúde é Carnaval

Itinerário: R. Criciúma, R. Carlos dos Santos, R. Ramiz, Galvão
Subprefeitura: Vila Maria/Vila Guilherme
Concentração: 14h
Desfile: 15h
Dispersão: 16h

PikaOPéNoSamba

Itinerário: R.Oscar Shaid, R. Constantino Maroqui
Subprefeitura: Cidade Ademar
Estilo: Pop, Axé, Pagode, Eletrônico, Sertanejo, Funk
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

Bloco dos Zattrevidos

Itinerário: R. Jenny Bonilha Costivelli, R. Monsenhor Manoel Gomes, R. Dr. Mário Gatt, R. Domingos Pereda, R.Centenário do Sul, R. Prof. José Lourenço, Pça. XXV de Novembro, R. Dr. Joe Arruda, R. Jenny Bonilha Costivelli
Subprefeitura: Pirituba/Jaraguá
Concentração: 14h
Desfile: 15h
Dispersão: 18h

Bloco Locomotiva Piritubana

Itinerário: R. Clodoaldo Goyanna, 18 a 44
Subprefeitura: Pirituba/Jaraguá
Concentração: 11h
Desfile: 12h
Dispersão: 17h

Bloco Vila Mara

Itinerário: R. Ascenso Fernandes, R. Carlo Bibiena, R. São Gonçalo do Rio das Pedras. R. Altos do Oiti, Av. Prof. Alípio de Barros
Subprefeitura: São Miguel Paulista
Perfil: LGBTQIA+
Estilo: Pop, Eletrônico, Funk
Concentração: 14h
Desfile: 15h
Dispersão: 18h

Bloco Navalha Agêncy

Itinerário: R. Ascenso Fernandes, R. Carlo Bibiena, R. São Gonçalo do Rio das Pedras. R. Altos do Oiti, Av. Prof. Alípio de Barros
Subprefeitura: São Miguel Paulista
Concentração: 14h
Desfile: 15h
Dispersão: 18h

Cordão da Padilha

Itinerário: R. Francisco Teles Dourado, R. Dr. Gentil Leite Martins, R. Abatira, R. das Flechas
Subprefeitura: Cidade Ademar
Concentração: 15h
Desfile: 16h
Dispersão: 18h

Bloco do Beco

Itinerário: R. Salgueiro do Campo, R. João do Espírito Santo, R. Antonio da Cruz Messias, R. Aldeia de Joanes, R. Salgueiro do Campo
Subprefeitura: M’Boi Mirim
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

Carnacol Folia

Itinerário: R. Jackson Pollock, R. N. Sra. Aparecida, R. Carlos Rasquinho, R. Miguel Rocumback
Subprefeitura: Parelheiros
Concentração: 14h
Desfile: 15h
Dispersão: 18h

02/03/25, domingo

Bloco Toca Raulzito

Itinerário: R. Gustavo Geley, R. Coronel Albert de Rochas D’aiglum, R. Estevão Dias Vergara, Av. Luiza Americano, R. Gustavo Geley
Subprefeitura: Itaquera
Perfil: Tradicional
Estilo: Rock, MPB
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

Bloco do Litraço

Itinerário: R. Dr. Octacílio de Carvalho Lopes, R. Prof. Antônio de Franco, R. Antônio de Sousa Lobo, R. Caetano Dias Pereira, R. Dr. Octacílio de Carvalho Lopes
Subprefeitura: M’Boi Mirim
Perfil: Tradicional, LGBTQIA+
Estilo: Samba, Rock, Outro, Pop
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

03/03/25, segunda

Bloco das Torcidas

Itinerário: Av. dos Metalúrgicos x R. Iguarapé Água Azul até R. Igarapé da Missão
Subprefeitura: Cidade Tiradentes
Concentração: 14h
Desfile: 15h
Dispersão: 17h

É Di Santo 

Local: Casa de Cultura M’Boi Mirim – Av. Inácio Dias da Silva, s/nº 
Subprefeitura: M’Boi Mirim
Concentração: 12h

04/03/25, terça

Acadêmicos São Geovani

Itinerário: R. Manoel Pedro de Almeida
Subprefeitura: Campo Limpo
Concentração: 14h
Desfile: 15h
Dispersão: 18h

Bloco do Ve

Itinerário: R. Brás Albanese, Pça Raul Borges da Rocha
Subprefeitura: Campo Limpo
Concentração: 15h
Desfile: 16h
Dispersão: 18h

Bloco Grajafolia

Itinerário: Av. do Arvoreiro
Subprefeitura: Capela do Socorro
Estilo: Funk, Pop
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

PikaOPéNoSamba

Itinerário: R. Honorinda Josefa da Silva, 152
Subprefeitura: Cidade Ademar
Estilo: Pop, Axé, Pagode, Eletrônico, Sertanejo, Funk
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

Afoxé Omí Aiye

Itinerário: Pça.Benedito Ramos Rodrigues, Av. Milene Elias
Subprefeitura: Ermelino Matarazzo
Concentração: 13h
Desfile: 14h
Dispersão: 18h

Perus Folia

Local: Av. Dr. Silvio de Campos esquina com a Rua Mogeiro 
Concentração:  16h

Carnaval de Rua de São Miguel Paulista

Programação: 
12h Marchinhas de Carnaval e Brinquedos para Crianças
13h Bloco babalotim
15h Bloco do Baião
17h União do Morró
18h Encerramento
Local: Av. Dep. Dr José Aristodemo Pinotti , 100 

Coletivo Assombrosos do Ó

Local: Rua Dr. Artur Fajardo, 405 – Freguesia do Ó
Concentração: 13h

08/03/2025

Bloco Atabatimba

Abertura com Batukedum
Local: Quadra 67 – Avenida Visconde do Rio Grande, 214
Subprefeitura: M’Boi Mirim
Concentração: 12h

Fonte: SPTuris, programação sujeita a alterações sem aviso prévio. Confira as redes sociais de cada bloco.

Cordão Sucatas Ambulantes mantém viva a tradição do samba de bumbo em Itaquera

A partir do samba de bumbo e dos bonecões do carnaval de rua, em 2007, foi criado o Cordão Sucatas Ambulantes. As atividades do grupo buscam promover o acesso à cultura popular, no Conjunto Habitacional José Bonifácio, conhecido também como COHAB II, localizado no bairro com o mesmo nome, no distrito de Itaquera, zona leste de São Paulo. 

“A gente não faz carnaval por entretenimento, a gente faz carnaval por movimento, fundamento [e] por militância”, conta Jefferson Cristino, 38, arte-educador, professor da rede pública municipal, idealizador da iniciativa e morador da região. “[A ideia é] utilizar essa arte, a festa, a brincadeira na rua para trazer a reflexão da gente ocupar a rua, não ter a rua só como um lugar de violência e se fechar dentro dos apartamentos, a reflexão [sobre] comunidade.”

Cordão Sucatas Ambulantes mantém viva a tradição do samba de bumbo em Itaquera
O Cordão Sucatas Ambulantes tem o objetivo de desenvolver na COHAB II possibilidades de acesso à arte e à cultura. (foto: arquivo pessoal)

Através de uma oficina realizada, em 2007, pelo grupo “Treco, Saladas e Bonecos”, na Casa de Cultura Raul Seixas, Jefferson comenta que teve os primeiros contatos com a pesquisa e as técnicas de construção de bonecos, que na ocasião eram feitos de sucata. 

Com o fim do projeto, ele começa a reunir pessoas com os mesmos interesses referente à cultura popular e cria o Sucatas Ambulantes, que atualmente tem 20 integrantes, sendo a maioria moradores de Itaquera. Desde 2018, a sede do cordão fica em uma ocupação dentro da COHAB II, que atualmente é compartilhada com o grupo de capoeira Guerreiros de Fé.

Samba de bumbo

Para combater a ideia de que no estado de São Paulo não existiam culturas tradicionais, através de pesquisas, os integrantes do Sucatas Ambulantes aderem ao samba de bumbo como ritmo e dança condutora nos desfiles do bloco. Jefferson conta que o grupo é reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como uma das comunidades contemporâneas detentora da tradição do samba de bumbo. 

Boa vontade e respeito são as únicas coisas exigidas para participar do desfile do bloco. (foto: arquivo pessoal)

O arte-educador contextualiza que o samba de bumbo é uma manifestação popular tradicional do Estado de São Paulo, de matriz africana e banto. “As comunidades tradicionais e detentoras dessa manifestação são quilombos de resistência, [essa] é uma manifestação do interior do estado, que está ligada ao ciclo do café”. O samba de bumbo é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de São Paulo, desde 2015, e como Patrimônio Cultural do Brasil, a partir de 2024.

Jefferson explica que a diferença do Samba Paulista, Carioca e do Samba Baiano é o grave. No Samba de Bumbo, a batida do bumbo, enquanto instrumento, é o centro da roda, assim como nos tambores de candomblé e religiosos. Ele comenta que as letras das músicas, que são chamadas de pontos, geralmente são feitas em quadras, são curtas, com pergunta e resposta, e muitas vezes de improviso.

As crianças também são acolhidas e bem-vindas no Cordão. (foto: arquivo pessoal)

Ele também menciona que a cidade de Pirapora do Bom Jesus era considerada o reduto da fé Paulista antes da Basílica de Aparecida do Norte existir, o que gerava a reunião de várias manifestações culturais no local. “As pessoas [pretas que] eram escravizadas no ciclo do café tinham a cultura [do samba de bumbo] que se desenvolveu no estado de São Paulo”, menciona Jefferson sobre o surgimento da tradição.

Além do entretenimento

O arte-educador pontua que as movimentações e experiências que existem para colocar um bloco de carnaval na rua geram diversos aprendizados. “[Vamos] para a rua com o objetivo de que as pessoas tenham um aprendizado. Que elas possam se aquilombar [e] se aproximar da espiritualidade, da ancestralidade delas”, diz Jefferson.

“O fim [de estar na rua com o cordão] não é um entretenimento. Estar na rua batucando com o samba de bumbo é uma questão de fé. Para nós a rua é um espaço sagrado.”

Jefferson Cristino, arte-educador idealizador do Cordão Sucatas Ambulantes

A felicidade no Sucatas Ambulantes é posta como uma ferramenta que fortalece e atrai as pessoas para outras questões. “O sistema quer a gente depressivo. O sistema lucra com a nossa infelicidade. Então fazer carnaval na rua nesse formato, sem precisar sair da quebrada para se divertir, ocupando um espaço que deveria ser nosso, um espaço mágico, encantado, que é a rua, isso é um ato de resistência”. 

Jefferson ressalta que muitos desses fundamentos foram construídos com os direcionamentos dos saberes e das movimentações de Soraia Aparecida, matriarca e mestra do Sucatas Ambulantes, além de fundadora da Cia Lelê de Oyá que, em 2021, faleceu em uma segunda-feira de carnaval. 

Jefferson Cristino e Soraia Aparecida em apresentação do Cordão Sucatas Ambulantes. (foto: arquivo pessoal)

Financeiramente o grupo se mantém principalmente por meio de apresentações e editais. Financiamento coletivo e mutirões também são feitos quando necessário. 

A participação dos moradores acontece de forma espontânea, pois o grupo não faz ensaios abertos, as pessoas aprendem ao participar das rodas de samba e das apresentações, assim como também acontece com os integrantes. O desfile do Cordão Sucatas Ambulantes, abre o carnaval na região da COHAB II, acontece à noite e conta com o apoio e participação dos moradores.