Eleições municipais e justiça reprodutiva

Não é apenas defender a representatividade sem crítica. O foco deve ser em candidaturas que realmente representem nossos interesses.
Por:
Shisleni de Oliveira-Macedo

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Setembro é o mês Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto, comemorado no dia 28. Esse é também o mês internacional de combate ao aborto inseguro. No Brasil, contudo, talvez seja importante falar sobre eleições antes. 

Em outubro temos que eleger prefeituras e vereanças em todo o país. As eleições municipais costumam receber bem menos atenção do que as presidenciais, embora tenham um impacto considerável em nossas vidas cotidianas. 

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As candidaturas à vereança recebem ainda menos atenção. 

No entanto, uma pessoa que ocupa a posição de vereadora, tem a importante função de editar e votar projetos de lei, além de fiscalizar a execução de políticas públicas e distribuir emendas parlamentares. 

A composição do parlamento é fundamental para a redação e execução de políticas mais progressistas, para barrar as mais conservadoras e vai também moderar o direcionamento das políticas no município, fiscalizando a prefeitura. 

Se o grupo de parlamentares é majoritariamente conservador, reacionário, composto por bancadas da bala e da bíblia, as políticas sociais vão ser prejudicadas ou mesmo desaparecer. 

Até a última eleição, das 55 cadeiras disponíveis, só duas haviam sido ocupadas por mulheres negras na história da Câmara Municipal de São Paulo. Depois de Claudete Alves terminar seu mandato em 2008, nenhuma outra havia chegado à vereança até 2020, quando quatro vereadoras negras foram eleitas: Elaine Mineiro, do mandato coletivo Quilombo Periférico, Luana Alves e Erika Hilton, as três do PSOL, e Sonaira Fernandes, do Republicanos. Com elas passamos de duas para seis vereadoras negras na história da cidade de São Paulo. É muito pouco.

Não se trata aqui de defender a representatividade sem senso crítico, há muitas candidaturas que não defendem políticas que beneficiem seus próprios grupos e se associam com políticos racistas, misóginos e homofóbicos. 

Enquanto movimentos sociais e de periferia o que deve ser o nosso foco são as candidaturas que representam nosso povo mas também os nossos interesses. E, a partir do movimento de mulheres periféricas, é essencial falar sobre Justiça Reprodutiva.

Pra começar, é importante dizer que Justiça Reprodutiva não é sinônimo de aborto. Este é um conceito do movimento feminista negro, que demanda a garantia de acesso e proteção a toda a trajetória reprodutiva de todas as pessoas. Embora inclua o direito ao aborto livre, seguro e sem violência, sua abrangência vai muito além. 

A militância por Justiça Reprodutiva entende que fatores como racismo, classismo e precarização de determinados territórios se entrelaçam, limitando a autonomia corporal e reprodutiva das mulheres negras, periféricas, indígenas, lésbicas, homens trans, boycetas, pessoas não binárias, com deficiência, migrantes, em situação de cárcere, entre outras. 

Justiça reprodutiva é sobre como as políticas públicas devem funcionar na prática, para além do estabelecimento do direito no papel, para garantir a vida. É uma encruzilhada onde se encontram saúde reprodutiva e justiça social.

Este é um conceito fundamental para as mulheres periféricas, porque se preocupa com moradia para criar nossas crianças, segurança para alimentá-las e educação sexual para que elas saibam o que é consentimento e reconheçam abusos. 

Envolve também o acesso à contracepção e à informação, permitindo que adolescentes e adultas desfrutem de sua sexualidade com liberdade e prazer, além de garantir espaços seguros para aborto livre, gestação e puerpério, livres de violência obstétrica. 

Mais do que isso, trata-se de criar essas crianças sem o medo constante de que possam ser vítimas de violência policial ou do crime em uma suposta guerra às drogas. Sem esquecer de políticas de combate à violência doméstica, ao racismo ambiental, políticas de desintoxicação e redução de danos, mas também de cultura e lazer. 

Abrange o direito de parir e criar as crianças que se deseja, quando se deseja, escolhendo o melhor intervalo entre uma criança e outra, e inclusive garantindo a possibilidade de não ter nenhuma criança.

É uma agenda ampla de bem viver.

Dito isso, quais são as candidaturas engajadas que você conhece? Quais as pautas que essas candidaturas defendem? E, você, pessoa branca antirracista, quais candidaturas do movimento negro, LGBTQIAPN+ e periféricas você está defendendo e apoiando? 

A Frente Estadual pela Legalização do Aborto de São Paulo lançou a Campanha Voto por Justiça Reprodutiva, que coletou assinaturas em apoio a esse tema para as eleições municipais em cidades do Estado. 

A Agenda Marielle, inspirada no legado de Marielle Franco, também vai no mesmo sentido, demandando compromisso político com pautas antirracistas, feministas, LGBTQIAPN+, periféricas e populares. 

É importante conferir as listas de assinantes antes de ir às urnas. Recomendo também que você acompanhe o projeto Desenrola aí nas Eleições, que entrevistou candidaturas periféricas na cidade de São Paulo. 

Não dá pra vacilar, a Câmara Municipal merece muito mais da nossa atenção.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.


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