Negociando amar

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Esse texto, é um texto de celebração da despedida, onde comemoramos o fim de um longo ciclo de tantos anos. Estive por uma dúzia de anos me distanciando de tantas coisinhas, que perdi a sensibilidade de aproveitar o mais banal sorriso.

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Tem uma combinação de regras que nós seguimos para viver na nossa quebrada. Quem é de fora, demora um tempo a se acostumar. Nessa cidade-São Paulo é muito mais fácil colocar grades pra separar do que levantar paredes para acolher. As catracas das estações são atualizações dos locais de embarque e desembarque dos rios (que foram soterrados) para um amplo espaço de negociações, transações comerciais, trocas, vendas e doações… São pontos de encontro, inícios e términos de relações, brigas, conselhos…

Um “oi” rápido numa cidade que todo dia eleva o custo de vida pra um lugar impossível.

Então eu decidi abrir minha própria empresa. Revisitei vários amores e abri uma fábrica que produz amar. Assim mesmo, como “amor como ação”. Uma indústria que produz ocitocina. Pra quem ainda não sabe, a ocitocina é o hormônio que nosso corpo produz quando estamos perto de pessoas que gostamos e amamos.

Quando estou no trem, meu corpo regula tudo um pouco do que sinto ou vibra. Pago um valor absurdo para passar três barras de ferro giratórias – as catracas – e são essas 3 barras de ferro que giram em posição horizontal, também a ferramenta que exerce o poder de acessar ou não outros cantos da cidade.

Assim como meu corpo regula um pouco do mar de emoções que sinto, as barras de ferro – que giram na horizontal – tentam decidir quem pode e quem não pode estar ali.

O impacto social do meu empreendimento, a minha fábrica de amar, é a diminuição do cortisol em todo ecossistema do meu corpo.

Esse texto é um texto de celebração da despedida, onde comemoramos o fim de um longo ciclo de tantos anos. Estive por uma dúzia de anos me distanciando de tantas coisinhas, que perdi a sensibilidade de aproveitar o mais banal sorriso.

Como dependente química, vi minha vida se afundar na felicidade e também na simplicidade da adicção, me afastando dos buracos emocionais que me deixam vários dias sem saber onde eu caibo.

Passei pelo início da minha transição de gênero no ritmo de quem busca por si nos outros, arrancando as cascas podres da cisgeneridade. Tudo isso regado a muito álcool e outras drogas que nem posso dizer quais são – mesmo porque são todas tão perfeitas quando se está querendo fugir de algo.

Senti muitas vezes a dureza de estar na sarjeta buscando uma marquise pra me esconder da chuva ou de muito sol, o frio do mármore de um prédio público e chique em Montevideo (capital do Uruguai), num dos dias mais frios que até hoje tive o desprazer de viver.

Senti, sinto muito e hoje, diferentemente de ontem, meus sonhos conversam sobre quais buracos emocionais eu gosto de cair – mesmo não querendo – e que, ao longo dos dias da minha juventude, não fui treinada pra pular buracos.

Por fim e para amanhã: 

Sentir é bem difícil? É… Então estou nessas de parar pra conversar comigo. Aos poucos tô parando de buscar você nos muros. Amar é uma ação e um sentimento guiado pela honestidade.

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