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A fantasia do acúmulo financeiro nos cega para a difícil arte do viver e conviver

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Brevíssimas reflexões

Somos filhos do nosso tempo. Tempo cronológico que a todos, indistintamente, não importa onde você esteja, ele passa, ele não retroage. Segundos, minutos, horas, dias, meses, anos e décadas… Nessa percepção temporal a nossa vida se processa assim, uma pequena fração dos seres vivos alcançam uma experiência centenária. O tempo em si não tem forma, os registros que fazemos ao transcorrer do tempo, dá a esse o contorno que, em si, ele não tem.

O tempo cronológico afeta a todos indistintamente. As escolhas que fazemos coletivamente conotam o tempo vivido por uma sociedade. Rememore as aulas de história, observe os tempos de mudança, a passagem de um período para o outro, para então, perceber que o tempo cronológico transcorreu livre, as escolhas individuais e coletivas deram a ele o contorno que passou a possuir anos ou séculos depois.

A nossa subjetividade lida com o tempo de modo peculiar, a saber, o tempo subjetivo é a sequência do vivido experienciado e/ou imaginado e/ou desejado e/ou rejeitado e/ou temido… O tempo subjetivo é qualificado, pela pessoa que o registra em sua memória, compartilhar uma mesma lembrança em grupo explicita isso. Os registros são distintos, as sensações rememoradas, enfim, podemos vivenciar uma mesma experiência e qualificar de modo distinto, dar ênfase a elementos distintos, enfatizar alguma peculiaridade não observada por todos.

A vida é breve, a mesquinhez do sistema financeiro, a fantasia do acúmulo financeiro, nos cega para a difícil arte do viver e conviver. A experiência individual nunca se dá sem o outro, estamos sempre em relação, mesmo quando imaginamos uma vida solitária, estamos em relação, pois, o conjunto dos seres vivos estão no nosso entorno, imediato ou não. Esse fato não elimina a sensação de solidão, a sensação de não pertencimento, a sensação de desencontro. Viver não é fácil, o tempo cronológico é implacável, pois passa à revelia da nossa vontade. O tempo subjetivo é a vida que se passa em nossa memória, é o como qualificamos, o resultado dos nossos desejos, das nossas perdas , as conquistas …

A arte do encontro não possui um formato único e universal, tantos povos e costumes existem, tantos são os jeitos. O cronos (tempo) é um universal que passa, registramos com o seu auxilio o que se deu e qualificamos subjetivamente, à luz do passado, do presente ou do que pretensamente imaginamos ser o futuro o que experienciamos. Saber estar com o outro é um conhecimento a ser adquirido a cada dia, a cada instante. Precisamos aprender esta arte que é sempre incompleta, para então, convivermos em conjunto com tudo o que nos cerca (natureza), sabendo que o tempo cronológico passa implacavelmente.

Como empreendedores periféricos estão sobrevivendo à pandemia sem letramento digital

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Sem perfil nas redes sociais, atendimento via WhatsApp e muito menos loja virtual, comerciantes locais das periferias de São Paulo que não passaram por um processo de letramento digital voltado ao negócio, relatam o impacto de se adaptar à pandemia, criando alternativas de vendas, mesmo com o comércio fechado de maneira parcial ou total.

A costureira Valdirene Rodrigues é moradora da Vila industrial, periferia da Zona leste de São Paulo (Foto: Rosana Aparecida)

Durante os últimos três meses, comerciantes e moradores das periferias que tem seus próprios negócios instalados nos territórios, se viram sem opção de geração de renda, pois sua forma mais comum de comercialização é por meio de atendimento presencial, e diante das circunstâncias causadas pela pandemia de coronavírus, os moradores tiveram que se reinventar para manter sua renda e sustentar sua família.

Jaime de Jesus, 41, mora no distrito do Campo Limpo, no Jardim Piracuama, zona sul de São Paulo. Ele é vendedor ambulante há dezoito anos, mas esse ofício não foi uma opção, mas sim uma oportunidade que ele encontrou nas circunstâncias que tinha e se adaptou a ela, ligando com o seu prazer de conhecer histórias “Todo dia é uma história diferente, que marca a gente”, descreve o ambulante, mostrando como era o seu cotidiano antes da chegada da pandemia de coronavírus.

“Eu comecei vendendo bebidas nos estádios, capa de chuva, aí fui trabalhando, fui trabalhando, não tive mais oportunidade de voltar pro mercado de trabalho, aí continuei na rua”, relembra;

Devido à falta de opção de oportunidades no mercado de trabalho formal, ele foi se adaptando a cultura de vendedor ambulante, para garantir seu salário no final do mês. “Não tem uma coisa certa assim pra vender sabe, um dia eu vendo guarda chuva, no outro eu vendo sempre alguma coisa diferente”.

Diante da pandemia, Jaime não teve opção de parar suas atividades, assim ele começou a repensar novas alternativas para ganhar dinheiro, e uma delas foi vender máscaras na feira do Campo limpo. “Estou aqui na feira vendendo máscara infantil, máscara de algodão, máscara neoprene, máscara de adulto. É o que eu to fazendo no momento agora”, explica o morador, relatando sua estratégia de geração de renda em meio à pandemia.

“Dá pra tirar um dinheirinho sim pra sustentar minha família”, afirma ele, lembrando que seu rendimento mensal durante a pandemia diminui, mas ainda está conseguindo se auto sustentar, porém o vendedor ressalta que as ruas neste momento não é tão reconfortante como antes. “Eu não gostaria de estar na rua né, trabalhando, se expondo, arriscando pegar um vírus, e acabar ficando doente, mas eu preciso estar na rua trabalhando para poder sobreviver né”, argumenta.

No Capão Redondo, distrito vizinho do Campo Limpo, a moradora Claudiene Santos, mais conhecida em seu bairro por Cacau, 26, é manicure há oito anos. Cacau costuma atender em sua casa. Segundo ela, a flexibilidade de horários para fazer suas demais tarefas foi um dos principais motivos para trabalhar por conta própria. “Trabalho em casa por conta da minha filha, assim não preciso pagar ninguém para cuidar dela. Posso fazer meus horários, pois preciso conciliar com os horários da escola e alguma consulta médica que eu precisar ir”.

Assim como o vendedor ambulante, a manicure começou a trabalhar por conta própria em casa por falta de emprego formal. Logo nas primeiras semanas do isolamento social, Cacau se viu preocupada, pois todas suas clientes deixaram de ir até ela para fazer as unhas. “As clientes sumiram no começo da quarentena, tipo sumiram mesmo, fiquei praticamente um mês sem trabalhar”.

A partir deste momento, a sensação de desespero tomou conta de Cacau. “Fiquei desesperada, pois meu marido é Uber e estava muito difícil pra ele também, quase não chamavam. Então não conseguimos o auxílio emergencial e também não tínhamos nenhuma garantia de renda”, afirma.

Letramento digital distante

A partir das experiências relatas pelos empreendedores, torná-se notável a distância entre eles e o letramento digital, termo que consiste num conjunto de técnicas e habilidades para interagir com diversas mídias e plataformas, produzindo informação e estratégias de sociabilidade a partir do manuseio de computadores desktop e dispositivos móveis.

A tentativa de Jaime de reduzir seu tempo de exposição na rua retrata bem esse cenário de dificuldades para utilizar das ferramentas tecnológicas no dia dia. “Às vezes eu exponho meus produtos pelo WhatsApp, pelo status, mas tem hora que não tem jeito é preciso sair de casa”, diz o vendedor ambulante. Para ele, o baixo alcance das vendas, por meio da exposição dos seus produtos no status do WhatsApp, faz da rua a melhor opção para conseguir aumentar sua renda.

O ambulante acredita a inexperiência com ferramentas tecnológicas amplia as dificuldades com o negócio nesse momento. “Eu sou um pouco leigo em relação à tecnologia né, eu não sei mexer muito também. Dependo da minha filha, dependo da minha esposa, mas elas sempre me ajudam, mas eu tenho um pouco de dificuldade”, enfatiza.

Ao invés de migrar para o WhatsApp, a manicure buscou usar plataformas como Facebook e Instagram para tentar conquistar novos clientes. “Eu comecei a usar as ferramentas do Facebook e Instagram agora né, porque antes eu tinha medo, não sabia mexer, mas eu comecei a fazer agora. Mas eu só posto as coisas, faço o básico, eu não sei fazer o que o restante das pessoas fazem no Instagram”, diz Cacau.

Mesmo com suas dificuldades, ela continua persistindo em aprender um pouco mais das tecnologias que têm acesso em busca de impactar e valorizar o seu negócio. Porém, ela ressalta que sua maior metodologia de marketing continua sendo o uso das indicações de clientes.

“A maioria das minhas clientes são todas antigas, todas elas indicam para alguém. Então mesmo que venha do Facebook, foi porque alguém indica aí elas procuram no Facebook ou no Instagram e me encontra”, explica ela, enfatizando que só assim para atrair novas pessoas a conhecerem o seu trabalho e despertar nelas o interesse em pedir o número de contato para agendar um horário.

Dificuldade Compartilhada

“Não é tão fácil vender produtos pela internet, não adianta você postar uma foto e falar assim: ‘eu to vendendo’, tem que ter recurso, tem que ter muita coisa que eu não tive como opção entendeu?”, testemunha Valdirene Rodrigues, 47, moradora da Vila industrial, periferia da Zona leste de São Paulo, que trabalha por conta própria em sua casa como costureira.

Com dificuldades para vender seus produtos pela internet, ela conta o impacto da perda do contato presencial com clientes. “Eu não tinha como receber as pessoas em casa, e nem tinha como ir até elas, então a situação ficou bem complicada né”.

Durante a pandemia, Valdirene não conseguiu prosseguir com seu trabalho, pois não conseguiu realizar atendimentos presenciais. Ela também não conseguiu usar a tecnologia a seu favor, pensando nisso, observou uma forte demanda em seu bairro por máscaras e começou a produzir e comercializar.

“Eu comecei a fazer máscaras para venda né e continuo fazendo, porque ainda tá difícil”, afirma a costureira. Ela acredita que se tivesse o domínio de recursos tecnológicos para auxiliar no seu trabalho e divulgar seus produtos isso ajudaria a melhoras as vendas.

Fake News: acesso à direitos vira armadilha para moradores da quebrada

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Com a rotina alterada pela pandemia de covid-19, o novo coronavírus, moradores das periferias vem relatando uma série de golpes realizados por meio do contato com notícias falsas no Whatsapp. Uma dessas moradoras é Silene Alves, que reside no território do Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo. Em entrevista ao Quebrada Tech, ela conta como quase caiu no golpe do Auxilio do FGTS e as suas próprias estratégias para não cair mais em armadilhas para roubo de dados pessoais e informações sigilosas.

Atenta ao celular, Silene Alves costuma falar com parentes para saber seu estado de saúde. (Foto: Vitoria Guilhermina)

Durante o isolamento social, Silene Alves, moradora do Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo, está afastada de sua rede de parentes e amigos mais próximos, causando um afastamento não só físico, mas também afetivo das pessoas que ela costumava ter a sua volta. Com isso, a troca de mensagens por meio de aplicativos acaba se tornando uma das principais formas dela se reconectar com seu ciclo de amizades.

“A única forma que a gente pode estar junto agora com familiares e amigos é através da rede social né, então é isso que to fazendo”, conta a moradora. Ela enfatiza que sua maior motivação para manter uma comunicação contínua com a família é para saber o estado de saúde de parentes.

“Lá pro Ceará, pra minha mãe, pras minhas irmãs eu ligo direto, toda noite, todo dia eu ligo para ela, mas é ligação mesmo e falo pelo Whatsapp também”, descreve ela, afirmando que momento antes de iniciar a entrevistas estava falando com uma irmã minha pelo aplicativo de troca de mensagens.

Em umas dessas conversas com uma de suas irmãs que moram no Ceará, Silene foi surpreendida com mensagem sobre o auxilio do FGTS. “Tava falando que nosso FGTS tava liberando um auxílio para nós de 1.050, ai eu perguntei pra minha irmã de quem ela tinha recebido isso, e ela falou: foi outra pessoa que mandou pra mim”, relembra Alves, que tem esse momento marcado na memória até hoje, pois ela fez questão de ir atrás da informação.

“Eu entrei no Facebook e tava lá mesmo. Tinha um negócio lá da Caixa falando que eu tinha direito aos 1.050”, afirma Silene, abordando o processo para descobrir a procedência da notícia falsa que ela recebeu em seu Whatsapp. Ela fez questão de acessar o link para saber quais documentos seriam solicitados para receber o beneficio. “Pediu meu CPF, pediu meus dados e outras coisas, mas eu falei não, isso aqui não vou entrar não. Pediu meu CPF e meus documentos eu já fico com pé atrás”.

Após a experiência frustrante de esclarecer que não havia beneficio liberado em seu nome, Alves contou com mais detalhes o fato ocorrido para sua filha em casa. “Eu mostrei para minha filha e falei: vê isso aqui pra mim que parece que tenho direito e ela olhou e falou: isso não é seguro não”.

Após sua filha mais nova confirmar suas dúvidas, Silene mandou uma mensagem para sua irmã novamente falando sobre a mensagem que recebeu dela, ressaltando que não seria possível acessar nenhum beneficio do FGTS por meio daquele link.

Embora a moradora do Rio Pequeno tenha quase se tornando uma vitima de notícia falsa, no site oficial da Caixa Economia Federal, o comunicado é direito e bem claro: “O pagamento do Saque Emergencial FGTS será realizado exclusivamente por meio de crédito em Poupança Social Digital, aberta automaticamente pela CAIXA em nome dos trabalhadores. A movimentação do valor do saque emergencial poderá, inicialmente, ser realizada por meio digital com o uso do aplicativo CAIXA Tem, sem custo, evitando o deslocamento das pessoas até as agências”.

O site destaca ainda que o Saque Emergencial FGTS foi autorizado pela Medida Provisória nº 946 de 07/04/2020, dando o direito de saque a todo titular de conta do FGTS com saldo, incluindo contas ativas e inativas, no valor de até R$ 1.045,00 por trabalhador.

Dois dias depois, Silene ainda estava pensativa sobre ocorrido e decidiu ir até uma agência da Caixa Econômica para realizar algumas transações bancárias e resolveu confirmar suas desconfianças. “Eu peguei e mostrei pra moça da Caixa Econômica e ela falou que era coisa errada, aquilo não existia. Aí falei: menos mal”, relata ela.

A maior fonte de pesquisa para verificar se as informações que recebe são ou não falsas vem de suas filhas mais novas que residem em sua casa. Silene diz que um dos maiores fatores para confiar no faro das filhas para descobrir se uma notícia é falsa ou não é o fato de acreditar que as fake news fazem parte de uma cultura da geração das filhas, e por isso entende que elas têm maior facilidade para interpretar a informação. “Eu não tenho essa velocidade que vocês têm com 18 ou 20 anos, para entender de comunicação nas redes sociais, então a gente é um pouco atrasada, nós não tivemos essa vida de ter celular na mão”.

Ela enfatiza que o fator geracional de crescer com um celular na mão faz toda diferença para compreender a estrutura dos golpes digitais e das notícias falsas. “Como eu não fui criada com essa comunicação mais rápida, eu sou um pouco mais atrasada. Eu entendo também, não 100% como os jovens”, conta Alves, ressaltando que mesmo assim, ela não se limita a utilizar o celular da maneira que consegue e com os aplicativos que ela tem mais afinidade.

Fake News: “Eu recebo de vez em quando”

A ferramenta que Silene mais utiliza no celular é o Whatsapp. Segundo ela, é neste aplicativo onde recebe o maior número de notícias falsas “Eu recebo de vez em quando, não diariamente, mas de vez em quando aparece uma mensagem pra mim que a gente tem que compartilhar com dez pessoas pra ganhar não sei o que, ai fica nessa coisa né”.

“Esses dias mandaram no Whatsapp também uma conta que diz que a gente tem direito a cesta básica, só que pra eu ter direito a essa cesta básica eu tinha que mandar uma mensagem pra dez contatos”, relembra ela, afirmando que esse tipo de mensagem está servindo para ativar a sua cultura da dúvida durante os momentos que está usando o aplicativo de troca de mensagens.

Ao receber essa mensagem, Alves questionou a emissora. “Achei meio estranho, então eu perguntei para moça se era seguro e ela falou: ‘Silene eu não sei se é seguro, mandaram pra mim’. Então eu falei esquece que não vou ficar mandando essas coisas pras pessoas que fica meio chato”, conta a moradora.

Silene finaliza dizendo que suas maiores dificuldades com o celular não está conectada com a compreensão das funcionalidades dos aplicativos, mas sim com a organização e compreensão de um grande volume de informações que precisam ser filtradas como verdadeiras ou falsas.

Casa Cultural Hip Hop Jaçanã manterá suas atividades, diz gabinete da Secretaria de Cultura

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Desde 2019, os coletivos que ocupam a Casa Cultural Hip Hop Jaçanã, na zona norte de São Paulo, resistem a proposta de fechamento do espaço, que na época foi dado como ocioso e sem atividades com fins públicos pela prefeitura. Na última quarta-feira (17), a Guarda Civil Metropolitana (GCM) tentou fechar novamente o equipamento cultural comunitário.

Encontro de escrita para mulheres realizado na Casa Cultural Hip Hop Jaçanã (Foto: Marcos Aroeira)

Na última quarta feira, 17 de junho, agentes culturais que realizam a gestão da Casa Cultural Hip Hop Jaçanã, um equipamento comunitário de cultura gerido por coletivos e artistas independentes das periferias da zona norte de São Paulo, foram notificados pela Guarda Civil Metropolitanos (GCM) que afirmavam que o prédio do espaço cultural seria transformado em uma sede da Inspetoria Regional Jaçanã/Tremembé da GCM.

Um dia após ocorrido, na quinta-feira (18) pela manhã, o espaço amanheceu com três guardas civis na frente da ocupação cultural, que já estava com cadeado estourado. Os guardas orientaram os agentes culturais a desativar o espaço, que além de garantir o direito a cultura para os moradores do território do Jaçanã, está servindo como uma sede de ações solidárias para doação de mascaras, cestas básicas e ações de conscientização de moradores durante a pandemia de covid-10, o novo coronavírus.

A nossa reportagem apurou que o Movimento Cultural das Periferias apresentou a Secretaria Municipal de Cultura em abril de 2019 um documento que traz dados de 20 espaços públicos que são ocupados por coletivos culturais, que cumprem uma função cultural e comunitária importante para garantir o direito à cultura nas periferias.

Esse documento embasou a construção de duas políticas públicas inéditas no município de São Paulo. A primeira é o Edital de Mapeamento e Credenciamento de espaços culturais comunitários e a segunda é o edital que reconhece e valoriza Coletivos Culturais que realizam a Gestão Comunitária em espaços públicos ociosos da cidade de São Paulo, que está com inscrições abertas até 10 de julho de 2020.

A Casa Cultural Hip Hop Jaçanã foi uma das iniciativas contempladas pelo edital de Mapeamento e Credenciamento, um instrumento de valorização da cultura periférica que está previsto no Plano Municipal de Cultura, resultado de muito investimento de articulação política e pesquisa do Movimento Cultural das periferias, para construir o que eles chamam de “gestão compartilhada”, uma iniciativa que busca unir coletivos e articuladores das periferias na gestão destes espaços junto com o poder público.

Em resposta a reportagem do Desenrola, o gabinete da Secretária Municipal de Cultura afirmou que toda articulação em torno do caso está sendo feita em acordo com a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, que gerencia a GCM. “As SMC e SMSU estão alinhadas para manter as atividades culturais na Casa de Cultura Hip Hop Jaçanã”, afirma Tais Lara, chefe de gabinete da secretaria.

Lara complementou dizendo que o edital de reconhecimento e fortalecimento de Equipamentos Culturais Comunitários mostra participação da Secretaria de Cultura no processo de manter na ativa os espaços culturais nos territórios periféricos. “O edital é um dos instrumentos que mostra a participação da SMC no processo de salvaguarda para o espaço continuar com as atividades culturais que exerce hoje em dia”, explica ela.

Contexto histórico: entenda a luta por cultura no Jaçanã

Desde 2019, os coletivos que ocupam a Casa Cultural Hip Hop Jaçanã resistem a proposta de fechamento do espaço, que na época foi dado como ocioso e sem atividades com fins públicos pela prefeitura. A partir deste momento, os produtores culturais que fazem a gestão e programação cultural do espaço realizaram o Sarau Ato de Resistência que reuniu mais de 300 artistas e moradores do território.

Nathália Ract, 23, educadora e produtora cultural que atua no espaço, conta que parece uma ‘briga de cachorro grande’, pois enquanto a Secretaria de Cultura dialoga dizendo que não tem outro fim para o espaço, além da cultura, eles continuam recebendo notificações da gestão municipal dizendo outras coisas.

“Segundo a secretaria de cultura não há outro destino para o espaço que não seja a cultura, mas parece briga de cachorro grande, enquanto isso nós continuamos na retaguarda, estamos organizando escalas para que todos os dias e horários tenha alguém presente na ocupação. Continuamos a luta pela permanência, a casa cultural hip hop jaçanã resiste!”

Ract relembra o que aconteceu na ocupação cultural na semana, quando receberam a notificação da GCM e reforça a essência do movimento cultural que movimento o espaço. “A ocupação funciona de forma autônoma e independente de qualquer partido e gestão governamental. Na quarta feira à noite o cadeado do portão principal da casa foi estourado, e na quinta pela manhã a GCM invadiu a casa sem mandado e sem autorizações. Três guardas civis estiveram no local pedindo para que retirassem todas as coisas do espaço, porque eles foram orientados a desativar o espaço, nos intimidaram e disseram que estão rondando a casa”.

Neste momento de pandemia, onde as periferias estão enfrentando um colapso social, os agentes culturais da região vem presenciando um aumento da força policial no território, ao invés do aumentar a oferta de serviços que oferecem um cuidado com a população local.

“Vivemos em um cenário muito difícil do genocídio de jovens de periferia. Desde o começo da pandemia tem aumentado do número de casos de violência policial. Se não nos mata o vírus, nos mata a violência”, conta a produtora cultural, relatando que há algumas semanas atrás viralizou um vídeo que mostra dois policiais militares agredindo um jovem no bairro do Jaçanã, no qual, os agentes de segurança pública ameaçam moradores que estavam gravando a abordagem indevida.

Ela denuncia os impactos da presença da polícia no território apontando o aumento de mortes na região. “A zona norte é conhecida como uma região militarizada, e não por acaso, foi uma das regiões com mais números de mortos pela polícia no mês de junho. Não queremos mais equipamentos de repressão para fortalecer o braço do Estado”.

Segundo a produtora cultural, quando a Secretaria Municipal de Cultura reconhece o trabalho realizado pela ocupação cultural, ao mesmo tempo ela valoriza a luta histórica dos coletivos e artistas locais que há seis anos atuam para organizar a gestão cultural do espaço.

“Reconhecer a Ocupação Casa Cultural Hip Hop Jaçanã como espaço cultural comunitário também é reconhecer os trabalhos do povo que há seis anos está mantendo e realizando atividades no espaço que foi abandonado pelo próprio Estado. O edital nos apoia principalmente com a manutenção do espaço através do apoio financeiro e também nos incluindo no mapeamento cultural da cidade, possibilitando ampla divulgação das nossas atividades”.

Arquivo pessoal l Ação Solidária na Casa Cultural Hip Hop Jaçana.

A função social da Casa Cultural Hip Hop Jaçanã dá sinais de ir muito além do fazer cultural quando todos os equipamentos de cultura do país estão fechados devido à pandemia, mas ela permanece aberta, movimentando coletivos e artistas locais para apoiar à população local no combate a pandemia de coronavírus, servindo como um ponto de distribuição de cestas básicas para dar assistência às famílias do território. Já as atividades culturais continuam online, com live de shows e saraus.

Eleições e Políticas Culturais

Pablo Paternostro, 31, morador da Vila Taquari em Itaquera é articulador cultural e membro do Movimento Cultural das Periferias, coalização de coletivos e artistas periféricos que criou junto a Secretaria Municipal de Cultura o edital de mapeamento e credenciamento de gestão comunitária de espaços públicos ociosos no qual a casa cultural foi contemplado.

Segundo o agente cultural, o edital é um reconhecimento dos espaços comunitários de cultura, no entanto não traz segurança jurídica nenhuma. Paternostro conta que a pauta principal do Bloco das Ocupações Culturais, uma das áreas de atuação do Movimento Cultural das Periferias é a criação de um decreto que regulariza esses espaços comunitários de cultura.

“O edital serve mais como um argumento institucional neste momento, não como um amparo legal. A nossa principal pauta é o decreto de regularização para dar uma segurança jurídica ao trabalho desenvolvido nas ocupações, mas agora é importante para evidenciar que existe um diálogo entre a Secretaria de Cultura com as coletividades servindo como argumento para que outras secretarias municipais entendam que há um projeto acontecendo nos espaços”.

O agente cultural explica que o fato corrido que na Casa Cultural Hip Hop Jaçanã é um fenômeno que atravessa a cidade de forma voraz, causado por interesses políticos e partidários, pelo fato deste ser um ano de eleições. “Infelizmente, como a história pode nos mostrar em anos de eleições, principalmente municipais, é possível observar um reflexo histórico da lógica colonial do coronelismo. As consequências são sentidas nos territórios, principalmente em espaços comunitários localizados em equipamentos públicos que frequentemente são barganhados em detrimento de interesses eleitorais ligados a poderes locais”.

Ele ressalta que fenômeno de interferência política em ano de eleição se torna evidente a partir das incoerências encontradas no texto do ofício e nas falas da GCM. “Esse fenômeno pode ser observado na invasão ilegal realizada pela GCM na Casa Cultural, em que a guarda ameaça a remover os membros da ocupação dizendo que ali seria um novo posto de guarda, incoerentemente se baseando em um ofício que dizia que ‘o equipamento será reformado’ de autoria de um vereador de um partido que é contra a cultura e a educação emancipadora”, afirma Paternostro, ressaltando que o parlamentar é filiado ao DEM.

O agente cultural explica a afirmação ressaltando que um dia antes da invasão na Casa Cultural foi publicada no diário oficial a transferência do equipamento da Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento para a Secretaria Municipal de Segurança Urbana. “Como é possível analisar nos autos do processo, se não houve qualquer consideração ao trabalho que vem sendo realizado desde 2014 na ocupação, pelo contrário, quando um deputado político militar do PDT, hoje senador do PSL, endossa que o espaço está completamente ocioso mesmo sem ter pisado no local, ignorando totalmente as demandas da comunidade, é muito importante ressaltar que a ocupação fica a 290 metros de uma delegacia e que não há nenhum outro espaço cultural comunitário nas imediações”.

“O principal impacto que essa ação causou neste momento de pandemia foi obrigar os ativistas, artistas e arte-educadores do espaço a saírem do isolamento sem planejamento prévio, sendo que muitos deles fazem parte do grupo de risco. Todo esse transtorno e perigo por conta de simplesmente terem que manter o espaço ocupado em momentos em que não é preciso, já que o espaço realiza entrega semanal de leite e distribuição de cesta básica para a comunidade mesmo em meio à pandemia”, conclui Paternostro, descrevendo os impactos de ações como estas realizadas pela GCM em meio à pandemia de coronavírus.

Rumo ao Enem, movimento ‘4G para estudar’ apoia estudantes das periferias

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Campanha quer garantir compra de pacote de dados 4G para 5.000 estudantes das periferias e favelas de todo o país, que estão se preparando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Aluno da Rede Ubuntu utiliza o celular para pesquisas na internet durante o estudo para o Enem. (Foto: Arquivo Pessoal)

Fazendo uma provocação sobre o direito à internet para estudantes de escolas públicas nas periferias, o movimento ‘4G para estudar’ surge por meio de uma rede de Cursinhos Populares que criaram uma plataforma de doações online, onde pessoas interessadas em contribuir podem doar um valor equivalente a um plano de pacote de dados 4G, que será entregue a um morador da quebrada que está se preparando para o ENEM e enfrentando dificuldades para dar andamento aos estudos, devido à má qualidade da internet nos territórios periféricos.

O movimento irá impactar estudantes de diversos contextos periféricos do Brasil, como alunos da rede pública de ensino nos estados de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Nesses estados, cursinhos populares atuam em diversas frentes, com o objetivo de garantir que jovens das periferias tenham uma experiência qualificada para se preparar para o ENEM, visando potencializar o número de moradores da quebrada que acessam o ensino superior.

Uma das iniciativas que compõem o movimento ‘4G para estudar’ é a Rede Ubuntu, coletivo de educação popular criado em 2013 por um grupo de educadores e estudantes universitários da zona sul de São Paulo. Segundo Rafael Cícero, coordenador pedagógico da rede Ubuntu, a participação de cursinhos de diversas regiões brasileiras é uma forma de garantir que o projeto de fato democratize a internet em vários cantos do país.

A estratégia que os cursinhos encontraram para distribuir a internet para os alunos foi de adquirir chips, comprar planos de dados, e para alunos que já tem chips, será entregue apenas o plano de dados mensal. A escolha da operadora para compra dos chips terá um mapeamento por região, verificando qual território tem maior qualidade de sinal é por consequência maior alcance.

Os cursinhos também pretendem arrecadar de maneira mensal fundos para impactar 5.000 mil alunos selecionados para receber os pacotes de dados. De acordo com Cícero, o movimento também quer chamar a atenção de empresas de telecomunicações para apoiar essa mobilização. “Para esse momento importante que o país está vivendo, precisamos cobrar as operadoras para que elas se disponibilizem e contribuam com esse debate”. Ele ressalta que a pandemia expôs a fragilidade do sistema público de educação. “Mesmo sem pandemia, os alunos aprendem muito pouco na escola, daquilo que o Enem e o vestibular cobra”.

Segundo a Anatel, somente na cidade de São Paulo, município onde a Rede Ubuntu atua, há mais de 24 milhões de celulares. Destes, sete milhões são utilizados no formato pré-pago e 17 milhões são utilizados como pós-pagos. A plataforma Telebrasil afirma que para atender essa demanda de usuários de smartphones há mais de sete mil antenas de celular espalhadas pela cidade. No mapeamento mais recente realizado pela Assossiação Brasileira de Telecomunicações, as antenas que distribuem o sinal de internet para celular estão concentradas em sua maioria na região central da capital paulista, ficando as periferias com uma taxa reduzida de cobertura de sinal.

Pensando na imensa desvantagem que seus alunos já enfrentavam antes da pandemia chegar às periferias e levando em consideração o quanto essa condição de vulnerabilidade aumentou, a Rede Ubuntu vem criando estratégias para ajudar seus alunos. “Muitos dos nossos alunos iam a biblioteca estudar durante a semana, iam até o céu, utilizavam o computador da biblioteca. Agora sem poder ir presencialmente nesses espaços, eles também sofrem mais por falta de condições estruturais para estar estudando”, explica o coordenador pedagógico.

Mesmo sabendo de todas essas desigualdades estruturantes que os alunos estão expostos, Um dos caminhos alternativos para manter a realização das aulas foi a oferta de conteúdos digitais didáticos para os alunos, seguindo o cronograma que já seria passado durante os encontros presenciais, que eram realizados sempre aos finais de semana.

“A gente aderiu ao Google sala de aula, depois começamos arquivar todo material de cursinho e formação de aula, onde os alunos têm acesso por meio de email e os canais deles, logo depois a gente começou oferecer vídeo aulas, por meio do Youtube”, relata Cícero, afirmando que as vídeo aulas podem ser acessadas a qualquer momento.

Percebendo que muitos alunos não estavam acessando o material por falta de internet, a Rede Ubuntu enxergou no movimento 4G para estudar uma forma de democratizar o acesso à internet para os alunos durante a preparação do ENEM.

“O benefício da internet é que eu posso pesquisar para não deixar passar em branco”

Gerontologia, nutrição ou medicina – essas são as três opções de curso que Caio dos Santos, 24, morador da periferia do Campo limpo, zona sul de São Paulo, pretende cursar com ajuda do Enem e com o apoio da Rede Ubuntu. Essas se tornaram suas motivações para se adaptar a nova rotina de estudo e organização durante a pandemia.

“Nesse meio tempo, bem no começo eu tava sem internet, então eu fiquei estudando só por meio de livros mesmo”, conta Santos, afirmando que os livros traziam muitas informações, porém não sanava todas suas dúvidas, e assim a falta de internet colaborava com um acesso limitado às informações, quando se remete a estudar para um prova que abrange todo conteúdo do ensino médio.

“O benefício da internet agora com qualquer dúvida que eu tenho, ou alguma dificuldade de entender o exercício, eu posso pesquisar pela internet para eu não deixar passar em branco, porque é o que acontecia muito. Eu estudava com livros e algumas coisas ficavam em branco e eu precisava anotar para sanar essas dúvidas com alguém ou em uma próxima tentativa de fazer os exercícios”, relembra o estudante.

Sobre suas perspectivas para o dia da prova que não está definido ainda, devido ao adiamento por causa da pandemia do coronavírus, Santos se diz confiante por ter mais tempo para estudar, estar usando bons hábitos de organização que vem praticando e procurando usar o tempo a seu favor.

“Teve uma semana que era para entregar as atividades e minha internet não queria funcionar”

Outro aluno da Rede Ubuntu é Ryan Roris, 17, morador do Jardim das Oliveiras, bairro localizado em Itapecerica da Serra. Durante a pandemia, o jovem divide sua rotina entre estudar para terminar o terceiro ano do ensino médio e se preparar para o Enem. Ambas as atividades necessitam de internet, porém ele vem de adaptando as oscilações de Inal para entregar suas atividades.

“Teve uma semana que era para entregar as atividades e minha internet não queria funcionar por nada. Eu tive que usar meus dados móveis para passar pro notebook”, conta o estudante, relatando o recente incidente de ficar sem internet para manter a rotina de estudos.

“E também to pesquisando alguns cursos on-line, mas não é nada certo porque eu tenho que ficar indo na casa da minha irmã, por conta do notebook, por que a internet lá é melhor, e assim tá dando pra continuar os estudos durante esse caos”, descreve Roris, relatando a importância do apoio familiar e do acesso ao notebook para realizar as atividades escolares.

Para além da internet de má qualidade, outro impacto negativo na rotina de estudos do aluno é a falta de concentração. “É bem difícil ter total concentração. Às vezes minha mãe me chama para fazer alguma coisa, às vezes as pessoas aqui de casa começam a falar e você acaba desconcentrando. Eu tento sempre manter o foco, por mais difícil que seja”.

Com poucas esperanças sobre o futuro nos estudos, Roris sabe que não é só seu esforço que basta. Para o estudante, ainda existe uma barreira chamada desigualdade. “Se a tecnologia tá avançada deveria não ser apenas para as pessoas que tem mais classe, que tem mais condições. E sim, também aqui na periferia, porque a minha condição não quer dizer que eu não possa chegar lá encima também, assim como alguém que tenha todos os recursos”.

Para continuar na luta por uma boa nota no Enem, Roris diz que busca forças nos ensinamentos e vivências dos seus pais. “Aqui em casa mesmo, a única que tem um diploma de faculdade é minha irmã. Meus pais sempre falam pra eu estudar e ter um diploma e uma vida boa sabe? Porque eles não completaram o ensino fundamental e eles não querem isso pra mim, querem um processo bem diferente do deles e melhor”, finaliza o estudante.

Direitos invisíveis: além da covid-19, moradores de Sapopemba enfrentam pandemia de desigualdades

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Na Fazenda da Juta, um dos bairros que fazem parte do distrito de Sapopemba, zona leste de São Paulo, moradores afirmam que a chegada de habitantes cresce cada vez mais e o poder público não faz nada para organizar a moradia dos novos moradores do território. Antes e durante a pandemia de coronavírus, a organização comunitária de luta por moradia surge como um dos únicos instrumentos democráticos e participativos capaz de oferecer à população local uma orientação em relação ao desenvolvimento da vida no bairro. 

A Fazenda Da Juta é um bairro composto por 100 quadras, divididas em 3.318 lotes, onde vivem aproximadamente 5.000 famílias, de acordo com a Subprefeitura de Sapopemba. Dentro do bairro existem várias áreas ocupadas, onde vivem os moradores que entrevistamos.

Em uma dessas áreas há cerca de 300 famílias, com cinco a seis membros no núcleo familiar de acordo com Viviane Paulino, 46, líder comunitária do território. “Nas áreas ocupadas tem cerca de 300 famílias de baixa renda de cinco a seis pessoas nas famílias, que no momento estão sem trabalho dependendo do nosso trabalho de arrecadação, e conscientização, pois muitas não conseguem estar o tempo todo em casa, então a gente tenta ajudar as pessoas a ficarem de máscaras, e tomarem as medidas possíveis”.

Com mais de 21 mil habitantes por quilometro quadrado, a Subprefeitura de Sapopemba possui o maior indicador populacional entre todas as subprefeituras da zona leste de São Paulo, de acordo com dados do Censo de 2010. Dez anos depois de o estudo ser realizado, o cenário da pandemia de coronavírus expõe a precariedade da manutenção de direitos essenciais básicos para os moradores da região, como moradia, geração de renda e trabalho, saúde e assistência social ao idoso.

Há cinco anos morando na Fazenda da Juta, o comerciante ambulante Valdir Correia da Silva, 61, afirma que mesmo diante da escassez de serviços públicos na região, a quantidade de novos habitantes cresce cada vez mais e que o poder público não faz nada a respeito.

“Chega gente o tempo todo procurando lugar aqui, e só vai aumentando e aumentando as famílias por aqui. E agora nesse momento é que dá pra ver que as casas não têm estruturas nenhuma para manter as pessoas em isolamento”, conta o morador.

Por estar acima de 60 anos, o senhor Correia se enquadra no grupo de pessoas que estão mais suscetíveis a pegar a covid-19. “Eu, já sou do grupo de risco por ter mais de sessenta anos, mas vou te dizer que não dá pra ficar o dia todo em casa não, eu moro em um barraco de madeira e venho para dormir só, passo o dia fazendo bicos na rua”, relata.

Ao descrever esse cenário, o senhor Correia descreve nitidamente as condições de moradia, geração de renda e exposição ao contágio de covid-19, enfrentadas por ele e por outros moradores no território. Em paralelo a esses relatos da vida real, o boletim mais recente com dados de óbitos da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo apontou 245 mortes causadas pelo novo coronavírus na região de Sapopemba, um aumento de 19% em relação ao último comunicado oficial que apontava 205.

“Estou sem trabalhar agora né, porque eu trabalho como diarista, aí eu estou sobrevivendo com as cestas que eu recebo e com a ajuda do auxílio emergencial, mas ainda é muito difícil, porque eu moro com meus seis filhos num cômodo só, não dá pra ficar o tempo todo aqui com eles”, comenta Katia Cilene Dos Santos, 38, outra moradora da ocupação Fazenda da Juta que é diarista e está afastada neste momento do trabalho. Ela também denuncia a falta de amparo do Estado.

“Caso eu venha a ser contaminado como é que eu vou ter acesso ao tratamento?”

Uma das preocupações reveladas pelos moradores da Fazenda da Juta está baseada numa dúvida sobre o que vai acontecer com eles, caso sejam contaminados pelo novo coronavírus. 

“Tenho medo de ser contaminado, porque eu sei que na condição que está todos os hospitais e do lugar de onde eu venho, caso eu venha a ser contaminado como é que eu vou ter acesso ao tratamento? Sei que não vou ter, porque eles priorizam as pessoas mais ricas da cidade e que podem pagar”, desabafa Correia.

Em meio a esse cenário de desconfiança e incerteza em relação ao suporte que os equipamentos públicos de saúde darão aos moradores em caso de contágio, os hospitais municipais de São Paulo apresentam uma taxa de ocupação das unidades de tratamento intenso (UTI) superior a 80%, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde.

“É muito preocupante essa doença, me preocupa muito, porque a gente tem que ficar isolado, mas ao mesmo tempo a gente tem que sair para conseguir alguma coisa, e se pegar a doença? o que faz depois, eu tenho seis filhos, estou com muito medo”, ressalta Kátia, descrevendo o nível de preocupação que ela administra em relação ao bem estar dos filhos.

“Meu sonho é ter uma casa boa e própria para meus filhos terem um cantinho deles”

O direito à moradia digna foi reconhecido e implantado como condição para dignidade da pessoa humana, desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi reafirmado na Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional nº 26/00, em seu 6º artigo. Mas na prática, ter uma casa própria na periferia ainda é um sonho para muita gente, inclusive os moradores da Fazenda da Juta.

“Meu sonho é ter uma casa boa e própria para meus filhos terem um lar deles, cantinho deles, e a gente não ter que ficar dependendo das pessoas, e nem ficar passando por situações que a gente não precisa passar. Meu sonho é ter uma casa, e eu vou ter, tenho muita fé em Deus que eu vou ter”, enfatiza a chefe de família.

Para Valdir o sonho da casa própria, também representa o desejo de poder voltar a conviver com os filhos. “Meu sonho é uma casa minha, seria uma boa para mim, eu iria poder voltar a conviver com os meus filhos que vivem com a avó deles agora, porque eu sou viúvo e não dá para morar comigo porque eu moro em um barraco de madeira”, explica o morador.

“As políticas habitacionais não se limitam a construção de quatro paredes e um teto para as pessoas morarem”

De acordo com o professor do Instituto das Cidades no Campus da Zona Leste da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Anderson Kazuo Nakano, as políticas habitacionais envolvem diversas ações dentro do território e não só conceder uma moradia digna às pessoas.

“As políticas habitacionais não se limitam à construção de quatro paredes e um teto para as pessoas morarem. As políticas habitacionais devem ser entendidas como um conjunto com vários tipos de atendimentos que envolvem a urbanização de áreas urbanas precárias, a regularização fundiária de imóveis irregulares, a produção e distribuição de lotes urbanizados, o aluguel subsidiado para populações de baixa renda em moradias do poder público ou de proprietários privados, a reforma de moradias existentes, o aproveitamento de edificações e terrenos ociosos, dentre outras ações públicas”

define Kazuo.

O professor também pontua a questão de que muitas políticas públicas que chegam ao território não têm continuidade. “Outro problema em relação à presença das políticas públicas, urbanas e habitacionais, em territórios das periferias é a descontinuidade no tempo e no espaço. Isso significa que aquelas políticas sofrem com interrupções e não resolvem os problemas estruturais que exigem ações de médios e longos prazos que levam décadas. Significa também que várias daquelas políticas públicas, urbanas e habitacionais, não abrangem a totalidades dos territórios periféricos”.

“Não funciona impor o isolamento social onde os serviços sociais básicos possuem mau funcionamento”

Kazuo afirma que não funciona impor o isolamento social sem pensar nas pessoas que vivem em moradias precárias e superlotadas. “Não funciona impor o isolamento social em moradias inadequadas, insalubres, superlotadas, precárias e desconfortáveis, localizadas em bairros onde os serviços, equipamentos e infra-estruturas urbanas e sociais básicas são insuficientes e possuem mal funcionamento.”

Ele destaca que a chegada da pandemia do Covid 19 no Brasil mostrou a perversidade das desigualdades sociais. “A chegada da pandemia no Brasil, nas cidades brasileiras, mostrou a perversidade das desigualdades socioespaciais estruturais que formam as nossas cidades”.

Segundo o professor, o Brasil não consegue como sociedade, garantir os recursos básicos necessários para que a população de baixa renda possa enfrentar com resiliência esse momento de crise profunda e os graves impactos da pandemia.

Ele finaliza fazendo uma reflexão sobre a questão do sonho da casa própria está ligada a uma construção capitalista de propriedade privada. “É preciso refletir criticamente sobre essa idéia do ‘sonho da casa própria’ porque ela é uma construção ideológica forjada historicamente ao longo do século XX para reforçar a ideia da moradia como propriedade privada individualizada e, portanto, como uma mercadoria transformável em capital privado que se sobrepõe à idéia da moradia como direito social”.

“Creio que a questão mais importante é como efetivar o direito à moradia digna e adequada, principalmente para aqueles que não possuem poder econômico para acessar essa moradia, frente à especulação imobiliária e no mercado de aluguéis residenciais”.

finaliza o professor.

Websérie retrata moradores da quebrada que refletem sobre o mundo pós-pandemia

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O que será do novo mundo? É a partir dessa inquietação que a Fluxo Imagens produziu a websérie ‘Cartas para o Futuro’, que retrata uma narrativa futurista, a partir do olhar e vivência de moradores das periferias da zona sul de São Paulo, contando como eles imaginam o futuro da quebrada após a pandemia.

Reprodução da websérie Cartas para o Futuro, produzida pela produtora Fluxo Imagens. (Foto: Fluxo Imagens)

Distribuída pelo canal do IGTV da produtora Fluxo Imagens, a Websérie ‘Cartas para o Futuro’ vem chamando a atenção pelo tom de realismo do cenário e a sinceridade dos personagens em relação às perspectivas de futuro sobre o pós-pandemia, um momento ainda incerto e repleto de inseguranças relacionadas às condições de vida da população periférica e a nova cultura de convivência.

Maxuel Melo, diretor de fotografia da Websérie e um dos fundadores da produtora, explica que diante do cenário de incertezas causado pela pandemia de covid-19, o novo coronavírus, cada episódio busca investigar o que há de mais sincero no pensamento do morador da quebrada. “A gente decidiu perguntar para pessoas comuns o que elas acham o que será o futuro e deixar uma mensagem mesmo do passado para o futuro”, conta o produtor audiovisual.

Confira o primeiro episódio da websérie Cartas para o Futuro.

Ele resume o propósito da Websérie afirmando que o objetivo era produzir um registro atual para que seja eternizado em nossa memória, colocando o sujeito periférico como protagonista dessa história.

Retratar moradores comuns e o seu cotidiano da periferia e dar ênfase a sua sabedoria são os pontos de partida para a produtora se dedicar aos registros audiovisuais. “Entendemos que todas essas pessoas têm um conhecimento, ela tem uma opinião, e que esse conhecimento também é válido. É necessário retratá-lo”, diz.

Confira o segundo episódio da websérie Cartas para o Futuro. 

A escolha de cada personagem da ‘Cartas para o Futuro’ tem uma relação conceitual com o fato do morador da quebrada ainda não ter um protagonismo merecido no cenário da produção audiovisual brasileira. “O nosso povo é muito escasso de protagonismo, quando a gente é criança, a gente não se identifica com nada, os heróis não se parecem com a gente. O galã da TV não se parece com a gente, àquela menina da novela não se parece com a gente. Nosso cabelo é diferente, nossa pele é diferente, a gente fala diferente. Então tá aí a importância de você se identificar com algo, por isso é tão importante colocar moradores da periferia como protagonista, porque eles se parecem com a gente”, enfatiza Melo.

Em relação aos impactos do novo trabalho audiovisual, o produtor conta que nesse momento de distanciamento social o foco é reconectar as pessoas através da tecnologia. “Nos resta utilizar a tecnologia que está em nossas mãos todos os dias para nos reconectar de alguma forma, com as pessoas que a gente gosta”, finaliza Melo.

Experimentos com celular para realizar durante a quarentena

Além de difundir uma narrativa realista e futurista sobre a periferia, a Fluxo Imagens, produtora audiovisual criada por jovens moradores do Campo Limpo, zona sul da cidade, vem ocupando as redes sociais com o movimento da ‘cultura maker’, realizando oficinas que incentivam a autoconstrução de equipamentos audiovisuais e soluções criativas para suprir a necessidade de usar equipamentos de fotografia com grande valor de mercado.

A história da produtora começa com uma câmera Cybershot na mão de Maxuel e seu irmão Marcelino Melo. Em meio a poucas referências de obras e conceitos audiovisuais, os jovens moradores do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, começam a contar histórias de artistas locais com o intuito de democratizar a produção audiovisual dentro da quebrada.

“Conforme a gente ia se aventurando e buscando se conectar mais e mais com este universo, fomos conhecendo fazedores e fazedoras que nos possibilitaram assinar trabalhos com artistas cada vez mais conceituados. E sempre mantendo as raízes”, relembra Melo. Após oito anos de inúmeros trabalhos realizados, a produtora busca retratar a periferia com um novo imagético não só na narrativa, mas também na produção de suas próprias tecnologias.

Nesse momento de pandemia, a Fluxo Imagens firmou uma parceria com a Fábrica de Cultura de São Paulo, organização ligada a Secretaria de Cultura do Estado, para gravar tutoriais que ensinam a produção de componentes que incrementam a capacidade de filmar e fotografar com o celular, mesclando conhecimentos profissionais aplicados no cinema com as ferramentas de um smartphone.

Uma das oficinas ensina como transformar a câmera do celular em uma lente para produzir fotos macro, utilizando apenas uma gota d’água. “Eu optei por falar de assuntos simples que são fáceis de explicar e fáceis de fazer em casa também, aproveitando esse período de isolamento que a gente está infelizmente passando”, relata o Melo, destacando o seu cuidado pedagógico para facilitar a participação das pessoas, visando democratizar o conhecimento do audiovisual nesse momento de pandemia e com uma linguagem acessível para a quebrada.

“A gente sabe que a linguagem trazida por professores não é uma linguagem que a periferia fala né, então a ideia foi trazer algo com uma linguagem mais local, mais periférica, que todo mundo consiga entender, e no vídeo eu pensei bastante no público infantil e jovem”.

ressaltando a sua preocupação com o público jovem das periferias.

Muitos jovens da quebrada procuraram as redes sociais da Fluxo Imagens e de Melo para comentar sobre o tutorial de produzir fotos macro com uma gota d´água, uma delas é Alexia Lara, moradora da favela do Guian, localizado no Jabaquara, zona sul de São Paulo.

Alexia ficou contente por ser deparar com esse tipo de entretenimento em um momento que informações positivas estão escassas. Ela diz que já gravava seus próprios vídeos, mas não sabia do amplo potencial que poderia encontrar utilizando o celular. “Cheguei a achar em um momento que só conseguiria um resultado bom de vídeo se tivesse uma câmera e iluminação profissional. Coisas que não são acessíveis a todos, ainda mais no momento atual. Acredito que muita gente acaba caindo neste lugar e não se dá conta do potencial do celular”, conta Lara, relatando suas descobertas, a partir do contato com o tutorial da Fluxo Imagens.

Ela afirma que já consegue sentir a evolução dos seus trabalhos aplicando os conhecimentos obtidos na oficina. “Eu mesma senti uma evolução na gravação dos meus processos e consequentemente o alcance e valorização do meu trabalho dentro das redes sociais”.

“Dá um ânimo muito grande você ver que atingiu alguém. Todo tempo estudando fez sentido, porque eu acredito muito que informação foi feita para ser passada”, argumenta o produtor, afirmando a importância da informação quando ela gera inspiração e identificação com as pessoas.

Outra moradora da quebrada que ficou contente e surpresa com os aprendizados obtidos na oficina foi Dalila Ferreira, moradora do Jardim São Luís, zona sul da cidade. Ela reconheceu que o tutorial, além de criativo, ampliou seus conhecimento técnicos sobre audiovisual. 

“Nessa época de quarentena estamos lidando com o ócio e a produtividade, entretanto naquele momento eu decidir ver novas coisas, e o resultado foi melhor do que eu imaginei. Eu sou leiga no audiovisual, fiquei um pouco receosa de não entender, mas eu entendi tudo e até experimentei em casa, a experiência do Macro que usa só uma gota d’água, e a experiência do 3d”.

“É como se fosse um Uber de entregar cestas básicas”: jogo apoia ações solidárias nas periferias

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Projeto une tecnologia, vivências nas periferias e cultura gamer para apoiar ações solidárias de combate à pandemia de covid-19 nos territórios periféricos de São Paulo. Além de sistema de entregas, a iniciativa criou um jogo que valoriza a figura do motoboy como um ícone na luta pela sobrevivência e principalmente pela vontade de transformação social. 

Motoboy no Jardim Gaivotas, distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo. (Foto: Dicampana FotoColetivo)

Com o alastramento de casos de coronavírus nas periferias e favelas de São Paulo, muitos impactos sociais negativos foram gerados, entre eles o desemprego, dificuldade de isolamento social e o fim do comércio informal e ambulante, causando um forte impacto na geração de renda das famílias.

Como resposta a esse cenário, várias campanhas de ações solidárias organizadas por coletivos, grupos culturais e movimentos sociais de todos os cantos da cidade deram início à arrecadação de recursos para compra e distribuição de cestas básicas, marmitas, máscaras e kits de higiene para os moradores mais afetados pela pandemia, mediante a um cadastro social de cada família.

Ao perceber que essas ações solidárias estão impedindo um colapso social gigantesco nas periferias, a moradora do Capão Redondo, Andreza Delgado, 24, integrante do coletivo Perifacon, criou o projeto ‘Sobrevivendo ao Coronavírus’, iniciativa focada em apoiar famílias de diversas regiões da cidade, conectando doadores e entregadores em um só propósito: facilitar o acesso às cestas de alimentos.

“Eu tive a ideia quando comecei a receber bastante mensagem no meu Whatsapp, por conta de contatos. Eu participava de algumas coisas com pedidos de cesta básica, então eu achei que seria legal me movimentar nesse sentido durante a quarentena”, descreve Delgado, citando os primeiros passos e motivações para criar uma ação solidária nos territórios.

O projeto atualmente tem em torno de trinta voluntários, alguns trabalhando remotamente fazendo ligações, e outros ajudando fazer compras de produtos de higiene e cestas básicas. Em abril, nos três primeiros dias de cadastro social mais de 600 famílias foram registradas. Como a procura foi além do esperado, o grupo teve que encerrar as inscrições no restante do mês, retornando somente em maio, mas novamente, nas primeiras No mês 24 horas de cadastro de moradores cerca de mil famílias foram inscritas, gerando um novo encerramento das inscrições, devido à grande demanda.

“Agora a gente tá trabalhando pra conseguir atender as outras mil inscrições de famílias, que residem em ocupações do bairro. A gente manda uma cesta básica, um kit higiene, um kit de máscara, vai quatro ou cinco máscaras, A gente também manda uma história em quadrinhos”, conta Andreza.

Mas como fazer para esses ‘kits de sobrevivência’ atravessar a cidade para atender mais de mil famílias? Inquietos com essa questão, o projeto ‘Sobrevivendo ao Coronavírus’ criou um game de delivery, integrando voluntários para doações e pessoas que queiram realizar uma’Carona Solidária’.

Jogo retrata a figura do Motoboy como uma grande aliada das ações solidárias neste momento de pandemia. (Arte Gráfica: Andreza Delgado)

“O caroneiro se cadastra, ele recebe uma rota é ele tem a possibilidade de ir junto com um voluntário nosso fazer as entregas de cesta. É como se fosse um Uber, um sistema de entrega de cestas básicas”, explica Delgado.

Agora o projeto procura se reinventar de diversas formas, construindo novas formas de se promover, pois ainda quer distribuir muitas cestas por diversos cantos de São Paulo. Cada cesta custa R$ 55, então para o grupo atingir a meta de mil cestas precisa arrecadar em média R$ 55 mil. Pensando nesses valores, Andreza teve a ideia de ir além das plataformas comuns de marketing e financiamento colaborativo, desenvolvendo junto com seu amigo Rafael Braga, um jogo que traz diversos elementos periféricos, com uma narrativa que se encontra com o projeto.

“Um dia eu acordei e pensei que poderia fazer um jogo, então eu mandei mensagem pro Rafa que é um amigo, e aí a gente começou a conversar”, conta ela, apontando o processo de surgimento da ideia do jogo e complementa: “Cara, eu acho que a periferia ela precisa ser assistida, e quando vejo o fato das pessoas de periferia estarem retomando, e tocando nesse assunto, mostra que só a gente mesmo para entender nossa realidade, sabe?”.

“O que é uma pessoa da periferia? Ela é uma pessoa que faz o corre que tá sempre ali na atividade, e ela movimenta a cidade, movimenta nosso país”

No jogo, um motoboy tem que pegar a cesta para fazer entregas e ainda se preocupar em desviar dos carros para se manter vivo, fazendo uma analogia para representar a periferia nesse momento de ‘sobreviver para se manter vivo dentro do jogo’. O desenvolvedor Rafael Braga, 31, é morador Parque Novo Oratório, na periferia de Santo Andre, região do ABC.

Quando perguntamos como ele uniu suas vivências para construção da gamificação das ações solidárias ele responde: “A questão é que sou um Dev periférico, eu faço parte de uma demografia ali, o preto, periférico, que não tem tantas facilidades como outras demografias”, enfatiza Braga, fazendo uma clara menção à condição social e política de quem mora e vive nas periferias.

O jogo foi lançado no dia 25 de maio. A data é uma homenagem aos fãs da série O Guia do Mochileiro das Galáxias. “Foram dias trabalhando o dia inteiro para que ele tivesse pronto, todo trabalho já foi muito compensado, devido ao que aconteceu em um dia só do lançamento”, ressalta o desenvolvedor, lembrando que o projeto conseguiu arrecadar mais de mil reais para compra dos kits logo no primeiro dia e complementa: “Eu acho que a função desse tipo de jogo é exatamente essa, chamar atenção, muita gente joga e acha super interessante e através disso acaba conhecendo o projeto”.

O jogo traz em seu cenário muitos elementos que representam o imagético periférico, e Braga diz que é exatamente essa ideia, trazer as vivências da periferia, colocando ela em foco. “O que é uma pessoa da periferia? Ela é uma pessoa que faz o corre que tá sempre ali na atividade, e ela movimenta a cidade, movimenta nosso país. Então eu acho que além da intenção explícita de homenagear os profissionais da moto, acabou se provando uma ligação muito intensa mesmo dessa figura com a periferia”.

Umas das ferramentas utilizadas para desenvolver o jogo foi o Construct 2, um editor de jogos 2D, mas Rafael ressalta que o desenvolvimento da arte do jogo torna-se muito mais acessível , do que o próprio o jogo, pelo fato dos programas para desenvolver arte terem muito mais disponibilidade grátis na internet, diferente dos programas disponíveis para desenvolver um jogo.

“Na parte de desenvolvimento de jogos qualquer ferramenta pra mim é muito cara, por exemplo, para você publicar na Google Play é muito caro e no IOS também, então essa é uma parte que dificulta bastante pra gente que é da periferia”, finaliza Braga, destacando o quanto programas para desenvolvimento de jogos ainda são inacessíveis para periferia pelo seu preço.

Nesse tempo de isolamento Rafael está se dedicando em se mobilizar junto com projetos que visa combater o Covid-19 nas periferias. Segundo ele, essa foi à melhor maneira que encontrou para colaborar nesse momento. “O que faço na verdade é ter uma noção de gamer como guerrilha. Eu faço o que eu posso, com as ferramentas que eu tenho e da melhor forma possível”.

Gestão da ausência: a consciência política do futebol de várzea

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Confira na última reportagem da série ‘Gestão da Ausência’, como as equipes de futebol de várzea estão mudando a rotina de muitas famílias, afetadas pela pandemia de coronavírus, que residem nos distritos de Capão Redondo, Cidade Ademar, Brasilândia e no Jardim Eledy, em Taboão da Serra. 

Jogo realizado no Festival Várzea Poética da Cooperifa, em 2017. (Foto: Guma)

A pandemia paralisou as atividades dos times de futebol de várzea que são abertas ao público, como escolinha de futebol, feijoadas comunitárias, roda de samba, juntamente com os próprios campeonatos, dando espaço para uma nova e velha frente de atuação: o combate a forme que afeta muitos moradores, que antes da chegada do coronavírus às periferias, ocupavam a beira dos campos nos finais de semana.

O Desenrola conversou com iniciativas que estão atuando em distritos como Capão Redondo, Cidade Ademar e Brasilândia, territórios onde a onda de contágios por covid-19 não para de crescer. Em consequência dos impactos sociais gerados pela pandemia, uma parcela considerável de moradores desses territórios teve a sua vida afetada pela crise econômica, perdendo emprego e sendo impedidos de manter o comércio local e informal na ativa.

Enraizada no distrito do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, a equipe da Vila Fundão, uma das mais tradicionais do cenário da várzea, ativou um grupo de voluntários e moradores para colaborar com o Instituto Vila Fundão, organização social que leva o mesmo nome do time, por nascer das relações comunitárias cultivadas com outras equipes de futebol de várzea dentro e fora de campo.

Até o fechamento desta reportagem, mais de 200 moradores haviam sido atendidos com doações de kits de higiene, cestas básicas e refeições. Segundo Camila Lima, professora e uma das colaboras do Instituto Vila Fundão, esse número poderia ser muito maior com o apoio de gestores públicos.

“Infelizmente, mesmo somando todas as iniciativas que se alastram pela cidade e pelo país, acho difícil atender a totalidade da população que precisa de apoio. Mas, na ausência dos governos, acredito que os coletivos, as ONGs, as lideranças periféricas, as associações sociais, também temos alguns partidos engajados, e outras organizações estão fazendo a sua parte”, reflete Lima.

Enquanto as poucas ações do poder público não chegam de fato na ponta para atender quem mais precisa, na Cidade Ademar, também na zona sul da cidade, o Projeto Várzea Sem Fome já distribuiu mais de 340 cestas básicas na região, e em média 430 kits de higiene. “Representamos 27 favelas aqui da região de Cidade Ademar. Já faço esse trabalho há anos, mas com a pandemia acabamos nos juntando em prol da comunidade que é totalmente esquecida, assim formamos um grupo de mais 30 voluntários”, conta Fábio de Paula, um dos integrantes da ação solidária.

A busca de novos caminhos possíveis para superar esse período mais duro da pandemia acontece em todas as regiões da cidade. Na Brasilândia, alguns comerciantes locais têm apoiado o time Manchester da Brasilândia, que mesmo sem a ajuda do poder público, já chegaram a quase 500 famílias atendidas na região.

“Infelizmente sabemos que é pouco para uma região como a Brasilândia, mas acredito que se cada um fizer um pouco, iremos passar por mais esta luta, afinal somos a massa e o que move nosso país é a periferia, onde é o lugar mais bonito da humanidade”, compartilha a professora Patrícia Verdetti, integrante do time.

Os exemplos que a várzea vem dando ao combate a pandemia e a fome nas periferias vem se espalhando e já está chegando a municípios vizinhos a São Paulo. No Jardim Eledy, em Taboão da Serra, o professor Fábio Roberto, integrante do time F.C. Jardim Eledy, está mobilizando jogadores profissionais que moraram no bairro para apoiar a campanha de doações de cestas básicas para as famílias mais afetadas pela pandemia.

“Quem nasce e vive em periferia conhece de perto a fome, por passar por privações, por ser um dos que vivem abaixo da linha da miséria. Não tem como ignorar, não tem como ser indiferente”, afirma Roberto. Para ele, esse é o momento de lutar contra a fome.

“Apesar de todos os esforços, não é possível atingir a todos. Deus concedeu duas mãos e uma boca para os humanos. Só que em momentos como este, fica evidente que temos menos mãos para oferecer, mais bocas para receber. E isso dói”, reflete o professor.

Além de entrega de cestas básicas e itens de higiene, os times de futebol de várzea têm produzido e se mobilizado através das redes sociais com lives, que visam mobilizar outros equipes e apoiadores para continuar aumentando o movimento dos times da várzea engajados em construir alternativas solidárias para combater os impactos socais gerados pela pandemia.

Somos natureza e cultura. A economia é apenas uma fração do que somos capazes

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Brevíssimas reflexões

Somos filhos do nosso tempo. Acordamos diariamente com notícias boas ou ruins. Nos deparamos com sonhos e fantasias. A cada momento refletimos sobre o que almejamos e não alcançamos, o que alcançamos e não nos completa. Sabemos acerca de nós o quanto nos dedicamos a nos observar, sabemos do outro o quanto este nos mostra. Pouco sabemos acerca de nossa época em sua totalidade; temos tendência a generalizações apressadas, universalizamos o singular e singularizamos o geral, no mais, somos um processo contínuo de revisão e construção de si.

O vírus que nesse momento nos leva a uma reflexão constante sobre os motivos acerca do valor da vida, do valor do que foi vivido, do que estamos deixando de viver em nome dos interesses do mercado, dos interesses de um progresso que dilapida a natureza, que assimila as contradições em nome do lucro, que se apropria da capacidade produtiva do outro para mover uma máquina financeira, que enriquece poucos, manténs milhões na extrema pobreza e milhões a margem da riqueza, com o sonho de chegar lá. Esse modelo tem se mostrado danoso para existência humana.

A natureza não cobra do consumidor pelo seu fruto. A natureza precisa de tempo para dar os seus frutos. Cada fruta e legume tem o seu valor nutritivo e nenhum depende das mãos humanas para brotar em estado natural. As mãos humanas interferem constantemente nesse processo e fazem isso almejando o bem coletivo ou o bem econômico. O bem econômico que o ministro da economia assinala como caminho é do sacrifício da natureza, nós somos uma fração no conjunto dos seres vivos e atuamos como se não fôssemos uma parte no todo.

Somos uma parte no todo, somos filhos do nosso tempo, somos frutos do conjunto de saberes que acessamos e de relações que estabelecemos, somos enquanto vivos, somos organismos autônomos, somos construtores, somos a criatividade. A economia é uma fração do que somos capazes de criar, a economia, a política, a concepções que seguimos cegamente, são frações do que somos capazes de fazer, mas não são as únicas coisas que somos capazes de fazer, e o óbvio desse processo é que a economia, a política não são nada sem a Cultura (conjunto de tudo aquilo que os seres humanos criam para viver).

Cultura, ela é popular, erudita, ela se desdobra em artesanato, música, poesia, dramaturgia, filosofia, pintura, escultura, ela é fruto do que elaboramos no nosso dia a dia, está no Patativa de Assaré, quantas reflexões não surgem quando escutamos o poemas desse poeta musicados por Luiz Gonzaga. Quantos sentimentos afloram quando comunicamos ao mundo o desejo de um tempo no qual a Natureza possa florescer, os seres vivos possam viver e desfrutar o breve instante da vida, criando, fazendo Cultura.