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Budismo online: lives viram templo digital de religião na M´Boi Mirim

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Organização budista aproveitou o momento da pandemia para criar espaços virtuais de difusão da filosofia humanística do budismo. O núcleo virtual da M´Boi Mirim já conta com 400 famílias, que se reúnem por meio de lives para trocar conhecimento.

Marlon Mitsunaga organiza os encontros virtuais sobre budismo. Créditos Tamires Rodrigues

O distrito do Jardim Ângela, localizado na zona sul de São Paulo, se tornou um dos bairros onde a Associação Brasil Soka Gakkai Internacional aproveitou o momento de pandemia para criar espaços virtuais de difusão do budismo, por meio da criação de um núcleo virtual onde moradores das periferias da zona sul de São Paulo, se encontram para trocar e aprofundar seus conhecimentos sobre a religião. 

O núcleo conta com 443 famílias que se reúnem por meio de lives, formadas por moradores nas localidades do Jardim Ângela, Guarapiranga, Capão Redondo e Jardim São Luis.

A realização de lives comunitárias com a participação de moradores de bairros do distrito da zona sul tem mirado na família, como ponto de partida para construir núcleos de moradores. O morador Marlon Mitsunaga, 23, morador do Jardim Santa Margarida, tem se dedicado a organizar esses encontros virtuais.

O morador define o budismo como uma filosofia que mostra que todas as pessoas têm o direito de ser feliz. Mitsunaga é psicólogo e praticante do budismo. Uma das suas funções é organizar o núcleo de crianças e adolescentes da M’boi Mirim.

Segundo Mitsunaga, a filosofia budista tem o propósito de despertar uma transformação social no próprio sujeito periférico. “Entendendo que essa realidade pode ser transformada por nós mesmos da quebrada, em vários momentos a gente espera uma transformação externa, mas a gente tem um potencial gigantesco em nosso próprio bairro”, conta ele.

O organizador do núcleo de crianças e adolescentes da M’boi Mirim relembra que tomou a decisão de seguir o budismo quando era criança e percebeu a transformação que a filosofia causou em seu avô.

“Um evento muito próximo que me fez perceber isso foi o meu avô, que ele começou a praticar o budismo já na terceira idade, quando ele já tinha 70 e poucos anos, e ele era alcoólatra, fumante, tinhas várias questões com ele né, e por meio da prática budista ele começou o processo de revolução humana dele, e isso foi muito perceptível pra mim, enquanto criança que tava crescendo e percebendo uma pessoa diferente dentro de casa”.

Cada bairro representa um núcleo virtual onde são organizados os diálogos, possibilitando o surgimento de pequenos coletivos de moradores que vão se consolidando com o avanço dos diálogos nos grupos de famílias que se reúnem periodicamente. Atualmente região da M’boi Mirim tem 400 famílias. “Dentro desses bairros a gente consegue entender a realidade de cada pessoa e entender de que forma isso conversa com a filosofia de vida budista”, afirma Mitsunaga, ressaltando a importância de entender a realidade da vida nos territórios.

Ela considera que a formação de pequenos coletivos corresponde às famílias da quebrada participantes da religião e destaca que a proposta do budismo é estar entrar dentro do núcleo familiar.

Antes da pandemia os encontros aconteciam de maneira presencial regado de comes e bebes, porém diante dos cenários de adaptações a organização trouxe uma proposta de virtualizar os diálogos humanistas e se conectar com os moradores através de telas de celulares, tablets e computadores.

“A gente percebeu que através desses encontros virtuais são possíveis”, avalia o organizador. Cada localidade utilizar um aplicativo de sala virtual diferente, porém a plataforma Google Meet costuma ser a mais utilizada. “A gente tem muitas visitas que estão acontecendo de maneira virtual, então a videochamada de dupla ou trio, para facilitar são feitas pelo pro whatsapp”, relata o morador.

Ele conta que além dos diálogos organizados por meios dos núcleos virtuais, durante a pandemia, os membros costumam utilizar aplicativos de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones para discutir sobre a filosofia budista em determinados dias da semana, sempre no período da tarde.

“A gente troca ideia de coração pra coração mesmo. Quem está no seu quarto acaba trocando ideia com seus amigos que estão a fim de trocar uma ideia sobre essa filosofia humanista tá ligado”, descreve Mitsunaga.

Antes de eu conhecer o budismo eu não sabia que tinha na periferia

Nathalia Porcelli

Nathalia Porcelli durante a live.
Arquivo pessoal/ créditos Sonia Maria

Uma das participantes do núcleo virtual de filosofia budista é Nathalia Porcelli, 29. Ela conheceu o budismo através da sua irmã, porém antes disso, a moradora do Jardim Santa Margarida, localizado no distrito do Jardim Ângela, relembra que tinha uma percepção totalmente distante sobre o que é a religião e a realidade da quebrada.

“O curioso é que antes de eu conhecer o budismo eu não sabia que tinha essa religião na periferia, eu achava que era uma coisa que só iria ter lá no bairro da Liberdade, ai quando eu conheci percebi que é bem acessível, e tem em várias localidades”, relata Porcelli.

Ela confidencia que durante a pandemia os ensinamentos da filosofia budista serviram como também uma rede de apoio virtual para renovar suas energias. “As atividades sempre são energizantes, sempre que participo eu fico muito animada, e é muito gostoso né, você renova totalmente a energia”, afirma.

Para a moradora, a maior conexão entre as pessoas que fazem parte dos diálogos virtuais é o propósito em comum do grupo presente. “Agora que estamos praticamente um ano sem fazer atividades presenciais, essas atividades virtuais são muito importantes, por mais que a gente esteja fisicamente separado, a gente vê que a gente tá junto no coração, na mente e nos nossos objetivos”, acredita.

Além dos encontros virtuais, Nathalia considera importante estudar a filosofia budista por meio de livros e outros conteúdos que ajuda na evolução pessoal do sujeito. “A gente tem muita orientação né, têm livros, jornal, muitos canais digitais e meios para gente conseguir ter uma consulta”, argumenta a moradora.

Ao relembrar um dos encontros que mais marcaram as conexões virtuais Nathalia conta: “a gente teve uma apresentação musical com uma Drag Queen e foi maravilhoso. Ela cantou aquela musica ‘ Como uma deusa’, ela estava toda caracterizada, maquiada, com direito a peruca e tudo, e a gente teve também um teatrinho neste dia, foi bem legal”. Porcelli conclui seu relato reafirmando o quanto esse encontro foi marcante para sua memória afetiva. “Foi um show exclusivo pra gente feito virtualmente, a gente viu pela telinha do computador, mas foi maravilhoso”.

 Desconectados

O organizador do núcleo virtual de crianças e adolescentes da M´Boi Mirim ressalta que uma quantidade significativa de participantes não está habituado com a tecnologia, fazendo com que muitas pessoas desistam de acompanhar os encontros.

“Eles acabam achando que não são capazes de entrar nessa realidade, então acabam ficando de fora, e nosso desafio tem sido não deixar ninguém para trás e estar conectado a essas pessoas”, relata ele, ressaltando suas próprias dificuldades durante as reuniões. “Eu já precisei repetir várias vezes o que falei porque minha internet caiu, meu equipamento não é de última geração ou o mais moderno do mundo, não é raro nas reuniões virtuais desaparecer as imagens de todo mundo, são dificuldades dessa nova realidade contemporânea nesse mundo pandêmico que a gente tá tentando se adaptar”, explica.

Em tom de preocupação com os moradores mais velhos, Mitsunaga destaca o impacto da falta de recursos de letramento digital entre os moradores, como um empecilho para construção de uma metodologia de comunicação virtual humanizada. “A dificuldade de recursos no sentido de termos membros que não possui um computador para poder acessar essa atividade virtual ou não possui um celular que tenha disponibilidade pra baixar um aplicativo, ou tem celular, tem computador e não tem internet que permita essa conexão na atividade ou então pode ter internet ou celular, mas a pessoa não saber manusear, isso também é uma realidade que a gente tá vivenciando principalmente entre os veteranos que não são muito familiarizados com essa dinâmica virtual”, finaliza.

A gente sabe que essas questões de sexualidade e de gênero são assuntos que não são dialogados, que são invisibilizados

Marlon Mitsunaga

Creditos: Tamires Rodrigues

“A gente sabe que essas questões de sexualidade e de gênero são assuntos que não são dialogados, que são invisibilizados , de que pode acontecer fora de casa , com vizinho , amigo , mas dentro da minha casa não ” Relata Marlon sobre apresentação da performance Drag queen no encontro, utilizando essa conexão para trazer assuntos não abordados em lares de famílias periféricas “Trazer isso é muito revolucionário, é trazer pautas silenciadas pro diálogo, entendendo o diálogo como essa principal ferramenta de transformação social ”

E diante disso o jovem relembra o contexto do momento da apresentação “Quem performou foi a tia Frane, foi dois momento um momento ela ser convidada para atividade é participando da atividade , falando as considerações dela a partir dessa atividade ensinada né, e depois ela entende que estava se sentindo como uma deusa e aí começou a performance dessa música ” Relata Marlon , conectando com os ideias que a organização traz “A proposta foi justamente essa de transmitir esse potencial divino que você tem em você e que você pode evidenciar através da sua própria existência”

Mitsunaga Finaliza fazendo uma comparação com o contexto social do sujeito periférico e a prática do budismo , que ensina a refletir sobre a sua existência no território e como ela pode impactar o seu individual “Praticar o budismo é entender justamente como que essas violações de direitos, como que essas possibilidades , e como que essas impossibilidades vão se dando na realidade que eu estou vivenciando aqui e agora” E complementa “hoje com os recursos que a gente tem , a gente já consegue vê essa transformação rolando , quando a gente conseguir se organizar como um todo em pró dessa transformação efetiva e profunda desse lugar aonde a gente tá , eu não tenho dimensão para onde isso vai , de tão grandioso isso , é tão grandioso que me falta palavra “

Celular ajuda jovem com esclerose múltipla a quebrar barreiras na quebrada

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 Atento ao surgimento de aplicativos e funcionalidades nativas do seu smartphone, jovem lida com ruas esburacadas e poucos espaços com acessibilidade para circular em seu território.

Henrique busca apoio as funcionalidades do celular para superar as dificuldades do dia a dia.

Creditos Tamires Rodrigues

 Através do acesso à internet e dispositivos móveis, o jovem Henrique de Oliveira, 27, morador do Parque Maria Alice, zona sul de São Paulo, busca ferramentas para facilitar a acessibilidade a lugares e serviços essenciais da quebrada.

“A esclerose múltipla faz parte da minha vida literalmente, em pé, deitado, tento esquecê-la, mas é difícil pois ela está presente em cada centímetro do meu corpo”, conta Oliveira, afirmando que a doença degenerativa o força a se adaptar constantemente.

“Essa é uma doença degenerativa que progride conforme o tempo, daí em diante minha vida foi se transformando e fui me adaptando aos tratamentos, uma rotina exaustiva, abdiquei do trabalho, a cada dia uma surpresa, então a mudança me define, pois a minha vida é uma eterna metamorfose”, relata ele.

Para organizar melhor sua rotina e manter o sonho vivo pela cura, Oliveira está sempre em busca de informações científicas sobre possíveis tratamentos para a esclerose múltipla. Enquanto a cura não é descoberta, o jovem não mede esforços para encontrar novas tecnologias que possibilitem realizar tarefas do cotidiano com maior facilidade.

“Muitas das coisas que eu faço utilizo o celular, como pagar contas, fazer compras, usar aplicativos de delivery, comunicação e entre outros”, afirma Oliveira, enfatizando que os aplicativos de mobilidade acabam tendo um grande impacto na sua locomoção pela cidade.

Segundo ele, para evitar o trajeto de ir ao ponto de ônibus e pegar conduções lotadas, tendo que muitas vezes que ir em pé, os aplicativos de transporte surgem como grandes aliados para evitar o mau estado do transporte público.

Outro fator que reforça a importância dos apps de transporte é o relevo do seu território, que ele define como uma região montanhosa. “A minha maior dificuldade é a locomoção e por morar em região montanhosa acaba por ser ainda mais complicado. A acessibilidade é ruim, ruas esburacadas, moradores não respeitam calçadas e tomam posse”, aponta Henrique.

Oliveira ressalta que “dependo muito de aplicativos e não sabe como faria se não os tivessem” acessível no seu cotidiano. Ele enfatiza que o uso dos apps é fundamental para sua autonomia. “Sou uma pessoa com comorbidades, diante disso, eu faço uso frequente de apps e mediante as minhas condições tenho que resolver tudo pelo smartphone, do qual noventa por cento consigo solucionar”

“Mesmo diante dessas adversidades, Oliveira destaca que a tecnologia o ajuda a dedicar a maior parte do seu tempo para cuidar do seu bem estar. “Gosto muito de cuidar do meu eu, da minha saúde, fazer musculação, do meu bem-estar psicológico, adoro aprender coisas novas e aperfeiçoar aquilo que já sei”, finaliza.

Gambiologia e a inovação das estratégias periféricas de sobrevivência

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O “jeitinho brasileiro” dito muitas vezes de forma irônica ou pejorativa no dito popular é, na verdade, uma ciência tão potente que sustenta uma parte da cidade em que o direito ao urbano é negado. A gambiarra é a capacidade do improviso diário, de se adaptar às adversidades de um contexto de ausências.

Foto: @Juhnavarzea

A formação dos territórios periféricos se deu a partir do deslocamento de milhares de pessoas, em busca de melhores condições de vida. Seja pela intensa migração do campo para cidade, seja pelos constantes processos de expulsão das áreas centrais, historicamente providas de recursos, às margens da cidade se mantém exclusivamente da sabedoria popular, já que permanecem esquecidas ou mesmo negligenciadas pelos olhos do Estado.

Quem vê São Paulo da ponte pra lá, a cidade mais rica da América Latina, com prédios comerciais espelhados e tecnologia de ponta, nem imagina que toda noite falta “água da rua” na quebrada – isso quando a Sabesp chega! Antes disso, mesmo sem acesso ao ensino formal, o conhecimento sobre o solo é suficiente para abrir um poço e garantir água para muitas famílias. Mas o “b.o” não para por aí, a ineficiência governamental é contínua e se ramifica na escassez de vários outros serviços básicos.

E nós podemos citar muitas coisas: É água, é luz, a internet que não funciona, sacola no pé pra não sujar o tênis pra ir pro trampo, o cuidado com as cria, é o busão que só passa de meia em meia hora, conseguir entrar no trem lotado, é o alimento cada vez mais caro que obriga a dona de casa a eliminar itens da lista de compras, é a rua escura, é a violência… É tanta coisa, que às vezes a gente acaba naturalizando diversas situações pelo simples fato de não ter outra referência: – “Não falta água no final do dia na sua goma?”

O “jeitinho brasileiro” dito muitas vezes de forma irônica ou pejorativa no dito popular é, na verdade, uma ciência tão potente que sustenta uma parte da cidade em que o direito ao urbano é negado. A gambiarra é a capacidade do improviso diário, de se adaptar às adversidades de um contexto de ausências.

Esta gambiologia, diferentemente de outras ciências, é transmitida de forma oral, no contato com o outro, de geração em geração e assim como em outros conhecimentos, é preservado e aperfeiçoado ao longo do tempo. Isto é, além de estratégias para desviar dos problemas, a periferia cada vez mais protagoniza formas de enfrentamento dessa realidade.

Nesse sentido, a oportunidade e o acesso à informação são verdadeiras incubadoras. Conforme pessoas periféricas ocupam os espaços, semeiam novos caminhos para cada um dos nossos. Exemplo disso é o próprio acesso ao ensino superior. Nos últimos anos, com programas como ProUni, SISU e a política de cotas vemos, aos poucos, um ambiente totalmente elitizado se diversificar. Porém, a lacuna entre a escola pública e a universidade ainda é grande e para isso, torna-se necessário um esforço coletivo. Nesse caso, os cursinhos populares se multiplicam pelas margens.

Mas o que isso tem a ver com gambiarra? Ora, gambiarra não é um trabalho feito com peças alternativas perante a falta de algo essencial? Pois bem. Não é segredo pra ninguém a falta de infraestrutura e recursos na educação básica pública. Também são sabidos os altos custos de cursinhos particulares, principalmente pra gente, que às vezes falta grana até pra condução. A escolha de um lugar comum (escola, ocupação, etc) e a união de profissionais voluntários, garante hoje o acesso de milhares de estudantes no ensino superior e, esta entrada, modifica (ainda que lentamente) as estruturas dessa sociedade excludente.

O cursinho popular é apenas um exemplo. Podemos citar aqui os coletivos periféricos artísticos, associações de moradores, mutirões no bairro e muitas outras iniciativas do cotidiano das margens. Desde a lombada feita pelos moradores pra prevenir acidentes até o jogo de futebol que arrecada alimentos na quebrada, são mobilizações populares potentes, mas que não podemos esquecer que cumprem um dever do estado. Sem recursos, com grandes demandas e muitos empecilhos diários. Gambiarra é o que não é o ideal, mas é eficiente.

Isso não quer dizer que estas ações não exerçam esse papel com maestria. Ainda no exemplo dos cursinhos, tais espaços não transmitem apenas conhecimentos sobre vestibular. É ali que muitos jovens vão começar a se engajar e politizar, acessar arte e cultura e encontrar nessa ferramenta uma forma de expressão e, assim, construir um sentimento de pertencimento e comprometimento de florescer transformação em cada canto da quebrada.

Em minha passagem pela Agência Mural de Jornalismo das Periferias, lembro-me de uma fala do Anderson Meneses sobre o trabalho da associação “Nosso principal objetivo é que um dia a Agência Mural não precise mais existir, que o jornalismo seja tão diverso que não seja necessária essa iniciativa”. É sobre isso. A gambiologia é ponte! Que futuramente estejamos criando novas possibilidades de vivência no mundo e não renovando estratégias de sobreviver em uma parte da cidade. Mas ainda assim, como disse Milton Santos: 

“O mundo é formado não apenas pelo que existe, mas pelo que pode efetivamente existir”

Cada ação social, por menor que seja, cria essa realidade. Que isso nos impulsione a continuar!

Nossas histórias escritas por nós: é possível construir novas narrativas na universidade?

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Com a recente entrada de jovens periféricos na universidade novos sonhos começaram a ser possíveis, um caminho que está sendo trilhado e será escrito pelas nossas mãos e que é fruto de muita luta das gerações passadas, é importante que os nossos acessem o ensino superior para que as estruturas mudem, para que possamos erguer os nossos também por meio da universidade junto ao nosso saber popular. 

Reunião de pesquisadores do território e coordenadores da pesquisa.

No ano passado tive a oportunidade de participar de uma pesquisa que envolve diversas universidades como UFABC e FGV, nossa pesquisa foi inteiramente online e se tratava do tema “Vulnerabilidades urbanas e o enfrentamento ao COVID-19 em M’Boi Mirim e região: acesso à informação, prevenções e ações comunitárias” dividida em quatro eixos:

1) serviços públicos
2) estratégias de prevenção ao COVID-19
3) trabalho e renda 
4) redes comunitárias

Cada um deles tinha um coordenador responsável e já gostaria de agradecer a eles inicialmente Peter Spink (FGV), Tiago Matheus (FGV), Lúcio Bittencourt (UFABC), Carla Corrochano (UFSCAR) e Roberth Tavanti (UEL), muito obrigada por abrirem esse espaço e tocarem a pesquisa com tanta escuta!

E nesse “rolê” todo eu não estava sozinha, era um grupo com mais de dez jovens moradores do M’Boi Mirim que tiveram a oportunidade de acessar a universidade e agora estariam pesquisando sobre sua região num momento de desesperança. Lembrar do início da pesquisa já me faz ter diversos sentimentos, nossas dificuldades de acesso a internet, por exemplo, que se refletia num problema de outros jovens que foram entrevistados por mim, essa pesquisa foi repleta de afetividades e histórias.

Quando falávamos em problemas de saúde também estávamos falando dos problemas que nós enfrentamos enquanto moradores, isso tem um peso muito grande pois a universidade sempre foi um lugar distante de nós, um sonho e narrativas que nunca nos contemplaram…

Assim me propus a perguntar, é possível construir novas narrativas? Podemos então narrar nossas histórias? Alguém estará disposto a nos ouvir?

Isso tem tudo a ver com política e com educação, falar em acesso e em lugares de privilégios de narrativa também conta uma história de onde surgimos… um país colônia, um país com resquício de escravidão e que hoje tem 14 milhões de famílias na miséria segundo dados do IBGE.

Com a recente entrada de jovens periféricos na universidade novos sonhos começaram a ser possíveis, um caminho que está sendo trilhado e será escrito pelas nossas mãos e que é fruto de muita luta das gerações passadas, é importante que os nossos acessem o ensino superior para que as estruturas mudem, para que possamos erguer os nossos também por meio da universidade junto ao nosso saber popular.

A luta pela entrada na universidade não começou na minha geração, a partir de muitos projetos como a Rede Ubuntu – Educação Popular foi possível enxergar sob um novo sol a esperança. Em 2017 fui aluna da Ubuntu e naquela época ainda falávamos pouco sobre cursinhos populares, contudo com as políticas de ações afirmativas (como cotas) agora temos uma luta mais firme sobre o acesso à educação superior e também pela manutenção de nós periféricos lá. Na época, olhar para meus professores do cursinho era ver a mim mesma futuramente, eles também eram da região e tinham acessado a universidade então “EU TAMBÉM POSSO, EU VOU”.

Nós ainda duvidamos muito do poder que tem uma imagem somente ou uma frase, mas elas movem gerações e costumes, se inscrever em um vestibular é por si só um processo excludente e difícil, são muitos documentos, são muitos pensamentos que foram construídos em nós, ter alguém como você nessa jornada retira metade desse peso de suas costas. 

Um sonho que jamais terminou

Desde 2017 vi muitos amigos, alunos meus que sonhavam em entrar na universidade realizarem esse sonho, e me orgulho em dizer que uma parte deles estavam comigo nessa pesquisa. Junto a universidade podemos acessar novas formas de cobrar o poder público e assim usar a ciência para a periferia, usar os dados para melhorias.

De fato, o que foi construído nos exclui muitas vezes, mas agora estamos trilhando novos caminhos, é algo que não irá se desfazer, o conhecimento permanece e que ele volte para a periferia, seja via cursinhos populares, professores, políticas públicas, assistência social ou médica. Ele voltará!

Falar dessa pesquisa é importante porque ela desbrava e marca uma nova forma de se fazer ciência e de se olhar a periferia, ela toca em outros olhares para nossos saberes e nossas histórias e é assim que podemos transformar também nossa quebrada!

O sonho que jamais terminou pois ele não se iniciou em mim e nem terminou também, ele continua e está em outros jovens e viverá.

parece óbvio

mas sempre bom lembrar

que no fundo

somos bem mais

do que as telas mostram

Jefferson Santana

Viviane Duarte, do Plano Feminino, revela técnicas de como vender mais no Empreende aí Cast

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Três maneiras de vender mais em qualquer negócio é o tema do oitavo episódio do Empreende aí Cast, que marca o encerramento da primeira temporada do podcast produzido pela escola de negócios da periferia para a periferia.

Neta de vendedora ambulante, Viviane Duarte é a convidada do oitavo episódio do Empreende Aí Cast. Hoje, a jornalista com especialização em marketing atua como CEO do BuzzFeed Brasil e também é fundadora da empresa de consultoria de marketing focada em raça e gênero, a Plano Feminino. Este bate-papo sobre planos e estratégias de vendas faz parte do último episódio da primeira temporada do podcast apresentado por Luís Coelho e Jennifer Rodrigues e está disponível no Spotify e no Youtube.

Neste episódio, Viviane conta que sua experiência como vendedora de loja em shoppings trouxe grandes aprendizados que a destacavam quando começou atuar no mundo corporativo na área de marketing. Além disso, ela conta dicas de habilidades que favorecem as vendas, como a oratória – técnica de falar em público com assertividade e influenciar comportamentos. 

Histórias e saberes compartilhados 

A Empreende Aí (Escola de Negócios da Periferia para Periferia) lança seu primeiro podcast nas plataformas do Spotify e do Youtube, o Empreende Aí Cast. A ideia do formato podcast é compartilhar histórias e saberes para inspirar e auxiliar as mulheres empreendedoras das periferias.

Criada por Luís Coelho e Jennifer Rodrigues, moradores da periferia do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, a Empreende Aí é uma iniciativa que busca motivar pessoas das quebradas na criação de seus negócios e na sua capacitação profissional no mundo do empreendedorismo. Neste conteúdo em formato podcast, a ideia é inspirar quem já pensa em criar seu próprio negócio ou quem deseja aprender como melhorá-lo.

Com mais de cinco anos de atuação, o Empreende Aí já realizou diversos cursos e palestras nas periferias e conta com a parceria do Itaú Mulher Empreendedora e a International Finance Corporation (IFC), organismo do Grupo Banco Mundial, para a realização do Empreende Aí Cast.

Conheça os episódios anteriores: 

Cris Guterres conta suas estratégias para continuar vendendo mesmo em momentos de crise no Empreende aí Cast

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A convidada deste episódio é jornalista, realizadora do podcast Meteora e proprietária de um restaurante na Avenida Paulista e compartilha estratégias e dicas para manter as vendas em momentos de crise

 A convidada do sétimo episódio do Empreende Aí Cast, Cris Guterres, conta com otimismo suas estratégias para manter seus empreendimentos em pé durante o isolamento social imposto para conter a pandemia de Covid-19. Este bate papo faz parte do penúltimo episódio da primeira temporada do podcast apresentado por Luís Coelho e Jennifer Rodrigues e está disponível no Spotify e no Youtube.

O restaurante vem de uma geração onde a gente tem uma mudança no comportamento econômico da população negra. Eu herdei o restaurante dos meus pais. Os meus pais construíram esta história e conseguiram passar isso para mim. A gente sendo negro, o mais comum da gente ouvir das pessoas é que elas é que elas são herdeiras de dívidas, nunca de bens

Cris Guterres

Cris Guterres também é colunista do Uol Universa e da Revista Azminas, além de apresentar o Rio Ethical Fashion, fórum internacional de moda e sustentabilidade.

Mulheres inspiradoras compartilham seus saberes e histórias 

Com o objetivo de auxiliar as empreendedoras das quebradas com histórias inspiradoras de mulheres que criaram o seu próprio negócio e também compartilhar dicas práticas para executarem em seus negócios, a Empreende Aí (Escola de Negócios da Periferia para Periferia) lança seu primeiro podcast nas plataformas do Spotify e do Youtube, o Empreende Aí Cast.

Criado por Luís Coelho e Jennifer Rodrigues, moradores da periferia do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, a Empreende Aí é uma iniciativa que busca motivar pessoas das quebradas na criação de seus negócios e na sua capacitação profissional no mundo do empreendedorismo. Neste conteúdo em formato podcast, a ideia é inspirar quem já pensa em criar seu próprio negócio ou quem deseja aprender como melhorá-lo.

Com mais de cinco anos de atuação, o Empreende Aí já realizou diversos cursos e palestras nas periferias e conta com a parceria do Itaú Mulher Empreendedora e a International Finance Corporation (IFC), organismo do Grupo Banco Mundial, para a realização do Empreende Aí Cast.

Leia também: 

Débora Luz, fundadora do Clube da Preta, conta dicas sobre o Instagram no Empreende aí Cast

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Com mais de 150 mil seguidores em sua rede social, a empreendedora negra do ramo da beleza e da moda conta a trajetória da criação de seu negócio de impacto social

O programa de podcast da escola de negócios da periferia para a periferia, o Empreende aí Cast, convida a empreendedora Débora Luz para um bate-papo sobre como empreendedores podem utilizar o Instagram para aumentar sua rede de seguidores e clientes. Este bate papo faz parte do sexto episódio da primeira temporada do podcast apresentado por Luís Coelho e Jennifer Rodrigues e está disponível no Spotify e no Youtube. 

Eu acredito que trabalhar com rede social, independente de ser na área do empreendedorismo ou não, tem que dedicar um tempo ali para cativar o público e humanizar a relação […]. E uma das principais coisas que você tem que fazer é ter a sua identidade, não querer ficar imitando outras pessoas […]. Traga aquele conteúdo de forma transparente e humanizada, de forma bem feita

Débora Luz

O Clube da Preta é um programa de assinaturas de artigos produzidos por afroempreendedores, com foco na área da beleza e da moda, criado pelo casal Débora Luz e Bruno Brigida. O público do negócio é composto, em sua maioria, de mulheres negras.

Compartilhando histórias de mulheres inspiradoras 

Com o objetivo de auxiliar as empreendedoras das quebradas com histórias inspiradoras de mulheres que criaram o seu próprio negócio e também compartilhar dicas práticas para executarem em seus negócios, a Empreende Aí (Escola de Negócios da Periferia para Periferia) lança seu primeiro podcast nas plataformas do Spotify e do Youtube, o Empreende Aí Cast.

O podcast é um formato de conteúdo por áudio, que vem ganhando força nos últimos anos e se assemelha muito aos antigos programas de rádio. Esta primeira temporada conta com oito episódios, que serão até fevereiro de 2021.

Criado por Luís Coelho e Jennifer Rodrigues, moradores da periferia do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, a Empreende Aí é uma iniciativa que busca motivar pessoas das quebradas na criação de seus negócios e na sua capacitação profissional no mundo do empreendedorismo. Neste conteúdo em formato podcast, a ideia é inspirar quem já pensa em criar seu próprio negócio ou quem deseja aprender como melhorá-lo.

Com mais de cinco anos de atuação, o Empreende Aí já realizou diversos cursos e palestras nas periferias e conta com a parceria do Itaú Mulher Empreendedora e a International Finance Corporation (IFC), organismo do Grupo Banco Mundial, para a realização do Empreende Aí Cast.

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Empresária dos Racionais MC’s, Eliane Dias conta sobre desafios da crise no Empreende Aí Cast – Desenrola e Não Me Enrola

A empresária do mundo da música e empreendedora no setor de moda conta no quarto episódio do podcast sobre as adaptações dos negócios durante a pandemia, além de sua trajetória profissional à frente da Boogie Naipe e da Yebo 

Teste

Linha fina de exemplo..

Conteúdo de exemplo…

Mulheres em Círculo: a experiência de coletivos de mulheres

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Sempre tive muitas mulheres à minha volta. Fui criada pela minha mãe, por amigas da minha mãe, pelas mães de creche e professoras: todas elas me ajudaram na passagem da infância para a adolescência.
Tiemi 2013

Sempre tive muitas mães. Esse sempre foi o meu destino: Mãe Eva Marçal, mãe Sônia Lopes, as mães dos meus namorados e as mães dos meus amigos. Minha conexão com mulheres sempre foi muito forte e para além do meu entendimento.

Eu conheci o feminismo muito cedo por falas da minha professora e amiga Selma Saraiva, ativista social e artista plástica. Entre aprender a beber, fumar e me divertir nas noites da periferia de São Paulo, aprendi a diferença estabelecida entre falar do feminismo e a prática do que deveria ser o comportamento esperado de uma mulher.

Minha primeira luta foi o espaço de fala. Ser ouvida é, sem dúvida, uma das maiores dificuldades na vida de uma mulher. Fui oradora do grêmio estudantil como secundarista e não foi fácil conquistar esse espaço.

Posso dizer que mesmo com todos os ruídos existentes, a apropriação de ideias e a negação do conhecimento presente nessa pequena mulher que aqui relata, eu consegui ser ouvida e reconhecida pelo meu posicionamento em diversos espaços. Eu sabia que a luta contra esse silenciamento fazia parte da luta feminista, mas não dávamos esse nome para o que sempre fez parte da realidade das mulheres periféricas.

O feminismo para mim era branco, falava em outra língua, trazia argumentos fora da realidade, e por isso que até quase os 25 anos eu não fiz parte de nenhum coletivo feminista. Aos 27 anos já havia feito muita coisa – fui atriz, cantora, poeta e mãe -, mas ainda não havia me conectado com algo que considerava fundamental: a mim própria. Tudo que eu lia e conhecia frequentemente me distanciava das minhas próprias experiências, pois a vida é feita de fatos e não de análises, de nada vale se eles não estão conectados. Então fui para a faculdade de sociologia entender como o conhecimento poderia fazer sentido no cotidiano periférico e suas mazelas.

A essa altura eu já fazia parte das estatísticas como mãe solteira, mulher preta e pobre de periferia, e essa constatação estreitou minha relação com o feminismo, pois ele se fazia necessário como base de compreensão para todas as dificuldades que eu enfrentava nesse percurso de mulher universitária e mãe.

Durante esse período me afirmei mais do que nunca como mulher negra, apesar de muitas pessoas terem uma visão embranquecida da minha presença em razão dos meus traços indígenas, assim como minha forma de comunicação – adquirida no movimento social e político – confunde algumas delas sobre a minha classe social. Sempre fugindo dos estereótipos e buscando uma construção de uma auto imagem que me fortalecesse no contexto social público, me vi muitas vezes constrangida, por não ser reconhecida em lugares que para mim sempre foram comuns em minha vida. A construção de um estereótipo de mulher periférica, muitas vezes destrói um espaço de convivência importante para as mulheres.

Durante minha vida acadêmica conheci uma bibliografia imensa sobre mulheres, mas um livro em si mudou minha trajetória: Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide de Cecília Toledo.

Já abastecida de leituras marxistas, esse livro me fez rever e focar absolutamente na mulher e suas questões. Toledo aponta que a mulher passou por diversas situações de opressão no decorrer do tempo, mas que, no entanto, ela não nasceu oprimida ou inferiorizada, mas passou a ser tratada dessa maneira, e que essa relação esteve relacionada, direta ou indiretamente, à divisão social do trabalho.

A partir daí percebi que a submissão da mulher não é natural, porque naturalizamos esse estado de coisas que vêm de nossos parceiros, de nossos patrões e todo e qualquer homem que se vê na disputa de espaço social. É importante destacar que minha vida se fez no movimento social e cultural, mas mesmo nesses espaços a construção da masculinidade está, até hoje, envolta de um machismo velado pela amplitude da arte e das necessidades sociais -, como saúde e habitação. Apesar de as grandes líderes desses movimentos serem mulheres, muitas vezes homens se apropriam dessas lutas se tornando destaque nesses movimentos.

Toledo fala sobre a questão da pobreza e as piores condições de vida da mulher negra, mas também fala sobre suas lutas. A mulher negra naturalizou a luta como parte da sua vida, pois ser mulher é lutar o tempo todo pela sua sobrevivência e de sua família, sendo difícil aí identificar esse cotidiano de luta com as bandeiras feministas, tornando esse movimento estranho às ações que ela realiza cotidianamente e seus espaços de conquista.

A permanência na Universidade foi um tempo de maturação, leitura e conhecimento, muita troca e reações diante do machismo presente, mas somente em 2012, quando retornei à periferia, comecei realmente a pensar atuações que possibilitassem a formação política e de gênero na quebrada.

Uma coisa é fato: não é fácil pensar sobre emancipação feminina quando nós mesmas estamos engendradas nessas amarras – relacionamentos, trabalhos, filhos, a vida em movimento – enquanto estamos refletindo sobre o que significa de fato poder ser quem somos e conquistar espaços, sem que isso de certa forma, se torne um conflito em nossa própria narrativa.

A liberdade é frágil e precisa ser protegida. Sacrificá-la mesmo como medida temporária, é traí-la. Como, então, agir em um contexto onde a vida vivida nos envolve constantemente no machismo? Eu ainda não sei, mas descobri em 2015 que estar constantemente entre mulheres nos livra de diversas amarras e promove um processo de cura importante.

Em 2013, criamos o coletivo Katu junto a professores da região, atuando em escolas públicas na formação política de jovens do ensino médio: uma estratégia de conversar com os jovens sobre as convenções políticas existentes, gênero, cultura e sexualidade que, sem dúvida, é um tema que sempre surgirá se em uma roda de jovens pedirmos que eles sugiram temas para um debate.

Por meio desse coletivo conheci mulheres que também continham em seu discurso ideias e práticas feministas em âmbito periférico: Alessandra Tavares, Jenyffer Nascimento, Mariana Brito, Carla Arailda, Danielle Regina, Daniela Braga, Dandara Kuntê, entre tantas outras.

Temos outras histórias de encontro, claro: foram outros debates, mesas, encontros e comemorações dentro do espaço da cultura e do movimento social. Mas entre esses encontros nasceu uma ação feminista que levava em conta nossas particularidades territoriais, étnicas e econômicas. Não foi o primeiro lugar da cidade em que essa discussão se dava, seria impossível, sem um estudo qualificado, historiografar esse movimento, mas afirmo que ele veio com força reanimando o movimento feminista nas periferias.

Em 8 março de 2015, nasceu o encontro de mulheres Periferia Segue Sangrando, a partir da reflexão de uma música do Rapper GOG e das ações da grafiteira e artista plástica Carolina Teixeira, que pintava úteros pela cidade. Realizamos um encontro onde reunimos mulheres da periferia sul em círculo para falar das nossas mazelas e realizar um processo de cura coletivo.

Com base nos círculos restaurativos e sua metodologia potente no trabalho dos impactos da violência na subjetividade, que trabalha por meio de vivência o mergulho em sua própria história, os danos que violências vividas ainda nos provocam e nos afetam em relação aos outros e, principalmente, em nossa atuação como mulheres livres. Dores essas visíveis e invisíveis que trazemos como marcas em nossos corpos físicos e metafísicos, pois, nossas ancestrais também viveram trajetórias marcadas pela dor. O racismo, elemento da escravidão, e o machismo e o preconceito de gênero nos atravessam historicamente e elaboram esse imaginário do medo da liberdade que se confunde com a impossibilidade de viver plenamente como mulher.

Esse encontro foi um marco no meu imaginário de feminismo, pois nunca havia participado de algo tão completo, belo e extravagante. Mulheres de diversas partes e contextos diferentes em círculo, com uma peça de fala (instrumento utilizado como mediador de fala, quem está com a peça está com a palavra, até que se esgote sua fala e ela passe a peça para outra mulher), falando de suas histórias e trajetórias. Entre dores e alegrias, nós, entre outras, compartilhamos ali a importância de nossas histórias para a elaboração de nossas vidas.

Sem dúvida aquele círculo me curou de tantas formas que não cabem em palavras, mas uma coisa é fato: descobri ali que a fala sobre a importância da luta da mulher contra o machismo e as diversas formas de opressão que se apresentam em nossas caminhadas se dá por meio da escuta e do compartilhamento.

Esse foi um momento em que na periferia Sul diversos coletivos feministas começaram a existir. A Coletiva Fala Guerreira estabeleceu um curso de comunicadoras, reuniu mulheres de diversos cantos da cidade na Associação Cultural Bloco do Beco no Jardim Ibirapuera, sede ainda hoje de diversas ações feministas da Zona Sul. Desse curso nasceu a revista Fala Guerreira que, com seis exemplares, trouxe diversas mulheres na produção de textos sobre a mulher no contexto periférico, além de debates e ações relevantes.

Ainda outras surgiram como as coletivas Camomilas, Mulheres Negras, Audácia, entre diversas outras espalhadas pela cidade – elas surgiram. Ou ressurgiram, em um contexto mais denso da discussão de um feminismo periférico. Grupos artísticos como a Capulanas – Cia de arte negra compostos por mulheres, têm em sua produção artística a mulher negra e a diáspora, que já existia, mas que nesse contexto de descobrimento da importância dos coletivos de mulheres se apresenta com uma potência nas narrativas ligadas à ancestralidade negra e sua importância no feminismo periférico.

Ficamos fortes, eu fiquei forte, e o debate de gênero, quente, em um contexto nacional. Rodas e mais rodas de debate e formação de gênero surgiram, e mais e mais se estabelece uma conexão com as mulheres, suas histórias e trajetórias.

Eu aprendi muito no círculo de mulheres, aprendi que minha vida na periferia de São Paulo tem importância em um contexto geral para a reflexão da mulher periférica. 

“Sabedoria de mãe, sua cabeça seu guia, ela me dizia entre conversas sobre o futuro e minha covardia.

Bebi muita água de mina, me banhei, brinquei, comunguei com ela as vozes que me seguiam. Meu berço mina da Monte Azul, sem intender vivi em torno da água quase que uma vida, água morta dos córregos, água viva da mina.

Essa água fez a menina…. Ah se eu soubesse o que sei hoje, teria feito daquela mina minha morada. Mas eu sentia de outra forma com meu baldinho de idas e vindas, sentia tristeza da minha pobreza, vergonha não, isso nunca foi servido lá em casa em nenhuma mesa.

Eu cresci em comunidade de verdade, muitas mãos para forjar essa menina, mães de creche, crianças, amigos e a mina.”

Anabela Gonçalves

Aqui se estabelece uma narrativa existente nos círculos de mulheres, não estou aqui tentando conjecturar dentro de uma análise intelectual a importância desses encontros, mas que vejam a partir de mim a importância de transformação da linguagem e da fala no processo de alinhamento da luta feminina.

Sem dúvida quando falo de mim, tenho que recorrer a um dos temas mais perturbadores na vida de uma feminista hétero: relacionamentos afetivos, amorosos e sexuais na contemporaneidade e suas amarras na manutenção do machismo e do capitalismo como normas sociais.

Em dúvida sempre, será que essa discussão se refere ao sexo ou a construção de uma masculinidade machista que pode reverberar em qualquer dos corpos que se relacionem? Sabemos que essa masculinidade machista tem se manifestado em corpos masculinos, sujeitando mulheres a relacionamentos privativos, violentos e torturantes, e eu não fugi a essa regra terrível, mas os círculos me fortaleceram para sair desses processos, olhando para o que era meu, o que era do outro e como as estruturas sociais alimentavam essas relações. Hoje o amor não é mais casar, mas também é casar, não é mais alianças, mas também é alianças, entre outros comportamentos patriarcais equivalentes, o que melhora nossa situação é a possibilidade.

Como não nos intoxicar com as velhas inflamações patriarcais que atrasam nossas conquistas pessoais, independente de gênero ou orientação? Tudo isso faz parte de uma grande e velha construção sobre nossas vidas. Hoje somos “Marias que vai com as outras”, estamos organizadas em pautas de extrema relevância para o presente, o passado e o futuro, resolvendo inflamações ancestrais que tiram de nós o peso de um passado de silenciamento e violência, tornando possível a fala de nossas ancestrais reverberar em nossas falas, mesmo lidando com o silenciamento e a violência constantemente.

Mas uma questão presente sempre fica: como regular o amor politicamente? 

Bem, hoje não estamos mais sozinhas para pensar sobre nossas relações, sendo elas heterossexuais ou não, sendo elas monogâmicas ou não. As mulheres e seus estudos, nos trouxeram a possibilidade de saber que nada é natural, tudo é uma construção, e como tal pode ser demolido.

Quando falamos dos círculos de mulheres aqui da periferia Sul de São Paulo, ainda em um recorte menor, da minha periferia sul, Jardim São Luís, Jardim Ângela e Capão Redondo, estamos falando de mulheres negras, mesmo com o relativismo estabelecido pelo colorismo, nós nos reconhecemos, também e ainda mais, pelas condições materiais de empobrecimento que vivemos. Por meio desse reconhecimento temos nos inspirado em nossa diáspora para reafirmar a importância das organizações femininas, não só em um contexto ocidental, por meio das lutas do movimento feminista organizado, também composto historicamente por mulheres negras em nosso país.

Em 1983, quando o governador de São Paulo, Franco Montoro, nomeou 30 conselheiras, todas elas brancas, para o Conselho Estadual da Condição Feminina – CECF (o primeiro conselho governamental dos direitos das mulheres e que inspirou todos os demais criados no Brasil), desencadeou-se um processo de mobilização de mulheres militantes do movimento negro paulista, tendo como resultado a criação do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo. Sua mobilização fez com que duas mulheres fossem nomeadas para compor o CECF.

Em 1984, realizou-se o 1º Encontro Estadual de Mulheres Negras, que discutiu, entre outros temas, as relações entre homens negros e mulheres brancas, a violência, a participação política, a estética, o mercado de trabalho, a educação, a mídia e a religião. Em 1988, ano comemorativo do centenário da Abolição da Escravatura, surgiu oficialmente o movimento das mulheres negras do Brasil, surge o Fala Preta e o Gueledés, grupos que inspiram nossas ações até hoje.

Em nosso contexto ancestral africano temos duas associações femininas importantes: Ialodê era uma associação feminina cujo nome significa “senhora encarregada dos negócios públicos”. Sua dirigente tinha lugar no conselho supremo dos chefes urbanos e era considerada uma alta funcionária do Estado, responsável pelas questões femininas, representando especialmente, os interesses das comerciantes. 

Enquanto a Ialodê se encarregava da troca de bens materiais, a sociedade Gueledé era uma associação mais próxima da troca de bens simbólicos. Sua visibilidade advinha dos rituais de propiciação à fertilidade e fecundidade – aspectos importantes do poder especificamente feminino.

Nesse contexto temos nossas Ialodês e nossas Gueledés. Acredito que os círculos femininos são em forma nossos Gueledés, formas de encontro que nos remetem a nossa ancestralidade e formas de cultivar a vida dentro do sistema ocidental de forma alternativa, com processos de cura, religare com nossas heranças ancestrais e retomada da força feminina existente em nossa história.

“Conta-se que logo que o mundo foi criado, todos os orixás vieram para a terra e começaram a tomar decisões e dividir encargos entre eles, em conciliábulos nos quais somente os homens podiam participar.

Osun não se conformava com essa situação. Ressentida pela exclusão, ela vingou-se dos orixás masculinos. Condenou todas as mulheres à infertilidade, de sorte que qualquer iniciativa masculina no sentido da fertilidade era fadada ao fracasso.

Por isso os homens foram consultar Olodumare.

Olodumare soube que Osun fora excluída das reuniões, ele aconselhou os orixás a convidá-la, e às outras mulheres, pois sem Osun e seu poder sobre a fecundidade, nada poderia ir adiante.

Os orixás seguiram os sábios conselhos de Olodumare, e assim suas iniciativas voltaram a ter sucesso. As mulheres voltaram a gerar filhos e a vida na terra prosperou.”

Prandi, Reginaldo, 2001

Esse Itan (lenda) já nos aponta nosso poder mítico ancestral para as lutas que temos que travar cotidianamente. Todas as mulheres que eu conheci são lutadoras em seu universo. Minha mãe saiu muito jovem de sua terra natal, Vitória da Conquista – Bahia, rumo a São Paulo. Após a morte de minha avó, viu sua família ser desmembrada pelo meu avô que deu todos os filhos para que outros criassem, e nesse contexto ela veio para São Paulo com uma família para trabalhar sem remuneração por comida e teto.

Após anos nessa situação, fugiu dessa casa deixando para trás tudo que tinha, inclusive seus documentos que estavam em poder da patroa. Retirou novos documentos em São Paulo e se deu o nome de Maria Gonçalves Vaz, criado por ela, pois não sabia seu nome de cor e assim recriou sua trajetória. Carrego meu sobrenome com orgulho, pois é símbolo da reconstrução de uma vida longe da escravidão domiciliar que muitas mulheres da geração da minha mãe e da minha vó passaram para sobreviver em um sistema de privilégios.

Minha mãe faleceu aos 65 anos por conta da hipertensão e obesidade que estiveram sempre presentes em sua trajetória por situações traumatizantes vividas e pelo estado de humilhação social constante, por ser uma mulher negra, pobre, nordestina e com desfalques em sua alfabetização. Nesse sentido, ela foi vítima de uma vulnerabilidade psicossomática que provém da exposição excessiva a tensões que têm origem na constante e histórica negativa de direitos sociais nas periferias.

Essa narrativa, assim como outras, só é possível por meio dos círculos de mulheres. Histórias que trazem para o contexto da problematização trajetórias inteiras contra o abuso sistemático da força de trabalho feminina.

A narrativa, sem dúvida, por si só já é suficiente: uma regra dos círculos é não analisar, nem tentar justificar ou contextualizar a história das mulheres. Tudo que se passa no círculo fica no círculo, não pode ser revelado ou discutido depois. É um exercício de escuta e acolhimento em primeira pessoa, eu relato somente o que eu vivi, a partir de mim, sem julgamentos.

Esse é o caminho, entre tantas ideias de autocuidado, o círculo de mulheres se mostra para mim um espaço de cura e resistência, ele não precisa de muito para acontecer, basta um grupo de mulheres dispostas a discutir sua realidade e suas contradições com uma escuta ativa, e no sentido de esvaziarem-se para que caiba novas noções de si, um novo olhar, sem o constrangimento de se adequar às questões ideológicas postas na sociedade, mas convictas de que não estamos em disputa, mas em construção de um espaço de compreensão e de possibilidade de sermos quem somos em uma constante de transformações.

Aqui eu fecho meu depoimento e vivência e passo a peça de fala para todas que estão em busca de formas de organização feminina. Possivelmente você já está rodeada de mulheres, mães, avós, amigas, tias. Façam circular as vivências e trajetórias, moldando em si mesmas a possibilidade de resignação e transformação as adversidades que encontramos para existir nessa sociedade que muitas vezes demonstra um ódio desmedido sobre nossa existência.

Seguimos sangrando!

Bololo pá pá pá: fim de ano na quebrada e as múltiplas famílias

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O Natal desse ano vai ser bem esquisito, mas nem por isso a quebrada deixa de comemorar. Ao invés de ir para rua, ver a família, se aglomerar do jeito que a quebrada gosta, que tal se unir com os seus em casa mesmo e pedir por um 2021 sem coronavírus?

Morro do Parque Taipas. Foto: Trilha Favela

Tira o escapamento. Gruda um gorro de papai noel no capacete. Essa imagem anuncia: é natal na quebrada. Famílias, temos várias: a de sangue, da igreja, do futebol, do rolê… A dos motocas de natal também é uma. O motivo de tirar o escapamento e fazer barulho? Eu não sei. Celebrar talvez? É *pá pá pá* no céu e no asfalto. No céu, rápido e colorido. No asfalto, como um raio, mas com rodas. 

“Cuidado ao atravessar a rua! Só tem motoqueiro doido hoje”. 

É Natal, minha senhora! Dia de colocar roupa nova para ficar sentado no sofá da sala; dia de comer um frango que só aparece nessa época do ano e depois vira farofa até janeiro; dia de celebrar. A noite natalina é mágica, mas mágica mesmo é o que nossa família consegue fazer o ano todo por nós, sempre na correria, para colocar comida na mesa e ainda no fim de ano comprar aquele presentão para as crianças.

Neste ano, tudo foi diferente. Seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, a distância é fundamental para que não haja contágio. Quebrada sem aglomerar? Difícil… Mas continuamos tentando. Nada de receber visitas em casa, hein? Até o “bom velhinho” não saiu do Polo Norte neste ano. Vai ficar por conta dos motoqueiros natalinos a festa mesmo…

No Ano Novo é a mesma coisa! Evite a muvuca da praia, que a gente sabe que é legal, mas dessa vez não tem como. Curta a virada de boa, na manha. Coloque a mão na consciência e comemore com quem está do lado. Deixe as intrigas para lá, e troque o abraço por um brinde com os copos de requeijão mesmo e faça o pedido que mais será feito ao universo: um 2021 sem pandemia.

Feliz Natal e feliz Ano Novo, quebrada! Tudo que nóiz tem é nóiz!