OPINIÃO

Nossas histórias escritas por nós: é possível construir novas narrativas na universidade?

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Com a recente entrada de jovens periféricos na universidade novos sonhos começaram a ser possíveis, um caminho que está sendo trilhado e será escrito pelas nossas mãos e que é fruto de muita luta das gerações passadas, é importante que os nossos acessem o ensino superior para que as estruturas mudem, para que possamos erguer os nossos também por meio da universidade junto ao nosso saber popular. 

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Reunião de pesquisadores do território e coordenadores da pesquisa.

No ano passado tive a oportunidade de participar de uma pesquisa que envolve diversas universidades como UFABC e FGV, nossa pesquisa foi inteiramente online e se tratava do tema “Vulnerabilidades urbanas e o enfrentamento ao COVID-19 em M’Boi Mirim e região: acesso à informação, prevenções e ações comunitárias” dividida em quatro eixos:

1) serviços públicos
2) estratégias de prevenção ao COVID-19
3) trabalho e renda 
4) redes comunitárias

Cada um deles tinha um coordenador responsável e já gostaria de agradecer a eles inicialmente Peter Spink (FGV), Tiago Matheus (FGV), Lúcio Bittencourt (UFABC), Carla Corrochano (UFSCAR) e Roberth Tavanti (UEL), muito obrigada por abrirem esse espaço e tocarem a pesquisa com tanta escuta!

E nesse “rolê” todo eu não estava sozinha, era um grupo com mais de dez jovens moradores do M’Boi Mirim que tiveram a oportunidade de acessar a universidade e agora estariam pesquisando sobre sua região num momento de desesperança. Lembrar do início da pesquisa já me faz ter diversos sentimentos, nossas dificuldades de acesso a internet, por exemplo, que se refletia num problema de outros jovens que foram entrevistados por mim, essa pesquisa foi repleta de afetividades e histórias.

Quando falávamos em problemas de saúde também estávamos falando dos problemas que nós enfrentamos enquanto moradores, isso tem um peso muito grande pois a universidade sempre foi um lugar distante de nós, um sonho e narrativas que nunca nos contemplaram…

Assim me propus a perguntar, é possível construir novas narrativas? Podemos então narrar nossas histórias? Alguém estará disposto a nos ouvir?

Isso tem tudo a ver com política e com educação, falar em acesso e em lugares de privilégios de narrativa também conta uma história de onde surgimos… um país colônia, um país com resquício de escravidão e que hoje tem 14 milhões de famílias na miséria segundo dados do IBGE.

Com a recente entrada de jovens periféricos na universidade novos sonhos começaram a ser possíveis, um caminho que está sendo trilhado e será escrito pelas nossas mãos e que é fruto de muita luta das gerações passadas, é importante que os nossos acessem o ensino superior para que as estruturas mudem, para que possamos erguer os nossos também por meio da universidade junto ao nosso saber popular.

A luta pela entrada na universidade não começou na minha geração, a partir de muitos projetos como a Rede Ubuntu – Educação Popular foi possível enxergar sob um novo sol a esperança. Em 2017 fui aluna da Ubuntu e naquela época ainda falávamos pouco sobre cursinhos populares, contudo com as políticas de ações afirmativas (como cotas) agora temos uma luta mais firme sobre o acesso à educação superior e também pela manutenção de nós periféricos lá. Na época, olhar para meus professores do cursinho era ver a mim mesma futuramente, eles também eram da região e tinham acessado a universidade então “EU TAMBÉM POSSO, EU VOU”.

Nós ainda duvidamos muito do poder que tem uma imagem somente ou uma frase, mas elas movem gerações e costumes, se inscrever em um vestibular é por si só um processo excludente e difícil, são muitos documentos, são muitos pensamentos que foram construídos em nós, ter alguém como você nessa jornada retira metade desse peso de suas costas. 

Um sonho que jamais terminou

Desde 2017 vi muitos amigos, alunos meus que sonhavam em entrar na universidade realizarem esse sonho, e me orgulho em dizer que uma parte deles estavam comigo nessa pesquisa. Junto a universidade podemos acessar novas formas de cobrar o poder público e assim usar a ciência para a periferia, usar os dados para melhorias.

De fato, o que foi construído nos exclui muitas vezes, mas agora estamos trilhando novos caminhos, é algo que não irá se desfazer, o conhecimento permanece e que ele volte para a periferia, seja via cursinhos populares, professores, políticas públicas, assistência social ou médica. Ele voltará!

Falar dessa pesquisa é importante porque ela desbrava e marca uma nova forma de se fazer ciência e de se olhar a periferia, ela toca em outros olhares para nossos saberes e nossas histórias e é assim que podemos transformar também nossa quebrada!

O sonho que jamais terminou pois ele não se iniciou em mim e nem terminou também, ele continua e está em outros jovens e viverá.

parece óbvio

mas sempre bom lembrar

que no fundo

somos bem mais

do que as telas mostram

Jefferson Santana

Autor

1 COMENTÁRIO

  1. Como uma mulher preta,periférica e mãe me sinto esperançosa ao ler esse artigo e ver o quanto jovens como a Agnes tém ousado vôo através das oportunidades encontradas. Parabéns a todos do Desenrola !

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