Fomentar uma educação reflexiva e popular, e proporcionar condições para que jovens das periferias ingressem no ensino superior, são alguns dos objetivos dos cursinhos populares, na formação e preparação da juventude preta e periférica para o vestibular e Enem. O Você Repórter da Periferia foi até o polo Santo Dias, da Rede Ubuntu, localizado no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, para acompanhar um dia de atividades do cursinho, formado por professores e voluntários que atuam em prol da educação popular.
Confira a videorreportagem produzida pelos alunos da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática antirracista promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola.
Em uma sociedade moldada pela monogamia como norma, a psicóloga Dejanira Oliveira, formada em cannabis medicinal pela Unifesp e em direitos humanos através da Anistia Internacional, explica em entrevista ao Desenrola Aí o conceito da não-monogamia e destaca como a sociedade ainda enfrenta tabus relacionados a essa abordagem.
Dejanira também esclarece como essas diferentes formas de relacionamento desafiam as normas convencionais e ressalta a influência da colonização em nossa percepção de cultura de se relacionar.
É importante frisar que nós somos um país, um país colonizado por europeus. Então, essa questão da colonização, ela interfere muito no que nós consideramos a cultura que é válida, percebe esse lugar? Então, assim, se você olhar a história aí do nosso país, antropólogos falando sobre o assunto, eles vão dizer que os povos indígenas já tinham relações poliamorosas. Óbvio que assim também tinha a monogamia, mas não com esses nomes. Esses eles vão sendo dados por quem colonizou […] nós somos todas e todos livres para amar. Então vamos aproveitar esse lugar e quebrar os preconceitos.
Dejanira Oliveira, psicóloga.
Psicóloga, Dejanira Oliveira e a jornalista, Thais Siqueira durante gravação do programa, Desenrola Aí. Foto: Maxuel Mello/Outubro de 2023.
Sobre o Desenrola Aí
O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa segunda temporada vamos abordar sobre Descontruir Tabus: corpo e sexualidade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.
Lançado em agosto de 2023, o documentário “Trajetos y Afetos” narra a trajetória de mulheres nordestinas que migraram e que hoje moram nas periferias de São Paulo. Destacando a ligação entre elas e seus territórios de origem, o documentário evidencia a construção de afetos a partir da música, da gastronomia e da costura.
Cenário utilizado em parte das cenas gravadas para o documentário “Trajetos y Afetos”. Foto de Nathalia Ract.
O documentário, produzido pelo coletivo Curvas Produções, que é formado por pessoas LGBTQIAP+, filhas de migrantes nordestinas e moradoras das periferias de São Paulo, está sendo exibido em diversos espaços de cultura e educação. O trailer está disponível no youtube e a agenda de exibição é divulgada nas redes do coletivo.
“A ideia partiu de inquietações de criar novas formas de registro de memórias e reconhecimento de identidades culturais das mulheres que constroem a cidade de São Paulo, e que encontram em suas movimentações formas de sobreviver e manter viva sua trajetória”.
Curvas Produções, coletivo realizador do documentário “Trajetos y Afetos”
Desde a migração de diferentes estados do nordeste até as periferias das zonas norte, sul, leste e oeste de São Paulo, o filme registra a história de 4 mulheres – Noemia Oliveira, Shirlayne Kelly, Silene Ferreira e Valdirene Rodrigues – que exercem atividades que as unem a um resgate histórico do território de onde vieram, mantendo viva em São Paulo a sua origem e ancestralidade.
A alimentação, a costura e a música são elementos de ligação entre as mulheres migrantes e seus territórios de origem. Foto de Nathalia Ract.
“Não é de hoje e não vai acabar agora, vamos invadir teus discursos, recriar nossas memórias”. Foi com versos como esse, da canção “Contrato Assinado”, que Jaísa Caldas, artista piauiense, abriu a Jornada das Pretas 2023. A iniciativa, que está na 3ª edição, é uma realização da Oxfam Brasil em parceria com o Instituto Alziras, Mulheres Negras Decidem e o Instituto Marielle Franco.
O primeiro encontro da iniciativa ocorreu na manhã do dia 07 de outubro, online, e reuniu 37 mulheres de vários estados do Brasil envolvidas e atuantes na política nacional, para trocarem experiências e dialogarem sobre o Fundo Eleitoral, tema central do primeiro encontro. A Jornada continua nos dias 21 e 28 de outubro.
“São mulheres negras de todo o Brasil, trans, cis e travestis, que desejam fortalecer as suas agendas políticas, que desejam um espaço seguro e fortalecedor para falar sobre participação política de mulheres negras”, menciona Bárbara Barboza, coordenadora da área de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil.
Iasmin Barros, representante do Mulheres Negras Decidem, fala como o movimento se relaciona enquanto parceiro da Jornada, e menciona o objetivo geral da iniciativa. “Tentamos qualificar e promover agendas lideradas por mulheres negras buscando fortalecer a democracia e acreditamos que esses espaços de formação são fundamentais para que isso aconteça”, coloca.
“A gente sabe o quanto é difícil mulheres negras chegarem na política e aqui a gente vai tentar desmontar essas barreiras, tanto com a formação política, mas também com acolhimento”
Iasmin Barros, representante do Mulheres Negras Decidem.
O encontro, que teve como temática central o Fundo Eleitoral e como garantir o cumprimento da lei eleitoral no que se refere às cotas para as mulheres negras, contou com a participação de diversas mulheres que atuam no tema, como Mônica Oliveira, integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e facilitadora da Jornada das Pretas, além das convidadas Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc); Tauá Pires, diretora do Instituto Alziras, e Estela Bezerra, assessora especial de articulação interministerial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que também foi deputada estadual com mandatos entre 2015 a 2022.
LINHA DO TEMPO
Antonieta de Barros, Luiza Bairros, Beatriz Nascimento, Benedita da Silva, Creuza Oliveira, Marielle Franco e outras mulheres negras, atuantes na política, foram lembradas e tiveram suas falas citadas no vídeo intitulado Mulheres Negras – Consciência Negra, apresentado por Carmela Zigoni, antes do início de sua fala, referenciando mulheres que lutaram e abriram caminhos na política para outras mulheres negras.
Assim como outras convidadas, Carmela traçou uma linha do tempo para apresentar a trajetória com os principais pontos sobre o Fundo Eleitoral. “Foi em 2014 que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a pedir a declaração de raça, cor, segundo as categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para as candidaturas, e isso é um marco importante, porque é a partir dessa estatística que a gente começa a dar conta de pedir mais direitos nos processos eleitorais, maior democratização e institucionalidade”, menciona Carmela.
Tauá Pires, relembrou que em 2015, aconteceu uma reforma política que proibiu o financiamento de campanhas por empresas. “E aí vem esse debate sobre ter um fundo público que permita o financiamento de campanhas e a gente vai ver o quanto isso é importante para o aprofundamento da democracia e para a participação de mulheres negras”.
O que é o Fundo Eleitoral? Exclusivo para o financiamento de campanhas, é um recurso distribuído para os partidos apenas no ano de eleição. A definição do fundo eleitoral é feita pela LOA (Lei Orçamentária Anual) e ele é transferido pelo Tesouro Nacional para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conforme explicou Tauá durante o encontro.
Na eleição de 2016, para cargos de vereança e Prefeituras, Carmela menciona que foi fixada a regra dos 30% de cotas para as mulheres. “Mas ainda não tinha uma regra específica para o financiamento de campanhas. Menos de 1% das candidaturas de mulheres negras nesse pleito, e menos de 0,1% de declaradas pretas”, conta.
Em 2018, uma nova regra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu que os partidos deveriam repassar 30% dos recursos do fundo especial de financiamento de campanha para as candidaturas de mulheres.
Tauá, Carmela e Estela relembraram a importância de Benedita da Silva, que atualmente é deputada federal e referência no que diz respeito às conquistas de espaços e direitos de mulheres negras na política. Junto aos movimentos negros, em 2020, Benedita fez com que fosse direcionada uma parte do fundo eleitoral para as candidaturas de mulheres e pessoas negras, conforme a proporcionalidade total dessas candidaturas no partido.
“Benedita realizou uma consulta ao TSE em 2019 e o TSE acatou a aplicação, mas para eleição de 2022. E aí o STF interferiu e determinou que [a decisão] já seria para eleição de 2020”, relata Carmela. Segundo a assessora política do Inesc, os partidos, por sua vez, alegavam não saber como aplicar a sobreposição de cotas de mulheres e de pessoas negras, o que gerou uma desigualdade ainda mais acentuada nas candidaturas.
Carmela aponta que enquanto o recurso para as pessoas brancas foi liberado no primeiro dia de candidatura, o de mulheres e pessoas negras demorou cerca de 15 dias para ser repassado, o que é um prejuízo significativo, considerando o tempo de campanha de 45 dias para o primeiro turno.
“Mesmo com essa identificação do problema que se deu internamente nos partidos para fazer o repasse, os partidos entraram com uma PEC, um Projeto de Emenda Constitucional, para anistiar os partidos, ou seja, para perdoar os partidos que não tinham feito repasse corretamente e foi aprovado”, conta Carmela sobre os desdobramentos que ocorreram após as eleições de 2020.
Em sua fala, Carmela menciona também que houve a tentativa de implementar uma minirreforma eleitoral, que não foi aprovada, e portanto, não vale para a próxima eleição. Mas ela pontua o que estava em jogo nessa proposta.
“A cota seria por coligação e não por partido, teria uma redução de 20% dos recursos para mulheres e pessoas negras. Os recursos para mulheres poderiam ser utilizados por candidaturas de homens. Essa minirreforma favoreceria partidos maiores”, conta Carmela, demonstrando que direitos conquistados ainda não são garantias e seguem em disputa.
Com falas complementares que apresentavam perspectivas e acontecimentos relacionados ao fundo eleitoral, as convidadas mencionaram que ter acesso aos dados, conhecimento sobre como os partidos políticos funcionam, se articular em coletivo para os enfrentamentos de disputas, construções dentro e fora dos partidos e manter-se informadas são estratégias fundamentais para as mulheres que querem ser eleitas. “A gente tem que ter conhecimento para poder viabilizar as nossas candidaturas”, aponta Estela.
COTA DO FUNDO ELEITORAL PARA MULHERES NEGRAS
Ao longo do encontro, as participantes puderam expor suas questões e experiências a partir de algumas perguntas orientadoras acerca dos desafios para acessar o Fundo Eleitoral. Algumas participantes compartilham os mesmos desafios em sua atuação, como a insatisfação de se sentirem usadas apenas para a garantia de um coeficiente da legenda do partido na obtenção de recursos.
“Há uma falta de responsabilidade com a candidatura das mulheres. Porque os partidos políticos nos querem candidatas, mas eles não nos querem eleitas. Eles precisam da cota de mulheres para poder garantir a [campanha] de homens, mas eles não dão condições para que a gente vá para uma disputa de igualdade, para que a gente minimamente consiga ter uma votação expressiva”, aponta Ana Cleia Kika, liderança da região Norte e que vem refletindo sobre a sua experiência como mulher negras acessando os recursos do fundo eleitoral.
Foi em 2020, quando se candidatou pela primeira vez, concorrendo ao cargo de vereadora e passou a participar da Jornada das Pretas, que Kika pôde entender melhor como tudo isso funcionava na prática.
“Não temos as mesmas condições que os homens brancos têm dentro dos partidos, de ter apoio político, mas foi através dos movimentos sociais, através da Jornada das Pretas, do Estamos Prontas que está ligado ao Instituto Marielle Franco e outras organizações, que eu vim entender como que os partidos políticos funcionam”
Ana Cleia Kika
Ainda durante o encontro, Tauá apresentou dados sobre as desigualdades entre os financiamentos de campanhas. “Segue sendo muito determinante a questão do autofinanciamento. Ou seja, pessoas ricas, que já estão na política tradicionalmente, muitas vezes são filhos, netos, pessoas que se perpetuam na política e conseguem fazer o autofinanciamento da campanha”.
Tauá aponta que existe um limite de 10% do teto previsto para cada cargo em disputa. Mas, segundo ela, os candidatos investem em média 36,3 milhões em dinheiro do próprio bolso para campanha. “Quais mulheres negras têm recursos próprios para poder fazer um auto financiamento?”, questiona a diretora do Instituto Alziras.
Durante o encontro, com base na pesquisa realizada pelo Inesc, Carmela comentou sobre a diferenciação de financiamentos conforme classe social, gênero e raça. “2020 foi o ano principal da pandemia, e identificamos, cruzando os dados da Receita Federal com [os dados do] auxílio emergencial, que muitas candidatas negras estavam acessando o auxílio emergencial porque precisavam, [sendo que] 30% das candidatas negras recorreram a esse auxílio. Elas realmente precisavam desse benefício”, aponta Carmela.
Com relação a necessidade de auxílio financeiro, em entrevista, Kika conta sobre uma situação semelhante que passou em 2022, quando se candidatou a deputada estadual. “Era bolsista do mestrado e quando registrei a minha candidatura perdi a bolsa, aí fiquei em um desespero só e tomando de conta da campanha”, conta.
Ana Cleia Kika no Encontro Nacional do Estamos Prontas Rio de Janeiro 2022 (foto: Ludmila Almeida)
Ela relata que o que ajudou nesse momento foi a seleção que participou através do Instituto Marielle Franco e do movimento Mulheres Negras Decidem, para ser uma liderança do projeto Estamos Prontas. “Cada estado tinha uma liderança, que era apoiada pelo Instituto e a gente tinha uma bolsa de auxílio financeiro. Inclusive, para ajudar a gente nesse período de pré-campanha, porque muitas de nós às vezes acaba passando dificuldades, sendo que às vezes não tem nem o que comer”, pontua.
Kika foi uma das mulheres negras prejudicadas por não receber o fundo eleitoral de forma adequada. “Eu participei de várias reuniões e eles [integrantes da secretaria de finanças do partido] falavam assim: ‘vai ser depositado inclusive adicional das candidaturas negras’. E esse adicional não foi depositado. Só foi depositado a primeira distribuição que foi da cota de gênero, eles depositaram uns 15 dias depois que tinham começado as eleições, então eu saí em desvantagem em relação a outros candidatos”, aponta.
Andreia Deloizi, liderança pernambucana, mulher negra trans, quilombola, sacerdotisa, se candidatou em 2022 à deputada estadual, sendo cabeça de chapa em uma candidatura coletiva. Andreia também faz parte da Jornada das Pretas desde 2022 e enfrenta desafios semelhantes para acessar o fundo eleitoral.
Andreia Deloizi, liderança pernambucana, mulher negra trans, quilombola, sacerdotisa, candidata em 2022 à deputada estadual (foto: Bira Fotógrafo Caruaru).
Ela conta que ainda não sabe se vai se candidatar para as eleições de 2024, e relata que a experiência não é tão boa. “Fazer política sendo uma pessoa periférica, quilombola, em uma cidade que para política é muito violenta e para vereadora é mais violenta ainda, isso requer cuidado”, finaliza Andreia, que também confirma a participação nos próximos encontro da Jornada das Pretas.
O Corre Coletivo, grupo localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo, está transformando processos pedagógicos para educar jovens nas periferias, por meio da introdução de história em quadrinhos para promover letramento crítico e social. A iniciativa também aposta na criação de uma comunidade voltada para o acolhimento e troca de artistas iniciantes na área de arte educação.
“Nós temos uma enorme possibilidade de utilizar quadrinhos como uma linguagem pedagógica, porque ela é acessível para a juventude”, explica Wesley Silva, coordenador pedagógico do O Corre Coletivo.
Segundo Silva, quadrinhos como a Turma da Mônica ajudaram a alfabetizar muita gente, fora os clássicos, como Ziraldo, mas o universo digital possibilita outras abordagens de impacto nos leitores. “Além deles, têm os quadrinhos digitais que chegaram com muita força, principalmente as webtiras”, afirma.
Wesley Silva, o Lelo, como é conhecido nas periferias do Grajaú, é formado em artes visuais, pós-graduando em Arte educação: Teoria e Prática na ECA-USP e atua em rede com outros coletivos de arte educação nas periferias do Grajaú, um território com grande diversidade de saberes territoriais.
Cofundador do Corre Coletivo, Lelo foi o idealizador do projeto que deu vida à HQ Inimigo Invisível. Foto: Ana Pra Rua
Combate à desinformação
Em 2020, no auge da segunda onda de Covid-19, O Corre Coletivo, em parceria com o SESC Interlagos, criou o projeto ‘Inimigo Invisível’, iniciativa no começou como uma reunião de artistas para criação de desenhos para colorir, distribuídos para crianças, mas durante o avanço da pandemia de Covid-19, tornou-se uma HQ com super heróis que explica os riscos, traz dados e apresenta métodos de segurança para prevenção de contágio com o vírus.
“Para além de ser um quadrinho, ele ainda é muito educativo. Eu trago a política nas coisas que eu faço, para fazer com que as pessoas reflitam. Só que ao mesmo tempo, eu to ligado que a galera gosta de consumir comédia, besteirol. Eu quero criar coisas assim, que as pessoas achem da hora, só que ao mesmo tempo elas se vejam, porque no geral a gente não se vê, não são feitas por nós, nem para nós”, conta Ciano Buzz, educador e artista visual que participou da criação do Inimigo Invisível.
Ilustrador desde a infância, Ciano atua como educador de desenho e quadrinhos desde os 16 anos. Foto: Corre Coletivo
O artista visual Ciano, morador da Cidade Líder, zona leste de São Paulo, se define como um “griô do futuro” e busca trazer para dentro de processos educativos em escolas públicas uma visão multisciplinar em relação a arte e ao contexto de ancestralidade da população negra e periférica.
A HQ teve tanto sucesso que recebeu o chamado Oscar dos Quadrinhos, o troféu HQ Mix, na categoria Projeto Especial na Pandemia. Com isso, abriu espaço para o coletivo incentivar novas ações que não somente educassem crianças e jovens por meio dos quadrinhos, mas também abrisse um espaço de diálogo para que eles também pudessem contar suas histórias por meio das HQs, ampliando a representatividade nesta mídia.
Selo Lajota
A Base Nacional Comum Curricular, o BNCC, documento que define os direitos de aprendizagem de todos os alunos das escolas brasileiras, aponta que as HQs podem ser utilizadas, do 1º ao 5º ano do ensino fundamental para “Construir o sentido de histórias em quadrinhos e tirinhas, relacionando imagens e palavras e interpretando recursos gráficos (tipos de balões, de letras, onomatopeias)”.
Foi assim que nasceu, em 2023, o selo Lajota, espaço dedicado a ser uma comunidade de acolhimento para jovens que produzem histórias em quadrinhos nas periferias e que possuem o desejo de contar suas próprias histórias por meio dessas revistinhas. Além disso, é uma iniciativa editorial que democratiza o acesso por meio das webcomics, HQs online acessadas gratuitamente por meio do aplicativo Funktoon.
“O momento que eu juntei ciência na arte foi no quadrinho que eu estou produzindo agora [no selo Lajota], uma webcomic chamada ‘Mizu’, que é sobre uma menina gamer que retrata que a sua quebrada está passando por uma grande seca”, conta o biólogo e ilustrador, Lucas Andrade, o Lukera, um dos criadores da HQ Inimigo Invisível.
“Eu tento fazer isso no sentido da periferia se apropriar da pauta ambiental, porque eu acredito que é para ontem isso. Quando acontecem secas, somos os mais afetados por rajadas de vento, alagamentos”, contextualiza Andrade.
De forma pedagógica, cuidadosa e sensível, o Corre Coletivo busca construir diálogos com jovens estudantes de escolas públicas nas periferias, partindo de elementos culturais presente na construção da identidade cultural dos jovens.
“A gente procura chegar em uma zona próxima para falar de coisas importantes. Quando a gente fala do Miles Morales, um homem aranha negro caribenho, a gente consegue falar sobre esse recorte de ser uma criança preta na adolescência que gosta de grafiti e hip hop e está em descoberta, se sente abandonado e sozinho, e dialoga muito com o que a juventude vive”, explica Lelo.
A premissa de abordar um contexto cultural e social vivenciado pelos jovens moradores das periferias também é apontada pela a quadrinista Marília Marz, criadora da HQ curta “Zebra”, que fez parte da 8ᵃ edição da revista Ragu, vencedora do prêmio HQ MIX 2022 na categoria “Projeto Editorial”.
Para ela “pessoas negras, periféricas, indígenas e lgbtqiap+ , estão acostumadas a se verem representadas nas mídias pelo olhar, muitas vezes enviesado. A história em quadrinhos é um recurso muito importante para que as pessoas possam se enxergar, possam enxergar as próprias histórias e as próprias vidas”, conclui.
Nesse episódio falamos sobre como o plantio do alimento impacta os processos ambientais, e de que forma iniciativas de mulheres que trabalham a partir da agroecologia atuam nesse contexto.
O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.
*Este conteúdo faz parte da campanha Planeta Território, uma iniciativa do Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS)
Ficha técnica: Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira Produção audiovisual – Pedro Oliveira Identidade visual – Flávia Lopes Vinheta e edição – Jonnas Rosa
Durante a Vivência Caruru promovida pela Casa Ilera no sábado, (07) de outubro, em Guaianases, zona leste de São Paulo, os moradores e artistas participaram dos processos de preparo do prato ancestral e celebração a vida.
O Você Repórter da Periferia acompanhou todo o processo que conecta mulheres, jovens e crianças do território na celebração ancestral, por meio da comida que carrega consigo os saberes e resgate da cultura afro-brasileira e a culinária afroindígena.
A predominância do machismo influencia e molda as percepções da sexualidade masculina e as atitudes dos homens dentro do tecido social? Quais os cuidados em relação à educação com meninos até a fase adulta e como os homens descobrem a sexualidade?
Em entrevista ao Desenrola Aí, Rafael Cristiano, dramaturgo, ator, educador e co-criador do coletivo Masculinidade Quebrada, que desde 2018 promove rodas de masculinidade para meninos e homens periféricos, explica como essa construção de domínio da heteronormatividade se estabelece e os caminhos para pensar novas possibilidades.
A ideia de que esse menino é um menino e que ele precisa ser protegido, que ele precisa ter os direitos garantidos, essa ideia precisa ser defendida. A gente não pode compactuar com a ideia racista de que esse menino precisa responder como um homem adulto, que esse menino já é um homem que tem responsabilidades de homem. Ele é um menino e precisa ser tratado como menino. E pra ser tratado como menino, ele precisa ser educado. A minha grande questão para os homens é como estamos educando os nossos meninos? Como nós homens estamos educando os nossos meninos? Ou a gente ainda está jogando essa responsabilidade nas nossas mulheres? Como estamos sendo bons exemplos? […] Eu acho que essa é a grande questão
Rafael Cristiano, dramaturgo, ator, educador e co-criador do coletivo Masculinidade Quebrada.
Rafael Cristiano e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí. Foto: Maxuel Mello/Agosto 2023.
Sobre o Desenrola Aí
O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa segunda temporada vamos abordar sobre Descontruir Tabus: corpo e sexualidade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.
Conhecer a cultura dos Guarani Mbya, um dos povos indígenas do Brasil, é essencial para reconhecer a importância de seu conhecimento ancestral e valorizar a influência desse saber para toda a sociedade. O Você Repórter da Periferia veio até a aldeia TekoáYvy Porã, território indígena localizado no Jaraguá, zona noroeste de São Paulo, para conhecer de perto a cultura e a luta pelo direito ancestral à terra dos povos originários.
Confira a vídeorreportagem produzida pelos alunos da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, que destaca os saberes e a luta dos povos originários na busca por dialogo com os não indígenas, chamados de juruás, para inspirar novos modos de vida, que estão em sintonia com o meio ambiente.
As culturas indígenas, com suas diversas tradições e manifestações artísticas, desempenham um papel fundamental na identidade e na preservação das raízes culturais do país. Em entrevista a Hellen Novais, aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola, o jovem Lucas Kuaray, 18, estudante do 3° ano do Ensino Médio, conta sobre a importância do grafismo nas tradições dos povos indígenas.
Lucas Kuaray é morador da Tekoá Yvy Porã, localizada na Vila Jaraguá, zona noroeste de São Paulo, e afirma que os grafismos indígenas vão além de desenhos ou símbolos artísticos, que estão relacionados à proteção dos povos.
O jovem se dedica a manter viva essa herança, a partir do grafismo, como uma ponte entre os não-indígenas e seu próprio povo, para repassar seu conhecimento.
Lucas fala sobre o grafismo como forma de preservação da ancestralidade e cultura do povo Guarani Mbya. Confira:
Hellen – Você Repórter da Periferia: O que os grafismos representam?
Lucas Kuaray: A pintura para nós já tem muito tempo.Tudo é passado de geração para geração. Cada etnia tem suas pinturas, os grafismos e seus artesanatos, então a pintura para nós é uma forma de símbolo também de etnias para reconhecer de qual povo é. Tudo isso é através da pintura.
Hellen – Você Repórter da Periferia: Quando você começou a fazer os grafismos?
Lucas Kuaray: Desde criança eu sempre vejo as pinturas, porque é sempre comum na nossa comunidade. Por exemplo, quando vamos nas lutas do movimento a gente sempre faz pinturas. Não tem símbolos que representam alguma coisa, mas temos pinturas nossas, dos Guaranis e outros povos também têm os deles.
Hellen – Você Repórter da Periferia: Qual o significado para o seu povo?
Lucas Kuaray: Para a gente, ela serve para proteção da floresta, para o nosso espírito. São espíritos maus e não queremos que eles fiquem de olho na gente. A pintura é feita quando o menino ou a menina muda de criança para adolescente. É uma coisa especial e para eles é uma pintura específica.
Hellen – Você Repórter da Periferia: Você enxerga o grafismo como forma de expressão artística?
Lucas Kuaray: Para mim o grafismo indígena é uma arte, é uma cultura. Ainda mais hoje em dia que dá para fazer várias coisas com grafismo indígena, então é uma arte. A tinta preta que a gente usa é sempre jenipapo com carvão, aí a gente extrai o líquido dele e mistura com carvão.
Hellen – Você Repórter da Periferia: A pintura é uma forma de levar as tradições daqui a diante?
Lucas Kuaray: Sim, tanto a pintura, os costumes, e principalmente, nossa língua tradicional, que não se perdeu ainda e vamos passando de geração para geração. O nosso lema é sempre levar isso para frente. Para as nossas crianças que são mais jovens e nossos estudantes, procuramos sempre fortalecer a nossa cultura.