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Documentário “Trajetos y Afetos” aborda migração nordestina nas periferias de São Paulo

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Lançado em agosto de 2023, o documentário “Trajetos y Afetos” narra a trajetória de mulheres nordestinas que migraram e que hoje moram nas periferias de São Paulo. Destacando a ligação entre elas e seus territórios de origem, o documentário evidencia a construção de afetos a partir da música, da gastronomia e da costura. 

Foto de parte do cenário do documentário Trajetos y Afetos.
Cenário utilizado em parte das cenas gravadas para o documentário “Trajetos y Afetos”. Foto de Nathalia Ract.

O documentário, produzido pelo coletivo Curvas Produções, que é formado por pessoas LGBTQIAP+, filhas de migrantes nordestinas e moradoras das periferias de São Paulo, está sendo exibido em diversos espaços de cultura e educação. O trailer está disponível no youtube e a agenda de exibição é divulgada nas redes do coletivo.

“A ideia partiu de inquietações de criar novas formas de registro de memórias e reconhecimento de identidades culturais das mulheres que constroem a cidade de São Paulo, e que encontram em suas movimentações formas de sobreviver e manter viva sua trajetória”.

Curvas Produções, coletivo realizador do documentário “Trajetos y Afetos”

Desde a migração de diferentes estados do nordeste até as periferias das zonas norte, sul, leste e oeste de São Paulo, o filme registra a história de 4 mulheres – Noemia Oliveira, Shirlayne Kelly, Silene Ferreira e Valdirene Rodrigues – que exercem atividades que as unem a um resgate histórico do território de onde vieram, mantendo viva em São Paulo a sua origem e ancestralidade.

A alimentação, a costura e a música são elementos de ligação entre as mulheres migrantes e seus territórios de origem. Foto de Nathalia Ract.

Jornada das Pretas: organizações e mulheres negras atuantes na política partidária dialogam sobre Fundo Eleitoral

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“Não é de hoje e não vai acabar agora, vamos invadir teus discursos, recriar nossas memórias”. Foi com versos como esse, da canção “Contrato Assinado”, que Jaísa Caldas, artista piauiense, abriu a Jornada das Pretas 2023. A iniciativa, que está na 3ª edição, é uma realização da Oxfam Brasil em parceria com o Instituto Alziras, Mulheres Negras Decidem e o Instituto Marielle Franco.

O primeiro encontro da iniciativa ocorreu na manhã do dia 07 de outubro, online,  e reuniu 37 mulheres de vários estados do Brasil envolvidas e atuantes na política nacional, para trocarem experiências e dialogarem sobre o Fundo Eleitoral, tema central do primeiro encontro. A Jornada continua nos dias 21 e 28 de outubro.

“São mulheres negras de todo o Brasil, trans, cis e travestis, que desejam fortalecer as suas agendas políticas, que desejam um espaço seguro e fortalecedor para falar sobre participação política de mulheres negras”, menciona Bárbara Barboza, coordenadora da área de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil.

Iasmin Barros, representante do Mulheres Negras Decidem, fala como o movimento se relaciona enquanto parceiro da Jornada, e menciona o objetivo geral da iniciativa. “Tentamos qualificar e promover agendas lideradas por mulheres negras buscando fortalecer a democracia e acreditamos que esses espaços de formação são fundamentais para que isso aconteça”, coloca.

“A gente sabe o quanto é difícil mulheres negras chegarem na política e aqui a gente vai tentar desmontar essas barreiras, tanto com a formação política, mas também com acolhimento”

Iasmin Barros, representante do Mulheres Negras Decidem.

O encontro, que teve como temática central o Fundo Eleitoral e como garantir o cumprimento da lei eleitoral no que se refere às cotas para as mulheres negras, contou com a participação de diversas mulheres que atuam no tema, como Mônica Oliveira, integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e facilitadora da Jornada das Pretas, além das convidadas Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc); Tauá Pires, diretora do Instituto Alziras, e Estela Bezerra, assessora especial de articulação interministerial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que também foi deputada estadual com mandatos entre 2015 a 2022.

LINHA DO TEMPO

Antonieta de Barros, Luiza Bairros, Beatriz Nascimento, Benedita da Silva, Creuza Oliveira, Marielle Franco e outras mulheres negras, atuantes na política, foram lembradas e tiveram suas falas citadas no vídeo intitulado Mulheres Negras – Consciência Negra, apresentado por Carmela Zigoni, antes do início de sua fala, referenciando mulheres que lutaram e abriram caminhos na política para outras mulheres negras.

Assim como outras convidadas, Carmela traçou uma linha do tempo para apresentar a trajetória com os principais pontos sobre o Fundo Eleitoral. “Foi em 2014 que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a pedir a declaração de raça, cor, segundo as categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para as candidaturas, e isso é um marco importante, porque é a partir dessa estatística que a gente começa a dar conta de pedir mais direitos nos processos eleitorais, maior democratização e institucionalidade”, menciona Carmela. 

Tauá Pires, relembrou que em 2015, aconteceu uma reforma política que proibiu o financiamento de campanhas por empresas. “E aí vem esse debate sobre ter um fundo público que permita o financiamento de campanhas e a gente vai ver o quanto isso é importante para o aprofundamento da democracia e para a participação de mulheres negras”.

O que é o Fundo Eleitoral? Exclusivo para o financiamento de campanhas, é um recurso distribuído para os partidos apenas no ano de eleição. A definição do fundo eleitoral é feita pela LOA (Lei Orçamentária Anual) e ele é transferido pelo Tesouro Nacional para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conforme explicou Tauá durante o encontro.

Na eleição de 2016, para cargos de vereança e Prefeituras, Carmela menciona que foi fixada a regra dos 30% de cotas para as mulheres. “Mas ainda não tinha uma regra específica para o financiamento de campanhas. Menos de 1% das candidaturas de mulheres negras nesse pleito, e menos de 0,1% de declaradas pretas”, conta.

Em 2018, uma nova regra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu que os partidos deveriam repassar 30% dos recursos do fundo especial de financiamento de campanha para as candidaturas de mulheres.

Tauá, Carmela e Estela relembraram a importância de Benedita da Silva, que atualmente é deputada federal e referência no que diz respeito às conquistas de espaços e direitos de mulheres negras na política. Junto aos movimentos negros, em 2020, Benedita fez com que fosse direcionada uma parte do fundo eleitoral para as candidaturas de mulheres e pessoas negras, conforme a proporcionalidade total dessas candidaturas no partido. 

“Benedita realizou uma consulta ao TSE em 2019 e o TSE acatou a aplicação, mas para eleição de 2022. E aí o STF interferiu e determinou que [a decisão] já seria para eleição de 2020”, relata Carmela. Segundo a assessora política do Inesc, os partidos, por sua vez, alegavam não saber como aplicar a sobreposição de cotas de mulheres e de pessoas negras, o que gerou uma desigualdade ainda mais acentuada nas candidaturas. 

Carmela aponta que enquanto o recurso para as pessoas brancas foi liberado no primeiro dia de candidatura, o de mulheres e pessoas negras demorou cerca de 15 dias para ser repassado, o que é um prejuízo significativo, considerando o tempo de campanha de 45 dias para o primeiro turno.

“Mesmo com essa identificação do problema que se deu internamente nos partidos para fazer o repasse, os partidos entraram com uma PEC, um Projeto de Emenda Constitucional, para anistiar os partidos, ou seja, para perdoar os partidos que não tinham feito repasse corretamente e foi aprovado”, conta Carmela sobre os desdobramentos que ocorreram após as eleições de 2020. 

Em sua fala, Carmela menciona também que houve a tentativa de implementar  uma minirreforma eleitoral, que não foi aprovada, e portanto, não vale para a próxima eleição. Mas ela pontua o que estava em jogo nessa proposta. 

“A cota seria por coligação e não por partido, teria uma redução de 20% dos recursos para mulheres e pessoas negras. Os recursos para mulheres poderiam ser utilizados por candidaturas de homens. Essa minirreforma favoreceria partidos maiores”, conta Carmela, demonstrando que direitos conquistados ainda não são garantias e seguem em disputa. 

Com falas complementares que apresentavam perspectivas e acontecimentos relacionados ao fundo eleitoral, as convidadas mencionaram que ter acesso aos dados, conhecimento sobre como os partidos políticos funcionam, se articular em coletivo para os enfrentamentos de disputas, construções dentro e fora dos partidos e manter-se informadas são estratégias fundamentais para as mulheres que querem ser eleitas. “A gente tem que ter conhecimento para poder viabilizar as nossas candidaturas”, aponta Estela.

COTA DO FUNDO ELEITORAL PARA MULHERES NEGRAS

Ao longo do encontro, as participantes puderam expor suas questões e experiências a partir de algumas perguntas orientadoras acerca dos desafios para acessar o Fundo Eleitoral. Algumas participantes compartilham os mesmos desafios em sua atuação, como a insatisfação de se sentirem usadas apenas para a garantia de um coeficiente da legenda do partido na obtenção de recursos. 

“Há uma falta de responsabilidade com a candidatura das mulheres. Porque os partidos políticos nos querem candidatas, mas eles não nos querem eleitas. Eles precisam da cota de mulheres para poder garantir a [campanha] de homens, mas eles não dão condições para que a gente vá para uma disputa de igualdade, para que a gente minimamente consiga ter uma votação expressiva”, aponta Ana Cleia Kika, liderança da região Norte e que vem refletindo sobre a sua experiência como mulher negras acessando os recursos do fundo eleitoral.

Foi em 2020, quando se candidatou pela primeira vez, concorrendo ao cargo de vereadora e passou a participar da Jornada das Pretas, que Kika pôde entender melhor como tudo isso funcionava na prática.

“Não temos as mesmas condições que os homens brancos têm dentro dos partidos, de ter apoio político, mas foi através dos movimentos sociais, através da Jornada das Pretas, do Estamos Prontas que está ligado ao Instituto Marielle Franco e outras organizações, que eu vim entender como que os partidos políticos funcionam”

Ana Cleia Kika

Ainda durante o encontro, Tauá apresentou dados sobre as desigualdades entre os financiamentos de campanhas. “Segue sendo muito determinante a questão do autofinanciamento. Ou seja, pessoas ricas, que já estão na política tradicionalmente, muitas vezes são filhos, netos, pessoas que se perpetuam na política e conseguem fazer o autofinanciamento da campanha”. 

Tauá aponta que existe um limite de 10% do teto previsto para cada cargo em disputa. Mas, segundo ela, os candidatos investem em média 36,3 milhões em dinheiro do próprio bolso para campanha. “Quais mulheres negras têm recursos próprios para poder fazer um auto financiamento?”, questiona a diretora do Instituto Alziras.

Durante o encontro, com base na pesquisa realizada pelo Inesc, Carmela comentou sobre a diferenciação de financiamentos conforme classe social, gênero e raça. “2020 foi o ano principal da pandemia, e identificamos, cruzando os dados da Receita Federal com [os dados do] auxílio emergencial, que muitas candidatas negras estavam acessando o auxílio emergencial porque precisavam, [sendo que] 30% das candidatas negras recorreram a esse auxílio. Elas realmente precisavam desse benefício”, aponta Carmela. 

Com relação a necessidade de auxílio financeiro, em entrevista, Kika conta sobre uma situação semelhante que passou em 2022, quando se candidatou a deputada estadual. “Era bolsista do mestrado e quando registrei a minha candidatura perdi a bolsa, aí fiquei em um desespero só e tomando de conta da campanha”, conta.

Ana Cleia Kika no Encontro Nacional do Estamos Prontas Rio de Janeiro 2022 (foto: Ludmila Almeida)

Ela relata que o que ajudou nesse momento foi a seleção que participou através do Instituto Marielle Franco e do movimento Mulheres Negras Decidem, para ser uma liderança do projeto Estamos Prontas. “Cada estado tinha uma liderança, que era apoiada pelo Instituto e a gente tinha uma bolsa de auxílio financeiro. Inclusive, para ajudar a gente nesse período de pré-campanha, porque muitas de nós às vezes acaba passando dificuldades, sendo que às vezes não tem nem o que comer”, pontua.

Kika foi uma das mulheres negras prejudicadas por não receber o fundo eleitoral de forma adequada. “Eu participei de várias reuniões e eles [integrantes da secretaria de finanças do partido] falavam assim: ‘vai ser depositado inclusive adicional das candidaturas negras’. E esse adicional não foi depositado. Só foi depositado a primeira distribuição que foi da cota de gênero, eles depositaram uns 15 dias depois que tinham começado as eleições, então eu saí em desvantagem em relação a outros candidatos”, aponta. 

Andreia Deloizi, liderança pernambucana, mulher negra trans, quilombola, sacerdotisa, se candidatou em 2022 à deputada estadual, sendo cabeça de chapa em uma candidatura coletiva. Andreia também faz parte da Jornada das Pretas desde 2022 e enfrenta desafios semelhantes para acessar o fundo eleitoral.

Andreia Deloizi participou do primeiro encontro da Jornada das Pretas 2023, que teve como tema o Fundo Eleitoral.
Andreia Deloizi, liderança pernambucana, mulher negra trans, quilombola, sacerdotisa, candidata em 2022 à deputada estadual (foto: Bira Fotógrafo Caruaru).

Ela conta que ainda não sabe se vai se candidatar para as eleições de 2024, e relata que a experiência não é tão boa. “Fazer política sendo uma pessoa periférica, quilombola, em uma cidade que para política é muito violenta e para vereadora é mais violenta ainda, isso requer cuidado”, finaliza Andreia, que também confirma a participação nos próximos encontro da Jornada das Pretas.

Corre Coletivo usa história em quadrinhos para transformar educação de jovens nas periferias

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O Corre Coletivo, grupo localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo, está transformando processos pedagógicos para educar jovens nas periferias, por meio da introdução de história em quadrinhos para promover letramento crítico e social. A iniciativa também aposta na criação de uma comunidade voltada para o acolhimento e troca de artistas iniciantes na área de arte educação.

“Nós temos uma enorme possibilidade de utilizar quadrinhos como uma linguagem pedagógica, porque ela é acessível para a juventude”, explica Wesley Silva, coordenador pedagógico do O Corre Coletivo.

Segundo Silva, quadrinhos como a Turma da Mônica ajudaram a alfabetizar muita gente, fora os clássicos, como Ziraldo, mas o universo digital possibilita outras abordagens de impacto nos leitores. “Além deles, têm os quadrinhos digitais que chegaram com muita força, principalmente as webtiras”, afirma.

Wesley Silva, o Lelo, como é conhecido nas periferias do Grajaú, é formado em artes visuais, pós-graduando em Arte educação: Teoria e Prática na ECA-USP e atua em rede com outros coletivos de arte educação nas periferias do Grajaú, um território com grande diversidade de saberes territoriais.

Cofundador do Corre Coletivo, Lelo foi o idealizador do projeto que deu vida à HQ Inimigo Invisível. Foto: Ana Pra Rua

Combate à desinformação

Em 2020, no auge da segunda onda de Covid-19, O Corre Coletivo, em parceria com o SESC Interlagos, criou o projeto ‘Inimigo Invisível’, iniciativa no começou como uma reunião de artistas para criação de desenhos para colorir, distribuídos para crianças, mas durante o avanço da pandemia de Covid-19, tornou-se uma HQ com super heróis que explica os riscos, traz dados e apresenta métodos de segurança para prevenção de contágio com o vírus.

“Para além de ser um quadrinho, ele ainda é muito educativo. Eu trago a política nas coisas que eu faço, para fazer com que as pessoas reflitam. Só que ao mesmo tempo, eu to ligado que a galera gosta de consumir comédia, besteirol. Eu quero criar coisas assim, que as pessoas achem da hora, só que ao mesmo tempo elas se vejam, porque no geral a gente não se vê, não são feitas por nós, nem para nós”, conta Ciano Buzz, educador e artista visual que participou da criação do Inimigo Invisível.

Ilustrador desde a infância, Ciano atua como educador de desenho e quadrinhos desde os 16 anos. Foto: Corre Coletivo

O artista visual Ciano, morador da Cidade Líder, zona leste de São Paulo, se define como um “griô do futuro” e busca trazer para dentro de processos educativos em escolas públicas uma visão multisciplinar em relação a arte e ao contexto de ancestralidade da população negra e periférica.

A HQ teve tanto sucesso que recebeu o chamado Oscar dos Quadrinhos, o troféu HQ Mix, na categoria Projeto Especial na Pandemia. Com isso, abriu espaço para o coletivo incentivar novas ações que não somente educassem crianças e jovens por meio dos quadrinhos, mas também abrisse um espaço de diálogo para que eles também pudessem contar suas histórias por meio das HQs, ampliando a representatividade nesta mídia.

Selo Lajota

A Base Nacional Comum Curricular, o BNCC, documento que define os direitos de aprendizagem de todos os alunos das escolas brasileiras, aponta que as HQs podem ser utilizadas, do 1º ao 5º ano do ensino fundamental para “Construir o sentido de histórias em quadrinhos e tirinhas, relacionando imagens e palavras e interpretando recursos gráficos (tipos de balões, de letras, onomatopeias)”.

Foi assim que nasceu, em 2023, o selo Lajota, espaço dedicado a ser uma comunidade de acolhimento para jovens que produzem histórias em quadrinhos nas periferias e que possuem o desejo de contar suas próprias histórias por meio dessas revistinhas. Além disso, é uma iniciativa editorial que democratiza o acesso por meio das webcomics, HQs online acessadas gratuitamente por meio do aplicativo Funktoon.

“O momento que eu juntei ciência na arte foi no quadrinho que eu estou produzindo agora [no selo Lajota], uma webcomic chamada ‘Mizu’, que é sobre uma menina gamer que retrata que a sua quebrada está passando por uma grande seca”, conta o biólogo e ilustrador, Lucas Andrade, o Lukera, um dos criadores da HQ Inimigo Invisível.

“Eu tento fazer isso no sentido da periferia se apropriar da pauta ambiental, porque eu acredito que é para ontem isso. Quando acontecem secas, somos os mais afetados por rajadas de vento, alagamentos”, contextualiza Andrade.

De forma pedagógica, cuidadosa e sensível, o Corre Coletivo busca construir diálogos com jovens estudantes de escolas públicas nas periferias, partindo de elementos culturais presente na construção da identidade cultural dos jovens.

“A gente procura chegar em uma zona próxima para falar de coisas importantes. Quando a gente fala do Miles Morales, um homem aranha negro caribenho, a gente consegue falar sobre esse recorte de ser uma criança preta na adolescência que gosta de grafiti e hip hop e está em descoberta, se sente abandonado e sozinho, e dialoga muito com o que a juventude vive”, explica Lelo.

A premissa de abordar um contexto cultural e social vivenciado pelos jovens moradores das periferias também é apontada pela a quadrinista Marília Marz, criadora da HQ curta “Zebra”, que fez parte da 8ᵃ edição da revista Ragu, vencedora do prêmio HQ MIX 2022 na categoria “Projeto Editorial”.

Para ela “pessoas negras, periféricas, indígenas e lgbtqiap+ , estão acostumadas a se verem representadas nas mídias pelo olhar, muitas vezes enviesado. A história em quadrinhos é um recurso muito importante para que as pessoas possam se enxergar, possam enxergar as próprias histórias e as próprias vidas”, conclui.

O que a nossa alimentação tem a ver com a emergência climática? #19

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Nesse episódio falamos sobre como o plantio do alimento impacta os processos ambientais, e de que forma iniciativas de mulheres que trabalham a partir da agroecologia atuam nesse contexto.

O papo é com a Luzia Souza, agricultora e integrante da ⁠Rede de Agricultoras Paulistanas Periféricas Agroecológicas⁠ e com a ⁠Helen Souza⁠, geógrafa, e atua com áreas protegidas, povos e comunidades tradicionais através da agricultura e meio ambiente.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

*Este conteúdo faz parte da campanha Planeta Território, uma iniciativa do Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS)
Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira 
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

Casa Ilera promove culinária afro-brasileira em Guaianases

Durante a Vivência Caruru promovida pela Casa Ilera no sábado, (07) de outubro, em Guaianases, zona leste de São Paulo, os moradores e artistas participaram dos processos de preparo do prato ancestral e celebração a vida.

O Você Repórter da Periferia acompanhou todo o processo que conecta mulheres, jovens e crianças do território na celebração ancestral, por meio da comida que carrega consigo os saberes e resgate da cultura afro-brasileira e a culinária afroindígena.

De menino à fase adulta: como os homens descobrem a sexualidade?

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A predominância do machismo influencia e molda as percepções da sexualidade masculina e as atitudes dos homens dentro do tecido social? Quais os cuidados em relação à educação com meninos até a fase adulta e como os homens descobrem a sexualidade? 

Em entrevista ao Desenrola Aí, Rafael Cristiano, dramaturgo, ator, educador e co-criador do coletivo Masculinidade Quebrada, que desde 2018 promove rodas de masculinidade para meninos e homens periféricos, explica como essa construção de domínio da heteronormatividade se estabelece e os caminhos para pensar novas possibilidades. 

A ideia de que esse menino é um menino e que ele precisa ser protegido, que ele precisa ter os direitos garantidos, essa ideia precisa ser defendida. A gente não pode compactuar com a ideia racista de que esse menino precisa responder como um homem adulto, que esse menino já é um homem que tem responsabilidades de homem. Ele é um menino e precisa ser tratado como menino. E pra ser tratado como menino, ele precisa ser educado. A minha grande questão para os homens é como estamos educando os nossos meninos? Como nós homens estamos educando os nossos meninos? Ou a gente ainda está jogando essa responsabilidade nas nossas mulheres? Como estamos sendo bons exemplos? […] Eu acho que essa é a grande questão

Rafael Cristiano, dramaturgo, ator, educador e co-criador do coletivo Masculinidade Quebrada.
Rafael Cristiano e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí. Foto: Maxuel Mello/Agosto 2023.

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa segunda  temporada vamos abordar sobre Descontruir Tabus: corpo e sexualidade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.

Conheça a luta, o território sagrado e as tradições indígenas no Jaraguá

Conhecer a cultura dos Guarani Mbya, um dos povos indígenas do Brasil, é essencial para reconhecer a importância de seu conhecimento ancestral e valorizar a influência desse saber para toda a sociedade. O Você Repórter da Periferia veio até a aldeia Tekoá Yvy Porã, território indígena localizado no Jaraguá, zona noroeste de São Paulo, para conhecer de perto a cultura e a luta pelo direito ancestral à terra dos povos originários.  

Confira a vídeorreportagem produzida pelos alunos da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, que destaca os saberes e a luta dos povos originários na busca por dialogo com os não indígenas, chamados de juruás, para inspirar novos modos de vida, que estão em sintonia com o meio ambiente.  

“Tudo é passado de geração para geração”, conta Lucas Kuaray sobre grafismos indígenas

As culturas indígenas, com suas diversas tradições e manifestações artísticas, desempenham um papel fundamental na identidade e na preservação das raízes culturais do país. Em entrevista a Hellen Novais, aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola, o jovem Lucas Kuaray, 18, estudante do 3° ano do Ensino Médio, conta sobre a importância do grafismo nas tradições dos povos indígenas.

Lucas Kuaray é morador da Tekoá Yvy Porã, localizada na Vila Jaraguá, zona noroeste de São Paulo, e afirma que os grafismos indígenas vão além de desenhos ou símbolos artísticos, que estão relacionados à proteção dos povos. 

O jovem se dedica a manter viva essa herança, a partir do grafismo, como uma ponte entre os não-indígenas e seu próprio povo, para repassar seu conhecimento. 

Lucas fala sobre o grafismo como forma de preservação da ancestralidade e cultura do povo Guarani Mbya. Confira:

Hellen – Você Repórter da Periferia: O que os grafismos representam?

Lucas Kuaray: A pintura para nós já tem muito tempo.Tudo é passado de geração para geração. Cada etnia tem suas pinturas, os grafismos e seus artesanatos, então a pintura para nós é uma forma de símbolo também de etnias para reconhecer de qual povo é. Tudo isso é através da pintura.

Hellen – Você Repórter da Periferia: Quando você começou a fazer os grafismos?

Lucas Kuaray: Desde criança eu sempre vejo as pinturas, porque é sempre comum na nossa comunidade. Por exemplo, quando vamos nas lutas do movimento a gente sempre faz pinturas. Não tem símbolos que representam alguma coisa, mas temos pinturas nossas, dos Guaranis e outros povos também têm os deles.

Hellen – Você Repórter da Periferia: Qual o significado para o seu povo?

Lucas Kuaray: Para a gente, ela serve para proteção da floresta, para o nosso espírito. São espíritos maus e não queremos que eles fiquem de olho na gente. A pintura é feita quando o menino ou a menina muda de criança para adolescente. É uma coisa especial e para eles é uma pintura específica.

Hellen – Você Repórter da Periferia: Você enxerga o grafismo como forma de expressão artística?

Lucas Kuaray:  Para mim o grafismo indígena é uma arte, é uma cultura. Ainda mais hoje em dia que dá para fazer várias coisas com grafismo indígena, então é uma arte. A tinta preta que a gente usa é sempre jenipapo com carvão, aí a gente extrai o líquido dele e mistura com carvão.

Hellen – Você Repórter da Periferia: A pintura é uma forma de levar as tradições daqui a diante?

Lucas Kuaray: Sim, tanto a pintura, os costumes, e principalmente, nossa língua tradicional, que não se perdeu ainda e vamos passando de geração para geração. O nosso lema é sempre levar isso para frente. Para as nossas crianças que são mais jovens e nossos estudantes, procuramos sempre fortalecer a nossa cultura.

“Temos uma sociedade que não gosta de crianças”, afirma pesquisadora sobre o acolhimento de crianças em espaços públicos

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Garantir o acesso ao que é regulamentado por lei, no que diz respeito às crianças, é dever não apenas dos pais ou responsáveis, mas também do Poder Público e de toda sociedade, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Crianças são pessoas com direitos, e isso inclui direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, à liberdade, à convivência comunitária, entre outros.

No entanto, Priscila Obaci, 39, que é artista, professora de teatro e mãe solo do Melik Rudá, 7, e do Bakari Mairê, 5, traz perspectivas diferentes sobre como a sociedade lida com crianças. “Durante muito tempo eu fiquei sem frequentar os lugares, porque não tem uma preocupação com as crianças. Acho que com os bebês [a questão] é mais forte ainda, [porque] não tem um trocador, não tem um lugar que você consiga sentar para amamentar”, coloca a educadora.

Priscila Obaci e suas crianças
Priscila Obaci é artista, professora de teatro e mãe solo do Melik Rudá, 7, e do Bakari Mairê, 5. (foto: arquivo pessoal)

Priscila é moradora do Guarapiranga, um bairro do distrito Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo. Como arte-educadora, ela realiza atividades que estimulam e envolvem a maternidade, bebês e crianças, através de saberes de matriz africana.

“A gente assimilou um aspecto eurocêntrico de como lidar com as crianças que não tem a ver com as nossas práticas tanto africanas, quanto indígenas, de filosofia e de sociedade, que colocam a criança como centro, a criança como uma continuidade dessa comunidade e por isso ela deve ser respeitada, tendo os limites de ser uma criança, mas tendo essa relação de equidade.”

Priscila Obaci, artista e professora de teatro.
Atualmente, cerca de 11 milhões de mães brasileiras criam filhos sozinhas, segundo a pesquisa realizada pelo Instituto de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). O estudo também mostra que 90% dessas mulheres são negras.

Luana Oliveira, 41, também moradora do Jardim São Luís, é educadora popular, mestranda em sociologia e pesquisa sobre maternidade solo com um recorte para moradoras das periferias da zona sul de São Paulo. Para ela, uma sociedade que exclui crianças, também exclui as mães.

Luana Oliveira, pesquisadora e educadora popular, e seu filho Murilo, 12, e suas filhas Mar, 15, e Manuela, de 2 anos. (foto: arquivo pessoal)

“A gente tem uma sociedade que não gosta de crianças, que não é preparada para acolher as crianças. Inclusive, a gente tem um processo de construção de sociedade que exclui as crianças de todos os espaços. E isso faz com que as mães também sejam excluídas, especialmente as mães solo.”

Luana Oliveira é mestranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Unicamp.

A exclusão de crianças também exclui as mães

A falta do senso de coletividade no cuidado com os pequenos é uma questão em diversos espaços e que também sobrecarrega as mães. “As pessoas de um modo geral, inclusive as mulheres, as feministas, elas não se implicam nesse processo de cuidado com as crianças. É como se só a mãe tivesse obrigação de tomar conta daquela criança”, menciona Luana.

Priscila aponta a necessidade desse cuidado com as crianças, em qualquer espaço, acontecer de forma coletiva, pois “é um peso muito grande que a gente carrega de ser a única representante desse cuidado e não ter acolhimento”, coloca a arte-educadora.

“As mães sempre se veem coagidas a manter a criança sob controle. Você é expulso dos espaços, não de uma forma direta, mas é um segurança que te persegue, é um pessoal que te olha de lado, isso acontece com as mães o tempo todo. Se a sua criança chorar, rir, correr, se ela se expressar, alguém já olha para você e indica nesse olhar que a sua criança está incomodando.”

Luana Oliveira, educadora no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular.

Priscila também considera as particularidades que envolvem essa questão nas periferias. “A classe média alta acessa as coisas antes da gente. E tem muito mais possibilidade de pensar lazer e acolhimento do que a gente que está pensando na sobrevivência o tempo inteiro”, cita a arte-educadora, que também conta que sua rede de apoio, que é constituída por mulheres e a escola, é fundamental. 

A artista relata que através de suas falas e movimentações foi “educando a sua comunidade” e criando possibilidades para que ela pudesse viver as experiências culturais com suas crianças. 

 Priscila Obaci tocando no carnaval, com o Bloco Afro ÉdiSanto. (foto: arquivo pessoal)

“No último carnaval eu toquei e eles ficaram circulando pelo cuidado de várias pessoas, que me conhecem e conhecem eles. Eu acho que ainda não é o mundo ideal, mas tem se movido de alguma forma”, comenta.

Segundo Luana, que além de pesquisadora, também é mãe solo de três crianças: Mar, 15, Murilo, 12, e Manuela, 2, apesar de todos os espaços e eventos culturais terem um discurso politicamente correto com relação à presença de crianças, são poucos os que se organizam para recebê-las.

“Como essas crianças são bem-vindas se eu não ofereço minimamente uma infraestrutura? Você não ter um trocador, você fumar e jogar fumaça na cara da criança. Falar que a criança é bem-vinda não é o suficiente, é preciso criar condições para que a criança seja efetivamente bem-vinda”, salienta a pesquisadora.

Espaços culturais e o olhar para as crianças

A Casa de Iaiá, localizada no município de Taboão da Serra, no bairro Parque Jacarandá, São Paulo, é um espaço cultural com diversas linguagens artísticas, que mesmo com programações que não são voltadas especificamente para crianças, se propõe a ser um local de acolhimento para mães e crianças que frequentam a casa. Isso ocorre através de ações que pensam a estrutura do espaço, como a disponibilidade de trocador, balanço, rede e espaço ao ar livre para as crianças brincarem.

Casa de Iaiá é um espaço cultural, localizado no município de Taboão da Serra, no bairro Parque Jacarandá, adaptado para receber crianças. (foto: arquivo pessoal)

Os responsáveis pelo local são Ângela e Tadeu, que é mais conhecido como Tatu. A ideia dos dois, que são educadores, amigos e sócios, era ter um espaço aconchegante semelhante a uma casa, como o nome do lugar sugere, e com um grande quintal. “E aí a gente entra nessa ideia das crianças, porque um quintal sem criança é um quintal sem graça”, Tatu, 41, produtor cultural.

Apesar de boa parte do ambiente ser ao ar livre, a casa tem um lugar específico para quem fuma. “Tem a tabacaria aqui, tem narguile, mas a gente sempre fala pra galera ter essa sensibilidade de entender quando tem criança, pra respeitar. Então tem um espaço para isso, para não ter esse tipo de constrangimento de alguém que está com uma criança se sentir incomodada”, comenta Tatu.

Luana Oliveira, mestranda em sociologia e pesquisadora sobre maternidade solo, na foto estão seu filho Murilo e sua filha Mar (foto: arquivo pessoal)

Luana aponta sobre a importância das crianças terem acesso aos espaços culturais, tendo como parâmetro os próprios filhos. “É importante que eles entendam que todos os espaços são para eles. E [aprendam] criar estratégias de reivindicar condições para que eles estejam nesses espaços. Acho importante que os meus filhos entendam os espaços culturais como espaços de resistência e de estratégias de luta das pessoas da periferia e por isso eles estão comigo em todos os lugares”, conta.

Tatu também menciona como a presença das crianças é importante na Casa de Iaia. “A criança traz uma energia, uma atmosfera para o lugar que a gente não vai conseguir de nenhuma [outra] forma”. Segundo Tatu, a Casa de Iaia é também um lugar de memória afetiva, com referências de ancestralidade, reforçando aspectos como identidade e pertencimento ao território à medida que essas crianças têm a possibilidade de ter acesso e conhecer artistas locais e suas obras.

Priscila ainda coloca aspectos que demonstram como a não inclusão de crianças em espaços é um problema estrutural e social. “O racismo foi muito potente em eliminar a gente. A gente morre de bala e morre também dessas crianças não se sentirem pertencentes a uma comunidade, não poder se olhar enquanto igual, não se identificar, não ter um processo de representatividade. Quando uma criança é apartada desse convívio, a gente está matando as possibilidades dela ser quem ela é”, finaliza a arte-educadora.

“Muitas vezes isso não vai chegar na periferia”, diz cineasta sobre projeto de lei que regulamenta exibição de filmes nacionais

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A renovação da cota de tela, através do Projeto de Lei (PL) 3696/2023, faz parte das políticas públicas de retomada do setor audiovisual brasileiro. “Lutar pelas cotas de tela é entender que muitas vezes isso não vai chegar na periferia, mas se não tiver essa cota de tela para o cinema nacional, pode ser muito pior”, afirma Daniel Fagundes, 37, cineasta, coordenador do IbiraLab, uma escola de cinema na quebrada, e morador do bairro Jardim Primavera, zona sul de São Paulo.

A cota de tela é uma lei que busca garantir um espaço mínimo para o cinema nacional em diferentes meios de exibição. Atualmente, a lei foi regulamentada apenas para os canais pagos de TV. A situação dos cinemas e das plataformas de streaming ainda não foi definida, sendo que o setor do cinema está com a renovação da lei vencida desde 2021.
Thais Scabio trabalhando na direção do Filme Barco de Papel. (foto: Crioula Oliveira)

“Mesmo com a cota a gente tem pouco acesso aos filmes que são produzidos no Brasil. Essa cota não tem uma preocupação também com ações afirmativas”, coloca Thais Scabio, 46, moradora do bairro Cidade Júlia, no distrito Cidade Ademar, São Paulo, que há 20 anos trabalha na área do audiovisual, com direção e produção de filmes.

“Quando você não trabalha dentro dessa cota uma questão de ação afirmativa tanto regional, quanto representativa de gênero, de raça, você também não vê essa diversidade na tela do cinema, nos canais fechados e streamings. Então, são as mesmas distribuidoras que acabam circulando os mesmos filmes, dos mesmos diretores.”

Thais Scabio é fundadora da produtora Cavalo Marinho Audiovisual, da plataforma de streaming Todesplay e moradora do bairro Cidade Júlia, no distrito Cidade Ademar, em São Paulo.

O cineasta Daniel Fagundes aponta que mesmo com uma baixa porcentagem, o conteúdo nacional alcançou mudanças significativas de exibição quando a lei estava sendo aplicada.

“Antes da cota de tela a gente tinha um montante que representava praticamente 1,5% das telas com produção de cinema nacional, isso nas redes de TV fechadas. A gente tem, na última pesquisa de 2021, um avanço de quase 10%. A gente saiu de 1,5% para 14%”, aponta Daniel em referência ao levantamento feito pela Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), através de dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e do Ministério da Cultura.

“A cota de tela é uma prática que acontece no mundo inteiro para garantir que os filmes nacionais circulem”, aponta Thais. Mesmo assim, existem barreiras para a regulamentação no Brasil, como coloca Daniel. “Tem muitos desses grandes conglomerados de distribuidores e exibidores [que] acham sempre brecha na lei para tirar a produção independente, para tirar a produção do curta-metragem desses espaços”, afirma.

Produção e distribuição no audiovisual independente e periférico

Apesar de existirem políticas públicas de incentivo à cultura que incluem também o audiovisual, como a Lei de Fomento à Cultura da Periferia, o Programa de Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), nem sempre esses investimentos são suficientes para acolher uma quantidade maior de ações.

“A gente simplesmente não está mais procurando nada [nesse sentido de editais, fomentos]. Da mesma forma que o mercado de trabalho fechou as portas pra gente, a gente chegava em um edital e encontrava 30, 20 páginas de burocracias e regras”, esse relato é do Bruno Maciel, 26, morador da Vila Missionária, zona sul de São Paulo. Bruno é diretor e um dos fundadores do Tomada Periférica, um coletivo que desde 2020 produz cinema nas periferias.

Bruno Maciel, cineasta, morador da Vila Missionária, zona sul de São Paulo, durante a gravação da série Romeu e Juliete, produzida pelo coletivo Tomada Periférica. (foto: arquivo do coletivo Tomada Periferica) 

Bruno conta sobre as dificuldades que o coletivo encontrou ao tentar acessar algumas políticas públicas. “Até então todo mundo do Tomada trabalha, não dá para ficar virando a noite fazendo editais etc. A gente até tentou se inscrever, mas desistiu, porque os resultados eram frustrantes”, comenta.

Ainda assim, em 2021, o Tomada Periférica, através de contatos e da repercussão do filme na internet, conseguiu furar parte do bloqueio da distribuição e fizeram uma sessão de exibição do filme “Dois Conto – a continuação barata de Dez Conto”, em uma sala comercial de cinema, em Santo Amaro, distrito da região sul de São Paulo.

Bruno Maciel na ponta esquerda e o elenco do filme “Dois Conto – a continuação barata de Dez Conto”, no dia da exibição no cinema, em 2021. (foto: arquivo do coletivo Tomada Periferica)

“Eu tô há 20 anos dentro desse universo do audiovisual e a primeira vez que eu consegui distribuir um filme meu foi ano passado [2022]”, conta Daniel. Segundo os cineastas entrevistados, em muitos casos, a justificativa que é dada pelos cinemas e streaming aos produtores periféricos, é de que os filmes não têm um determinado “padrão de exibição” para ocuparem esses espaços.

“A real é que existe um mercado muito fechado e determinado já para os herdeiros dessas grandes produtoras, que se isso não fosse verdade, qualquer um de nós, que cumprisse todos os requisitos que eles [grandes conglomerados de distribuição e exibição de filmes] querem, estava com o filme lá na Netflix, na Globoplay.”

Daniel Fagundes, fundador do coletivo Caramuja de Pesquisa, Memória e Audiovisual.

Sob a perspectiva de gênero, o audiovisual também tem suas barreiras, principalmente quando se trata dos cargos de liderança, como aponta Thais. “Pensando no nível nacional, teve aquela pesquisa [de 2016] da Ancine [que explicitou] que não teve nenhuma mulher negra na sala de cinema [como diretora ou roteirista], nas últimas décadas”, coloca a cineastas.

O nós por nós no cinema produzido nas periferias

Entre dificuldades e obstáculos, cineastas que atuam a partir das periferias desenvolvem soluções e se articulam para criar melhorias. “Na periferia, a gente acabou resolvendo a distribuição entre nós. Os cineclubes são lugares importantes de distribuição que a gente organizou. A maioria dos nossos filmes também estão no YouTube”, coloca Thais. No entanto, ela também aponta que esse modo de distribuição não costuma ser rentável.

Equipe do filme Um Bom Lugar, direção de Rosa Caldeira e Well Amorim, produção de Thais Scabio. (foto: Victoria Marcelino)

“Todos [os nossos filmes] a gente lança na internet, porque a internet está sendo a maior janela que a gente encontrou. O público geral não conhece os festivais, se a gente se limitasse aos festivais poderíamos ganhar um título ou outro, mas isso não é tão consagrado quanto você vê o Juca da padaria falando do seu filme. Tá ligado?”, diz Bruno Maciel.

Thais reforça que o audiovisual desempenha diferentes funções para além do entretenimento, e que ele pode gerar visibilidade para territórios e pessoas terem suas existências reconhecidas e registradas.

“A gente usa o audiovisual também com uma ferramenta de luta, para mostrar que a gente existe e resiste. Eu acho que o audiovisual para a gente é uma forma de sobrevivência, de denúncia, de trazer benefícios para a comunidade.”

Thais Scabio, fundadora da produtora Cavalo Marinho Audiovisual, da plataforma de streaming Todesplay.

Daniel menciona também que o cinema é uma ferramenta para criar novas narrativas. “[Para] que não sejam majoritariamente pessoas brancas em um lugar de poder a gente precisa que o cinema nacional [seja] diverso, [que] não só o cinema nacional das grandes produtoras possam disputar espaço na tela”. Ele ainda ressalta: “A nossa luta é para dizer que a gente existe”.