O auditório da Paróquia Santos Mártires recebeu a 2ª Audiência Pública sobre a criação do Instituto Federal Campus Jardim Ângela (IF Jd Ângela), que aconteceu no último sábado do mês de julho, na zona sul de São Paulo. A construção do campus faz parte de uma luta antiga dos movimentos sociais, estudantis e populares da região que, há mais de uma década, buscam garantir o que pode ser reconhecido como o primeiro equipamento de educação pública no Jardim Ângela, com vagas para cursos técnicos e de nível superior.
Com caráter informativo e consultivo, a audiência reuniu moradores, estudantes, educadores e lideranças comunitárias para dialogar à respeito do que ainda precisa ser feito para que a unidade de educação se concretize. O Instituto também deve atender moradores de distritos vizinhos, como no Capão Redondo, Jardim São Luís, Campo Limpo, entre outros.
Atualmente, o projeto aguarda a cessão do terreno e liberação orçamentária para a construção do prédio. Em julho de 2024, ao lado do Ministro da Educação, Camilo Santana, e do reitor do IFSP (Instituto Federal de São Paulo), Silmário Batista, o presidente Lula (PT) esteve no local e fez oficialmente o anúncio do campus.
Durante a audiência, Denilza Frade, diretora-geral do IF Jd Ângela, apresentou elementos técnicos e comentou sobre os avanços até então, que não seriam possíveis sem a luta dos movimentos sociais organizados.
“É muito importante a gente reconhecer todos que formaram esse grande cordão de solidariedade em busca de uma política estruturante, como é a do Instituto Federal, num bairro periférico como o Jardim Ângela, que até hoje, ainda não tem nenhuma oferta de ensino superior público.”
“Estamos trazendo uma política forte, uma política do governo federal, que vai beneficiar milhares de jovens, não só do Jardim Ângela, pois a presença de um Instituto Federal tem capilaridade municipal e estadual. E é preciso destacar que essa luta, inspirada pelo saudoso Padre Jaime, vem de longe. Ele que nos deixou esse legado de não desistir, de buscar. ”
Denilza Frade, diretora-geral do Instituto Federal Jardim Ângela.
A luta por um Instituto Federal na região enquanto uma conquista coletiva é um marco na região. “Sempre falaram da violência no Jardim Ângela, principalmente envolvendo os nossos jovens. Mas por que existe essa violência? Não temos políticas públicas de verdade. Se houvesse educação de qualidade, acesso à cultura, ao meio ambiente e à saúde, a história seria outra. O que combate a violência é investir em educação, é valorizar o professor, é garantir estrutura desde a base”, foi um dos pontos de reflexão que a aposentada e moradora do Jardim Vera Cruz, Maria dos Anjos, trouxe no encontro.
Para a jovem Geovanna, representante da Rede Ubuntu de Cursinhos Populares na audiência, além de acessar a instituição, é preciso também uma estrutura segura e acessível para que os estudantes consigam permanecer de forma digna. “A importância de ter um IF aqui no Ângela é que ele não beneficiaria só o Ângela, mas todas as regiões ao redor. Por ser um curso integral, muita gente acaba voltando muito tarde pra casa e isso gera medo, principalmente no trajeto de volta”, disse ao defender que a educação como ferramenta de transformação.
Reyna Destro, educadora socioambiental, conselheira municipal LGBT e integrante do Fórum de Luta LGBT da Zona Sul, reforçou sobre a presença de pessoas LGBTQIAPN+ nos espaços de ensino, para que ao longo da construção do IF, essa seja uma das demandas. “Que o Instituto Federal Jd Ângela [esteja aberto e sensível] para a inclusão das pessoas LGBTs, especialmente de pessoas trans. Sabemos que nos espaços de ensino, do básico ao superior, ainda são ambientes hostis para nós. Queremos e lutamos para mudar esse cenário.”
O cenário artístico e cultural também é parte das demandas de cursos da unidade. Gabriela Araújo, vice-presidenta do SATED-SP (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos), que representa profissões artísticas e técnicas, como atores, atrizes, técnicos de som, de luz, figurinistas, cenógrafos, entre outros, falou da falta de oportunidade de formação nessas áreas.
“Quem mora no Jardim Ângela, por exemplo, precisa ir até Santana ou ao centro de São Paulo para encontrar um curso gratuito na área cultural. Falta técnico de som, de luz, falta gente da maquinaria, e os próprios equipamentos culturais sentem isso. Por isso, proponho que esses cursos sejam pensados dentro da formação técnica federal também”, trouxe ao citar que o setor cultural tem muitas profissões que ainda são pouco conhecidas.
Diálogo com o território
De acordo com dados do Observatório de Indicadores da Cidade de São Paulo, apresentados pela diretora-geral, o Jardim Ângela registrava, até 2023, uma população de 308.974 habitantes, sendo o segundo distrito mais populoso da Sul, ficando atrás apenas do Grajaú, com 382.640 habitantes. Outro marcador importante é que o distrito tem a segunda pior expectativa de vida de São Paulo, com em média 62 anos.
Em 2020, o Jardim Ângela tinha uma população economicamente ativa de 168.750 pessoas. Já em 2023, cerca de 29.158 famílias viviam em extrema pobreza, com renda per capita de até um quarto do salário mínimo. Em 2004, 28.016 famílias foram beneficiadas por programas de transferência de renda.
“A zona sul tem realidades muito distintas. Basta comparar regiões como o Morumbi com o Jardim Ângela. A disparidade é enorme. [Falando da cidade de São Paulo em geral], estamos dentro de uma megalópole desigual, com múltiplas realidades, inclusive, em termos de emprego formal”, destacou.
Entre as ações que envolvem a implementação do Instituto, foi realizado levantamento pelo grupo de trabalho do IF para compreender, a partir da população, quais deverão ser as modalidades e áreas dos primeiros cursos ofertados pelo IF Jd Ângela. Denilza afirma que com essas informações, é possível entender melhor os interesses locais, sociais e culturais. “[Precisamos] mapear esses dados para compreender o que deve ser ofertado e como o campus pode dialogar com as potencialidades locais”, disse durante a audiência.
Uma pesquisa inicial aplicada pela equipe de gestão, indicou que há grande demanda por cursos técnicos. Os cinco cursos mais votados pela população foram: Técnico em Enfermagem; Técnico em Produção Cultural; Técnico em Desenvolvimento de Sistemas; Técnico em Produção de Áudio e Vídeo e Técnico em Administração.
Esse levantamento faz parte de um dos três princípios que baseiam a estrutura pedagógica que envolve a verticalidade, para que funcione como uma formação contínua; a transversalidade com o intuito de que os estudantes participem de pesquisa e extensão; e a territorialidade ao demarcar que os cursos precisam nascer das necessidades da região.
“[Do Jd.Ângela] até a reitoria do IFSP (campus sede), são quase 23 quilômetros. É muito longe. A gente tem um estudante, morador daqui, que precisa se deslocar todos os dias até o Campus São Paulo, fazendo essa travessia. E é por isso que a chegada de um campus aqui vai encurtar esse caminho e garantir que mais jovens tenham acesso ao ensino de qualidade”, explica Denilza, sendo que com a chegada do IF, as pessoas poderão estudar mais perto de casa.
Alisson, estudante do ensino superior (tecnólogo), e morador do Jardim Independência, no Distrito do Sacomã, ressaltou a necessidade de também pautar outras demandas que envolvem o acesso ao ensino, como o transporte e a garantia do passe livre. “Deixo a provocação para que haja uma linha de ônibus que passe pelas quebradas, levando as pessoas até perto do Instituto e também perto de casa.”
Ele também trouxe sobre o Instituto ter uma estrutura aberta à comunidade, como um restaurante popular que atenda não só os estudantes, mas também a população local. “Quando o espaço é acessível e movimentado, as pessoas se sentem mais à vontade para se inscrever e participar dos cursos”. “A luta tem que seguir nas próximas audiências e a gente espera que mais pessoas possam participar”, ressaltou o estudante em sua fala final.
A terceira audiência pública será no dia 12 de agosto, no Auditório do CEU Vila do Sol, que fica na Avenida dos Funcionários Públicos, 369.