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Moda como expressão de identidades nas periferias #30

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O que é “estar na moda” para você?  Nesse episódio falamos sobre moda para além de vestir uma peça de roupa, mas como uma ferramenta de identidade, pertencimento e cultura. 

Chegam com a gente nesse papo Renato Simões do Acervo do Reliquia e Pokito de Brechó, e Tamires da Silva (Tamirão), pesquisadora de moda periférica.

Felizs impulsiona venda de livros com Moeda Literária

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Já ouviu falar de economia criativa? No Campo Limpo, essa ideia ganha vida através da Moeda Literária, uma iniciativa que está revolucionando o acesso à leitura nas periferias de São Paulo. Com data marcada de 15 a 21 de setembro deste ano, a Feira Literária da Zona Sul (FELIZS), organizada pelo Sarau do Binho desde 2015, chega à sua 10ª edição com o  tema: “A Poética dos Caminhos – Donde Miras?”. Criadora da Moeda Literária, a FELIZS se consolidou como um evento cultural essencial no calendário paulistano.

Desde sua criação, a Moeda Literária tem sido um pilar na valorização da literatura periférica. Em 2023, foram convertidos R$10 mil em Moedas Literárias, destinados exclusivamente à compra de livros. Este ano, o objetivo é dobrar esse impacto, convertendo R$20 mil em Moedas Literárias, que serão utilizadas por alunos de escolas públicas, bibliotecas comunitárias e coletivos culturais da região.

A Moeda Literária exemplifica o conceito de economia criativa, que se baseia no uso da criatividade, cultura, conhecimento e inovação essenciais para o desenvolvimento econômico e social. A economia criativa abrange diversos setores, incluindo arte, música, literatura, design, moda, cinema e outros campos culturais e criativos.

Moeda Literária: Promovendo Cultura e Economia

Cédulas da Moeda Literária que movimenta a economia criativa e incentiva a venda de livros na periferia do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Foto: Thais Siqueira.

Criada para fomentar a venda de livros de editoras e autores independentes, a Moeda Literária circula no encerramento da feira, que ocorre anualmente em setembro na Praça do Campo Limpo. Segundo Suzi Soares, produtora cultural da FELIZS, “a expectativa é aumentar o valor para que mais alunos das escolas, bibliotecas e coletivas sejam contempladas, ampliando as oportunidades de vendas para editoras e autores.”

Escritora Dinha expondo suas obras e contando as Moedas Literárias que ganhou com a venda dos livros durante a Felizs. Foto Thais Siqueira.

Para a escritora e expositora, Dinha Maria Nilda, além de democratizar o acesso aos livros, a Moeda Literária fortalece a economia criativa local, oferecendo poder de compra, permitindo que os recursos sejam destinados às necessidades intelectuais, muitas vezes deixadas de lado devido às necessidades básicas do núcleo familiar.

 “a Moeda Literária torna o processo de aquisição de livros mais lúdico e acessível, favorecendo as editoras independentes e autores presentes na feira”,

Destaca a escritora Dinha Maria Nilda
Elizandra Souza, jornalista e escritora expondo suas obras durante a Felizs e mostrando a quantia em Moedas Literárias que conseguiu com as vendas. Foto Thais Siqueira.

Elizandra Souza, jornalista e escritora que expõe seus  livros anualmente durante a FELIZS, reforça a importância da iniciativa da Moeda Literária.

“Se fosse dinheiro, talvez os alunos das escolas que frequentam a feira não valorizassem tanto quanto o voucher da Moeda Literária, porque eles pesquisam qual livro vão levar por entenderem o valor social dessa moeda. É muito gratificante ver essa conexão entre os autores e os alunos, especialmente da escola pública”.

Ressalta a jornalista e escritora, Elizandra Souza.

Para os expositores, como Juninho, diretor editorial da Dandara Editora, por meio da economia criativa, à Moeda Literária promove a diversidade cultural e fortalece a identidade cultural dos moradores dos territórios periféricos.  “a Moeda Literária é fundamental para garantir a circulação e compra dos nossos livros, além de fortalecer o acervo de bibliotecas comunitárias e escolas. A Moeda Literária investe na difusão da literatura periférica e no fortalecimento de uma economia que circula entre nós”, conclui o diretor editorial.

Bloco do Beco lidera ações de formação cultural no Jardim Ibirapuera

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Dandara Kuntê, produtora cultural do Bloco do Beco, zona sul de São Paulo. Foto: Vinicius Ramos.

O Bloco do Beco foi fundado em 2002 com o intuito de manter viva a cultura das rodas de samba e do carnaval de rua, mas hoje, a iniciativa mantém a conexão com os moradores do território por meio de oficinas e atividades artísticas, como Escolinha de Bateria, Capoeira, Ginástica Funcional, Carimbó, Forró, Mosaico, Pilates, Samba Rock, Maracatu, Dança Livre, Percussão, Teatro e até Mutirão de Alfabetização.

Para garantir que as histórias e tradições culturais do Jardim Ibirapuera sejam passadas para as futuras gerações, o Bloco do Beco vem transformando o bairro em um lugar cada vez mais acolhedor e de pertencimento cultural para a população das periferias de São Paulo.

A produtora cultural Dandara Kuntê conta com detalhes para o Você Repórter da Periferia as diferentes formas de atuação da organização e o impacto na valorização cultural do Jardim Ibirapuera.

VCRP: O que você faz aqui no Bloco do Beco?

Eu sou a produtora cultural do espaço, recebi um convite dos gestores, entre elas a Carla que é a presidente do Bloco do Beco, a gestora coordenadora Mariana e o Luiz, que também é um dos direitos aqui do espaço.

VCRP: Qual é o papel do Bloco do beco na conservação da memória dos pontos históricos da comunidade?

Na década de 90 a gente teve uma questão muito forte de violência nos bairros Jardim São Luís, Jardim Ângela, Campo Limpo e Capão Redondo. Esses quatro bairros formavam um triângulo da morte, onde aconteciam vários assassinatos, aconteciam várias coisas ruins. Mas para além da violência, o Bloco do Beco é um dos primeiros espaços que vai puxando essa preservação da memória, para não deixar as memórias do bairro morrer. Na década de 90 também, para além dessa questão da violência, a gente teve os clubes de clubes de mães, que também foram e ainda são espaços de preservação da memória, e aí o Bloco do Beco chega também para somar.

VCRP: Quais são os principais espaços de atividades culturais?

Os principais espaços são a biblioteca do Bloco do Beco que fica aqui embaixo na Favela da Erundina e o próprio Bloco do Beco, que é esse espaço que a gente está, onde se concentra a maior parte das oficinas, reuniões de pessoas, a biblioteca, horta comunitária e o Ibira Lab.

VCRP: Como você vê a importância desses pontos históricos na comunidade?

A importância é gigantesca porque agora é pensando nesses espaços de educação não formal, que não seja só a escola ou a universidade. Com esses espaços não formais de cultura, saúde, lazer, etc, que estão concentrados aqui na região, a gente não precisa mais buscar fora porque a gente tem esses espaços aqui dentro da quebrada.

VCRP: O que você acha que tem surgido no território que é uma novidade na cena cultural e que deveria ter mais atenção e valorização? 

Eu fico pensando que as coletividades, como os grupos de mulheres e a galera LGBTQIAP+, que é uma galera mais nova, que está chegando para compor e construir juntos. Essa galera tem chegado com muito peso. Eu acho que a população precisaria olhar com outros olhos.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

Depois

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Oprê! E aí, como você está? Eu passei cerca de 1 ano pra poder refletir sobre minha escrita musical e buscas expressivas na música. Essa demora não se deu apenas por dificuldade de concatenar as ideias, mas por uma busca de poder sentir, passar pelo luto ou me ver nele e depois dele. Esse texto aqui contém gatilhos, esteja avisade se está correndo os olhos por aqui nessa humilde coluna. 

Estou com 43 anos e canto e componho canções autorais desde os 6 anos de idade. Em 2020 iniciei as gravações do meu primeiro EP autoral, o “Depois” (selo Pôr do Som 2023). Do lançamento do disco, que saiu em 23 de Agosto de 2023 até aqui, tenho encontrado em mim e na trajetória do disco mais do que eu conscientemente havia escrito ou planejado, talvez isso seja natural, dados os temas… 

O disco, mesmo sendo pequeno, singelo, com apenas 4 canções, tinha a pretensão de tratar sobre o tema futuridades, sobre saúde mental e sobre o luto, este último tema que eu acho que eu mais subestimava e que depois de ser provocado a escrever sobre isso aqui e passar por diversos medos pra concretizar essa escrita, resolvi encarar e rascunhar as palavras que seguem. 

Poéticas periféricas e pretas

Sou um homem preto, periférico, nascido no Bexiga. Eu e minha família passamos por diversas expulsões, empurrões e “chega pra lá” que a cidade de São Paulo reserva não apenas a mim, mas a várias corpas dissidentes e especialmente se essas corpas forem de pessoas pobres. 

Aos 7 anos meu pai me falava: “Não se engane meu filho, você é preto. Precisa fazer melhor que os outros, ter os dentes cuidados e andar sempre com os documentos por onde vai”. 

Esses alertas vindo de um pai baiano e retinto para um filho fruto da mestiçagem, dava pra mim a toada de como seria o século XX para pretes das periferias. 

Na minha infância ganhei de meu pai o primeiro livro do Clóvis Moura, a cartilha “O negro no mercado de trabalho”, com ilustrações de Maurício Pestana. Essa formação influencia muito a minha poética e a minha atuação cultural até os dias de hoje.

Na minha família, 3 homens negros foram assassinados. Vários de nós, homens negros nascidos no século XX, e mesmo agora, passamos por drogadição, alcoolismo e sofremos diariamente violência policial e a sistemática ocultação e/ou supressão das nossas sensibilidades e subjetividades. Meu pai e minha mãe, e toda minha família e a maioria das famílias periféricas sofreram e sofrem um bocado com aluguel, dificuldades de transporte e com o parco acesso a políticas públicas dignas, decentes, justas. 

Eu sou ex viciado em cocaína e convivo com a depressão desde o final dos anos 2000. Muitos acontecimentos me marcam e acho que fazem parte da escrita afetiva que desembocou no EP “Depois”, alguns deles aqui seguem: 

Em 2016 me aproximei do dramaturgo e hoje amigo Jé Oliveira, que naquele momento preparava a escrita da peça teatral “Farinha com Açúcar”. Em sua pesquisa sobre masculinidades e a subjetividade de homens negros ele me entrevistou. Foi uma experiência importante, tanto como desabafo, para rever alguns passos, quanto para pensar possibilidades e conhecer outras histórias como a de Akins Kintê, Allan da Rosa, Renato Ihu, Salloma Salomão, dentre outros entrevistados para a construção da peça. 

Naquele momento foi muito impactante olhar novamente para caminhada da minha família e refletir sobre sonhos, amores e sobre a morte tão presente no nosso dia a dia: a morte como medo, como possibilidade provável, como se ela se avizinhasse logo ali, na esquina dos vários bairros pobres onde mora a maioria de nós. 

Essa peça foi muito marcante pra mim, por vários motivos, entre os quais, um dos grandes, o fato da peça ser tributária a obra dos Racionais Mcs. 

Em 2017, a Zona Leste e os movimentos culturais da cidade perderam um grande poeta, ator, performer, a bixa preta Daniel Marques Sundiata, co-fundador do sarau “O que dizem os umbigos?”, do coletivo Bicho Solto e participante de vários movimentos de cultura como Rede Livre Leste, Fórum de Cultura da Zona Leste, Movimento Cultural das Periferias, dentre outros. 

Com a passagem de Daniel eu perdi um dos meus melhores amigos, com quem confidenciava minha luta contra a depressão, as dificuldades de viver como trabalhador da cultura e minha vontade de viver de cantar. Daniel foi e é marcante, como foi e é marcante a trajetória das poéticas periféricas dos saraus e dos movimentos de cultura dos anos 2000 a meados de 2018. Em algum momento a cena cultural irá reconhecer várias das sementes plantadas nesse tempo. Sou testemunha.

No meu disco, no EP “Depois”, quero feminagear/homenagear Daniel Marques e as lutas desse período, uma forma de cantar o que pensamos, sentimos, passamos e com o que sonhamos nós que sobrevivemos ao sumidouro de gente que é o território onde vivemos.

Os futuros 

No último ano, após o lançamento do disco, tendo lido muito, refletido e passado por um período de acompanhamento psicológico (na terapia) e espiritual (no candomblé) que tem me feito rever mais alguns passos. Esse tempo me permitiu reconhecer-me como um sobrevivente de suicídio, não apenas por váries amigues terem partido ao longo da minha vida, mas pela relação sensível que homens pretos tem com a passagem pro outro plano, pro Orun. 

Bem, você já deve ter lido em pesquisas e textos por aí, que homens negros são as vítimas mais prováveis desse tipo de evento traumático, evento que afeta além da pessoa, um círculo íntimo, amigues e familiares da pessoa que faz a passagem. As pessoas que fazem parte desse círculo próximo são sobreviventes de suicídio, mesmo que nunca tenham atentado contra a própria vida. 

Infelizmente nossa sociedade tem vários tabus e não fala abertamente sobre isso, seja entre nós ou nos meios de comunicação, o que faz com que a solidão nos leve mais e mais pessoas, que se sentem incompreendidas ou sozinhas em suas emoções e sentimentos. 

Em suma, tenho certeza de que não deveríamos falar sobre isso apenas em um mês ou dois do ano (me refiro ao Setembro ou Outubro amarelo). Meu primeiro disco me permitiu cantar sobre isso, direta e indiretamente. Tem me feito bem esse movimento de falar/cantar/escrever, mesmo que nem todas as pessoas percebam os assuntos mais profundos e tratados de forma indireta em “Depois”. 

Mesmo eu tendo que conversar muito por aí, ler “O que é o luto?” do Renato Noguera (recomendo muito) e passar por várias etapas internas para poder pensar e sentir melhor sobre.

Eu fiz uma promessa a Daniel Marques em seu leito de morte. Eu afirmei a ele (e a mim) que irei viver de cantar o que eu quero, porque gosto da máxima: “Eu escrevo o que eu quero”, do Sul Afrikano Steve Biko. 

De várias formas o EP “Depois” é uma afirmação da minha permanência nessa terra, afirmação da minha sensibilidade, mesmo que o futuro reserve muita ansiedade, incertezas e desejos não correspondidos. 

Firmar os pés na esperança e perseverança por novas manhãs tem sido o que decidi pra mim. Espero que isso possa ser uma premissa a dividir com pessoas que se pareçam comigo ou que passaram por algo parecido na vida. 

Nesse tempo violento em que vivemos, me questiono e canto sobre a possibilidade de se vestir de ternura e procurar em si e nos outres, os quilombos possíveis, de afeto, transformação e viradas, afinal, o futuro é incerto, mas há coisas que precisamos afirmar para poder firmar utopias, feitiços do tempo que afetem a nós dentro e fora de casa, por dentro e por fora de nós. 

Acredito, tenho FÉ nisso para poder abrir a janela e ver o sol. 

O “Depois” 

Algumas escolhas pro disco não são só estéticas ou poéticas, mas sim culturais (alguns diriam políticas). Eu adoto paridade de gênero nos meus trabalhos e opto por trabalhar com pessoas pretas, preferencialmente periféricas. 

Eu não acredito num bom futuro no qual as pessoas se fechem as possibilidades de outras contribuições, então mesmo dirigindo artisticamente o trabalho, gosto de contar com contribuições que vem para compor a “estória” do disco. 

Nesse sentido, destaco a direção musical do Ravi Landim, direção vocal de Estela Paixão, produção da Obara Produções (obrigado Paloma), as artes da capa do disco são construídas a partir de um quadro da Lê Nor,  tem a pintura corporal de Juliana dos Santos, adereços de Ana Pimenta, sessões de foto de Joyce Prado, animação de Alê Naslim no clipe de “Flor de Baobá” e finalização de arte de capa da maravilhosa artista Marisa Soou. 

Mais recentemente tive a oportunidade de gravar o clipe da faixa título “Depois”, com direção de Matheus Alencar e uma equipe pretíssima, jovem e periférica. Esse clipe, a ser lançado nos próximos meses, é gravado em película super-8 e ganhou menção honrosa na 11° edição do Festival Super Off, realizado no Centro Cultural São Paulo. 

O EP “Depois” deu trabalho a quase 40 pessoas pretas e por isso tendo a trabalhar com pouca intervenção eletrônica nos meus trabalhos. Ter pessoas por perto tem sido importante. 

Entre as participações especiais, o ator e premiado dramaturgo Jé Oliveira, que participa da faixa-título. Ao lado dele, na mesma composição, o pianista Fábio Leandro, do Aláfia. 

Em “Áfrika”, o brilho da cantora e preparadora vocal Estela Paixão, também integrante do Aláfia. Neste mesmo single, François Muleka traz suas texturas e linhas de contrabaixo. 

Para fechar o time de participações que compõe a canção “Áfrika”, Luedji Luna conclui poeticamente a necessidade de afirmarmos futuros que também são retornos. Amo esse dueto. 

As faixas

“Flor de Baobá”. Começamos o disco como num quarto, ouvindo o canto ao violão de uma forma melancólica e crua e com uma sonoridade latino americana. Ao longo da canção vão soando solos de violão, palmas e a voz se alterando passando para uma ternura, um acalanto quilombola. A levada da canção se liga afetivamente com a canção “Saudade”, de Chico César e Moska, canção interpretada por Maria Bethânia. 

“Sundiata”. Samba exaltação delicado feito como homenagem/feminagem póstuma. Numa escrita inspirada em Gonzaguinha, qualidades e características de Daniel Marques Sundiata e de seu orixá vão dançando verso a verso da canção. A progressão dos acordes, das percussões, ao fim alçam voo num coro vocal típico de sambas e de jongos, em melodiosos “laiá laiás”. 

Depois”. Clímax do disco. Uma introdução orquestrada, com piano, violão, viola de arco e clarinete chegam aos ouvidos para mostrar sonoramente as belezas de um futuro idealizado, lírico, belo e solar. Muitas dúvidas para o futuro vão sendo cantadas, muitas delas típicas do pós-pandemia. Ao fim da canção, o que começou com dúvidas, termina afirmando “a mata, o mar e os amores” no peito, no coração, em si. A letra dessa canção se liga afetivamente com a “Cair em si”, do Djavan. 

Áfrika”. Como uma cena final de um filme, o dueto com Luedji Luna é a sentença final do disco sobre como as memórias do passado, presente e futuro podem servir  para garantir o bem viver e as futuridades para as pessoas pretas das periferias do mundo. O coro vocal e as melodias, as pausas e as progressões de violão, o swing do baixo, das percussões ecoam o sagrado e a centralidade do tempo para o retorno simbólico as afrikanidades plurais.  

Saravá as futuridades e possibilidades do “Depois”!

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.


“Pertencimento está na terra, mas também onde você faz a luta”, diz Carlos Juann, do povo Pankararu

Carlos Juann Silva, 24 anos, morador do Real Parque, zona sul de São Paulo, saiu do Piauí com intuito de retomar suas raízes indígenas e se reconhecer em um novo território. Em São Paulo há 10 anos, o jovem conta que decidiu se mudar por não se sentir pertencente ao lugar em que vivia e não ter sua origem e identidade reconhecida pela família. No bairro do Real Parque, Carlos afirma ter sido acolhido pelo povo Pankararu, e assim deu início ao seu processo de autodescoberta.

Atualmente Carlos trabalha na Fundação Florestal, órgão do Governo do Estado de São Paulo, no Programa de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) Guardiões das Florestas, que remunera pessoas indígenas que contribuem com a preservação das Unidades de Conservação do Estado de São Paulo.

Como foi seu processo de retomada com o povo Pankararu?

Eu sinto que foi uma conexão e reconexão, foi uma conexão com o povo que eu ainda não conhecia, mas uma reconexão também comigo, porque a partir do encontro com eles eu pude começar a entender mais sobre mim, porque muito do que está na essência da cultura do povo Pankararu, lembra, não propriamente dita eu diria, mas a cultura da minha família. […] Eu cresci em uma bolha. Então depois que conheci o povo Pankararu, eu entendi que a minha bolha era muito mais do que só aquela e que eu precisava fazer esse resgate. Eu comecei a mudar um pouco o caminho, porque no começo eu não buscava fazer essa retomada, mas vivenciando todo o tempo que passei, eu fui entendendo que isso também sou eu, essa movimentação aqui que a gente chama de Real Parque.

Quais são os elementos de conexão que você tem com o povo Pankararu?

O primeiro elemento que eu vejo é a questão da migração para São Paulo que foi erguida por imigrantes nordestinos e dentre eles muitos indígenas. […] Eu me identifiquei muito com a luta entendendo essas movimentações que são feitas aqui e a conexão veio disso. O pertencimento está na terra, principalmente onde você nasceu, mas também onde você faz a sua luta, onde você se sente acolhido, onde você acaba tendo uma estrutura para poder pisar. Então esse eu diria que é um outro elemento importante de conexão que eu vejo enquanto famílias indígenas. Então seja o simples ato de estar na sua terra ou uma coisa mais específica de recobrar o nome do povo, que é o que eu tenho feito.

Como foi quando você se reconheceu como indígena? Como está sendo esse processo?

Quando eu percebi que tinha acontecido parecia que foi muito de imediato, mas já tinham passado muito tempo com essas vivências com o povo Pankararu nesse sentido de que antes de conhecê-los eu sentia um vazio muito grande que eu não conseguia atribuir a nada pessoal, não me encaixava em nada. Eu não gosto de nada e só pensava ‘nossa, eu sou estranho’, mas depois de passar por todas essas coisas que a gente vai percebendo, vivenciando e internalizando, depois de mais ou menos dois anos que eu conheci o povo Pankararu. Então seis anos atrás foi quando percebi que eu estava fazendo [essa] retomada. Eu estou buscando de volta o que é meu agora, a diferença é que eu estou fazendo isso com ajuda, com o apoio, com uma família que me alimenta, que me dá carinho, que me dá apoio no que eu preciso e torna muito mais fácil.

Quais são os desafios que você tem enfrentado como jovem indígena que está se redescobrindo?

Um dado interessante é que os grupos indígenas têm um índice muito mais elevado de taxa de suicídio do que outros grupos, exatamente porque envolve toda essa questão de diáspora, de migração forçada e a falta de entender por que estamos nessa situação, […] mas o que mais pesa é exatamente essa dificuldade das pessoas de entenderem que são vivências diferentes, é um dos maiores problemas para quem está em processo de retomada, está todo mundo muito machucado. 

E como está sendo para você esse processo de mostrar tudo que vem descobrindo e compartilhando com a sua família? 

Estão em meio a um processo de resistência […] é que eles me criaram falando “Ah, a gente é moreno, a gente é pardo”, e isso sabendo que era indígena. Quando a minha ficha caiu de entender que eles não queriam fazer esse resgate porque não só crescerem entendendo que aquilo era ser atrasado, mas também que não daria em nada, que eu não teria um futuro se eu tentasse buscar as minhas raízes, então já é um outro peso em cima de como eles veem marginalizadas as próprias raízes. […] Entendi que a necessidade deles de impedir a minha retomada era o medo de que isso fosse fazer com que eu não pudesse me sustentar. Hoje em dia meio que está passando esse processo, porque eles estão vendo que eu ainda consigo fazer esse resgate e trabalhar na área que eu gosto de estudar, que é a área indígena e ambiental.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

“A gente é indígena onde estiver”, diz Ketelyn Andrade, indígena do povo Pankararu

Ketelyn Andrade, 20, moradora do Grajaú, na zona sul de São Paulo, é indígena do povo Pankararu, que assim como muitos do seu povo vieram de Pernambuco para São Paulo, por questões socioeconômicas envolvendo o território. A jovem foi uma das participantes do Encontro Anual Pankararu 2024, realizado em agosto, no bairro do Real Parque, distrito do Morumbi, na zona sul de São Paulo.

Através do que aprende com os mais velhos, Ketelyn conta que está comprometida em passar os ensinamentos ancestrais para as próximas gerações de Pankararus, assim como já faz com seu irmão e primos. 

Em qual papel você se vê na continuidade da sua cultura?

Quando tem alguma representatividade em algum outro local eu procuro sempre estar ajudando. Também representando, porque eu levanto muito a pauta de sermos [indígenas] do contexto urbano, porque algumas pessoas desconsideram ser indígena e ser Pankararu por conta de morar no contexto urbano, no meio da cidade de São Paulo. Então isso é uma das coisas que a gente representa muito, que não é só porque estamos no meio da cidade que deixamos de ser indígenas. A gente é indígena onde estiver.

Como enxerga a interação cultural entre os mais novos?

A gente sempre preza e procura falar mais com os mais novos. Explicar para eles as nossas culturas, eu me considero uma mais nova, né? E cada dia que passa eu aprendo bastante, mas também tem meu irmão que as coisas que aprendo também procuro passar para ele, tem meus primos. A gente sempre preza bastante para eles terem o entendimento e conhecimento, porque um dia não estaremos aqui.

Como esse evento, os rituais e tradições reforçam essa relação?

Aqui é uma forma da gente agradecer. O evento é super importante, porque é uma forma de se conectar com a nossa espiritualidade. Durante o ano todo a gente pede proteção, saúde, esse é o momento que a gente pode estar agradecendo. [Também ter] nosso momento de ritual, de espiritualidade, coisas que a gente não consegue fazer com frequência, e isso é super importante, [com o encontro] a gente consegue ter essa conexão, graças a esse evento que a gente faz todo ano.

Como enxerga o futuro dos povos indígenas em relação ao território?

Eu vejo um povo com muito mais força, a gente conquistou bastante coisas, mas ainda creio que tem mais coisas para conquistar. Vejo nossa população crescendo, vejo mais Pankararus, mais indígenas e eu vejo uma uma força maior onde a gente possa lutar com os nossos parentes, onde a gente possa ter voz, poder falar e ter [nossa] voz escutada.

O que mantém essas tradições tão vivas ao longo do tempo?

[Passar] para os mais jovens e [praticar] nossos rituais, nossas crenças, a gente permanecer. Mesmo longe da aldeia, mas que continue agradecendo, continue acreditando, crendo, tendo fé. Passar para eles todas as nossas histórias, para que eles tenham consciência de ‘poxa, [são] meus ancestrais, né?’. Os povos mais experientes passaram por uma dificuldade [que] antigamente foi uma luta imensa só para poder ter o que tem hoje, então é sempre procurar melhoria para o seu próprio povo.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

       

Falha na aplicação da lei se torna obstáculo para educação antirracista na primeira infância

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“Capoeira tem uma série de fundamentos, é tão complexa que até hoje não [se] consegue definir se é luta, dança ou música”, é a partir dessa multiplicidade de funções que Joice Teixeira contextualiza sobre a prática. Segundo a educadora e cofundadora da coletiva N’Kinpa – Núcleo de Culturas Negras e Periféricas, quando reconhecida enquanto fundamento histórico, intelectual e filosófico do povo negro, a capoeira tem o potencial de ser uma ferramenta antirracista, inclusive na educação infantil.

Esse potencial da prática é vivenciado no cotidiano, como no caso da Maria Vitória, de 5 anos. “A minha filha é tão pequena e já sofreu racismo de uma coleguinha que falou que ela era uma criança preta, pobre e feia”, relata Silvia Cristina, mãe da Maria Vitória. Silvia é analista de relacionamento e junto com a filha moram no bairro Cidade Domitila, localizado no distrito de Jabaquara, zona sul de São Paulo. 

Maria Vitória mostrando uma das atividades que aprendeu com a capoeira. (foto: Pedro Oliveira)

Maria Vitória é ativa, se equilibra nos brinquedos do parquinho, corre e pula. No entanto, na hora da conversa ela é concentrada, presta atenção e fala pouco, mas muito sinaliza. Ela conta que gosta de brincar de capoeira e que quando crescer quer ser médica, para cuidar de crianças. 

A pequena comenta que outro dia na escola subiu no escorregador e acabou caindo, chorou, mas voltou a brincar. Assim como na capoeira que ensina como cair e levantar, ela já estava desbravando o brinquedo novamente. O relato da vivência da Maria Vitória com a capoeira é o corpo em movimento.

Maria Vitória se equilibrando. (foto: Pedro Oliveira)
Maria Vitória no escorregador. (foto: Pedro Oliveira)

“Infelizmente, aproximadamente com três [ou] com quatro anos, elas [as crianças] já [são] racializadas e conseguem contribuir para o fomento do racismo”, explica Jussara Santos, que é pesquisadora das infâncias, educadora, trabalhou na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, na área de educação infantil e atualmente é consultora da ONG CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades).

Desde 2023, Maria Vitória estuda na EMEI Cruz e Souza e foi por lá, através do projeto ‘Terreiros Nômades: Macamba faz Mandiga – Saberes Afrodiaspóricos nas Corporeidades da Cena’, da coletiva N’Kinpa, que ela teve os primeiros contatos com a capoeira e com outras manifestações culturais de origem africana. 

“A capoeira é a cultura dos nossos ancestrais. Então, ela vem agregando ainda mais no conhecimento e no fortalecimento dela [Maria] como uma criança negra”, 

Silvia Cristina, mãe da Maria Vitória, de 5 anos.

Joice, que também é pós-graduada em Cultura Afrodiaspórica e pesquisadora das culturas de origem africana, menciona que a N’Kinpa e as ações realizadas pela coletiva, que tratam de culturas originárias, africanas e afrodiaspóricas por meio da arte e da música, são sempre bem acolhidas pelos pequenos. “Na escola, com as crianças é espetacular, porque elas se entregam. Nós, adultos, que ensinamos às crianças serem racistas”, aponta a coordenadora da coletiva.

Capoeira e educação

O principal impacto que o ensino da capoeira tem sobre as crianças que vivem nas periferias, e que estão na primeira infância, é a desmilitarização dos corpos, como aponta Joice. “O sistema colonial militariza os corpos. Sentado em fileira, um olhando para a nuca do outro e o púlpito. Todas as vezes que a gente leva as culturas africanas, aí já vem com o estado laico, que nunca foi laico, e não vê o quanto, o tempo inteiro, a gente está vivenciando corporalmente a cultura religiosa cristã”, explica.

Jussara menciona que por parte das pessoas brancas, esse aprendizado dos valores civilizatórios africanos não deve se dar por meio da apropriação, mas através da ampliação do entendimento e percepção de mundo. A capoeira vai contribuir para toda e qualquer criança, porque ela parte da cosmovisão africana, então nós conseguimos aprender um projeto de sociedade antirracista a partir da capoeira, que traz a circularidade, a ludicidade, o axé”, coloca a educadora e pesquisadora das infâncias.

Para Joice, a educação tem um papel fundamental nesse aspecto de ampliar as narrativas e possibilidades de se enxergar e existir no mundo.

“Quando eu trago outras perspectivas, dos povos originários, da afrodiáspora, dos povos africanos em sua plenitude, desde a primeira infância, eu estou trazendo também para essa criança branca o imaginário de que ser humano é o corpo de uma forma geral e não somente o sujeito branco. A educação vem trazendo uma única versão em que o humano é [apenas] o sujeito branco”

Joice Teixeira, cofundadora da coletiva N’Kinpa.

Jussara e Joice apontam que o racismo, que também está nos direcionamentos do que será ensinado ou não nas escolas, afeta o desenvolvimento das crianças, de modo que, as crianças negras, tendem a ter autoestima baixa, sentimento de inferioridade e insegurança. “Para as crianças brancas, eu trago esse imaginário de que elas não são superiores e para as crianças pretas de que elas não são subalternas”, afirma Joice.

Aplicação das leis

O ensino da capoeira nos estabelecimentos de educação foi reconhecido como lei em 2021. A Lei 17.566 determina que o ensino da capoeira deve ser integrado à proposta pedagógica de educação das escolas da rede municipal de São Paulo. Porém, Jussara menciona que essa lei não é aplicada. A pesquisadora atuou de 2020 a 2023, no Núcleo de Educação Étnico-Racial (NEER) da Secretaria Municipal de Educação (SME), e participou da construção do Currículo da Cidade, de 2022, que contém orientações pedagógicas antirracistas para professores da rede municipal.

A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo confirmou que a lei municipal ainda não foi regulamentada e informou que criou “um Grupo de Trabalho através da Portaria SME N° 4.964/2024, com participação de membros de segmentos da Pasta e representantes da sociedade civil, mestres de capoeiras, acadêmicos e membros de coletivos voltados à promoção da capoeira na cidade de São Paulo”. 

Segundo a SME, “o objetivo é construir uma proposta estruturada de implementação da capoeira em todas as Unidades Educacionais da Rede Municipal de Ensino, discutindo formas e procedimentos a serem desenvolvidos.”

Segundo Jussara, o mesmo acontece com a lei federal 10.639, que existe desde 2003, e determina a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira em todo currículo escolar, mas não é amplamente posta em prática.

A pesquisa Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, realizada em 2022, pelo Geledés e o Instituto Alana, obteve resposta de 1.187 secretarias municipais de educação, equivalente a 21% dos municípios do país, e constatou que dessas secretarias, 71% não aplicam a lei federal, ou realizam pontuais ações voltadas para o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas.

“As leis surgiram de ativismo para poder ter possibilidades de trabalhar [nas] instituições ou dentro das políticas públicas, e mesmo [assim] a gente ainda não consegue trabalhar, porque elas ainda não são aplicadas e às vezes não são nem conhecidas”, menciona Joice, cofundadora da coletiva N’Kinpa, que realiza o projeto ‘Terreiros Nômades: Macamba faz Mandiga – Saberes Afrodiaspóricos nas Corporeidades da Cena’.

Falha na aplicação da lei se torna obstáculo para educação antirracista na primeira infância
Joice Teixeira no encontro Terreiros Nômades e a Comunidade, que aconteceu na EMEI Cruz e Sousa, com a participação do mestre Tião Carvalho. (foto: Pedro Oliveira)

Ela também comenta que já trabalhou em uma escola que não tinha nada sobre a cultura ou história afrodiaspórica, e que chegou a sofrer violência racial nesse espaço. Joice afirma que lidar com a burocracia, com o sistema colonial das instituições e alcançar o entendimento de que as perspectivas de mundo e as manifestações de origem africana não se limitam a religiosidade e ao entretenimento, são os principais desafios para aplicar a educação antirracista nas escolas.  

“O nosso maior desafio é a gente, por exemplo, falar de Exu como filosofia e não como religião, porque ele também pode ser, mas ele não é somente. Esse é o grande desafio de trabalhar culturas originárias, afrodiaspóricas e africanas, porque é pluri, não é mono, e a forma como a colonização e as instituições, [sendo] a escola é uma delas, quer trabalhar [é] fazendo com que a gente caiba nesse lugar. Como se eu quisesse ações antirracistas sendo racista”, finaliza Joice.

Essa reportagem foi contemplada pelo edital Bolsas de Reportagem A Primeira Infância como Pauta Prioritária, promovido pela Ajor, Associação de Jornalismo Digital, e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.

“O artesanato é parte principal de nós indígenas”, diz Alaide Feitosa, cacique do povo Pankararé

Alaide Feitosa, 73, moradora de Osasco, região metropolitana de São Paulo, é artesã e cacique do povo Pankararé, da cidade de Paulo Afonso, na Bahia. A artesã esteve presente no Encontro Anual Pankararu 2024, realizado em agosto, no bairro do Real Parque, no distrito do Morumbi, na zona sul de São Paulo, e ao longo do evento compartilhou ensinamentos a partir de suas produções.  

Criadora da Associação Indigena Pankararé, Alaide busca preservar e transmitir a cultura indígena no contexto urbano na periferia de São Paulo, através do artesanato e da educação, o que aponta ser essencial para a continuidade das tradições dos povos indígenas.

Alaide Feitosa, cacique do povo Pankararé. Foto: Lauane da Silva

Como que a tradição indígena e os seus ensinamentos sobre o artesanato influenciam no seu território?

O artesanato é a parte principal de nós indígenas. É onde a gente fortalece mais a nossa cultura. Sempre [vou] passar para os jovens o que aprendi com os meus avós, com os meus pais, e passar para os mais novos é muito importante para nós.

Quais são os materiais usados para a produção dos artesanatos e onde buscam?

Para fazer os artesanatos é preciso buscar cabaça, coité – que é para fazer os marakas, fibra de caroá para fazer saias e bolsas. Buscamos na Bahia, [pois] a aldeia fica próximo à cachoeira de Paulo Afonso.

Como a educação e a conscientização do artesanato na escolas ajuda com a valorização da cultura dos povos indígenas?

Com as palestras que faço nas escolas vejo que tem algumas escolas que não tem interesse e agora tem algumas que mostram [esse interesse]. Quando faço palestra nas escolas sempre falo que é falta de respeito colocar cartolina para crianças desenharem e cortarem, e falar que está representando os indígenas, porque o que nos representa é a coroa, pena e semente, não o papel.

Qual a importância de passar esses ensinamentos para os seus filhos e netos?

Fico muito contente. A minha cultura é onde eu estiver e sinto que após a morte do meu pai eu tive a obrigação de manter o legado e passar para frente a nossa cultura. Já fui em várias conferências em Brasília e tenho orgulho do meu povo.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

Mestre em psicologia discute acesso a saúde mental de atletas das periferias

Em frente ao Centro Educacional Unificado (CEU) Inácio Monteiro, localizado na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, o coletivo Love Skate CT realiza diversas atividades educativas, culturais e sociais que estimulam o desenvolvimento de jovens atletas de skate no território. Uma das iniciativa do projeto é a realização de sessões de psicologia radical, que visa cuidar da saúde mental e emocional de crianças e adolescentes que sonham em ser atletas profissionais.

Dentro do espaço cultural Love CT há uma sala que abriga cerca de 30 crianças e adolescentes numa manhã de sábado. Com olhos e ouvidos atentos, eles participam da palestra de Alberto da Silva Santos, 38 anos, mestre em psicologia pela PUC, conhecido no território como Tobé.

O especialista em psicologia do esporte conversa com os futuros atletas sobre os desafios de manter a concentração, foco nas atividades, controle de emoções em situações difíceis, entre outros assuntos. Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, Santos conta como uniu a psicologia do esporte com o skate para trabalhar com crianças e adolescente no coletivo Love CT.

Alberto da Silva Santos, psicólogo esportivo e Nicolas Santos, repórter do VCRP. Foto: Lucas Patrick, jovem da 8ª edição do Você Repórter da Periferia (VCRP)/Agosto 2024.

VCRP: Como você enxerga o acesso de atletas das periferias ao acompanhamento psicológico?

Alberto da Silva: O pessoal que é atleta e consegue ter suporte psicológico geralmente é quem tá em Clube como cadete, de forma geral, a galera não tem muito (acesso), não que não reconheçam a importância, não tem porque ainda é caro né? Até eu que cobro barato, na verdade é complicado porque já é caro pra realidade daqui, então a galera tem pouco acesso e não é um serviço disponível nos equipamentos públicos, como é algo bem específico de fato, dificilmente consegue por um valor social ou preço mais baixo, então a galera reconhece, alguns conseguem correr atrás de alguma forma, mas nem todo mundo consegue acessar.

VCRP: Você nota mudanças nos atletas que passaram por esse acompanhamento psicológico?

Alberto da Silva: O skate não é uma parada que acontece isolada da sociedade, então, ele fica à mercê também de todos os produtos sociais relacionados ao racismo, exclusão, preconceito e por aí vai, então quando o skatista periférico tá lá naqueles ambientes, aquelas feridas de alguma forma gritam e depois de um trabalho de psicologia do esporte o que eu tenho observado, assim como efeito, é o empoderamento que essa pessoa tá fazendo lá né? Porque a psicologia do esporte não é só uma parada de trabalhar motivação e concentração, às vezes é acolher sentimentos que nunca foram acolhidos como uma tristeza de violência racial ou exclusão. Então quando essas pessoas têm esse espaço para que essas dores e feridas sejam acolhidas e genuinamente reconhecidas é quando elas conseguem tirar um peso das costas, para conseguir estar bem lá e consciente de tudo que tá acontecendo, e entendendo a sua própria história sem medo e sem receio, sendo que são do tamanho que são.

VCRP: Por que ex-atletas também precisam desse acompanhamento psicológico?

Alberto da Silva: A gente vê jogador de futebol que jogou na Itália, mas depois de muitos anos depois de ter se aposentado quando foi ver tá morando no seu carro importado, sem grana nenhuma mais, então é isso que a gente chama de transição de carreira, ela é mais complexa para os atletas que não vem de famílias com posses, que vem de quebrada, então é algo complexo de se trabalhar, e nós estamos falando também de atletas em sua grande maioria pessoas pretas, e aí junta isso vem todos os reflexos do racismo. Tem muita gente que não consegue fazer essa transição de carreira de maneira adequada, primeiro porque a sua vida profissional enquanto atleta não lhe rendeu frutos o suficiente, então essa pessoa ela sempre foi atleta profissional mas teve que se dedicar a alguma outra atividade para se manter.

VCRP: Como a cobrança extrema realizada pela sociedade afeta os atletas negros e periféricos?

Alberto da Silva: Quando a gente fala de atletas negros e periféricos, essa questão da cobrança após uma falha é muito mais pesada. Não se perdoa falha de pessoas brancas como se perdoa a falha de pessoas negras, periféricas, nordestinas ou indígenas, e aí quando a gente fala dessa cobrança, a gente fala dos mesmos contrastes sociais que acontece na sociedade de uma forma geral. Dá para pensar numa cobrança externa e como isso pouco a pouco se torna uma auto cobrança e ao longo do tempo se torna algo interno para o atleta. Hoje em dia, tem muito atleta pedindo desculpa por não conseguir alcançar o quarto lugar, mas como assim? Você está entre os quatro melhores atletas de uma competição! Por que está pedindo desculpas? Essa é uma forma como a nossa sociedade age de modo geral.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

A importância do CAPS e tratamentos adequados para pessoas em sofrimento psíquico #29

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Nesse episódio falamos sobre como pensar o cuidado em saúde mental está relacionado a eliminação de todas as formas de manicômios, o que inclui as comunidades terapêuticas. 

Com a participação da Elaine Vasconcelos e da Claudia Moraes, do Fórum Popular de Saúde Mental da Zona Leste de São Paulo, e também da Rosimeire Bussola, psicóloga, perifanalista e integrante da PerifAnálise, o episódio aponta o que esses espaços representam para população preta e periférica, e como iniciativas das quebradas contribuem para fortalecer políticas públicas de saúde mental e psicossocial.