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Gestão da ausência: dados mostram o cenário das ações solidárias nas periferias de SP

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Como combater uma pandemia com doação de cestas básicas e kits de higiene? Em busca de uma resposta, entrevistamos atores sociais que fazem parte de 14 iniciativas de base comunitária nas periferias de São Paulo e cidades vizinhas, como Osasco e Taboão da Serra. Essa é a primeira reportagem da série “Gestão da Ausência”, na qual o Desenrola, por meio do Info Território, programa de pesquisa que investiga as invisibilidades sociais das periferias, vai apresentar dados sobre as ações solidárias que tem se espalhado rapidamente pelas bolsões populacionais, como resposta a ausência programada do poder público nesses territórios. 

Através de um levantamento realizado pelo Info Território, programa de produção de dados do Desenrola e Não Me Enrola, entre 1 a 10 de maio de 2020, acompanhamos o trabalho de 14 ações solidárias promovidas por organizações sociais, coletivos, times de futebol e movimentos sociais, que atuam em territórios periféricos localizados nas quatro regiões da cidade de São Paulo, apoiando famílias que enfrentam inúmeras dificuldades, principalmente em meio a pandemia da covid-19. 

Das 14 ações analisadas, 7 não possuem nenhum tipo de apoio de empresas ou do poder público, mas ao menos 3 dessas contam com a ajuda do comércio local.

O levantamento também mostra que somando os resultados das 14 ações que estão espalhadas nas regiões da cidade, já alcançaram mais de 7 mil moradores das periferias, com a distribuição de quase 6 mil cestas básicas, que em sua maioria contam com itens como: arroz, feijão, macarrão, açúcar e óleo. A média de integrantes do núcleo familiar apontada pelo estudo é de quatro pessoas.

Apoiar famílias e moradores de regiões periféricas não é algo novo para diversos grupos, organizações, coletivos, movimentos culturais e sociais, que há muito tempo realizam o trabalho de assistência básica que deveria ser obrigação do Estado. A mobilização coletiva faz parte do dia a dia das periferias muito antes da chegada da pandemia do coronavírus. A diferença é que nesse momento, os esforços precisaram ser triplicados.

Com o aumento no número de casos de covid-19 nos distritos localizados nas periferias, uma das maiores preocupações dos moradores dessas regiões está ligada a urgência de suprir necessidades básicas do cotidiano, como acesso à itens básico de higiene pessoal e alimentação. Na falta de ações propositivas de gestores públicos, muitas redes de apoio humanitário foram criadas para amenizar a situação de diversas famílias.

Zona Leste: agentes culturais fazem a gestão do bairro 

 É possível encontrar exemplos de redes de apoio coletivo em todos os cantos da cidade. Em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo, a Ocupação Cultural Mateus Santos que tem como foco de atuação lutar pela garantia do direito à cultura, reforçou seu trabalho na região.

“Dado o contexto atravessado pelas comunidades do bairro, tornou-se imperativo que os grupos que fazem articulação comunitária no bairro pudessem também dar conta e desenvolver ações para atender as pessoas neste momento”, relata Gil Douglas, integrante da Movimento Cultural Ermelino Matarazzo, que organiza a ocupação. Gil ainda compartilha que além da ocupação, outros grupos locais também se movimentaram neste sentido, como o grupo Batakerê.

Através das ações dos grupos locais e da Ocupação Cultural Mateus Santos, que acontecem sem apoio do poder público ou de empresas, já distribuíram em média 175 cestas básicas.

“Cada cesta vai acompanhada do kit de higiene, contendo: Cândida, detergente, pasta de dente, sabonete, absorvente, papel higiênico. E também, itens adicionais, que chamamos de Kit Afeto: Uma bijuteria, um gibi e um zine informativo”, finaliza Gil.

Distante cerca de 15 quilômetros da Ocupação Cultural Mateus Santos, a rede de coletivos São Mateus Em Movimento organiza e cadastra moradores para receberem cestas básicas e kits de higiene. O trabalho que mobilizou artistas da Vila Flavia e de outros bairros localizados no distrito de São Mateus já atingiu mais de 400 famílias.

O trabalho na rede São Mateus Em Movimento começou logo no início do período de isolamento social na cidade de São Paulo. 

“Começamos as doações no início da quarentena, onde os locais de trabalho estavam fechados, muitos sem pagamento de salário ou qualquer direito trabalhista garantido. Nós pensamos nessas pessoas e principalmente nas mães que encontram ainda mais barreiras nesse sentido”.

conta Rafaela Santos, uma das organizadoras das ações solidárias promovidas pela rede de coletivos culturais.

Entrega de kits de higiene São Mateus, zona leste. (Foto: Anderson Costa)

Zona Norte: Rede de apoio humanitário mapeia 20 mil famílias afetadas pela pandemia 

Na zona norte de São Paulo, a Rede Apoio Humanitário nas e das Periferias, tem realizado entrega de cestas básicas, e conta com o apoio uma empresa local que fornece um caminhão com combustível para realizarem as entregas. A ação é coordenada pelas organizações: Periferia é o Centro, Frente Favela Brasil, Nova Frente Negra Brasileira, Rede Quilombação, Rede Geração Solidária, INTECAB-SP, Cristãos contra o fascismo e FUNANI.

“Essa é uma ação que na verdade já desempenhamos há muito tempo. As ações de cada organização que compõem a rede ou até mesmo dos pólos de arrecadação já tem um histórico de luta no que tange a superação das desigualdades raciais, gênero e sociais em nossa sociedade. É nós por nós desde sempre. A questão é que com a crise do coronavírus escancarou de vez essa problemática”, afirma Jesus dos Santos, integrante da Rede.

Uma das soluções elaboradas pela Rede de Apoio Humanitário foi a criação de um aplicativo que aproxima doadores de iniciativas que estão realizando a distribuição de alimentos nos territórios. 

“Temos uma responsabilidade com o nosso povo. Somos que nem as mais de 20 mil famílias afetadas, identificadas em nosso mapa georreferenciado. Nós enxergamos nessas famílias. O horizonte é atender o máximo de famílias possíveis, entendendo inclusive que o mapa georreferenciado (o qual nesse momento desenvolvemos um aplicativo) tem por objetivo aproximar doadores e receptores através de articulações comunitárias, e torcendo que outras iniciativas apareçam para que juntas possamos fortalecer essa corrente da solidariedade”.

conclui Jesus dos Santos.

As soluções criadas a partir e para as periferias, por seus próprios moradores, não se limitam a distribuição de alimentos. A movimentação acontece através de diversas frentes, de formas variadas, mas com objetivos em comum: fortalecer aqueles que são os primeiros a sentirem os impactos da falta de suporte do Estado. 

Levantamento realizado pelo Info Território, programa de produção de dados do Desenrola e Não Me Enrola, entre 1 a 10 de maio de 2020, acompanhando o trabalho de 14 ações solidárias promovidas por organizações sociais, coletivos, times de futebol e movimentos sociais, que atuam em territórios periféricos de São Paulo, apoiando famílias que enfrentam dificuldades, principalmente em meio a covid-19. Arte: Flávia Lopes.

Aluna e professora da Brasilândia lutam contra as adversidades do ensino a distância

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Recentemente, noticiamos como alunos de cursinhos populares estão travando uma luta desigual para se preparar para o Enem durante a pandemia. Hoje, entrevistamos Aisha Gabrielle, 14, aluna da rede pública de ensino da Brasilândia, um dos distritos mais afetados pela pandemia de coronavírus, para mostrar como ela está lidando com as dificuldades para acessar a plataforma de ensino à distancia da rede municipal de educação de São Paulo. Neste cenário, você vai conhecer também o trabalho da professora Aline Marks, educadora que atua em escolas públicas deste distrito da zona noroeste e criou recentemente uma campanha de doação de tablets e notebooks, para amenizar os impactos do ensino remoto nos processos de aprendizagem de alunos das periferias. 

Aisha Gabrielle,14, moradora do Jardim Guarani, bairro localizado no distrito de Brasilândia (Foto: Arquivo Pessoal)

Não é de hoje que o celular se tornou em uma ferramenta aliada da população jovem para realizar inúmeras tarefas digitais do cotidiano. No entanto, em meio à pandemia de coronavírus, o aparelho eletrônico demonstra inúmeras falhas de usabilidade para quem precisa usar o smartphone para rotinas de estudos a distancia. Essa é a realidade de milhares de jovens alunos que estão matriculados na rede pública de ensino nas periferias de São Paulo.

Umas dessas alunas é Aisha Gabrielle,14, moradora do Jardim Guarani, bairro localizado no distrito de Brasilândia, uns dos mais afetados pelo Covid-19 em São Paulo. Ela está cursando a nova série do ensino fundamental, porém se sente frustrada, porque desde abril, não conseguiu acessar a plataforma digital de ensino, período no qual as aulas on-line foram abertas para os alunos da rede municipal de ensino.

“Em nenhum dia eu conseguir acessar o site e o aplicativo, por conta dele não entrar em nenhum momento. Eu tento, tento, mas ele nunca entrou e infelizmente eu ainda não conseguir entrar,” descreve Aisha, relatando os momentos difíceis que tem passado ao ser prejudicada pelo fato de não conseguir acessar as aulas online durante a quarentena.

Pelo fato de Gabrielle não ter um computador em casa, o único dispositivo disponível para acessar a internet é o celular. Ela conta que para realizar suas tentativas frustradas de assistir suas aulas é preciso pedir o celular da sua mãe empresta, porque o dela não está em condições para uma boa experiência de navegação e visualização de arquivos. “O meu não tem condições, não tem memória suficiente”.

Segunda a estudante da rede municipal de ensino, ter um computador neste momento facilitaria muito a sua rotina diária cercada por dificuldade técnicas para acessar os conteúdos didáticos.

Durante o tempo que deveria esta em aula Aisha tenta se distrair com as coisas que tem disponível em sua casa, lendo um livro ou empinando pipa. O último livro que leu foi Raízes – A saga de uma família , que conta a história do guerreiro africano Kunta Kintê.

Aisha esclarece que as suas maiores dificuldades estão relacionadas ao processo de login na plataforma. “O que mais me impede é o modo de entrar, isso que está me incomodando, isso que está me prejudicando é o jeito de entrar”, conta a jovem narrando as tentativas frustradas de acessar o sistema. Ela finaliza demonstrando uma inquietação com o seu futuro nos estudos. “Fico preocupada em conseguir ter algum futuro, mesmo sabendo que isso vai passar um dia, eu me sinto bem prejudica”.

Professora mobiliza doações de tablet, notebook e computadores para alunos da Brasilândia

Diante dessa percepção de inadequação dos alunos ao universo do ensino a distância, Aline Marks, professora de história da rede municipal de ensino na Brasilândia, que atua com pesquisas voltadas a adolescentes e desenvolvimento de jogos voltados para educação, observou o contexto onde está inserida e teve a ideia de articular uma campanha para doação de tablets, notebook e computadores, para tentar suprir as dificuldades de jovens de territórios periféricos.

“Quem sabe se a gente conseguir equipamentos tecnológicos para essas crianças e adolescentes, eles podem conseguir na suas próprias comunidades alguma acesso à internet. Foi nesse momento que surgiu a ideia oficial de criar um texto e compartilhar com minha rede de contatos”, lembra a professora, sobre a forma como surgiu a ideia para criar a campanha, que está sendo divulgada em seu perfil pessoal no Instagram e Whatsapp.

Surpresa e animada com o crescimento que sua iniciativa tomou, a professora revela que colegas de trabalho estão aderindo a mobilização de doações, para espalhar a ideia, a fim de chegar em possíveis doadores. “Aqui na região da Brasilândia os coordenadores e diretores estão sabendo da proposta. Eles estão conversando com outras redes para tentar viabilizar alguma coisa, como entrega e recepção das doações.”

Até o momento a campanha já arrecadou um tablet, um notebook, e dois computadores, porém as distribuições ainda não foram feitas, pois Marks conta que ainda está estudando com será feito, para evitar aglomeração de alunos. “A gente está em planejamento ainda, mas a ideia é que a gente consiga com as direções e coordenações das escolhas públicas aqui de São Paulo primeiro, quem são os estudantes que não tem nenhum equipamento e como a gente pode chegar até eles”.

Aline enfatiza sobre a necessidade de uma inclusão digital, para que os meios de educação a distância funcione para todos. “Eu penso que a gente tá vivendo uma ‘pseudo escola’, a gente tá tendo que se reinventar de várias formas, mas não é uma invenção que seja equitativa, e uma reinvenção que exige não só o equipamento, não só a internet, mas uma habilidade de acessar isso”.

A professora relembra que o ensino remoto que está sendo praticado nesse contexto é diferente do ensino à distancia, pois além da preparação dos materiais já planejados, existe a opção do aluno, algo que já não ocorre no ensino remoto das escolas públicas, no momento que se tornou uma medida de urgência.

“As metodologias do EAD são pensadas e adaptadas com tempo e os estudantes se matriculam já sabendo das condições de acesso. Que precisam ter internet e equipamento compatível. Então, além da intencionalidade e da preparação do material e das aulas pelo professor, existe também a intencionalidade do estudante que escolheu o ensino à distância”, explica Aline, mostrando o porquê não devemos comparar o ensino a distância que já tem metodologias de aprendizagens mais elaboradas com o atual momento que os alunos da rede pública estão vivenciando durante a pandemia.

Marks defende a difusa de uma cultura, para introdução de novos métodos de ensino. “Além de precisarmos aprender e ensinar a aprendizagem remota, também precisamos encontrar meios para alcançar aqueles que não têm acesso algum”, conclui a professora.

“Parece um código de barras”, diz fotógrafo sobre a paisagem do Cemitério São Luiz

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Pilotando um drone há 400 metros de altura, fotógrafo do Campo Limpo registra transformação do Cemitério São Luiz durante a pandemia de coronavírus.

Cemitério São Luiz, zona sul de São Paulo, durante a pandemia de coronavírus em maio de 2020. (Foto: Marcelino Melo | Menino do Drone)

Medo, tristeza e impotência. Esses foram os sentimentos que tomaram conta do fotógrafo Marcelino Melo, morador do Jardim Piracuama, bairro localizado no distrito do Campo Limpo, ao produzir durante as últimas quatro semanas uma série fotográfica composta por 40 imagens aéreas sobre a transformação da paisagem do Cemitério São Luiz, localizado na zona sul de São Paulo, durante a pandemia de coronavírus.

Nesta quarta-feira (13), o fotógrafo fez novos vôos para captar imagens e mesmo elevando o seu drone a altura máxima de 400 metros, ele não conseguiu registrar com exatidão a quantidade de covas que estavam sendo abertas por oito máquinas escavadeiras, devido à gigantesca dimensão do terreno do cemitério que está em processo de adequação para receber novos sepultamentos.

A iniciativa surgiu após Melo assistir o vídeo poesia produzido pelo rapper Cocão a Voz em parceria com o jornalista João Wainer, divulgado na primeira quinzena de abril, para alertar a população sobre o impacto da pandemia na vida dos moradores das periferias. Ao sentir o peso da mensagem transmitida pelo vídeo, ele decidiu iniciar um registro independente e contínuo da área no entorno do Cemitério São Luiz. O local tem passado por muitas transformações, devido o crescente número de sepultamos de moradores, vitimas do novo coronavírus ou de doenças respiratórias causadas pelo covid-19.

“Eu sobrevoei motivado pelo vídeo, mas não esperava ver aquilo ali. Quando eu vi aquele monte de cova deu uma sensação de medo, impotência e de tristeza muito grande. Eu comecei a tremer”, relembra o fotógrafo.

Melo trabalha como educador na Fábricas de Cultura do Jardim São Luís há dois anos. O equipamento cultural fica ao lado do cemitério. Nesse meio tempo, ele vivenciou uma paisagem do bairro que passava por muitas transformações culturais, afastando a imagem histórica difundida pela mídia tradicional brasileira de que o território abriga o “cemitério do crime”, conhecido por sepultar muitas pessoas vitimas de violência policial e conflitos do crime organizado nas décadas de 90 e 2000.

“A cada clique que eu fazia as fotos a minha reflexão era a mesma: era o número, a quantidade de covas que tinha ali, isso era assustador”, descreve ele, relatando a sensação de estar vivendo um genocídio invisível. “Quando se vê de 100 a 300 covas enfileiradas, a sensação é de genocídio. A história está se repetindo e chegou a nossa vez e encarar isso, não é fácil. Mas na real, eu nem sei se eu estou encarando e seu eu tenho a dimensão real disso”.

“A terra revirada insinua a morte. Parece um código de barras visto do alto”

Para realizar as imagens não foi necessário estar dentro do cemitério, além disso, o drone utilizado por Melo viabiliza uma produção de imagens com bastante qualidade, fato que o motivou a registrar as imagens com o objetivo de distribuí-la para a população, por meio de suas redes sociais e portais de jornalismo periférico.

“Quando eu fiz as fotos eu entendi naquele momento que essas fotos não eram para ficar pra mim. Isso aqui é informação. Eu não tenho carinho por essas fotos e não quero reconhecimento”, enfatiza ele, destacando que o maior objetivo é alertar a população local, por meio das imagens, sobre o que está acontecendo ao lado da casa delas, mas que ainda é difícil para ser compreendido.

O fotógrafo encontra nas imagens aéreas uma definição do seu interesse pelo registro da paisagem. “Não é foto de enterro ou caixão que eu estou procurando. A terra revirada insinua a morte. Isso é o que mais me incomoda. Parece um código de barras visto do alto”, argumenta Melo, relembrando que um amigo fez um comentário em suas redes sociais fazendo essa comparação com o leitor de produtos industrializados.

A cada semana, o fotógrafo se deparava com a simbólica imagem do genocídio, apontada por ele. E isso foi outro fator que o motivou a manter esse registro semanal do Cemitério São Luiz durante a pandemia de coronavírus.

Todas as imagens aéreas revelam que uma grande quantidade de covas foram fechadas nos últimos 18 dias, ou seja, receberam sepultamentos. Mas nesse meio tempo, uma quantidade ainda maior de novas covas em outras áreas do terreno do cemitério foram abertas.

Confira algumas imagens que foram produzidas a partir de 17 de abril e que revelam as principais transformações da paisagem.

Foto produzida em 17 de abril.
Foto produzida em 7 de maio.

No canto esquerdo da foto produzida em 7 de maio, o terreno do cemitério já não possui mais a mesma vegetação. E no centro da imagem produzida em 7 de maio, as covas que estavam abertas em 17 de abril já foram praticamente todas preenchidas.

Foto produzida em 17 de abril.
Foto produzida em 13 de maio.

Aqui o cenário é mais devastador. A imagem produzida em 13 de maio mostra no canto direito um aumento no número de covas, em relação a foto produzida em 17 de abril. Além disso, a imagem produzida nesta quarta-feira mostra no canto esquerdo superior uma nova área no terreno que foi aberta para produção de novas covas.

Você Repórter da Periferia: nos encontraremos presencialmente em 2021

Diante do cenário que estamos enfrentando com a pandemia mundial do Coronavírus, e conforme as recomendações de isolamento e prevenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, decidimos não realizar a 7° edição do Você Repórter da Periferia em 2020.

Desde 2014, nós do coletivo Desenrola e Não Me Enrola temos realizado o programa de formação Você Repórter da Periferia. Em seus 7 anos de existência, mobilizamos em média 400 jovens das periferias de São Paulo que se interessaram em fazer parte desse processo de construção e aprendizagem coletiva. Mais do que um programa de formação, o projeto que é voltado para jovens de 16 a 25 anos moradores das periferias, tem entre seus objetivos centrais o de propiciar encontros. Encontros com o outro e consigo mesmo. 

Diante do cenário que estamos enfrentando com a pandemia mundial do Coronavírus, e conforme as recomendações de isolamento e prevenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, decidimos não realizar a 7° edição do Você Repórter da Periferia em 2020. Nosso objetivo é evitar a proliferação do vírus e zelar pelo bem estar dos jovens participantes. Essa decisão foi muito difícil para nós, já que desde a criação do Você Repórter da Periferia nunca deixamos de realizá-lo. Porém, compreendemos que a saúde de todos nesse momento é o bem mais precioso que devemos zelar.

O projeto tem duração de sete meses e normalmente iniciamos as atividades no mês de maio. A possibilidade das formações serem realizadas de forma online nunca foi cogitada, pois as trocas e encontros que o projeto proporciona são essenciais durante o processo de formação. Além disso, há questões estruturais que influenciam nessa decisão, como o acesso à internet e equipamentos.

Outro fator determinante para o cancelamento desta edição é o fato da formação não contar apenas com atividades técnicas, mas também com imersões jornalísticas nas periferias da cidade de São Paulo. Esse é o momento no qual muitos começam a descobrir na prática as potências que existem em seus territórios e passam a enxergar seus bairros como espaços de produção cultural e econômica.

As aulas teóricas do Você Repórter da Periferia acontecem desde 2017 no Centro de Mídia M’Boi Mirim, espaço colaborativo de comunicação no Jardim Ângela, que permanece fechado desde março para evitar aglomerações e a proliferação do vírus.

Nesse momento, assim como a maior parte da população, temos buscado colaborar no enfrentamento da pandemia, principalmente através da comunicação. Nosso desejo é que em 2021 as atividades presenciais voltem acontecer com ainda mais encontros e trocas. A previsão de abertura das inscrições para a próxima turma será em março do próximo ano. Até lá, nos cuidemos!

Direitos invisíveis: mulheres chefes de família narram impacto de não pagar aluguel na pandemia

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Na segunda reportagem da série ‘cidade dos direitos invisíveis’ você vai conhecer a história de moradoras da Favela Baracela, ocupação de moradia localizada no Parque Novo Mundo, zona norte da cidade. Elas migraram de suas terras natais na região nordeste do Brasil para construir a vida na cidade de São Paulo. Hoje, em plena pandemia, essas mulheres chefes de família relatam como tem sido o cotidiano durante o isolamento social, período no qual elas foram demitidas de seus empregos. 

A vida de moradoras da favela Baracela, território de luta por moradia que existe a 40 anos no Parque Novo Mundo, bairro pertencente ao distrito da Vila Maria, zona norte de São Paulo, foi transformada radicalmente devido aos efeitos da crise econômica gerada pela pandemia de coronavírus. Boa parte dos habitantes da favela são vendedores ambulantes, diaristas, comerciantes locais ou desempenham outras funções no mercado de trabalho informal.

A favela está dividida em dois territórios: a Baracela I, onde moram as famílias mais antigas; e a Baracela II, onde residem os moradores mais novos que lutam pelo direito à moradia. De acordo com Irani Dias, 49, coordenadora geral da Associação de Luta por Moradia Estrela da Manhã, há cerca de 2.300 famílias morando no território.

Dias afirma que a grande maioria dessas famílias não está conseguindo gerar renda e que muitas são chefiadas por mulheres que são diaristas e que foram dispensadas do trabalho neste período de pandemia.

“São em torno de 2.300 famílias divididas em duas partes: Baracela I, com cerca de 40 anos, e Baracela II, que teve as primeiras construções em 2016. Cerca de 80% das famílias estão em alta vulnerabilidade social e outras 20% constituíram seu comércio lá dentro mesmo ou são ambulantes trabalhando em torno da zona norte”, descreve a coordenadora.

Ela ressalta a condição socioeconômica das famílias que ocupam a favela. “A grande maioria das famílias não está conseguindo gerar renda, muitas são mulheres diaristas que ganhavam por dia e foram dispensadas por suas patroas”.

Na ausência dos órgãos públicos competentes que poderia reduzir o impacto da pandemia na vida dos moradores, a coordenadora do movimento de moradia conta que a Associação tem feito propostas e projetos que vão desde a urbanização da área da favela até a garantia de distribuição de alimentos as famílias da Baracela. “Há uma proposta de reurbanização. Já que não cabe regularização por ser um terreno da CDHU, que já teve indenização. A área de atuação dentro do Parque Novo Mundo atende mais de 1.230 famílias que estamos mobilizando para doar cestas e produtos de higiene”, finaliza.

“Fui mandada embora ainda na experiência, porque onde eu tava ia fechar na quarentena”

Uma dessas famílias é a de Laiana Santos Silva, 22, mãe de duas crianças que também perdeu o emprego na quarentena. Ela relata que está sobrevivendo com o auxílio emergencial e principalmente com as doações que tem recebido dentro da comunidade. “Fui mandada embora ainda na experiência, porque onde eu tava ia fechar na quarentena. Aqui na minha casa estamos sobrevivendo com cestas que o pessoal dá aqui na favela. Se não fosse isso a gente morria de fome. Agora tá muito difícil, não tem emprego de jeito nenhum”, desabafa a moradora.

Santos complementa dizendo que um alívio nesse momento é não pagar aluguel. Ela sempre morou em casas de aluguel e por isso vivia se mudando por causa dos altos preços, condição que a obrigou a morar por pouco tempo e logo se mudar de bairros como Santana, Jardim Brasil e tantos outros da zona norte. A moradora encontrou na ocupação Baracela II o alívio de fugir dos aluguéis juntamente com o sonho da moradia própria, que ela busca a mais de nove anos, quantidade de tempo que calha com o momento de sair de sua terra natal na Bahia em busca de uma vida melhor em São Paulo.

“Eu nasci em Porto Seguro, cidade turística da Bahia. E é bem difícil de conseguir trabalhar lá, então a mais ou menos uns nove anos eu vim para cá, tentar trabalho e graças a deus sempre tive como me manter. Já morei em muitos lugares de aluguel, meu sonho sempre foi ter um lugarzinho meu, eu sempre sonhei em sair do aluguel, graças a deus consegui esse terreno pra mim, agora quero fazer a minha casa de alvenaria aqui, porque eu ainda moro em barraco de madeira”.

Outra moradora que também conseguiu fugir do aluguel por meio da conquista de um terreno na favela Baracela é Janaína Lourenço Da Silva, 38, que nasceu em Garanhuns, Pernambuco e veio para São Paulo também em busca de trabalho e desde que chegou aqui sonha com uma moradia própria. 

“Eu sou de Pernambuco, um lugar chamado Garanhuns, minha família toda é de lá, desde que eu to em São Paulo sempre quis ter um lugar só meu, já morei em muito lugar nessa cidade, eu pagava aluguel de quase mil reais. Quando descobri por meio de um amigo que havia sido feita uma ocupação e as famílias estavam montando seus barracos, aí a gente veio arriscar, eu e meu esposo, ninguém sabia se ia dar sorte ou não, mas viemos tentar e estamos aqui até hoje”.

Janaína também conta sobre a dificuldade de se manter dentro de casa nessa quarentena quando se mora em casas muito pequenas e com muita gente. Ela afirma que não é possível ficar em casa e que não existe espaço e nem estrutura para se isolar. “Tem muitas casas de alvenaria e barracos de madeira, as pessoas tentam se controlar, mas tem que sair, não tem como ficar direto em casa, o espaço é pequeno, não tem quintal, não tem garagem, a rua é de barro, as condições são difíceis, mas é a única que temos e agradecemos a ajuda que recebemos aqui”, descreve a moradora.

Ela enfatiza que além destes fatores que inviabilizam o isolamento social, o abastecimento de água é outro grande problema enfrentado pelos vizinhos na favela. “Pensando na quarentena não é possível ficar em casa e nem sem contato. A estrutura é difícil. A água, por exemplo, acaba de noite e só volta de manhã cedo”.

Censo 2010: a desigualdade dos migrantes nordestinos

Os problemas com moradia, renda e empregabilidade narrados pelas moradoras chefes de família entrevistadas pela nossa reportagem foram apontados nos dados do Censo 2010, que completa 10 anos de existência em 2020. Quem comprova essa ligação é o relatório socioeconômico produzido em 2011 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a partir da análise de alguns indicadores do Censo.

O rendimento mensal médio do trabalhador migrante nordestino que veio de Pernambuco para São Paulo era de R$ 903,20. Já o trabalhador que veio da Bahia era de R$ 937,35. Ambos os estados correspondem aos locais de origem de Laina, que nasceu em Porto Seguro, cidade turística da Bahia e Janaína, que veio de Garanhuns, em Pernambuco.

O estudo também aponta que os migrantes que vieram de outros estados das regiões Centro-Oeste e Sul, possuem rendimentos que giram em torno de R$ 2.000,00, ou seja, o dobro da renda recebida pelos migrantes nordestinos.

Outro dado impactante que revela essa desigualdade entre os migrantes nordestinos é o acesso à educação, direito social estruturante que ajuda o cidadão a conseguir melhores oportunidades de geração de renda e trabalho. Os baianos com idade entre 30 e 60 anos representam 59% entre os quais não concluíram o ensino fundamental, já os pernambucanos têm uma taxa de 56,4% de não conclusão.

Em comparação com as pessoas nascidas em São Paulo, a taxa de não conclusão do ensino fundamental cai para 24,3%, um indicador que revela novamente o dobro de diferença, o qual coloca os paulistanos em lugar privilegiado em relação ao acesso à educação.

Entre as profissões mais ocupadas pelos migrantes nordestinos destaca-se a de empregadas domésticas, com a maior proporção de 21,1%. Esta posição no mercado de trabalho ilustra outro cenário apontado no estudo, no qual o indicador revela que 54,3% de baianos e 57,2% de pernambucanos residentes na região metropolitana de São Paulo recebem um salário mínimo ou menos.

Favela Baracela, no Parque Novo Mundo, zona norte de São Paulo. (Foto: Arquivo pessoal de moradores)

“A favela nunca é ouvida de fato”

Segundo a pedagoga Luana Maria Ferreira Martins, 32, que atua em bairros da Subprefeitura da Vila Maria e Vila Guilherme com articulação cultural e territorial no coletivo Casa No Meio Do Mundo, as políticas públicas habitacionais não chegam às favelas, onde os moradores sofrem com condições de moradias precárias.

“As política públicas habitacionais não chegam, os prédios construídos a pouco tempo no território não levam em consideração os perfis familiares, não existem projetos habitacionais do Estado pensado de fato nos moradores que estão em alta vulnerabilidade, muitos residem próximos a córregos, em becos extremamente apertados e em casas alugadas, e ainda falando do impacto no perfil desse moradores são em sua maioria a população preta, pobre, nordestina, com perfil socioeconômico que não supera a renda de dois salários mínimos”, avalia a pedagoga.

Para Ferreira, a especulação imobiliária com altos valores de aluguéis expulsa as pessoas dos territórios, fazendo com que muitas famílias tenham que morar em ocupações, causando uma sensação falsa de realização do sonho de casa própria.

“Por conta dos altos valores de aluguéis e a parte burocrática que também não facilita, os moradores acabam indo viver em ocupações, mas acho que isso cria uma falsa sensação de realização de sonho da casa própria, muitos terrenos são desapropriados, deixando muitos moradores iludidos, ou vivendo em situações insalubres onde correm perigo constante, o poder público poderiam encontrar maneiras de facilitar condições habitacionais, onde os moradores pudessem realmente realizar um sonho de casa própria”

explica.

Ela também ressalta que o isolamento social não está funcionando nas quebradas, e que o poder público deveria tomar outras medidas pensando nas estruturas dessas famílias. “O isolamento não está funcionando, primeiro as condições habitacionais não permitem, são casas pequenas, barracos, cortiços que muitas vezes moram cinco pessoas, sendo impossível o isolamento social, segundo a questão financeira, muitas famílias não estão tendo o que comer e precisam sair para trabalhar”.

Para amenizar os impactos da pandemia no cotidiano dos moradores, ela sugere um olhar mais sensível e próximo da realidade das pessoas. “As medidas necessárias são um olhar mais sensível para as questões periféricas, ampliar políticas de assistência como os auxílios que a quebrada precisa, mas demora a aprovar. A periferia está precisando de ações do poder público urgentemente, pois a fome não está esperando, muitos vão morrer pelos vírus e muitos de fome, a quebrada precisa ser motivada, se já estivessem realizados projetos habitacionais na periferia antes dessa crise, seria mais fácil o isolamento social acontecer de maneira mais eficiente”.

As organizações e associações de moradia estão o tempo todo pensando nas vidas dentro das favelas e tentando elaborar projeto e propostas que melhorem as condições de moradias dessas pessoas, mas muitas vezes não são ouvidas ou levadas em conta. Luana nos conta que percebe a favela sendo ouvida pelo poder público só quando há um processo de reintegração de posse.

“A favela nunca é ouvida de fato, observo o descaso em criar projetos habitacionais, é tudo sempre empurrado com a barriga, quando poderia ser organizado de uma forma correta, os moradores só são lembrados quando sofre processo de reintegração de posse, o poder público não cria projetos habitacionais, que realmente pautem as necessidades de moradia na vida das pessoas que moram em favelas”, finaliza.

No Capão Redondo, cursinho popular transforma podcast em ferramenta pedagógica

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Diante da pandemia, os educadores do cursinho popular Carolina Maria de Jesus optaram por rever a sua forma de compartilhar conhecimento com os participantes do projeto de educação, que estam em busca de acessar o ensino superior e tirar boas notas no Enem. 

Podcast Fala Carolina, produzido pelo cursinho popular Carolina Maria de Jesus. (Foto: Carolina Maria de Jesus)

Como fazer uma educação popular em tempos de ensino à distância, em territórios periféricos, onde alunos e professores se deparam com sérios problemas de infraestrutura para acesso à internet? Essa questão envolveu educadores e alunos que fazem parte do cursinho popular Carolina de Jesus, que atua nos distritos do Capão Redondo e Jardim Ângela, na zona sul da capital, em um debate para refletir sobre novos formatos de conteúdo e linguagem pedagógica.

A partir desta experiência pedagógica, Carine Nascimento, educadora no cursinho popular, elaborou juntamente com outros professores o podcast ‘Fala Carolina’, um programa semanal que é distribuído para os alunos, por meio de listas de transmissão no Whatsapp. Um dos objetivos é trabalhar a educação à distância, focando nos temas mais discutidos na atualidade, como o cenário da pandemia de coronavírus e as Fake News, que contrapõem a importância das pesquisas científicas.

No Carolina de Jesus, Nascimento atua como professora de interpretação de texto, fazendo um trabalho sobre a dificuldade de compreensão de temas, somente pelo distanciamento da linguagem. “Você não entende o que as pessoas estão dizendo”, afirma a educadora, fazendo uma referência direta sobre as dificuldades dos alunos para compreender a linguagem acadêmica ou a linguagem da universidade. Ela ressalta o sentimento dos estudantes das periferias que passam por esse processo. “Você se sente um idiota, você não entende o que as pessoas estão dizendo, você não tá habituado com aquela linguagem, com aquele jargão”, completa.

O conteúdo do podcast também fica disponível no blog do cursinho, plataforma onde são publicadas as aulas e materiais de apoio aos estudos, relacionados aos temas abordados em cada episódio no ‘Fala Carolina’.

A ideia de trabalhar a educação à distância por meio do podcast foi apenas uma extensão de algo que já era feito. “Nós escolhemos temas que dialogam com esse momento que a gente tá vivendo, a gente não quer fugir desse momento”, enfatiza Carine, abordando a necessidade de construir um debate sobre o atual momento da sociedade, de uma forma que prenda a atenção dos alunos e consiga ajudar eles durante a prova do Enem.

O primeiro episódico do ‘Fala Carolina’ abordou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS). O conteúdo vem carregado de referências de uma forma bem informativa e descomplicada, adaptada e pensada para não consumir muita internet do usuário. “Quando a gente migra de um canal presencial para o digital a gente tem uma série de desigualdades desenvolvidas. Nem todo mundo tem internet boa, nem todo mundo sabe usar os aplicativo que a gente tá propondo que as pessoas usem”, avalia a educadora.

Ouça o podcast Fala Carolina.

O podcast é produzido com o uso de alguns efeitos sonoros que são disponibilizadas por bibliotecas livres na web. Para a edição do conteúdo, são utilizados os programas Audacity e Adobe Audition. A maior parte dos áudios são produzidos pelos educadores com suporte de ferramentas disponíveis no próprio celular. “A grande sacada é ter um roteiro, que dê conta de tudo sabe, tendo um bom roteiro a gente consegue ir de cabo a rabo, supera os desafios da conexão ruim, com um roteiro da hora.”

A todo o momento Carine relembra a necessidade de se aproximar da linguagem do aluno, porque segundo ela esse é um dos principais meios para retirar tantas pedras que tem no meio do caminho dele e ressalta: “nós somos um cursinho de educação popular, educação popular está baseada na teoria de Paulo Freire. Em Paulo Freire você lê o mundo antes de ler a palavra. Então assim, se for pra fazer educação popular e não está completamente mergulhado na realidade do aluno, do jeito que ele fala, então é melhor não fazer nada.”

Em meio a pandemia de coronavírus, o podcast se tornou um aliado importante do cursinho popular para continuar propondo debates importantes com os alunos que estam se preparando para as provas do Enem. Desta forma, o ambiente político, plural e participativo dos diálogos presenciais não se perde durante o período de isolamento social.

Internet Solidária: campanha incentiva moradores de Ermelino Matarazzo a compartilhar wi-fi com vizinhos

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Tecnologias de sobrevivência são construídas cotidianamente nas periferias. Mas como se proteger da pandemia de coronavírus se parte dos moradores dos territórios periféricos não têm acesso ao mundo digital? Diante deste dilema, agentes culturais que fazem parte da Ocupação Cultural Mateus Santos, localizada em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, criaram uma campanha focada em democratizar o acesso a internet, entretenimento e informação aos moradores do território que não tem condições de contratar o serviço. 

Projeção da campanha ‘Fiqueemcasa’ promovida pelos coletivos da Ocupação Cultural Mateus Santos (Foto: Movimento Cultural Ermelino Matarazzo)

Neste momento onde o governo pede para que as pessoas fiquem em casa, solicite o auxílio emergencial por meio de sites e aplicativos, realize o estudo à distância por meio de plataformas Ead, o acesso a internet se torna um item essencial para garantir o direito à vida.

Uma proposta para reduzir os impactos desta dura realidade na vida de muitos moradores de Ermelino Matarazzo foi a criação da campanha ‘Internet Solidária’, na qual, agentes culturais e artistas que fazem parte da Ocupação Cultural Mateus Santos, irão realizar uma série de transmissões ao vivo com shows de artistas locais, para mobilizar moradores da região a tomar a importante decisão de compartilhar sua internet com vizinhos que não tem como contratar o serviço, devido a crise econômica que afeta principalmente a população periférica.

“Nesse momento é crucial tanto para acesso às informações, quanto para diminuir os efeitos do isolamento social, podendo ter acesso a lazer e também ao estudo, que são direitos básicos da população”, afirma Gustavo Soares, um dos articuladores culturais da Ocupação Cultural Ermelino Matarazzo, um espaço cultural independente gerido por coletivos artísticos e culturais que atuam nas periferias da zona leste de São Paulo.

A partir do dia 20 de março, a ocupação cultural suspendeu todas as suas atividades por tempo indeterminado, devido ao reconhecimento do protocolo de segurança do estado de calamidade pública, divulgado pela Prefeitura de São Paulo, decorrente da pandemia do novo coronavírus. Mas com muitas demandas de moradores em estado de alta vulnerabilidade social a região, o espaço se tornou uma referência de articulação comunitária, promovendo campanhas de doação de kits de higiene e organizando lives com artistas locais. 

Uma dessas campanhas é a ‘Internet Solidária’, iniciativa que procura diminuir os efeitos do isolamento social, motivando os moradores do bairro a criar seus próprios pontos de acesso à internet. “Tem mó galera que às vezes sai de casa para vim pra frente da ocupação, pra usar nossa internet, porque nossa internet é aberta”, explica Soares, enfatizando que a campanha está sendo uma forma de levar internet a mais pessoas no bairro.

Ele também explica que essa solução surgiu com a proposta de reduzir os impactos da pandemia no território. “Essa foi uma forma que a gente conseguiu pensar para diminuir tantos os efeitos da galera não precisar sair de casa, pra ir até algum ponto que tem internet livre , e ao mesmo tempo se manter em casa pra ter opções né, e assim manter a sanidade”, complementa o articulador cultural.”

A campanha a funciona da seguinte forma: o morador coloca o nome da rede wi-fi de ‘Fiqueemcasa’ e e muda a senha para ‘Fiqueemcasa’, criando uma rede de colaboração entre os próprios moradores e possibilitando o acesso á internet para o maior número de pessoas. Soares conta que a praça de wi-fi livre mais próximo do bairro está situada na Praça Giovanni Fiani, no bairro Ponte Rasa, localizado a 3 km da ocupação cultural.

Os articuladores culturais pensaram em um impacto que vai muito além da campanha, pois eles têm o intuito de fazer com que as pessoas façam parte dessa rede de mobilização e se conscientize do atual momento em que estamos vivendo. “A gente tá fazendo uma série de ações, que em conjunto a gente acredita que minimiza bastante os efeitos da pandemia, aqui no bairro”, relata Gustavo, ressaltando a importância das mobilizações coletivas pensadas para ajudar os moradores do bairro durante a quarentena.

Soares complementa que ainda não consegue prever quais serão os resultados gerados pela campanha, mas permanece bem otimista com as iniciativas no território durante a essa pandemia. “Tivemos comentários bem positivos, mas a campanha começou ontem então ainda não dá pra avaliar os resultados. Esperamos que agora tenha muitos pontos de acesso na quebrada.”

Enquanto a solução não vem do poder público, iniciativas como dos agentes culturais da Ocupação Ermelino Matarazzo, geradas com baixo custo e com grande possibilidade de impacto real na vida das pessoas são por enquanto a maior e melhor oportunidade de acesso à internet para quem não tem condições de contratar o serviço nas periferias.

“A arte na periferia é isso, ela é o suspiro”

Um dos objetivos da Ocupação Cultural Mateus Santos é oferecer aos moradores de Ermelino Matarazzo novas possibilidades de imaginar e enxergar a vida nesse momento caótico, fruto da pandemia. Para isso eles utilizam a arte e articulação com artistas locais, com o intuito de produzir pequenos shows transmitidos ao vivo em suas páginas nas redes sociais.

“A live foi um momento de compartilhamento das obras e da forma como eu acesso aquelas obras, e como aquilo me faz pensar o mundo”, descreve Luan Charles, músico e integrante da banda Nova Malandragem, que busca democratizar a produção da música instrumental na periferia.

Com a dependência da tecnologia para fazer ecoar a sua arte neste momento, o artista também fala da experiência de fazer um show sem platéia, acessando as pessoas apenas por meio de telas de celulares e computadores. “Mesmo que seja uma música que dura 3 minutos ela é um convite, para você experiênciar naqueles três minutos uma outra forma de viver a vida”, define Charles, fazendo uma reflexão sobre o impacto gerado pela arte da periferia. “A arte na periferia é isso, ela é o suspiro.”

Charles diz que ainda está descobrindo essa conexão com a tecnologia e arte, e as lives é algo totalmente diferente do que está acostumado, mas está tentando se adaptar, porque vê nela uma oportunidade de fazer as pessoas se sentirem acolhidas. “É uma oportunidade para as pessoas não se sentir isoladas por completo e também não se sentir excluída.”

As lives são transmitidas pelos perifes no Facebook e Instagram da Ocupação Cultural e pelo instagram pessoal do artista @luan_trompreto. Desde o início da quarentena Luan e seu grupo já fizeram quatro lives e ele enfatiza que pretende trazer mais conteúdos diversos sobre música e afeto, assuntos que estão tomando muito do seu tempo ultimamente.

Impactos da pandemia nas periferias muda opinião de eleitor de Bolsonaro sobre voto

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Arrependido do voto nas eleições presidenciais de 2018, empreendedor da quebrada reconhece que Bolsonaro não tem capacidade para ser presidente. O fraco desempenho no combate à pandemia e as queimadas na Amazônia foram fatores cruciais para o eleitor avaliar e repensar a capacidade do presidente de governar o país. 

Imagem aérea da abertura de covas no Cemitério São Luis, zona sul de São Paulo. (Foto: Menino do Drone)

O jovem Jhonny Miranda, 21, morador de Itapecerica da Serra, publicou recentemente em suas redes sociais estar arrependido de votar no presidente Jair Bolsonaro, sentimento que vem sendo compartilhado por muitos brasileiros, devido aos últimos acontecimentos que envolvem o líder do poder executivo federal em relação às tomadas de decisão para combater a pandemia de coronavírus e a crise política com o ex-ministro da justiça Sérgio Moro e a Polícia Federal.

Com o avanço da pandemia de coronavírus nas periferias e a possibilidade de ter familiares afetados, por fazerem parte dos grupos de risco, o empreendedor mudou sua avaliação em relação ao preparo do presidente para governar o país. “Acho que foi um momento crucial pra entender que ele não tem capacidade e nem competência pra estar onde está. Governos similares a ele como o primeiro ministro britânico e o presidente americano mudaram o discurso quando perceberam que a situação é realmente grave, no entanto, o Bolsonaro prefere fingir que nada acontece.”

Miranda afirma que conhece diversas pessoas que não fizeram como ele, publicando em suas redes sociais a insatisfação com o presidente, mas que se arrependem de ter votado em Bolsonaro.

Em 2018, ano no qual, as eleições presidenciais foram marcadas por um cenário de constantes ataques políticos por meio da difusão de fake news, o presidente Jair Bolsonaro surgiu como um candidato que prometia renovar as estratégias políticas ligadas principalmente à segurança pública e a economia brasileira. Esse discurso foi um dos fatores que levou Miranda a definir seu voto.

“As ideias e propostas em segurança publica e na economia foram os pontos cruciais para meu voto em Bolsonaro. Ele sempre afirmou que colocaria pessoas técnicas e que não interferiria nas decisões de seus ministros”, conta ele, enfatizando que a escolha dos ministros demonstra um cenário totalmente contrário ao prometido durante a campanha. “O problema que a maior parte dos ministros, principalmente do meio ambiente, relações exteriores e educação são altamente ideológicos e travam uma guerra imaginaria com a já falecida ideologia petista.”

“É nítido que o presidente caiu na velha política ou sempre esteve nela”

Essa percepção de Miranda de avaliar a incapacidade do presidente de governar o país não surgiu recentemente. Desde o período de início das queimadas nas florestas amazônicas, o empreendedor já demonstrava uma insatisfação com a atuação de Bolsonaro e seus ministros. ” Durante as queimadas na Amazônia ao invés dele resolver ele criava acusações e especulações que em nada ajudaram.”

O jovem empreendedor faz questão de ressaltar a sua maior decepção com o presidente. “As duas pautas que me fizeram votar nele (segurança publica e economia) eu não me arrependo. Agora com a saída do Sergio Moro o cenário muda. É desesperador a forma como os ministros de Relações Internacionais e Educação leva seus cargos com despreparo, sendo isso, juntamente com a crise na Amazônia e a atual crise da pandemia minhas maiores decepções.”

Miranda faz questão de enfatizar que não segue uma ideologia política ou seguimento partidário especifico de direita ou esquerda. “Acho que essa divisão política no Brasil corrobora para o extremismo e não compactuo com nenhuma dessas.”

Embora esteja descontente com o desempenho e o formato de governar de Bolsonaro, o jovem não acredita que o caminho seja o impeachment. “Eu sou absolutamente contra um impeachment já que isso traria um longo período de impasse político e de derrotas na economia e na vida social.”

Ele finaliza a entrevista dizendo que se identifica com a frase da cientista política americana Amy Erica Smit. “O ministro pulou do ‘Titanic antes que afunde’, pois é notório que ele sabe dos crimes praticados pelos filhos do presidente e outros aliados”, e complementa afirmando: “é nítido que o presidente caiu na velha política ou sempre esteve nela.”

Centro de Mídia M´Boi Mirim oferece oficina de escrita do VAI

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A oficina “Sua ideia no papel – Oficina de Escrita do VAI” acontece no dia 21 de março, das 9h às 14h30, no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.

Com o propósito de fortalecer interessados em inscrever seu projeto para o edital do Programa de Valorização de Iniciativas Culturais – VAI o Centro de Mídia M’Boi Mirim, espaço que visa potencializar coletivos e articuladores culturais das periferias a partir da comunicação, oferece a atividade “Sua ideia no papel – Oficina de Escrita do VAI” no dia 21 de março, das 9h às 14h30, no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.

A oficina será ministrada pelo coletivo de comunicação Desenrola e Não Me Enrola e tem como objetivo fazer com que as pessoas consigam desenvolver a escrita do seu projeto de forma autônoma por meio da construção da estrutura da justificativa, objetivos específicos, plano de trabalho e orçamento. Os interessados em participar desta oficina podem se inscrever até a próxima sexta-feira, 20, com encerramento ás 15h, por meio deste link. O encontro será focado na escrita de uma ideia, ou seja, o coletivo participante precisa ter noções mínimas do seu projeto.

Obs: É indicado a presença de (no mínimo) dois integrantes do coletivo. Caso não seja possível, pode participar uma única pessoa.

Agenda:

Sua ideia no papel – Oficina de escrita do VAI

Data: 21/03/2020
Horário: 9h às 14h30
Atividade gratuita
Local: Centro de Mídia M’Boi Mirim – R. Thereza Silveira de Almeida, 3 – Jardim Ângela, zona sul, São Paulo – SP

Debate ao vivo discute importância dos movimentos culturais da periferia na pandemia

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O debate vai reunir remotamente coletividades que atuam nos territórios da zona leste e será transmitido pela página do Fórum de Cultura da Zona Leste. Conscientes dos impactos gerados pela pandemia nas periferias, coletivos, articuladores culturais e artistas independentes têm atuado no atendimento das emergências, colocando em prática uma visão ampla sobre o papel dos coletivos. 

Encontro de coletivos culturais da zona leste de São Paulo. (Foto: Fórum de Cultura da Zona Leste)

Nesta sexta-feira (24), coletivos culturais da zona leste de São Paulo vão transmitir, a partir das 19h, um debate ao vivo sobre a importância dos movimentos culturais em tempos de pandemia de coronavírus na página do Fórum de Cultura da Zona Leste.

Já confirmaram presença a Ocupação Cultural Mateus Santos (Movimento Cultural Ermelino Matarazzo), Love CT, LabCasa Cultural, Okupação Coragem (Resiste Quebrada), Espaço de Nós pra Nós (Batakerê), São Mateus em Movimento, Centro de Estudos Periféricos, Comitê Solidário ZL (Coletivo Paulo Freire). A conversa será mediada pela Sílvia Lopes Raimundo, do Instituto das Cidades na Unifesp Campus Zona Leste.

Em um primeiro momento, a doença parecia atingir principalmente moradores de bairros nobres da cidade, com renda suficiente para realizar viagens à Europa e Ásia. Mas, o vírus se espalhou rapidamente pelos territórios, e é nos bairros periféricos onde provoca mais mortes.

Para além dos problemas na saúde, a quarentena, principal medida de contenção do vírus, tem atingido a população mais pobre, impedida de fazer seus corres na informalidade ou dispensada de trabalhos precários.

Nesse cenário, os trabalhadores e trabalhadoras da cultura têm colocado em prática ações de solidariedade, alinhadas com uma visão ampla do que é cultura, praticada em diversas coletividades da cidade. Na zona leste, algumas dessas coletividades têm feito coleta, triagem, higienização e distribuição de alimentos e itens de proteção, como máscaras e kits para a lavagem das mãos nas ruas.

Com grande contribuição territorial e bibliográfica para o debate do fazer cultural e político nas periferias da cidade de São Paulo, o Fórum de Cultura da Zona Leste é uma rede de coletivos e artistas independentes, formada por sujeitas e sujeitos periféricos, que lutam de maneira permanente pelo direito aos meios de produção, fruição e acesso à cultura nos territórios periféricos.