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Capoeira na quebrada: ginga que educa e fortalece

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Estamos nas férias escolares da criançada, momento de lazer e esporte é o que fortalece para se divertir nesse período. Muitas mães optam por colocar as crianças para praticar algum esporte, ocupando esse tempo com algo produtivo e agregador. 

Na quebrada, a capoeira é um espaço de identidade, disciplina e autocuidado para crianças e jovens. Nas rodas, meninos e meninas aprendem a importância do corpo, do respeito ao outro e de suas próprias raízes.

Mestres e Mestras de capoeira, que começaram muitas vezes pequenos nesses mesmo espaços, hoje se dedicam a fortalecer a molecada com valores que vão além da ginga. É ali que se cria confiança, senso de comunidade, coragem para enfrentar os desafios diários e orgulho de ser quem se é.

A capoeira ensina que ninguém joga sozinho, é um progresso coletivo. Cada queda também é aprendizado, cada canto é resistência, cada roda é proteção. 

É bonito ver como, em um mundo que insiste em excluir corpos periféricos, a capoeira reafirma: aqui você é bem-vindo, aqui você é forte, aqui você faz parte de uma história que começou muito antes de você e vai continuar depois.

No batuque e nas gingas dos corpos é um chamado para cuidar do outro, para se mover sem medo e para dizer aos pequenos e pequenas: vocês tem força, tem história, vocês têm lugar. A capoeira fortalece a quebrada, ensina que ninguém vence sozinho, que toda roda só existe porque tem gente disposta a apoiar. E é isso que faz a quebrada seguir firme, a certeza de que juntos somos mais fortes.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

“Sou uma cidadã que tem o direito de cobrar’’: caminhos para participação social e incidência política a partir das periferias

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Para uma grande parcela da população brasileira, a política ainda parece algo distante. Dados do levantamento DataSenado indicam que, em 2012, 63% dos brasileiros demonstravam algum interesse em política, número que caiu para 53% em 2022. De acordo com o estudo, 18% dos entrevistados dizem ter um alto interesse, enquanto 35% afirmam ter um interesse médio. Quando questionados sobre os motivos do desinteresse, apontaram a falta de conhecimento sobre o sistema político relacionado a falhas no ensino que não consegue explicar sobre o tema.

Outro fator citado foi o sentimento de desilusão com a política institucional, além da percepção de que os políticos preferem manter a população afastada e desinformada sobre como funcionam os processos. 

Lara Pascom, RP (Relações Públicas) e especialista em metodologias para colaboração, explica que esse cenário não é fruto de um único problema, mas de um conjunto de fatores que agravam esse afastamento, sobretudo da população periférica, dessa participação cidadã. 

“Estamos passando por uma espécie de solidão [coletiva], mesmo com tanta conectividade. Com as redes sociais [geramos e escolhemos a informação que queremos acessar] e depois ficamos nós mesmos sobrecarregados dessa mesma informação. [Além disso], a nossa educação política é insuficiente, a gente não aprende na escola sobre política, finanças públicas que são temas que permeiam toda a nossa vida’’, destaca.

Lara detalha que, mesmo nas esferas em que a população poderia interferir, como na discussão das leis orçamentárias, outro obstáculo é a linguagem técnica e a burocracia que distancia ainda mais os cidadãos da possibilidade de fiscalizar e cobrar o poder público. “Quando falamos de PPA, LDO, LOA, ninguém sabe o que é. E os documentos são cifrados, difíceis de entender, o que impede que a população acompanhe o destino do dinheiro público”, exemplifica.

A especialista aponta diferentes tipos e níveis de participação social. ‘‘O primeiro é a ação direta da comunidade, como mutirões e melhorias locais, quando a comunidade se junta para [reformar] uma lixeira. O segundo é o controle social, ou seja, a fiscalização do governo pela população, que acontece quando as pessoas buscam informações em portais de transparência, fazem denúncias ou usam a Lei de Acesso à Informação (LAI)”, diz Lara, que ainda cita sobre incidência política a partir da organização coletiva para pressionar mudanças.

Segundo ela, os conselhos municipais também são espaços fundamentais. ‘‘Os conselhos são temáticos, como os de meio ambiente, saúde, educação, diversidade sexual, e podem ter poder deliberativo ou consultivo. Além disso, eles podem administrar fundos específicos, o que é uma forma importante de participação social e controle’’, explica.

“Temos o direito de saber. A lei garante isso. O primeiro passo é identificar o que te incomoda, o que te causa indignação. Depois disso, buscar entender as causas e usar os mecanismos disponíveis para cobrar respostas do governo. Navegue pelo site da prefeitura da sua cidade, faça perguntas, cobre respostas”.

Lara Pascom, especialista em políticas públicas, práticas autônomas e colaborativas.

“O controle social é um exercício importante que fortalece a democracia e qualifica a participação política”, diz Lara ao destacar que o E-OUV (Sistema de Ouvidorias do Poder Executivo Federal) é uma das formas de exercer a participação social e colaborar com a gestão pública. Este é um canal de comunicação, onde a população pode interagir com a prefeitura local para fazer denúncias, elogios, sugestões e/ou reclamações, contribuindo para a melhoria dos serviços da cidade. 

Como acompanhar os mandatos da sua cidade?       : “Sou uma cidadã que tem o direito de cobrar’’: caminhos para participação social e incidência política a partir das periferias

Participação social no cotidiano

Mesmo diante de um sistema que considera falho, Wandy Uchôa, 26, estudante de direito, ativista e moradora de Diadema, município da Região Metropolitana de São Paulo, integra a Comissão da Diversidade da OAB Diadema e acredita que a participação social é essencial. Para ela, entender os próprios direitos e o funcionamento dos órgãos públicos é o primeiro passo para dialogar com as decisões que impactam a vida das pessoas, seja no nível municipal, estadual ou federal. 

Sua trajetória de engajamento político-social iniciou a partir de uma violência que sofreu em um dos serviços públicos de saúde. “[Passei por] transfobia no Quarteirão da Saúde, pronto-socorro em Diadema. A médica se recusou a me chamar pelo nome social. Quando gravei um vídeo expondo o caso, viralizou”, conta.

Wandy conta que a partir daí entendeu que deveria ser ouvida de alguma maneira. “Na minha cabeça, quando eu transicionei, achei que nunca mais seria ouvida. Eu enterrei meus sonhos. Inclusive, costumava falar que a partir do dia que tomasse meu primeiro comprimido de hormônio, estaria assinando meu atestado de solidão para o resto da vida. Porém, ver que fui ouvida, me deu forças”, conta a estudante, que após essa situação articulou uma reunião com o diretor do hospital. 

A estudante acompanha audiências públicas e é representante oficial da sociedade civil na Comissão da Diversidade da OAB Diadema, para ampliar a inclusão, representatividade e o acesso à justiça. Ela também utiliza as redes sociais para mobilizar a população para participar em pautas de interesse do município. 

A vivência familiar também é um dos marcos nessa mobilização de Wandy. “Minha mãe sempre foi obcecada por política. Eu [percebi ela] sendo ainda mais ativa quando a nossa casa caiu, porque a gente morava num terreno que ficava em uma área congelada (área isolada ao acesso devido à movimentação de solo ou risco de deslizamento de terra). Nisso veio uma chuva e levou nossa casa. [Ver minha mãe lutando], acabou me inspirando e despertou algo dentro de mim”, compartilha.

Wandy pontua sobre um desinteresse da população em fiscalizar políticos que ocupam cargos há muitos anos, mas associa como sintoma de um problema estrutural que afasta as pessoas dos debates públicos. 

“O que me faz ter mais vontade de estar perto é porque eu vejo o quão triste é a situação das pessoas, principalmente na periferia. Temos vereadores em Diadema que já estão no cargo há 20 anos e simplesmente se você sentar com qualquer pessoa da periferia e perguntar: ‘Por que você vota nele?’, não sabe dizer’’, coloca.

‘‘[Culturalmente] temos muitos conteúdos disponíveis que nos estimulam a imaginar o fim do mundo, mas poucos que incentivam a gente a imaginar futuros desejáveis. [A política] vai ficando distante. Isso influencia na motivação das pessoas, parecendo quase impossível mudá-la, mas dá.’’ 

Lara Pascom, especialista em políticas públicas, práticas autônomas e colaborativas.

Wandy busca pautar demandas relacionadas à saúde, educação, cultura, lazer, moradia, segurança pública, transporte e população LGBTQIAPN+. “Sempre que saía de reuniões da ONG da Diversidade de Diadema, quando falava da pauta trans, me diziam: ‘A gente tá engatinhando’. Mas esse ‘aos poucos’ nunca vira nada e a gente tem pressa. O movimento LGBT+ foi iniciado por pessoas trans, mas nós, as mesmas pessoas trans fomos deixadas de lado”, conta sobre uma de suas mobilizações.

Para a estudante, a incidência política precisa acontecer de forma coletiva, mas se questiona sobre como organizar demandas de interesse da população para pensar em estratégias que direcionam políticas públicas. “Sou uma cidadã comum, como qualquer outra pessoa e que tem o direito de cobrar, seja qual for o governo’’, finaliza.

Assessora de incidência política comenta desafios de participação social nas periferias após eleições: “Sou uma cidadã que tem o direito de cobrar’’: caminhos para participação social e incidência política a partir das periferias

De quem é a escola? 10 anos da luta secundarista

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Em 2015, estudantes ocuparam escolas e ruas para dizer não a “reorganização” proposta por Geraldo Alckmin em São Paulo. A reorganização resultaria no fechamento de 94 escolas, o que mudaria a vida escolar de mais de 300 mil estudantes e cerca de 74 mil professores.

À nível nacional tínhamos duas políticas de cortes que afetariam a educação naquele momento. A primeira era a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que visava limitar gastos em diferentes áreas, incluindo a educação. Já a segunda era a PEC do Teto (PEC 55) que alteraria a Constituição Federal (1988) e congelaria por 20 anos recursos públicos.

A partir dessas movimentações aconteceram duas mobilizações estudantis consecutivas, sendo a primeira em 2015 e a segunda em 2016. Dessa forma, o movimento político dos estudantes protagonizou uma luta importante, ganhando até músicas como “O trono do estudar” produzida em união de diversos cantores. O movimento de 2016, intitulado como “Primavera Secundarista”, se tornou um marco e teve “vitória” naquele ano. 

Em 2013, as jornadas de junho já haviam sido um marco político e social, a organização “livre” e com uma descentralização em relação a partidos políticos já chamava atenção. Além disso, a luta do Movimento Passe Livre tomou não somente as ruas do centro da cidade de São Paulo, como também as periferias com o pedido de que os trabalhadores fossem para rua. 

Nessa época, eu tinha 12 anos e participei dos protestos do MPL na Zona Sul, irei deixar uma foto do dia que alguns integrantes do movimento vieram dormir na Associação que meu pai preside.

Nessa época, eu tinha 12 anos e participei dos protestos do MPL na Zona Sul, irei deixar uma foto do dia que alguns integrantes do movimento vieram dormir na Associação que meu pai preside. Fotos, arquivo pessoal

Em 2015 os estudantes se posicionaram para afirmar que a escola era deles, um lugar diferente da narrativa receptiva, o clamor era pelo coletivo. A Prof. Dra. Flavia Ginzel em sua tese de doutorado intitulada A insurgência da crítica e a crítica da insurgência:

resistência, autonomia e desafios pós-ocupações secundaristas (2024), a pesquisa realizada com jovens “ocupas” após as ocupações em Sorocaba traz importantes contribuições a partir das experiências narradas por esses jovens, não só reafirma questões trazidas por outros estudos como o olhar para a escola como um lugar de reconhecimento, pertencimento, de trocas, saberes e diversidades, mas também da construção de olhar desses jovens para a política e a decisão de se organizarem contra essas políticas incisivas do Estado.

Partindo desses olhares e da minha experiência pessoal nas lutas é que decidi construir este texto para perguntar: de quem é a escola? 

 Ao observamos os movimentos após a Primavera Secundarista, a  nível nacional e estadual as políticas que nos assustaram foram reformuladas, ampliadas e aprovadas. Pensando nisso, decidi retomar esse recorte temporal, pois estamos vivendo em um momento desafiador para a educação, especialmente à nível estadual.

A partir de 2017 as políticas voltadas a educação focaram em fomentar a ideia de que o novo modelo seria mais compatível com o “mercado” ou com formar o estudante dentro da área de interesse, o NEM (Novo Ensino Médio), não somente ampliou as cargas horárias, como flexibilizou o currículo e propôs os itinerários formativos.

O projeto é interessante, a discussão sobre ele precisa de um aprofundamento que uma coluna não dará conta de realizar, mas é fato que entre o projeto e a prática existe um vão, um vão que também é composto pelo o que é oferecido de recursos a escola e comunidade escolar como um todo.

Para além dos debates sobre recursos, essas políticas excluem a realidade do estudante periférico que precisa trabalhar, por exemplo. Também não pensam melhores condições de trabalho docente.

Uma complementa a outra, mas não parecem contínuas, à medida que não pensamos que um estudante que trabalha não vai optar por estar na escola somente por receber 200$ do Pé de Meia, e se temos que implementar esse tipo de política é porque algo não está compatível com o ideal colocado primordialmente. 

A escola vira um objeto, perde a sua essencialidade, aprender se torna algo pautado não no conhecimento, mas no marketing desse conhecimento. A escola é de quem? Se em 2015, os estudantes gritavam nas ruas que a escola precisava se manter, melhorar e pediam por melhores ambientes para toda a comunidade escolar, o que nos restou?

Qual estudante permanece nessa escola? Para é essa escola?

Não digo aqui que tenhamos que realizar a crítica de maneira extrema, mas no mínimo precisaríamos revisar, à nível nacional, quais caminhos estamos direcionando para a educação em nível médio no Brasil. Já à nível estadual, não é preciso uma lupa para enxergar que todas as políticas caminham para a iniciativa privada, e não possuem tempo e nem espaço para debate. 

À qual interesse serve uma escola cívico-militar? De quem e para quem é essa escola? Não digo que não tenham estudantes que gostem da ideia, mas qual projeto de escola é esse? O que muda e melhora no currículo? S e o foco é o aluno e as trajetórias desses estudantes, quais conhecimentos e recursos essa escola oferece?

Como disse, esse texto não dá conta de responder, mas relembrei a lutar para que possamos refletir o que ficou para nós após esses 10 anos? O que podemos observar nas políticas de educação agora? De quem é essa escola?

Se em 2015 e 2016, lotamos as ruas para afirmar que as escolas eram nossas e que não aceitaríamos políticas de destruição, quais realidades temos agora? O projeto de escola que está vigente pertence a quais interesses? E quais alunos são contemplados por esse projeto? 

Segundo dados publicados em uma nota técnica em 2023 pela Rede Escola Pública e Universidade (REPU):

Os dados analisados permitem afirmar que a expansão do tempo integral no ensino médio não ampliou as matrículas nesta etapa de ensino nas redes estaduais em todo o país. Ao contrário, o que vimos, desde 2008, é uma perda de quase 830 mil matrículas, sendo a redução das matrículas noturnas uma das principais variáveis que impactaram esta redução. Vale ressaltar que tal perda de matrículas tem sido contínua desde 2008, indicando que a aprovação das legislações, programas e políticas com foco no ensino médio e na expansão do tempo integral no referido período não produziram os efeitos de expansão da oferta e, muito menos, de universalização desta etapa da educação básica”.

A partir da perspectiva que segui nesse texto, essa é uma escola para marketing, é um projeto de escola que não pensa no conhecimento e nem nas trajetórias reais dos alunos e tampouco se interessa pelos territórios onde serão desenvolvidos os projetos. Há uma padronização da educação e uma política excludente em relação à jovens periféricos e suas trajetórias. 

Após 10 anos, qual escola temos?

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As consequências sociais e ambientais das barragens #35

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Desde 2019, após a morte de 272 pessoas devido ao rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, o debate sobre essas construções se intensificou. Conversamos com a bióloga e doutoranda em geociências Maíra Silva, e com a Joyce Silva, militante do Movimento Atingidos por Barragens, sobre o histórico de barragens construídas ao longo dos anos, o que representam para o meio ambiente e para as populações desses territórios.

As especialistas abordam o aspecto racial e social que envolve a autorização dessas construções, que são estruturas criadas para conter ou reservar substâncias, sejam líquidas ou sólidas, e podem ser destinadas para abastecimento de água, mineração, hidrelétrica e outros.

Dialogando ao Som do Vinil: encontros musicais unem memória e negritude na zona leste de SP

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Uma agulha encosta no vinil e faz brotar memória, afeto e resistência. Desde 2019, a música tem sido a junção de diferentes pessoas que se reúnem todo último domingo do mês, no espaço Canto de Cultura Negra, localizado no bairro Guilhermina Esperança, na zona leste de São Paulo. Criado pelo Tiganá Macedo, o projeto Dialogando ao Som do Vinil apresenta a música como ferramenta de transformação, através da audição de discos de samba produzidos por artistas negros. 

O projeto nasce da vivência de Tiganá, que cresceu em uma casa onde a música sempre teve um papel sagrado. As rodas nos quintais, os almoços de domingo, as conversas atravessadas por canções, tudo isso moldou seu olhar sobre o mundo.

“Lá em casa era muita música”, lembra Tiganá. “As casas se abriam, os vizinhos juntavam as famílias, preparavam o almoço e passavam o dia inteiro em resenha. Eu brincava com galho, fazia carrinho, mas tava sempre ouvindo tudo.”

Inspirado pelos pais, especialmente por sua mãe, Tiganá transformou essas lembranças em potência coletiva. Com o projeto, por meio do vinil, ele resgata histórias e promove encontros onde política, cultura, arte e ancestralidade caminham juntas.

Antes de qualquer samba, veio o exemplo. Os pais de Tiganá seguem afinando o tom da vida, firmeza, afeto e presença. Fotos João Santos

“Dialogando ao Som do Vinil é um evento feito por pessoas negras e para pessoas negras, e tem como proposta usar a música como um canal para refletir sobre identidade, negritude e pertencimento”, diz Tiganá.

A cada edição, um artista é escolhido para ser celebrado. No encontro do mês de junho, a homenageada foi Alcione.

Durante a audição, Tiganá propõe uma escuta atenta e crítica. O artista costura as músicas com histórias, vivências pessoais e reflexões sobre o papel social da arte. Para ele, canções como “Pedrinha da Cor” ou “A Loba” carregam mais do que melodia: são manifestações da força ancestral das mulheres negras que nos precederam.

“A música sempre esteve presente na minha construção como homem negro. Não só como entretenimento, mas como ferramenta política, social e espiritual. Alcione é uma dessas artistas que representam tudo isso”, afirma Tiganá.

De acordo com Tiganá, as escolhas dos artistas acontecem por meio de trocas: “eu procuro dialogar com pessoas que já fazem parte da caminhada de anos e que tem visões políticas progressivas e diáspora. E com pessoas mais novas para que eu dialogue com os tempos de hoje para não perder o fundamento e manter a chama acesa do agora”, diz o educador. 

Música, memória e política

Com uma curadoria delicada, ele debate política e ancestralidade, como quando se fala sobre conscientização racial, na música Pedrinha da Cor do álbum da Cor do Brasil em que Alcione fala sobre momentos de racismo em sofreu, mas também abre ali o diálogo e exalta a beleza negra e a diversidade da cultura afro brasileira.

É nesse momento que Tiganá mostra a música pra quem tá nas audições e convida todo mundo a contar como ela bate, onde pega, o que mexe por dentro.

Entre as memórias que atravessam sua relação com a música, ele relembra com carinho o primeiro grupo que marcou sua trajetória: o Fundo de Quintal. “Foi ali que tudo começou. Eu pegava o balde e tentava imitar o repique de mão, meu irmão pegava a frigideira como se fosse pandeiro. A gente ficava horas trancado no quarto, tocando, ouvindo rádio.”

A Transcontinental FM era uma referência. “Tinha um horário só de samba. A gente apertava o play no rack e ficava ouvindo em silêncio, tentando decifrar quem era o grupo, o nome da música, os detalhes. Foi ali, com uns 12 anos, que muita coisa se formou em mim.”

Mas as referências não estavam apenas no rádio. Elas vinham do quintal da avó, onde todo domingo era dia de encontro, afeto e tambor. “Minha avó sentava no quintal cercada de planta, meu tio Vadu pegava o balde e começava a tocar samba. Aí vinha minha mãe, meu tio Nezinho e virava festa. Era emoção, alegria, mas também tinha dor ali. E era essa mistura que ensinava”, relembra.

O Dialogando ao Som do Vinil é mais do que uma roda de conversa com música: é um espaço de reconexão com as raízes, de valorização da cultura negra e de reafirmação da identidade. Em um país que ainda apaga memórias e vozes negras, iniciativas como essa são respiros de resistência e cuidado. 

Gaza sangra. Mas é o corpo branco que comove

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A presença de Greta Thunberg garantiu mais cobertura midiática à interceptação do barco com comida para Gaza, em águas internacionais, do que as fotos de crianças chorando de fome.

Eu tinha planejado outro tema neste mês, mas a vida se impõe, e decidi falar sobre Gaza. Não vou fazer aqui um histórico da ocupação da Palestina, você me desculpe,  mas sugiro esta série de cinco vídeos da Sabrina Fernandes, que explica esse processo muito melhor do que eu conseguiria.

Imagino que você também esteja vivendo um bombardeio de informações sobre isso. Se não estiver, talvez precise ajustar seu algoritmo.

Vamos ao resumo: Um barco, com um grupo de doze ativistas de diversos países, entre eles, um brasileiro, tentou chegar à Palestina por via marítima, levando uma quantidade simbólica de alimentos, incluindo leite em pó e fórmula para bebês.


Mas foi interceptado, em águas internacionais, pelo exército israelense antes de chegar a Gaza. O grupo queria mostrar, ao vivo, que Israel está usando a fome e a sede como armas de guerra, ao impedir qualquer ajuda humanitária de chegar ao povo palestino.

Diante da magnitude do que acontece na Palestina desde a ocupação, há mais de 70 anos, e que se agravou desde 2023, a gente poderia achar que o “Iate de Selfies”, como o nomeou o governo de Israel, não era uma ação de muito impacto, mas foi.

Só o fato de o governo de um país em guerra se dar ao trabalho de inventar um apelido para ridicularizar a ação nas redes sociais, quando teria sido relativamente simples afundar o barco ou fazer desaparecer as pessoas, já diz bastante coisa.

Mas por que essa ação chama mais atenção do que os números ou as imagens de crianças sofrendo?

Ou do que as manifestações que juntam milhares de pessoas em todo o mundo?

Manifestações ocorrem, inclusive dentro de Israel, com israelenses pedindo cessar-fogo. Por que um barco com apenas doze pessoas chama mais atenção do que a Marcha Global para Gaza, com mais de quatro mil pessoas tentando chegar por terra à fronteira de Gaza com o Egito?

Bom, Greta Thunberg, famosa ativista ambiental sueca de 23 anos, uma das tripulantes do barco, ao ser perguntada por que o mundo fecha os olhos para o genocídio em Gaza, respondeu: por causa do racismo.

Por conta da presença de Greta, e de todo o privilégio branco que seu corpo carrega, a viagem teve que ser noticiada em jornais do mundo todo.

A interceptação do barco em águas internacionais e a deportação da tripulação tiveram que ser manchetes. Houve coletiva de imprensa no aeroporto.

Não era possível deixar “em branco” qualquer coisa que acontecesse com o barco em que Greta Thunberg estava. Isso impediu, inclusive, que ele fosse bombardeado.

Não é exagero. Escolas e hospitais em Gaza foram, sim, bombardeados. Militantes contra o genocídio na Palestina estão presos dentro e fora de Israel. Greta sabe disso.

Um governo violento, tão desesperado para se manter no poder quanto o de Benjamin Netanyahu, não teria pensado trinta segundos em simplesmente explodir esse barco no meio do mar — se isso não fosse causar uma dor de cabeça maior do que “apenas” prender e, em seguida, deportar a tripulação.

Greta não precisa do meu aplauso para continuar sendo a europeia-branca-ativista-estrela-heroicizada que ela é desde os 16 anos.

Seu nome é, e vai continuar sendo, usado como foi: para garantir que o mundo olhasse para uma quase minúscula demonstração do que está acontecendo em Gaza.

Cerca de duas mil pessoas israelenses estão entre mortas ou reféns desde o ataque do Hamas a Israel, em 2023.

Depois disso, e supostamente por conta disso, mais de 60 mil palestinos foram mortos, entre os quais 14 mil crianças.

Cerca de 1,9 milhão de pessoas foram deslocadas, o que corresponde a quase 80% da população de Gaza. O massacre de Israel sobre o povo palestino é genocídio, é limpeza étnica.

Não há como minimizar isso, em nome de uma suposta ponderação antiestrelismo, ou, muito menos, sob qualquer argumento que defenda “olhar os dois lados”.

No fim,Greta tem razão. A resposta “simples” é racismo. E ela não faz mais do que sua obrigação ao usar a visibilidade que tem para chamar atenção para isso.

Pra terminar: dentro do tema principal desta coluna, Justiça Reprodutiva — como foi pensada pelas mulheres negras, também se defende o direito de criar suas crianças sem medo da violência. É um movimento antigenocida.

Entre as diversas vertentes da esquerda judaica, existe um movimento que reconhece a ocupação israelense em território palestino como neocolonialismo, e defende o êxodo total — o que é um tema delicado e doloroso para o povo judeu, historicamente perseguido e forçado a migrar.

Hoje, o governo israelense é acusado, inclusive por parte de sua própria população, de ter deixado de procurar pessoas sequestradas pelo Hamas, porque, ao serem encontradas, deixariam de ser justificativa para a guerra.

A mãe de uma jovem israelense sequestrada pelo Hamas em 2023 disse recentemente no congresso em Israel:

“Eu preciso vir aqui implorar para vocês trazerem de volta a minha filha, que o Estado de Israel abandonou?
Se eu pudesse escolher, não viveria neste país.
Aconselharia minha filha a pegar tudo o que ela ama e deixar este país.
Este é meu conselho para as novas gerações.”

Que conselhos as mães palestinas gostariam de dar às suas novas gerações?

Odu Obará

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O Mẹ́rìndílógún ou Jogo de 16 Búzios, é um oráculo milenar de tradição Yorùbá, no qual sacerdotes e sacerdotisas do culto afrobrasileiro são os intérpretes das 16 caídas e cada uma delas tem uma interpretação, seja ela positiva ou negativa. 

Normalmente recorremos a ele para termos orientações quando os caminhos estão fechados. Com perdas de toda ordem, através delas podemos tomar boas decisões para abrir os caminhos e nos recuperar dessas perdas.

Hoje quero citar o 6 º Odu, conhecido como Obará, que cultuamos no mês de junho, no dia 06/06. 

Em um dos mitos sobre Obará, que interpreto como um ensinamento sobre generosidade, humildade e até mesmo acolher aqueles que nos desprezam, pois, no final, as riquezas deste caminho serão certeiras e lhe darão o sucesso no momento certo.

Na filosofia tradicional, a ética é como um código para interpretação e podemos internalizar conceitos sobre boa conduta e bom caráter para que o destino nos devolva bons frutos à nossa colheita. Se apresenta como um aprendizado para a evolução moral e espiritual. 

Quando vivenciamos perdas e entendemos que são barreiras, desafios, má sorte, inveja, etc, normalmente pensamos ser algo negativo, o que nos leva, muitas vezes, a desistir de lutar ou de seguir em frente. Às vezes as perdas nos paralisam. 

Porém, precisamos esperar o tempo passar, sentir a dor e nos ouvir. Entender quais são as situações que nos afetam nas perdas, se é o apego, o ego, fantasias de que tudo é estável, que estamos no controle e nada vai mudar.


No jogo de búzios, o oráculo é um grande conselheiro e nos ajuda a entender que as perdas ou erros podem ser ganhos ou acertos. Que o tempo é um mestre sábio, que o silêncio é um excelente conselheiro. 

Entendo que a vida nos ensina que a dor é o maior professor, porque nos mostra possíveis formas de mudanças. Mostra quem torce por você, lhe estende a mão e também quem não nos quer bem, pois é nas dificuldades que conhecemos as pessoas. 

Temos que, diante do caos, organizar e recalcular a rota. Desistir não é uma possibilidade, temos que seguir e continuar, mas espere o tempo, o mestre que nos ensina a descansar, acalmar a mente e o coração para se ouvir.

A perda nos deixa solitários no processo da vida, mas isso não quer dizer que estamos realmente só. Muitas vezes é sobre aprender a ter fé e confiar em si mesmo, seguir sua vida guiado pela sua intuição. 

Temos deuses a nos governar e essas deidades, como nos mitos, são protetores. Podemos soltar o controle, o medo e confiar, pois teremos como Xangô e Oyá, deuses da justiça para nos fortalecer e lutar para que tenhamos vitórias sobre as perdas injustas.

Desde que iniciei o caminho da tradição e da vida devotada aos ancestrais, tenho observado que há uma grande filosofia que está por trás de cada conto e mito que se revela a partir dos movimentos do jogo.

São ensinamentos e orientações diante de perdas ou quedas, nos sentimos derrotados, desesperançados, não há caminho e nem vitórias diante da realidade que temos, mas na verdade, me parece uma reeducação. Tiram tudo do lugar, pois estávamos acomodados.

Pois crescemos somente no desconforto que nos faz ter movimentos e desenvolvemos novas estratégias para sobreviver ao caos e vamos colocando a casa interior e exterior em ordem.

Mudamos internamente para vivermos de outra maneira e conduzir a vida ou os relacionamentos de outra perspectiva.

Não estamos sós. Esta é a grande verdade. Nunca estaremos e seremos sempre testados a nos desafiar e crescer pelo nosso bem viver. 

Seguir confiando que algo melhor está por vir. Isto não é o fim da linha, mas o fim de um ciclo que irá dar espaço para o início de um novo, com a experiência das quais sem estes desafios não teríamos aprendido grandes lições para avançarmos e crescermos.

Esta é uma filosofia num conceito afrocentrado e não eurocêntrico. É um caminho de grandes aprendizados nesta jornada, pois perceber outro contexto que nos impulsiona a seguir e não desistir, nos abre uma nova visão diante dos caminhos que precisamos trilhar.

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A cultura dos bailes funk e seu papel contra a opressão #34

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O papo desse episódio são os bailes funk, movimento cultural e símbolo de lazer entre muitos jovens nas periferias, que há tempos são alvos de abordagem policial e perseguição. 

Instalada em maio deste ano, na Câmara Municipal de São Paulo, a CPI dos Pancadões, é um dos exemplos dos mecanismos de criminalização do movimento. Presidida pelo vereador Rubinho Nunes (União), a comissão pretende investigar possíveis omissões dos órgãos públicos na fiscalização das festas realizadas no município e a perturbação de sossego.

Filipe Barbosa, diretor do filme Fluxo, e Renata Prado, pesquisadora e especialista da cultura funk no Brasil, integrante Frente Nacional das Mulheres do Funk, chegam nessa conversa e abordam como o movimento também representa o direito à cultura e ao lazer nos territórios.

Família Street Boxe: iniciativa oferece aulas gratuitas no Jardim Sapopema, em Diadema

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Desde 2023, a quadra da rua das Seringueiras, no bairro do Jardim Sapopema, divisa com o bairro Eldorado, em Diadema, se tornou o tablado de diversos moradores do entorno que treinam junto com o Caique Alves, 23, morador do bairro Jardim Sapopema, em Diadema, São Paulo. Lutador, professor de boxe e idealizador do Projeto Família Street Boxe, o jovem conduz aulas da modalidade no local como forma de fomentar o esporte na região. 

O que começou como uma brincadeira motivada por alguns amigos, se tornou um propósito de vida. Caique já tinha oito anos de experiência no boxe quando começou com os encontros na quadra. “É interessante ter boxe aqui, geralmente quando tem algum esporte é só [voltado] ao trabalho do futebol. Então, [trazer o boxe para cá foi uma novidade] para a criançada e até mesmo para os pais que começaram a se interessar e vir praticar”, conta.

O treino na quadra é sempre coletivo, mas é feito uma análise de perfil para entender as necessidades individuais de cada participante, que se encontram sempre às terças e quintas, das 20h às 23h.

A trajetória do professor começou em um projeto social. Na época, jovem curioso, ao lado de amigos que cultiva até hoje, deu os primeiros passos na modalidade. Com o tempo, a prática foi ganhando mais espaço em sua vida até o momento que ingressou nas competições federadas. Além de continuar treinando, Caique compartilha suas vivências através da iniciativa. “O que a gente aprende, não é para guardar. É para passar pra frente”, afirma.

“Hoje fico pensando o que seria de mim se não tivesse conhecido o boxe ou o mundo da arte marcial. Talvez seria um jovem deprimido. Meu pai foi morto [perto de casa], vim de um lar que, em qualquer oportunidade, ele agredia a minha mãe, cresci vendo isso e tinha tudo para ‘dar errado’, mas escolhi fazer diferente. O boxe mudou a minha vida. Me salvou, me deu resiliência, força, personalidade” – Caique Alves, professor de boxe e idealizador do Projeto Família Street Boxe.

Caique destaca que todas as pessoas podem participar dos treinos, mas diz que o esporte exige disciplina, comprometimento, esforço e sobretudo, respeito consigo e com o outro. “No final dos treinos, a gente se reúne e sempre troco um papo com meus alunos que tudo o que a gente aprende aqui no boxe, fica aqui [em relação à troca física]. Não podemos aprender a lutar para sair daqui e querer brigar ou até mesmo arrumar desavenças”, conta.

Trocas e aprendizados 

Inicialmente, o projeto teve a formação de várias mulheres e meninas da região, mas muitas delas não seguiram nas atividades. “Havia uma turma só de mulheres, [mas com o trabalho e rotina] o grupo acabou se desfazendo. Então, foquei no treino coletivo, com todos juntos e o espaço continua totalmente aberto e acolhedor para todo mundo. E quem [tem filhos] também pode trazer a criança para participar”, diz.   

“Quando um adolescente está se conhecendo, se desenvolvendo, o esporte se torna muito importante neste processo de autoconhecimento. Ajuda muito para que venha crescer e [se desenvolver] integralmente como pessoa, não só como atleta.” – Caique Alves, professor de boxe e idealizador do Projeto Família Street Boxe. 

Gregory Martins, 19, motoboy, lutador e aluno do Projeto social Família Street Boxe, conta: “Treino há quase um ano, conheci através de um primo e vim fazer parte do projeto. Sempre gostei de boxe, desde criança, ‘brigava’ com meu irmão dentro de casa (risos), só que depois [mais velho], não encontrava [um local] para conseguir treinar de forma gratuita, até que conheci a Família Street Boxe.”

“Aqui é disciplina, somos uma família, treinamos sério [sempre com o foco] de levar nosso nome lá para fora”, destaca o aluno, morador do bairro de Eldorado.

João Gabriel, de 8 anos, é irmão de Gregory e fala com empolgação sobre as atividades. “A aula dele é muito boa, me ajuda, o que eu mais gosto é sparring (simulação de combate entre duas pessoas para aperfeiçoar técnicas e estratégias). Foi o meu irmão, o Gregory, que me trouxe para conhecer e estou achando muito bom fazer os exercícios, porque eles ajudam no meu reflexo, aumentam a minha força”. O projeto também se tornou um espaço de convivência para ele. “Eu acho que a gente fica mais próximo e vira mais amigo das outras crianças”, compartilha.

“Eu faço boxe para passar tempo, mas penso também em ser lutador [profissional] quando crescer. Lutar para valer.” – João Gabriel, 8, aluno do Projeto Família Street Boxing, no Jardim Sapopema, em Diadema, São Paulo.

Rafael Monteiro, trancista, pai do João Gabriel e do Gregory, conheceu o projeto levando seus filhos e acabou se tornando aluno também. “A gente sempre tenta colocar atividade física [na rotina] e acho que isso ajuda para que as crianças não fiquem só no celular ou só na rua. O projeto [é sensacional], mas precisa chamar mais gente para participar. As aulas são totalmente gratuitas. O treino é pesado para os adultos, mas também tem cuidado com as crianças, principalmente na parte física”, conta Rafael.

Mudanças na coordenação e na agilidade são alguns dos reflexos que o Lucas Dias, de 13 anos, conta ter percebido a partir do boxe. “A falta de reconhecimento é bem difícil. Às vezes você fala que faz um esporte e todo mundo acha que você faz futebol, basquete. Aí quando você fala boxe, [as pessoas estranham]”, diz o jovem que é aluno do projeto desde abril. 

Lucas mora com a família no bairro do Jardim Sapopema e fala sobre conciliar os estudos e a prática da modalidade. “É importante ler, escrever e entender um pouco sobre o mundo, né? O mundo gosta de passar para trás quem não tem [estudo], as pessoas olham pra um preto e pobre na rua e já acham que ele é burro, sem nome, sem futuro, marginal…”.

 “Com a luta eu quero um dia colocar meu cinturão e conseguir dar um futuro melhor pra todo mundo da minha família.” – Lucas Dias, 13, morador da comunidade do Jardim Sapopema, em Diadema, e aluno do Projeto social Família Street Boxe.

Articular um trabalho como esse, segundo Caique, tem muitos desafios. “O que a gente mais precisa é de um teto, porque quando chove, por exemplo, a nossa quadra alaga e ficamos impossibilitados de fazer os treinos. Além disso, tenho cinco sacos de areia parados sem uso, pois a gente não tem como fixá-los na quadra por falta de estrutura.”

Os interessados em participar dos treinos podem entrar em contato, através das redes sociais do projeto. 

Arcabouço Fiscal ameaça benefícios sociais e impacta a vida na quebrada

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Você provavelmente já ouviu falar sobre arcabouço fiscal na TV. Apesar do nome complicado, o tema afeta diretamente a vida de quem depende dos serviços públicos, como saúde, educação,  assistência social e programas sociais como o Bolsa Família, o Abono Salarial e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Confira o resultado dessa conversa no sexto episódio da quarta temporada do Desenrola Aí

Para entender esse assunto, o último entrevistado da 4a temporada do Desenrola Aí é Júlio César Djeli, economista e pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudos da Violência da USP, que explicou o impacto da medida fiscal na vida da população periférica.

O arcabouço fiscal é um conjunto de regras que define quanto o governo pode gastar e como ele deve controlar as suas despesas. “É um tipo de guia que organiza as entradas (impostos, taxas e arrecadações) e as saídas (gastos públicos) do orçamento federal”, explica.

Para organizar as contas públicas, o governo pode escolher reduzir os investimentos em Seguridade Social que tem como base a saúde, à previdência e assistência social ou passar essa conta para o setor privado.  

Quando o governo decide cortar gastos de benefícios como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e o BPC, por exemplo, quem mais sofre é quem depende desses serviços. “Se corta na saúde, na educação e na assistência social, quem sente é a periferia. Porque no Morumbi tem hospital particular, escola particular. Mas e a gente, que depende do SUS e da escola pública?”, questiona o economista.

Foto: João Vitor Santos

Se o governo restringe os gastos reduzir também o número de pessoas que têm direito aos benefícios ou aos valores pagos por eles. Mesmo que o arcabouço não comprometa o valor dos alimentos no mercado, ele compromete o quanto de dinheiro se tem no bolso para fazer as compras.

Para Djele, essa lógica amplia a desigualdade e expõe como os governos estabelecem suas prioridades.

É possível governar sem arcabouço?

Segundo o economista, sim. “Antes do governo Temer, não existia teto de gastos nem arcabouço fiscal, e o Brasil funcionava. O que existe é um modelo de país: você pode escolher um modelo que prioriza o social ou um modelo que prioriza o privado”, afirma.

Tudo depende da escolha política: gastar mais com saúde, educação, assistência social e gerar bem-estar para a população, ou gastar menos e beneficiar quem já é rico.

A orientação é que ao ouvir sobre arcabouço fiscal na TV, a atenção deve ser focada não só no tamanho dos cortes de dinheiro, mas onde estes cortes estão sendo feitos. “Falam em cortar milhões da saúde, mas o que exatamente está sendo cortado? É um programa? É uma assistência? Isso vai te afetar? Ficar atento a esses detalhes faz toda a diferença, principalmente para quem depende dos serviços públicos no dia a dia”, alertou.

Desenrola Aí

O programa Desenrola Aí é uma iniciativa quinzenal que promove diálogos com especialistas da quebrada, abordando temas relevantes que impactam o cotidiano da população negra e periférica, além dos direitos humanos, que são fundamentais para a convivência em sociedade. O programa é uma realização do Desenrola e Não Me Enrola, Fluxo Imagens e Portal Kintê Notícias, com apoio da Lei de Fomento à Cultura da Periferia, da cidade de São Paulo.