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Empreendedor mistura samba com yakisoba e frutos do mar para surpreender o paladar de moradores da Vila Império

Todo primeiro domingo do mês acontece o Samba de Calçada, localizado no bairro Vila Império, na zona sul de São Paulo. Nesse samba de quebrada temos o Seu José Geraldo Pereira, 55 anos, que se destaca no evento com a sua barraca customizada de yakisoba, uma mistura improvável, mas que deu muito certo. 

Diferente das proteínas que são disponibilizadas para consumo e venda nos eventos de samba como churrasco, batata frita, calabresa, feijoada, salgados fritos e assados, o yakisoba vem com uma outra proposta rendendo boas vendas e novas oportunidades para José que nos contou um pouquinho sobre sua trajetória na cozinha. 

O ponto de venda do empreendedor se destaca pela sua barraca diferenciada, construída a base de artesanatos feitos de reciclagem. Mas a verdadeira surpresa é o alimento que ele comercializa no território em que está localizado. 

Em entrevista para o Você Repórter da Periferia, ela conta que o seu objetivo é simples: mostrar para as pessoas de seu entorno que é possível se alimentar bem e de forma saudável. É essa discussão que Seu José propõe com seus pratos diversificados e majoritariamente oriundos de peixes e outros frutos do mar.

VCRP: Qual é a reação das pessoas ao chegarem no Samba da Calçada e verem uma barraca de yakisoba?

Foi a opção que me deram de fazer yakisoba e perguntaram pra mim, se eu executava eu falei “Opa, com o maior prazer”, e hoje é um sucesso no Samba da Calçada, as pessoas gostam. Uma vai falando para o outro de boca a boca e até a minha marmita que eu separo no fim da balada, eu vendo, porque sempre tem um que quer e bate o pé e acaba vendendo.

VCRP: Como foi a construção da estética diferenciada da sua barraca?

Eu comecei com um tambor que eu fiz um fogão, e começou a demanda e as pessoas queriam yakisoba. Ninguém colocou fé que eu ia criar essa barraca, eu comecei em janeiro do ano passado (2023). Comecei a pegar madeira e fazer, e quando chegou no mês de março eu falei agora eu tô preparado pro yakissoba que me deram essa oportunidade, mas a barraca muitas pessoas vêm tirar foto aqui, né? E cada hora ela vai ser diferente, da próxima vez que você vier, ela vai estar com o telhado. Ela vai estar com um gerador movido a luz solar, então a cada hora você vai ver ela diferente.

VCRP: Como é o início da sua trajetória na culinária de frutos do mar?

Eu aprendi porque um dia eu comi errado e quase morri, aí eu me joguei na comida e aprendi a fazer comida de verdade. Então eu reunia amigos em casa, e aí começava, eu fazia tudo, pegava abria o atum e fazia hambúrguer, fazia linguiça de atum e começou. Então através de amigos eles falaram: “cara você teve uma mão boa para culinária, por que que você não se joga?”. Eu falei: “vou”. Hoje eu tô na culinária.

VCRP: Como é a sua demanda de comercialização de pratos à base de frutos do mar na região?

Então os pratos de fruto do mar a demanda é mais para amigos, porque eu acho que as pessoas têm que provar todo tipo de peixe. Qualquer tipo de peixe eu faço de uma forma saudável e saborosa, você come com os olhos e assim, eu acho que a periferia tinha que comer uma moqueca de peixe com banana e saber o sabor.

VCRP: Qual a sua visão de futuro para o seu negócio?

Então eu gostaria muito de ficar na quebrada, eu precisava disso, principalmente preparar comida sem nenhum tipo de conservante químico, tem como você comer bem e saudável. Eu tenho muita proposta, mas é que eu falei no início, né? Eu quero ter essa vida, essa simplicidade de fazer comida assim, não quero crescer, eu quero fazer uma coisa natural, porque se eu crescer não vai ser natural de verdade. Eu prefiro atender pouco, e a pessoa comer bem, é isso.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

“Eu sou admiradora”: moradora relata impacto de comunidade de samba na Vila Império

Indo na contramão de experiências ruins que muitos moradores das periferias relatam sobre festas de rua que viram a madrugada e bailes funks que não respeitam os vizinhos, Suely Macedo, moradora da Vila Império, zona sul de São Paulo, há mais de 20 anos, assiste sentada na entrada da garagem da sua casa o processo de montagem de palco e passagem de som do Samba na Calçada, um coletivo de moradores que preservam a tradição de utilizar a música como instrumento de fortalecimento de vínculo comunitário.

A moradora conta que se sente honrada em ser vizinha do Samba na Calçada e ser impactada pelas ações solidárias promovidas pela iniciativa, que existe há 13 anos. Em datas comemorativas como o dia das mães e pais e festas de final de ano, os organizadores do samba distribuem  presentes para os vizinhos e realizam uma super festa beneficente com direito a presentes e montagem de brinquedos para as crianças, com comida solidária para todos que quiserem participar do evento.

Enquanto moradores e vizinhos começam a chegar no Samba na Calçada, a moradora conta ao Você Repórter da Periferia que costuma ceder a sua garagem para os organizadores distribuírem refeições solidárias para o público no final do ano.

Ela conta com bastante carinho os cuidados que os organizadores têm com os moradores, para garantir a segurança das casas e carros estacionados, limpeza da rua, horário para início e fim do evento, bem como evitar brigas e discussões entre o público. 

VCRP: O que a Comunidade Samba da Calçada significa para você como moradora?

Eu sou admiradora do evento, gosto do que eles proporcionam para o bairro, para a rua e os moradores, principalmente para as crianças, que no final do ano eles fazem a distribuição de brinquedo para todas as crianças carentes e não carentes, montam brinquedos na rua, para as crianças terem um momento de lazer. Quanto ao Samba, não tenho nada a reclamar! Somos livres para fazermos o que quisermos! Se quisermos sair, ok! Se quisermos ficar em casa, ok! Se quiser participar, ok. Somos todos convidados. a festa é do bairro e a rua é de todos.

VCRP: Qual é o principal diferencial do samba na calçada que mais afeta você como moradora?

Somos todos livres para fazer o que quisermos, se quiser montar algum comércio podemos montar sem nenhum problema, não tem não tem nenhuma restrição em relação a isso, quem puder vende o que quer, somos todos livres para fazermos o que quiser, não existe uma regra e não existe impedimentos.

VCRP: Você Relatou sobre a segurança. Como você se sente nos dias de samba aqui no bairro?

O término do samba não ultrapassa às 10 horas, geralmente é no horário combinado que termina, existe uma equipe de limpeza que deixa a rua limpíssima. Caso venha ocorrer algum problema, há uma interferência de imediato para resolver. É um evento de rua onde cada um é responsável por si, mas tem sempre pessoas do samba olhando para ver se está tudo bem com os moradores e as casas no entorno.

VCRP: Você se sente beneficiada estando aqui com esse evento cultural?

Quando vejo quem monta um comércio e consegue fazer uma renda eu fico mais feliz E mais honrada ainda, pelo que eles conseguem proporcionar para as crianças carentes, e nós mães, somos todas lembradas no Dia das Mães, todos os pais da Rua São lembrados no dia dos pais, então isso já é gratificante.


“Eu faço café e torradinha todo dia e levo aos vizinhos”: o legado de Luiz Freire, velha guarda do samba da Vila Império

Enquanto os batuqueiros do Samba da Calçada animam o público presente numa tarde de domingo, na vila Império, zona sul de São Paulo, o empreendedor Luiz Freire, 73 anos, criador da comunidade de samba que existe há mais de 10 anos, está atrás de um balcão de um pequeno bar atendendo o público que começa a chegar para prestigiar o evento comunitário. 

O seu dia começa bem cedo. Com carisma e alegria, ele recebe crianças, jovens, adultos e idosos, que vão ao estabelecimento não só para comprar bebidas e petiscos, mas também para apreciar o café da manhã comunitário com direito às deliciosas torradinhas que ele realiza para os moradores do território.

Antes de morar na Vila Império, o líder comunitário morava na Vila Nova Conceição, um bairro localizado entre a Vila Olímpia e o Itaim Bibi, cercado por centros comerciais, grandes prédios residências, casas de show, bares com música ao vivo e restaurante de alta gastronomia. Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, ele conta a importância da preservação de um estilo de vida comunitário na periferia onde todos os moradores ainda se ajudam e se importam uns com os outros.

VCRP: Há quanto tempo você se dedica ao samba?

Desde 2004 estou aqui na Vila Império. Comecei com o samba em 2006, mas criamos o Samba na Calçada em 2012.  Temos união aqui com as pessoas, porque aqui tem muita gente carente. Eu faço café e torradinha todo dia de manhã e levo aos vizinhos que eu posso ajudar. Pobreza não é você não ter dinheiro, é você ser pobre de espírito.


VCRP: Como foi trazer o samba de Alagoas para a periferia de São Paulo?

Em Alagoas criamos um grupo chamado “Origem do Samba”. Agora ele se chama “Tô na gandaia”. Estamos aqui na periferia, onde eu não pensava que tinha tanta gente boa que me acolheram muito bem, todo mundo gosta de mim, eu sou muito grato. Ninguém fecha uma rua pra fazer um evento assim no bairro, sem parceria com a comunidade né?

VCRP: Qual a maior transformação que você teve na sua vida?

Você tá lá em cima e cai, e vai dizer que tá bom? Não vai, você pode viver com as pessoas, mas e se você não tá bem? A gente não consegue transformar sempre né, vivemos como pode, na ditadura por exemplo, nós não tínhamos liberdade, hoje estamos todos livres, como eu, trabalho por aqui, pra quem foi auditor, isso aqui nem é trabalhar, eu faço meus salgados, vivo minha vida, ajudo as pessoas.

VCRP: Qual é a maior riqueza ou aprendizado que você teve com o samba?

Não me falta nada. Quando você tem um pouquinho pra dividir é melhor que você tenha pra dividir tudo o que você tem, do que ter necessidade de pedir, não é verdade? Eu sou uma pessoa que gosta de ver o outro lado. Que respeite sempre o ser humano, porque tudo que se joga é como uma bola de borracha, é a força que você pode dar na parede, ela volta pra você, se você for “ameno”, tudo aquilo não volta.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

Como surgem as ruas?

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A noção de rua vem do latim “ruga” que significa “caminho” e pode ser caracterizada como um espaço público urbano de circulação de pessoas, veículos, animais e etc., ao permitir a ligação entre uma origem e um destino, de um ponto a outro nas cidades, metrópoles ou mesmo no meio rural. A rua é o espaço onde o encontro, as trocas e a circulação acontecem nas cidades, já que as cidades representam o centro de aglutinação de pessoas, bens, empresas e instituições, mas também de trocas, culturas, conhecimentos e ideias. A rua representa a passagem, o transitório, o meio de circulação, ao cumprir uma função para os centros urbanos e viabilizar a circulação e o encontro das pessoas seja em acessar centros comerciais, culturais, educacionais, de saúde, etc. Ela pode ser entendida também pela presença de duas ou mais calçadas (passeios e trânsito de pedestres e carruagens, em sua origem na antiguidade) e atualmente pelo fluxo de pedestres, veículos e mercadorias.

De espaço de encontro a espaço para automóveis

Todavia, a rua, como analisou Henri Lefebvre em A revolução urbana, não é apenas um lugar de passagem e circulação, ela é o lugar do encontro, sem os quais não existem outros encontros possíveis nos lugares determinados (cafés, teatro, salas diversas), lugares esses que animam a rua e são favorecidos por sua animação. Na rua efetua-se também o movimento, a mistura, sem os quais não há vida urbana.

Durante séculos as ruas das cidades tiveram uma dinâmica de vibração e de aglomeração de diversas funções sociais, ao representar até a metade do século XX um movimento de integração da vida social, econômica e política, com cidades estruturadas por meio de poderes políticos, econômicos e sociais que determinam a vida social de seus cidadãos. Com as ações de Le Corbusier em suprimir a rua, tornando-a apenas funcional para certo tipo de circulação, em alguns momentos a rua teve a extinção da vida, quando a cidade teve sua redução à condição de dormitório. Entretanto, a rua ainda mantém funções diversas negligenciadas por Le Corbusier, tais como as funções informativa, simbólica, lúdica, entre outras.

A rua foi passando por modificações ao longo da história. Deixou de ser, em alguns momentos, o lugar de todos os encontros para cumprir a função de circulação de veículos automotores. Na lógica de produção do espaço e produção da mercadoria, 

No Brasil, é comum as ruas serem nomeadas em homenagens a personagens históricos, famílias tradicionais de determinados bairros, nome de bairros, cidades, países, lugares, obras literárias e musicais também. Mas quem decide sobre a nomeação de uma rua? A princípio, qualquer pessoa pode enviar uma sugestão para a Câmara Municipal de sua cidade, e lá os/as vereadores/as discutem projetos de lei para nomear ou mudar nome de ruas, por exemplo. Em última instância, é necessário que um/a vereador/a encaminhe um projeto de nomeação de ruas, e isso não costuma ter barreiras para ser aprovado. Porém, as ruas são de atribuição do município e há uma lei orgânica que rege a sua regulação, ao mesmo tempo em que há cada município precisa ter um plano diretor vigente que contribui para as mudanças urbanas e legais.

“Sempre vou ser um Pankararu”, afirma Wesley dos anjos sobre identidade indígena

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Segundo o Censo do IBGE de 2022, cerca de 63% de pessoas indígenas vivem em áreas urbanas no Brasil, e parte dessa população está nas periferias. Como é o caso do Wesley dos Anjos, 32, indígena do povo Pankararu e morador do bairro Cohab Adventista, localizado no distrito do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. “Tanto na favela quanto na aldeia lutar é uma necessidade presente, no sentido de resistência”, diz Wesley, que prefere ser chamado de Wes.

Wes é assistente social, ativista indígena e pesquisador. Ele faz parte da primeira geração da família que nasceu fora da aldeia Pankararu, mas sempre esteve conectado com a sua cultura e identidade através da mãe, Maria das Dores. 

“Minha mãe é uma mulher indígena do povo Pankararu e saiu do nosso território com 15 anos de idade fugindo [da] seca de 1970, [que] foi um período de estiagem no nordeste que deixou o ambiente sem comida e água, e aí boa parte dos nordestinos migraram para São Paulo, mas pouco se fala da migração dos povos indígenas”, diz o pesquisador. 

“Eu sempre me senti em luta social, por ser favelado, do Capão, por ser filho de um homem preto, por ser indígena, por ser gay. A semelhança que [tem] em tudo isso é precisar lutar para existir”.

Wes Pankararu, assistente social, ativista indígena e pesquisador.

Entre os contrastes de viver na aldeia e na periferia, Wes afirma que a diferença está nas formas de lutar. Segundo ele, na aldeia, não se expor e optar por observar, por vezes é um modo de se proteger. “Já na favela eu aprendi a revidar, a ser mais visível”, coloca.

O Brasil tem 1,69 milhão de indígenas, conforme mostra o Censo do IBGE de 2022. Desse total, aproximadamente 622 mil (36,73%) vivem em Terras Indígenas e 1,1 milhão (63,27%) fora delas. O estado de São Paulo concentra 55.295 (3,27%) pessoas que se autodeclaram indígenas, sendo que dessas, cerca de 51 mil indígenas (92,44%) vivem em contexto urbano, e 4 mil (7,56%) moram em terras oficialmente reconhecidas como indígenas.

A origem da etnia Pankararu é de Pernambuco, região nordeste do Brasil. O território desse povo é atravessado por três municípios: Tacaratu, Jatobá e Petrolândia. “A minha aldeia Brejo dos Padres está mais no município de Tacaratu”, compartilha Wes.  

O pesquisador coloca que no Capão Redondo vivem 60 Pankararus, parte deles são da mesma família do ativista e todos são parentes. “A gente se considera parente independente da relação de sangue. Se você é do mesmo povo que eu, você é meu parente”, aponta Wes, que comenta sobre a existência de outros núcleos de indígenas Pankararus em São Paulo. 

A Associação SOS Comunidade Indígena Pankararu fica no bairro Real Parque, distrito do Morumbi, zona sul de São Paulo, e segundo o ativista, ela representa os Pankararus em contexto urbano e desenvolve ações em diversas áreas, como saúde, assistência social, cultura e educação. 

Wes conta que, geralmente, quando algum Pankararu migra para a cidade procura estar próximo a um núcleo de parentes indígenas. “Porque ali ele sabe que vai ter força para enfrentar esse cotidiano que muitas vezes engole a gente. Juntos lembramos com mais constância de onde a gente vem, e quem a gente é”, pontua.

Aldeias e periferias

De 2007 a 2011, Wes viveu na aldeia Pankararu, em Pernambuco, e voltou para São Paulo em 2012 para estudar. Ele conta que mudar para a aldeia em plena adolescência foi um tanto conflituoso. “Hoje eu acho que [essa] foi a melhor coisa que ela [Maria das Dores] poderia ter feito por mim, além de fortalecer a minha identidade. [Viver na aldeia] me fez desenvolver outro olhar sobre quem sou e sobre quem a gente é enquanto povo, inclusive para lembrar que em qualquer lugar do mundo eu sempre vou ser um Pankararu”, afirma. 

O pesquisador conta que não invalida a estratégia de não se colocar como indígena, e que atualmente ele não gerencia mais a própria identidade, e sim os conflitos que isso pode gerar.

“A minha mãe já foi chamada na escola para a professora falar que a gente estava fumando maconha, porque a gente ia com cheiro de ervas. A gente ia com cheiro de ervas, porque a gente estava tomando banhos que espiritualmente para a gente faz sentido”, exemplifica Wes sobre situações que já vivenciou morando em contexto urbano.

“Quando as pessoas falam sobre quem é indígena no Brasil vem uma imagem já desenhada e eu [não faço parte desse imáginário], não só por ter o pai negro, mas também pelo meu povo não ser enquadrado dentro dessas características estereotipadas. Quando eu falava que era indígena ou quando a gente fala que é indígena, as pessoas automaticamente desvalidam e nos violentam”

Wes Pankararu, assistente social, ativista indígena e pesquisador.

O pesquisador compartilha que sua formação acadêmica se deu através do programa de inclusão de pessoas indígenas da universidade, chamado Pindorama, da PUC São Paulo. Ele aponta a educação como o caminho para combater os preconceitos e a invisibilidade das diversidades étnicas e também com indígenas que vivem fora das aldeias.

“Deve ser ensinado para as crianças, desde a educação infantil, para que elas saiam desse senso comum de que ‘índio’ é um ser mitológico, que não existe ou só existe nos livros, no folclore. A gente está na favela, na cidade, nas aldeias, nas florestas, [estamos] onde a gente quiser, porque o Brasil todo é território indígena”, ressalta Wes Pankararu, que aponta não existir o cumprimento da lei federal 11.645 de 2008, sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo oficial da rede de ensino, e que por isso, quem acaba tendo a iniciativa de fazer essas articulações são os próprios indígenas.

O olhar da quebrada

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Dia 19 de agosto se comemora o Dia Mundial da Fotografia. Já parou para pensar como é importante ter esses registros em nossa história e memórias?

Hoje, com alguns acessos que temos, conseguimos registrar nossa quebrada de uma forma na qual poderemos, em um futuro não tão longe, mostrar para nossas próximas gerações a expressão de nossos sentimentos através da fotografia.

Na quebrada existem muitos talentos e sonhos. A conquista de uma câmera é algo gigantesco, uma verdadeira luta e resistência. Cada foto é uma maneira de mostrar  a quebrada pelo nosso olhar, um olhar que revela a beleza, a luta e a força do nosso povo.

É no sorriso da criançada, na correria do dia a dia, nos grafites que colorem os muros, nos jogos de futebol que encontramos inspiração.

Cada clique é um manifesto, cada retrato é uma declaração de que nossa cultura e nossa história merecem ser vistas e respeitadas.

A fotografia na quebrada é feita de momentos reais, de gente que transforma a dificuldade em arte e expressa nas imagens a alma da comunidade.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

Comerciante une admiração ao futebol à venda de espetinhos na Copa Terra Nossa em Osasco

Nascido em Cajazeiras, na Paraíba, Carlos Antônio da Silva, se mudou para São Paulo em 1960, ainda criança. Após morar em Pirituba, e se mudar para o bairro Jardim Bonança, em Osasco, região metropolitana de São Paulo, foi no bairro Terra Nossa, no mesmo município, que ele encontrou a oportunidade de continuar seu trabalho como vendedor de espetinhos, mas agora unindo seu apreço pelo futebol à sua renda extra.

Aposentado e recuperando-se de um AVCI (Acidente Vascular Cerebral Isquêmico), Carlos mora próximo do seu filho Leandro, e segue ativo na comunidade. Através do apoio de Flávio, conhecido como “Pinguim”, dono do bar em frente ao campo de futebol que acontece a Copa Terra Nossa, o vendedor encontrou ali um novo espaço para trabalhar.

Carlos Antônio complementa sua renda a partir da venda de espetinhos na beira de campo em Osasco. Foto: Yasmin Turini

Como é sua rotina atualmente?

Eu sou aposentado, então eu fico em casa fazendo os afazeres de casa, vou fazer uma compra, vou atrás das necessidades diárias, arrumo minha casa, visito a minha nora, visito o meu filho que mora aqui perto. Eu tenho que vir aqui no domingo, então na sexta-feira, eu já vou buscar a carne, já corto, tempero e no sábado eu espeto. Tem 150 espetinhos e no domingo eu venho para assar acompanhando o futebol. 

Como o senhor começou a vender os espetinhos aqui nessa região?

O espetinho eu vendo desde 2005, numa outra localidade onde eu morava, no Jardim Bonança. Aí eu tive um AVCI no ano passado, e esse ano eu mudei para perto do meu filho. Por coincidência tem essa quadra aqui e com esse campeonato. A gente uniu o útil ao agradável e eu vim fazer os espetinhos, que modéstia à parte, é muito saboroso. Aí eu estou iniciando. Inclusive, hoje é o meu segundo domingo.

Como foi a recepção da comunidade local quando o senhor começou a trabalhar aqui?

O Pinguim é o dono do estabelecimento aqui, do bar, ele que me cedeu o espaço aqui tranquilo. A gente já se conhece há mais de quatro [ou] cinco anos. Então eu não sou novato para o pessoal daqui. Eu já sou amigo do Pinguim há muito tempo, agora para vender churrasquinho, para trabalhar em si, é o meu segundo domingo, mas a recepção foi muito maravilhosa, me acolheram muito bem, não tenho do que reclamar, é só agradecer. 

A venda dos espetinhos traz alguma mudança no seu bem-estar?

Olha, é um trabalho como outro qualquer, só que com um pequeno diferencial, aqui você lida com o povo, você lida com o ser humano, então você faz muitas amizades e não tem como não fazer, né!?

Qual é a melhor parte de ter começado a vender aqui? 

Veja bem, trabalhar por conta é isso. Você faz o seu horário. E por coincidência eu vim morar próximo ao meu filho. Aí é essa união de morar perto do meu filho e ter esse evento aqui para poder fazer esse churrasquinho. No outro local, eu vendia 50 espetinhos por dia, trabalhava três dias da semana, aqui eu trabalho aos domingos e vendo 150 espetinhos. Como eu sou aposentado por idade, recebo um salário mínimo, então o que eu pego aqui ajuda muito na renda. Aqui o pessoal me chama de Carlinhos, mas futuramente serei conhecido como Carlinhos do Espetinho.

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Moradora de Osasco conta sobre relação entre coletividade e esporte na região

Vitória de Cássia, 23, dona de casa, moradora de Osasco, região metropolitana de São Paulo, tem como atividade de lazer aos domingos, acompanhar os jogos da Copa Terra Nossa, competição de futebol de várzea que acontece no território, cujo objetivo é integrar a comunidade através do esporte. 

A importância da modalidade na vida de Vitória vai além dos momentos de lazer. Segundo ela, patrocinadores e a comunidade ajudam nos custos de casa com itens como cesta básica e fralda para seus filhos. Vitória conta que essa movimentação também vai além dos patrocínios, pois os jogadores e a comunidade sempre se ajudam. Ela também ressalta que entre as mulheres que frequentam o local esse senso de comunidade cresce de forma natural.

Vitória de Cássia, 23, dona de casa, moradora de Osasco, região metropolitana de São Paulo, tem como atividade de lazer aos domingos, acompanhar os jogos da Copa Terra Nossa. Foto: Yasmin Turini

O que te traz até o campeonato Terra Nossa? Como é ver esse evento de pertinho? 

Comecei a acompanhar os jogos há 3 anos por causa do Jonathan, meu esposo, que joga no time Lobos. Ver os jogos é incrível. A emoção é algo que te envolve, e quando você percebe já está participando. Os jogos são muito emocionantes, especialmente quando você vê a disputa acirrada entre os dois times. Tanto no início, quanto no final, quando você vê os finalistas jogando, é pura emoção. Além disso, [tem] a emoção do público que se junta com a torcida e tudo mais.

Como você vê a importância do campeonato para os jogadores e a comunidade?

Mesmo com as adversidades no campo, os jogadores estão sempre unidos, apoiando uns aos outros. Além disso, o campeonato fortalece a comunidade, proporcionando um tempo de lazer, onde as pessoas se reúnem para assistir aos jogos. É uma disputa saudável, um ambiente natural […]. A Copa Terra é algo relativamente recente, mas desde que começou, muitas pessoas no bairro têm se reunido para fazer esse trabalho incrível que ajuda muito as famílias. Os patrocinadores contribuem com fraldas e outros itens essenciais que as pessoas pedem, o que é muito importante. 

Como é a relação desses patrocínios na sua vivência? 

Os patrocínios ajudam com fraldas e outros itens, e eu vejo isso como algo muito positivo. Minha filha mais velha, de quatro anos, sempre me acompanhou nos jogos do Jonathan. Inclusive, quando eu estava grávida da Maria Luiza, de nove meses, eu ia assistir aos jogos barriguda e os meninos do time sempre me ajudavam. Eles fizeram um chá de bebê para mim e me deram muitas fraldas e outros itens para o bebê. Hoje eles continuam ajudando financeiramente sempre que precisamos, seja para comprar leite ou qualquer outra coisa.

E sobre as suas filhas, você vê a possibilidade delas seguirem o caminho do futebol que ainda é visto como um ambiente majoritariamente masculino?

Se a Maria Luiza decidir seguir o caminho do pai eu com certeza vou apoiar, porque não vejo mal algum no futebol. Eu já ouvi muitas vezes o meu marido falar que quando ele joga futebol ele se desestressa dos problemas do dia a dia. Então eu super apoio. Minha filha mais velha, de quatro anos, já me acompanha nos jogos, e embora ainda não tenha se enturmado com as crianças que jogam, eu estou sempre apoiando.

Como é para você trazer as crianças para cá, especialmente as mais novas?

No começo era bem difícil, mas agora eu me dedico a estar aqui com as meninas para vê-las crescer assistindo o pai jogar futebol. Muitas vezes, o futebol foi o nosso ganha-pão. Por isso, eu tenho o maior prazer de trazer as crianças, mesmo com a dificuldade de ter um bebê de quatro meses. Venho sempre preparada, com leite, roupa de frio, carrinho e cobertor, para passar o dia apoiando o Jonathan. Além disso, as meninas de outros times sempre me ajudam, seja segurando o bebê ou ajudando com outras coisas. Dentro do campo, a rivalidade existe, mas fora dele, somos todas unidas.

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Desenrola e Não Me Enrola entrevista candidaturas periféricas a vereança da cidade de São Paulo

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Assista a sabatina completa.

Nesta terça-feira (03), a jornalista Thais Siqueira, co-fundadora do Desenrola E Não Me Enrola, apresentou a primeira sabatina do Desenrola Aí nas Eleições, programa de entrevistas dedicado a entrevistar candidaturas negras e periféricas que visam ocupar o cargo de vereador na Câmara Municipal de São Paulo, um espaço de construção de leis e políticas públicas fundamental para a defesa da democracia e da pluralidade de vozes na política institucional.

A primeira entrevista com candidaturas periféricas contou com a presença dos candidatos Advogado Ewerton (PODEMOS) e Neon Cunha (PSOL).

A iniciativa faz parte da proposta do Desenrola e Não Me Enrola de realizar uma cobertura especial das eleições na cidade de São Paulo, a partir da sua  linha editorial, baseada em temáticas como raça, gênero, população LGBTQIAPN+, mulheres e povos indígenas.

No município de São Paulo, foram registradas 927 candidaturas ao cargo de vereador, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio do portal Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais. Devido ao número elevado de candidaturas registradas, não é possível entrevistar todas. Portanto, o Desenrola selecionou oito candidaturas que dialogam com temas conectados à sua linha editorial.  

Ao todo, serão realizadas quatro transmissões ao vivo no canal de YouTube do portal de notícias, todas as terça-feiras, nos dias 03, 10, 17 e 24 de setembro, sempre às 12h, com duração de uma hora. 

Cada entrevista contará com a presença de duas candidaturas, e terá perguntas elaboradas a partir das pautas emergentes dos territórios periféricos, além de perguntas criadas pelo público que estarão acompanhando o programa. 

As próximas entrevistas do Desenrola Aí nas Eleições conta com a presença da candidata a reeleição, Elaine Mineiro (PSOL), que representa a mandata coletiva Quilombo Periférico, Ingrid Soares (Rede), Keit Lima (PSOL), Professora Flavia (PSTU), Chirley Pankará (PSOL)Erick Ovelha (PSOL)

Confira as próximas datas com entrevista simultânea as candidaturas periféricas a vereança da cidade de São Paulo

📅 [10 de setembro, às 12h] Elaine Mineiro (PSOL) e Ingrid Soares (Rede).

📅 [17 de setembro, às 12h] Keit Lima (PSOL) e Professora Flavia (PSTU)

📅 [24 de setembro, às 12h] Chirley Pankará (PSOL) e  Erick Ovelha (PSOL)

Sobre o Desenrola Aí nas Eleições

O Desenrola Aí nas Eleições é um programa de entrevistas dedicado a sabatinar candidaturas negras e periféricas que disputam cargos públicos nas eleições municipais e estaduais. O programa foca em candidaturas que visam ocupar posições como vereança, deputado (a/e) estadual e federal, espaços essenciais para a construção de leis e políticas públicas que defendam a democracia e promovam a diversidade de vozes na política institucional.

Desde sua primeira edição em 2022, o Desenrola Aí nas Eleições tem sido um importante espaço de diálogo, entrevistando candidaturas periféricas para cargos de deputado estadual e federal, ampliando o debate sobre representatividade e inclusão no cenário político.


Tarifa zero no transporte público: é possível?

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O cientista social e pesquisador do Centro de Estudos Periféricos, Sandro Oliveira, responde à pergunta feita nas redes sociais do Desenrola.

Adotar a tarifa zero está entre as soluções mais importantes e imprescindíveis para garantir o direito à cidade para todas, todos e todes cidadãos. Essa é uma política pública adotada em alguns municípios brasileiros, como em Maricá, no estado do Rio de Janeiro e, recentemente, em São Caetano do Sul, na Região Metropolitana de São Paulo. Ela implica num potencial de circulação em que, paulatinamente, tende a melhorar as condições do trânsito, ao reduzir os congestionamentos, além de promover um bem-estar comum no quesito da qualidade de vida para o conjunto da população das cidades em que são aplicadas e esperamos que isso ocorra em breve em São Paulo.

Histórico

Cabe destacar que a tarifa zero, que atualmente ocorre aos domingos em São Paulo pela atual gestão municipal, foi uma política criada e adotada originalmente na gestão da prefeita Luiza Erundina (1988-1992), na época do Partido dos Trabalhadores. Essa política foi criada pelo então Secretário de Transportes da Erundina, o engenheiro Lúcio Gregori, que implantou parcialmente a tarifa zero em finais de semana e em alguns bairros como em Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo (com os ônibus circulares). Ele pretendia ampliar para toda a cidade, mas foi boicotado pelos empresários de ônibus das empresas privadas, que não permitiram e até sabotaram essa proposta.

Gregori desde então vem fazendo a defesa de que em vez de a cobrança do “custo do transporte” ser por catraca, que pudesse haver uma mudança para a cobrança por quilômetro rodado, que poderia estimular inclusive as empresas privadas em investirem em mais ônibus para a circulação, já que quanto mais circulação, mais ganham, A catraca é o inverso: poucos ônibus, ônibus lotados e muitas vezes em situação precária. Por isso, a tarifa zero apenas aos domingos tende a não ser funcional plenamente para os/as trabalhadores/as que vivem e habitam as periferias da cidade, porque o intervalo dos ônibus tornam-se mais demorado e há uma quantidade menor de ônibus circulando.

Mas a tarifa zero aos domingos é uma medida importante para viabilizar a circulação de pessoas que sequer saem do bairro em que moram por não dispor de recursos para o transporte, ao permitir o lazer, a circulação e a apropriação para outras partes da cidade por esses/as trabalhadores/as. Todavia, esse experimento aparece como um piloto para verificar as possibilidades de implementação da tarifa zero na cidade, algo que seria fundamental, já que o transporte não deve ser tratado apenas como serviço, mas como um direito social, tal como a educação, a saúde (SUS), etc.

A importância das empresas públicas e o combate a privatização

Outra questão para a implementação da tarifa zero é a retomada das empresas públicas de transportes. Em São Paulo existia a CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos, fundada em 1949 e privatizada na gestão de Paulo Maluf em 1993. É fundamental haver empresas estatais de transporte que, inclusive, há uma urgência em colocar a questão da importante pauta de reestatização do sistema de transporte, a exemplo do SUS que é uma política pública de Estado, para garantir o transporte como direito social e viabilizar a tarifa zero, já que empresas estatais não visam lucro. Em muitos países como Alemanha, por exemplo, há um processo de reestatização de empresas que foram privatizadas nas últimas décadas. Não podemos cair no mito ideológico do “mercado virtuoso versus estado ineficiente”. 

Por isso, o Estado precisa assumir o seu papel de regulador da sociedade, dos espaços sociais e da circulação, independentemente de seus governos, ao também operar o transporte como fez em outras épocas aqui em São Paulo, seja pela CMTC ou mesmo pela EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), e como faz ainda pelo Metrô (Companhia do Metropolitano) e CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), empresas estatais fundamentais para o transporte de massa ameaçadas de privatização pela atual gestão do governo do Estado de São Paulo, na contramão da tendência mundial de reestatização e melhoria dos serviços públicos de transportes. A grande questão é que a gestão de uma cidade, Estado e país passa pela ação de governos e, muitos destes, não atende os interesses do conjunto da população, apenas os interesses de grupos econômicos e políticos vinculados ao seu programa de governo.