Home Blog Page 79

“Parece um código de barras”, diz fotógrafo sobre a paisagem do Cemitério São Luiz

0

Pilotando um drone há 400 metros de altura, fotógrafo do Campo Limpo registra transformação do Cemitério São Luiz durante a pandemia de coronavírus.

Cemitério São Luiz, zona sul de São Paulo, durante a pandemia de coronavírus em maio de 2020. (Foto: Marcelino Melo | Menino do Drone)

Medo, tristeza e impotência. Esses foram os sentimentos que tomaram conta do fotógrafo Marcelino Melo, morador do Jardim Piracuama, bairro localizado no distrito do Campo Limpo, ao produzir durante as últimas quatro semanas uma série fotográfica composta por 40 imagens aéreas sobre a transformação da paisagem do Cemitério São Luiz, localizado na zona sul de São Paulo, durante a pandemia de coronavírus.

Nesta quarta-feira (13), o fotógrafo fez novos vôos para captar imagens e mesmo elevando o seu drone a altura máxima de 400 metros, ele não conseguiu registrar com exatidão a quantidade de covas que estavam sendo abertas por oito máquinas escavadeiras, devido à gigantesca dimensão do terreno do cemitério que está em processo de adequação para receber novos sepultamentos.

A iniciativa surgiu após Melo assistir o vídeo poesia produzido pelo rapper Cocão a Voz em parceria com o jornalista João Wainer, divulgado na primeira quinzena de abril, para alertar a população sobre o impacto da pandemia na vida dos moradores das periferias. Ao sentir o peso da mensagem transmitida pelo vídeo, ele decidiu iniciar um registro independente e contínuo da área no entorno do Cemitério São Luiz. O local tem passado por muitas transformações, devido o crescente número de sepultamos de moradores, vitimas do novo coronavírus ou de doenças respiratórias causadas pelo covid-19.

“Eu sobrevoei motivado pelo vídeo, mas não esperava ver aquilo ali. Quando eu vi aquele monte de cova deu uma sensação de medo, impotência e de tristeza muito grande. Eu comecei a tremer”, relembra o fotógrafo.

Melo trabalha como educador na Fábricas de Cultura do Jardim São Luís há dois anos. O equipamento cultural fica ao lado do cemitério. Nesse meio tempo, ele vivenciou uma paisagem do bairro que passava por muitas transformações culturais, afastando a imagem histórica difundida pela mídia tradicional brasileira de que o território abriga o “cemitério do crime”, conhecido por sepultar muitas pessoas vitimas de violência policial e conflitos do crime organizado nas décadas de 90 e 2000.

“A cada clique que eu fazia as fotos a minha reflexão era a mesma: era o número, a quantidade de covas que tinha ali, isso era assustador”, descreve ele, relatando a sensação de estar vivendo um genocídio invisível. “Quando se vê de 100 a 300 covas enfileiradas, a sensação é de genocídio. A história está se repetindo e chegou a nossa vez e encarar isso, não é fácil. Mas na real, eu nem sei se eu estou encarando e seu eu tenho a dimensão real disso”.

“A terra revirada insinua a morte. Parece um código de barras visto do alto”

Para realizar as imagens não foi necessário estar dentro do cemitério, além disso, o drone utilizado por Melo viabiliza uma produção de imagens com bastante qualidade, fato que o motivou a registrar as imagens com o objetivo de distribuí-la para a população, por meio de suas redes sociais e portais de jornalismo periférico.

“Quando eu fiz as fotos eu entendi naquele momento que essas fotos não eram para ficar pra mim. Isso aqui é informação. Eu não tenho carinho por essas fotos e não quero reconhecimento”, enfatiza ele, destacando que o maior objetivo é alertar a população local, por meio das imagens, sobre o que está acontecendo ao lado da casa delas, mas que ainda é difícil para ser compreendido.

O fotógrafo encontra nas imagens aéreas uma definição do seu interesse pelo registro da paisagem. “Não é foto de enterro ou caixão que eu estou procurando. A terra revirada insinua a morte. Isso é o que mais me incomoda. Parece um código de barras visto do alto”, argumenta Melo, relembrando que um amigo fez um comentário em suas redes sociais fazendo essa comparação com o leitor de produtos industrializados.

A cada semana, o fotógrafo se deparava com a simbólica imagem do genocídio, apontada por ele. E isso foi outro fator que o motivou a manter esse registro semanal do Cemitério São Luiz durante a pandemia de coronavírus.

Todas as imagens aéreas revelam que uma grande quantidade de covas foram fechadas nos últimos 18 dias, ou seja, receberam sepultamentos. Mas nesse meio tempo, uma quantidade ainda maior de novas covas em outras áreas do terreno do cemitério foram abertas.

Confira algumas imagens que foram produzidas a partir de 17 de abril e que revelam as principais transformações da paisagem.

Foto produzida em 17 de abril.
Foto produzida em 7 de maio.

No canto esquerdo da foto produzida em 7 de maio, o terreno do cemitério já não possui mais a mesma vegetação. E no centro da imagem produzida em 7 de maio, as covas que estavam abertas em 17 de abril já foram praticamente todas preenchidas.

Foto produzida em 17 de abril.
Foto produzida em 13 de maio.

Aqui o cenário é mais devastador. A imagem produzida em 13 de maio mostra no canto direito um aumento no número de covas, em relação a foto produzida em 17 de abril. Além disso, a imagem produzida nesta quarta-feira mostra no canto esquerdo superior uma nova área no terreno que foi aberta para produção de novas covas.

Você Repórter da Periferia: nos encontraremos presencialmente em 2021

Diante do cenário que estamos enfrentando com a pandemia mundial do Coronavírus, e conforme as recomendações de isolamento e prevenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, decidimos não realizar a 7° edição do Você Repórter da Periferia em 2020.

Desde 2014, nós do coletivo Desenrola e Não Me Enrola temos realizado o programa de formação Você Repórter da Periferia. Em seus 7 anos de existência, mobilizamos em média 400 jovens das periferias de São Paulo que se interessaram em fazer parte desse processo de construção e aprendizagem coletiva. Mais do que um programa de formação, o projeto que é voltado para jovens de 16 a 25 anos moradores das periferias, tem entre seus objetivos centrais o de propiciar encontros. Encontros com o outro e consigo mesmo. 

Diante do cenário que estamos enfrentando com a pandemia mundial do Coronavírus, e conforme as recomendações de isolamento e prevenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, decidimos não realizar a 7° edição do Você Repórter da Periferia em 2020. Nosso objetivo é evitar a proliferação do vírus e zelar pelo bem estar dos jovens participantes. Essa decisão foi muito difícil para nós, já que desde a criação do Você Repórter da Periferia nunca deixamos de realizá-lo. Porém, compreendemos que a saúde de todos nesse momento é o bem mais precioso que devemos zelar.

O projeto tem duração de sete meses e normalmente iniciamos as atividades no mês de maio. A possibilidade das formações serem realizadas de forma online nunca foi cogitada, pois as trocas e encontros que o projeto proporciona são essenciais durante o processo de formação. Além disso, há questões estruturais que influenciam nessa decisão, como o acesso à internet e equipamentos.

Outro fator determinante para o cancelamento desta edição é o fato da formação não contar apenas com atividades técnicas, mas também com imersões jornalísticas nas periferias da cidade de São Paulo. Esse é o momento no qual muitos começam a descobrir na prática as potências que existem em seus territórios e passam a enxergar seus bairros como espaços de produção cultural e econômica.

As aulas teóricas do Você Repórter da Periferia acontecem desde 2017 no Centro de Mídia M’Boi Mirim, espaço colaborativo de comunicação no Jardim Ângela, que permanece fechado desde março para evitar aglomerações e a proliferação do vírus.

Nesse momento, assim como a maior parte da população, temos buscado colaborar no enfrentamento da pandemia, principalmente através da comunicação. Nosso desejo é que em 2021 as atividades presenciais voltem acontecer com ainda mais encontros e trocas. A previsão de abertura das inscrições para a próxima turma será em março do próximo ano. Até lá, nos cuidemos!

Direitos invisíveis: mulheres chefes de família narram impacto de não pagar aluguel na pandemia

0

Na segunda reportagem da série ‘cidade dos direitos invisíveis’ você vai conhecer a história de moradoras da Favela Baracela, ocupação de moradia localizada no Parque Novo Mundo, zona norte da cidade. Elas migraram de suas terras natais na região nordeste do Brasil para construir a vida na cidade de São Paulo. Hoje, em plena pandemia, essas mulheres chefes de família relatam como tem sido o cotidiano durante o isolamento social, período no qual elas foram demitidas de seus empregos. 

A vida de moradoras da favela Baracela, território de luta por moradia que existe a 40 anos no Parque Novo Mundo, bairro pertencente ao distrito da Vila Maria, zona norte de São Paulo, foi transformada radicalmente devido aos efeitos da crise econômica gerada pela pandemia de coronavírus. Boa parte dos habitantes da favela são vendedores ambulantes, diaristas, comerciantes locais ou desempenham outras funções no mercado de trabalho informal.

A favela está dividida em dois territórios: a Baracela I, onde moram as famílias mais antigas; e a Baracela II, onde residem os moradores mais novos que lutam pelo direito à moradia. De acordo com Irani Dias, 49, coordenadora geral da Associação de Luta por Moradia Estrela da Manhã, há cerca de 2.300 famílias morando no território.

Dias afirma que a grande maioria dessas famílias não está conseguindo gerar renda e que muitas são chefiadas por mulheres que são diaristas e que foram dispensadas do trabalho neste período de pandemia.

“São em torno de 2.300 famílias divididas em duas partes: Baracela I, com cerca de 40 anos, e Baracela II, que teve as primeiras construções em 2016. Cerca de 80% das famílias estão em alta vulnerabilidade social e outras 20% constituíram seu comércio lá dentro mesmo ou são ambulantes trabalhando em torno da zona norte”, descreve a coordenadora.

Ela ressalta a condição socioeconômica das famílias que ocupam a favela. “A grande maioria das famílias não está conseguindo gerar renda, muitas são mulheres diaristas que ganhavam por dia e foram dispensadas por suas patroas”.

Na ausência dos órgãos públicos competentes que poderia reduzir o impacto da pandemia na vida dos moradores, a coordenadora do movimento de moradia conta que a Associação tem feito propostas e projetos que vão desde a urbanização da área da favela até a garantia de distribuição de alimentos as famílias da Baracela. “Há uma proposta de reurbanização. Já que não cabe regularização por ser um terreno da CDHU, que já teve indenização. A área de atuação dentro do Parque Novo Mundo atende mais de 1.230 famílias que estamos mobilizando para doar cestas e produtos de higiene”, finaliza.

“Fui mandada embora ainda na experiência, porque onde eu tava ia fechar na quarentena”

Uma dessas famílias é a de Laiana Santos Silva, 22, mãe de duas crianças que também perdeu o emprego na quarentena. Ela relata que está sobrevivendo com o auxílio emergencial e principalmente com as doações que tem recebido dentro da comunidade. “Fui mandada embora ainda na experiência, porque onde eu tava ia fechar na quarentena. Aqui na minha casa estamos sobrevivendo com cestas que o pessoal dá aqui na favela. Se não fosse isso a gente morria de fome. Agora tá muito difícil, não tem emprego de jeito nenhum”, desabafa a moradora.

Santos complementa dizendo que um alívio nesse momento é não pagar aluguel. Ela sempre morou em casas de aluguel e por isso vivia se mudando por causa dos altos preços, condição que a obrigou a morar por pouco tempo e logo se mudar de bairros como Santana, Jardim Brasil e tantos outros da zona norte. A moradora encontrou na ocupação Baracela II o alívio de fugir dos aluguéis juntamente com o sonho da moradia própria, que ela busca a mais de nove anos, quantidade de tempo que calha com o momento de sair de sua terra natal na Bahia em busca de uma vida melhor em São Paulo.

“Eu nasci em Porto Seguro, cidade turística da Bahia. E é bem difícil de conseguir trabalhar lá, então a mais ou menos uns nove anos eu vim para cá, tentar trabalho e graças a deus sempre tive como me manter. Já morei em muitos lugares de aluguel, meu sonho sempre foi ter um lugarzinho meu, eu sempre sonhei em sair do aluguel, graças a deus consegui esse terreno pra mim, agora quero fazer a minha casa de alvenaria aqui, porque eu ainda moro em barraco de madeira”.

Outra moradora que também conseguiu fugir do aluguel por meio da conquista de um terreno na favela Baracela é Janaína Lourenço Da Silva, 38, que nasceu em Garanhuns, Pernambuco e veio para São Paulo também em busca de trabalho e desde que chegou aqui sonha com uma moradia própria. 

“Eu sou de Pernambuco, um lugar chamado Garanhuns, minha família toda é de lá, desde que eu to em São Paulo sempre quis ter um lugar só meu, já morei em muito lugar nessa cidade, eu pagava aluguel de quase mil reais. Quando descobri por meio de um amigo que havia sido feita uma ocupação e as famílias estavam montando seus barracos, aí a gente veio arriscar, eu e meu esposo, ninguém sabia se ia dar sorte ou não, mas viemos tentar e estamos aqui até hoje”.

Janaína também conta sobre a dificuldade de se manter dentro de casa nessa quarentena quando se mora em casas muito pequenas e com muita gente. Ela afirma que não é possível ficar em casa e que não existe espaço e nem estrutura para se isolar. “Tem muitas casas de alvenaria e barracos de madeira, as pessoas tentam se controlar, mas tem que sair, não tem como ficar direto em casa, o espaço é pequeno, não tem quintal, não tem garagem, a rua é de barro, as condições são difíceis, mas é a única que temos e agradecemos a ajuda que recebemos aqui”, descreve a moradora.

Ela enfatiza que além destes fatores que inviabilizam o isolamento social, o abastecimento de água é outro grande problema enfrentado pelos vizinhos na favela. “Pensando na quarentena não é possível ficar em casa e nem sem contato. A estrutura é difícil. A água, por exemplo, acaba de noite e só volta de manhã cedo”.

Censo 2010: a desigualdade dos migrantes nordestinos

Os problemas com moradia, renda e empregabilidade narrados pelas moradoras chefes de família entrevistadas pela nossa reportagem foram apontados nos dados do Censo 2010, que completa 10 anos de existência em 2020. Quem comprova essa ligação é o relatório socioeconômico produzido em 2011 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a partir da análise de alguns indicadores do Censo.

O rendimento mensal médio do trabalhador migrante nordestino que veio de Pernambuco para São Paulo era de R$ 903,20. Já o trabalhador que veio da Bahia era de R$ 937,35. Ambos os estados correspondem aos locais de origem de Laina, que nasceu em Porto Seguro, cidade turística da Bahia e Janaína, que veio de Garanhuns, em Pernambuco.

O estudo também aponta que os migrantes que vieram de outros estados das regiões Centro-Oeste e Sul, possuem rendimentos que giram em torno de R$ 2.000,00, ou seja, o dobro da renda recebida pelos migrantes nordestinos.

Outro dado impactante que revela essa desigualdade entre os migrantes nordestinos é o acesso à educação, direito social estruturante que ajuda o cidadão a conseguir melhores oportunidades de geração de renda e trabalho. Os baianos com idade entre 30 e 60 anos representam 59% entre os quais não concluíram o ensino fundamental, já os pernambucanos têm uma taxa de 56,4% de não conclusão.

Em comparação com as pessoas nascidas em São Paulo, a taxa de não conclusão do ensino fundamental cai para 24,3%, um indicador que revela novamente o dobro de diferença, o qual coloca os paulistanos em lugar privilegiado em relação ao acesso à educação.

Entre as profissões mais ocupadas pelos migrantes nordestinos destaca-se a de empregadas domésticas, com a maior proporção de 21,1%. Esta posição no mercado de trabalho ilustra outro cenário apontado no estudo, no qual o indicador revela que 54,3% de baianos e 57,2% de pernambucanos residentes na região metropolitana de São Paulo recebem um salário mínimo ou menos.

Favela Baracela, no Parque Novo Mundo, zona norte de São Paulo. (Foto: Arquivo pessoal de moradores)

“A favela nunca é ouvida de fato”

Segundo a pedagoga Luana Maria Ferreira Martins, 32, que atua em bairros da Subprefeitura da Vila Maria e Vila Guilherme com articulação cultural e territorial no coletivo Casa No Meio Do Mundo, as políticas públicas habitacionais não chegam às favelas, onde os moradores sofrem com condições de moradias precárias.

“As política públicas habitacionais não chegam, os prédios construídos a pouco tempo no território não levam em consideração os perfis familiares, não existem projetos habitacionais do Estado pensado de fato nos moradores que estão em alta vulnerabilidade, muitos residem próximos a córregos, em becos extremamente apertados e em casas alugadas, e ainda falando do impacto no perfil desse moradores são em sua maioria a população preta, pobre, nordestina, com perfil socioeconômico que não supera a renda de dois salários mínimos”, avalia a pedagoga.

Para Ferreira, a especulação imobiliária com altos valores de aluguéis expulsa as pessoas dos territórios, fazendo com que muitas famílias tenham que morar em ocupações, causando uma sensação falsa de realização do sonho de casa própria.

“Por conta dos altos valores de aluguéis e a parte burocrática que também não facilita, os moradores acabam indo viver em ocupações, mas acho que isso cria uma falsa sensação de realização de sonho da casa própria, muitos terrenos são desapropriados, deixando muitos moradores iludidos, ou vivendo em situações insalubres onde correm perigo constante, o poder público poderiam encontrar maneiras de facilitar condições habitacionais, onde os moradores pudessem realmente realizar um sonho de casa própria”

explica.

Ela também ressalta que o isolamento social não está funcionando nas quebradas, e que o poder público deveria tomar outras medidas pensando nas estruturas dessas famílias. “O isolamento não está funcionando, primeiro as condições habitacionais não permitem, são casas pequenas, barracos, cortiços que muitas vezes moram cinco pessoas, sendo impossível o isolamento social, segundo a questão financeira, muitas famílias não estão tendo o que comer e precisam sair para trabalhar”.

Para amenizar os impactos da pandemia no cotidiano dos moradores, ela sugere um olhar mais sensível e próximo da realidade das pessoas. “As medidas necessárias são um olhar mais sensível para as questões periféricas, ampliar políticas de assistência como os auxílios que a quebrada precisa, mas demora a aprovar. A periferia está precisando de ações do poder público urgentemente, pois a fome não está esperando, muitos vão morrer pelos vírus e muitos de fome, a quebrada precisa ser motivada, se já estivessem realizados projetos habitacionais na periferia antes dessa crise, seria mais fácil o isolamento social acontecer de maneira mais eficiente”.

As organizações e associações de moradia estão o tempo todo pensando nas vidas dentro das favelas e tentando elaborar projeto e propostas que melhorem as condições de moradias dessas pessoas, mas muitas vezes não são ouvidas ou levadas em conta. Luana nos conta que percebe a favela sendo ouvida pelo poder público só quando há um processo de reintegração de posse.

“A favela nunca é ouvida de fato, observo o descaso em criar projetos habitacionais, é tudo sempre empurrado com a barriga, quando poderia ser organizado de uma forma correta, os moradores só são lembrados quando sofre processo de reintegração de posse, o poder público não cria projetos habitacionais, que realmente pautem as necessidades de moradia na vida das pessoas que moram em favelas”, finaliza.

No Capão Redondo, cursinho popular transforma podcast em ferramenta pedagógica

0

Diante da pandemia, os educadores do cursinho popular Carolina Maria de Jesus optaram por rever a sua forma de compartilhar conhecimento com os participantes do projeto de educação, que estam em busca de acessar o ensino superior e tirar boas notas no Enem. 

Podcast Fala Carolina, produzido pelo cursinho popular Carolina Maria de Jesus. (Foto: Carolina Maria de Jesus)

Como fazer uma educação popular em tempos de ensino à distância, em territórios periféricos, onde alunos e professores se deparam com sérios problemas de infraestrutura para acesso à internet? Essa questão envolveu educadores e alunos que fazem parte do cursinho popular Carolina de Jesus, que atua nos distritos do Capão Redondo e Jardim Ângela, na zona sul da capital, em um debate para refletir sobre novos formatos de conteúdo e linguagem pedagógica.

A partir desta experiência pedagógica, Carine Nascimento, educadora no cursinho popular, elaborou juntamente com outros professores o podcast ‘Fala Carolina’, um programa semanal que é distribuído para os alunos, por meio de listas de transmissão no Whatsapp. Um dos objetivos é trabalhar a educação à distância, focando nos temas mais discutidos na atualidade, como o cenário da pandemia de coronavírus e as Fake News, que contrapõem a importância das pesquisas científicas.

No Carolina de Jesus, Nascimento atua como professora de interpretação de texto, fazendo um trabalho sobre a dificuldade de compreensão de temas, somente pelo distanciamento da linguagem. “Você não entende o que as pessoas estão dizendo”, afirma a educadora, fazendo uma referência direta sobre as dificuldades dos alunos para compreender a linguagem acadêmica ou a linguagem da universidade. Ela ressalta o sentimento dos estudantes das periferias que passam por esse processo. “Você se sente um idiota, você não entende o que as pessoas estão dizendo, você não tá habituado com aquela linguagem, com aquele jargão”, completa.

O conteúdo do podcast também fica disponível no blog do cursinho, plataforma onde são publicadas as aulas e materiais de apoio aos estudos, relacionados aos temas abordados em cada episódio no ‘Fala Carolina’.

A ideia de trabalhar a educação à distância por meio do podcast foi apenas uma extensão de algo que já era feito. “Nós escolhemos temas que dialogam com esse momento que a gente tá vivendo, a gente não quer fugir desse momento”, enfatiza Carine, abordando a necessidade de construir um debate sobre o atual momento da sociedade, de uma forma que prenda a atenção dos alunos e consiga ajudar eles durante a prova do Enem.

O primeiro episódico do ‘Fala Carolina’ abordou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS). O conteúdo vem carregado de referências de uma forma bem informativa e descomplicada, adaptada e pensada para não consumir muita internet do usuário. “Quando a gente migra de um canal presencial para o digital a gente tem uma série de desigualdades desenvolvidas. Nem todo mundo tem internet boa, nem todo mundo sabe usar os aplicativo que a gente tá propondo que as pessoas usem”, avalia a educadora.

Ouça o podcast Fala Carolina.

O podcast é produzido com o uso de alguns efeitos sonoros que são disponibilizadas por bibliotecas livres na web. Para a edição do conteúdo, são utilizados os programas Audacity e Adobe Audition. A maior parte dos áudios são produzidos pelos educadores com suporte de ferramentas disponíveis no próprio celular. “A grande sacada é ter um roteiro, que dê conta de tudo sabe, tendo um bom roteiro a gente consegue ir de cabo a rabo, supera os desafios da conexão ruim, com um roteiro da hora.”

A todo o momento Carine relembra a necessidade de se aproximar da linguagem do aluno, porque segundo ela esse é um dos principais meios para retirar tantas pedras que tem no meio do caminho dele e ressalta: “nós somos um cursinho de educação popular, educação popular está baseada na teoria de Paulo Freire. Em Paulo Freire você lê o mundo antes de ler a palavra. Então assim, se for pra fazer educação popular e não está completamente mergulhado na realidade do aluno, do jeito que ele fala, então é melhor não fazer nada.”

Em meio a pandemia de coronavírus, o podcast se tornou um aliado importante do cursinho popular para continuar propondo debates importantes com os alunos que estam se preparando para as provas do Enem. Desta forma, o ambiente político, plural e participativo dos diálogos presenciais não se perde durante o período de isolamento social.

Internet Solidária: campanha incentiva moradores de Ermelino Matarazzo a compartilhar wi-fi com vizinhos

0

Tecnologias de sobrevivência são construídas cotidianamente nas periferias. Mas como se proteger da pandemia de coronavírus se parte dos moradores dos territórios periféricos não têm acesso ao mundo digital? Diante deste dilema, agentes culturais que fazem parte da Ocupação Cultural Mateus Santos, localizada em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, criaram uma campanha focada em democratizar o acesso a internet, entretenimento e informação aos moradores do território que não tem condições de contratar o serviço. 

Projeção da campanha ‘Fiqueemcasa’ promovida pelos coletivos da Ocupação Cultural Mateus Santos (Foto: Movimento Cultural Ermelino Matarazzo)

Neste momento onde o governo pede para que as pessoas fiquem em casa, solicite o auxílio emergencial por meio de sites e aplicativos, realize o estudo à distância por meio de plataformas Ead, o acesso a internet se torna um item essencial para garantir o direito à vida.

Uma proposta para reduzir os impactos desta dura realidade na vida de muitos moradores de Ermelino Matarazzo foi a criação da campanha ‘Internet Solidária’, na qual, agentes culturais e artistas que fazem parte da Ocupação Cultural Mateus Santos, irão realizar uma série de transmissões ao vivo com shows de artistas locais, para mobilizar moradores da região a tomar a importante decisão de compartilhar sua internet com vizinhos que não tem como contratar o serviço, devido a crise econômica que afeta principalmente a população periférica.

“Nesse momento é crucial tanto para acesso às informações, quanto para diminuir os efeitos do isolamento social, podendo ter acesso a lazer e também ao estudo, que são direitos básicos da população”, afirma Gustavo Soares, um dos articuladores culturais da Ocupação Cultural Ermelino Matarazzo, um espaço cultural independente gerido por coletivos artísticos e culturais que atuam nas periferias da zona leste de São Paulo.

A partir do dia 20 de março, a ocupação cultural suspendeu todas as suas atividades por tempo indeterminado, devido ao reconhecimento do protocolo de segurança do estado de calamidade pública, divulgado pela Prefeitura de São Paulo, decorrente da pandemia do novo coronavírus. Mas com muitas demandas de moradores em estado de alta vulnerabilidade social a região, o espaço se tornou uma referência de articulação comunitária, promovendo campanhas de doação de kits de higiene e organizando lives com artistas locais. 

Uma dessas campanhas é a ‘Internet Solidária’, iniciativa que procura diminuir os efeitos do isolamento social, motivando os moradores do bairro a criar seus próprios pontos de acesso à internet. “Tem mó galera que às vezes sai de casa para vim pra frente da ocupação, pra usar nossa internet, porque nossa internet é aberta”, explica Soares, enfatizando que a campanha está sendo uma forma de levar internet a mais pessoas no bairro.

Ele também explica que essa solução surgiu com a proposta de reduzir os impactos da pandemia no território. “Essa foi uma forma que a gente conseguiu pensar para diminuir tantos os efeitos da galera não precisar sair de casa, pra ir até algum ponto que tem internet livre , e ao mesmo tempo se manter em casa pra ter opções né, e assim manter a sanidade”, complementa o articulador cultural.”

A campanha a funciona da seguinte forma: o morador coloca o nome da rede wi-fi de ‘Fiqueemcasa’ e e muda a senha para ‘Fiqueemcasa’, criando uma rede de colaboração entre os próprios moradores e possibilitando o acesso á internet para o maior número de pessoas. Soares conta que a praça de wi-fi livre mais próximo do bairro está situada na Praça Giovanni Fiani, no bairro Ponte Rasa, localizado a 3 km da ocupação cultural.

Os articuladores culturais pensaram em um impacto que vai muito além da campanha, pois eles têm o intuito de fazer com que as pessoas façam parte dessa rede de mobilização e se conscientize do atual momento em que estamos vivendo. “A gente tá fazendo uma série de ações, que em conjunto a gente acredita que minimiza bastante os efeitos da pandemia, aqui no bairro”, relata Gustavo, ressaltando a importância das mobilizações coletivas pensadas para ajudar os moradores do bairro durante a quarentena.

Soares complementa que ainda não consegue prever quais serão os resultados gerados pela campanha, mas permanece bem otimista com as iniciativas no território durante a essa pandemia. “Tivemos comentários bem positivos, mas a campanha começou ontem então ainda não dá pra avaliar os resultados. Esperamos que agora tenha muitos pontos de acesso na quebrada.”

Enquanto a solução não vem do poder público, iniciativas como dos agentes culturais da Ocupação Ermelino Matarazzo, geradas com baixo custo e com grande possibilidade de impacto real na vida das pessoas são por enquanto a maior e melhor oportunidade de acesso à internet para quem não tem condições de contratar o serviço nas periferias.

“A arte na periferia é isso, ela é o suspiro”

Um dos objetivos da Ocupação Cultural Mateus Santos é oferecer aos moradores de Ermelino Matarazzo novas possibilidades de imaginar e enxergar a vida nesse momento caótico, fruto da pandemia. Para isso eles utilizam a arte e articulação com artistas locais, com o intuito de produzir pequenos shows transmitidos ao vivo em suas páginas nas redes sociais.

“A live foi um momento de compartilhamento das obras e da forma como eu acesso aquelas obras, e como aquilo me faz pensar o mundo”, descreve Luan Charles, músico e integrante da banda Nova Malandragem, que busca democratizar a produção da música instrumental na periferia.

Com a dependência da tecnologia para fazer ecoar a sua arte neste momento, o artista também fala da experiência de fazer um show sem platéia, acessando as pessoas apenas por meio de telas de celulares e computadores. “Mesmo que seja uma música que dura 3 minutos ela é um convite, para você experiênciar naqueles três minutos uma outra forma de viver a vida”, define Charles, fazendo uma reflexão sobre o impacto gerado pela arte da periferia. “A arte na periferia é isso, ela é o suspiro.”

Charles diz que ainda está descobrindo essa conexão com a tecnologia e arte, e as lives é algo totalmente diferente do que está acostumado, mas está tentando se adaptar, porque vê nela uma oportunidade de fazer as pessoas se sentirem acolhidas. “É uma oportunidade para as pessoas não se sentir isoladas por completo e também não se sentir excluída.”

As lives são transmitidas pelos perifes no Facebook e Instagram da Ocupação Cultural e pelo instagram pessoal do artista @luan_trompreto. Desde o início da quarentena Luan e seu grupo já fizeram quatro lives e ele enfatiza que pretende trazer mais conteúdos diversos sobre música e afeto, assuntos que estão tomando muito do seu tempo ultimamente.

Impactos da pandemia nas periferias muda opinião de eleitor de Bolsonaro sobre voto

0

Arrependido do voto nas eleições presidenciais de 2018, empreendedor da quebrada reconhece que Bolsonaro não tem capacidade para ser presidente. O fraco desempenho no combate à pandemia e as queimadas na Amazônia foram fatores cruciais para o eleitor avaliar e repensar a capacidade do presidente de governar o país. 

Imagem aérea da abertura de covas no Cemitério São Luis, zona sul de São Paulo. (Foto: Menino do Drone)

O jovem Jhonny Miranda, 21, morador de Itapecerica da Serra, publicou recentemente em suas redes sociais estar arrependido de votar no presidente Jair Bolsonaro, sentimento que vem sendo compartilhado por muitos brasileiros, devido aos últimos acontecimentos que envolvem o líder do poder executivo federal em relação às tomadas de decisão para combater a pandemia de coronavírus e a crise política com o ex-ministro da justiça Sérgio Moro e a Polícia Federal.

Com o avanço da pandemia de coronavírus nas periferias e a possibilidade de ter familiares afetados, por fazerem parte dos grupos de risco, o empreendedor mudou sua avaliação em relação ao preparo do presidente para governar o país. “Acho que foi um momento crucial pra entender que ele não tem capacidade e nem competência pra estar onde está. Governos similares a ele como o primeiro ministro britânico e o presidente americano mudaram o discurso quando perceberam que a situação é realmente grave, no entanto, o Bolsonaro prefere fingir que nada acontece.”

Miranda afirma que conhece diversas pessoas que não fizeram como ele, publicando em suas redes sociais a insatisfação com o presidente, mas que se arrependem de ter votado em Bolsonaro.

Em 2018, ano no qual, as eleições presidenciais foram marcadas por um cenário de constantes ataques políticos por meio da difusão de fake news, o presidente Jair Bolsonaro surgiu como um candidato que prometia renovar as estratégias políticas ligadas principalmente à segurança pública e a economia brasileira. Esse discurso foi um dos fatores que levou Miranda a definir seu voto.

“As ideias e propostas em segurança publica e na economia foram os pontos cruciais para meu voto em Bolsonaro. Ele sempre afirmou que colocaria pessoas técnicas e que não interferiria nas decisões de seus ministros”, conta ele, enfatizando que a escolha dos ministros demonstra um cenário totalmente contrário ao prometido durante a campanha. “O problema que a maior parte dos ministros, principalmente do meio ambiente, relações exteriores e educação são altamente ideológicos e travam uma guerra imaginaria com a já falecida ideologia petista.”

“É nítido que o presidente caiu na velha política ou sempre esteve nela”

Essa percepção de Miranda de avaliar a incapacidade do presidente de governar o país não surgiu recentemente. Desde o período de início das queimadas nas florestas amazônicas, o empreendedor já demonstrava uma insatisfação com a atuação de Bolsonaro e seus ministros. ” Durante as queimadas na Amazônia ao invés dele resolver ele criava acusações e especulações que em nada ajudaram.”

O jovem empreendedor faz questão de ressaltar a sua maior decepção com o presidente. “As duas pautas que me fizeram votar nele (segurança publica e economia) eu não me arrependo. Agora com a saída do Sergio Moro o cenário muda. É desesperador a forma como os ministros de Relações Internacionais e Educação leva seus cargos com despreparo, sendo isso, juntamente com a crise na Amazônia e a atual crise da pandemia minhas maiores decepções.”

Miranda faz questão de enfatizar que não segue uma ideologia política ou seguimento partidário especifico de direita ou esquerda. “Acho que essa divisão política no Brasil corrobora para o extremismo e não compactuo com nenhuma dessas.”

Embora esteja descontente com o desempenho e o formato de governar de Bolsonaro, o jovem não acredita que o caminho seja o impeachment. “Eu sou absolutamente contra um impeachment já que isso traria um longo período de impasse político e de derrotas na economia e na vida social.”

Ele finaliza a entrevista dizendo que se identifica com a frase da cientista política americana Amy Erica Smit. “O ministro pulou do ‘Titanic antes que afunde’, pois é notório que ele sabe dos crimes praticados pelos filhos do presidente e outros aliados”, e complementa afirmando: “é nítido que o presidente caiu na velha política ou sempre esteve nela.”

Centro de Mídia M´Boi Mirim oferece oficina de escrita do VAI

0

A oficina “Sua ideia no papel – Oficina de Escrita do VAI” acontece no dia 21 de março, das 9h às 14h30, no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.

Com o propósito de fortalecer interessados em inscrever seu projeto para o edital do Programa de Valorização de Iniciativas Culturais – VAI o Centro de Mídia M’Boi Mirim, espaço que visa potencializar coletivos e articuladores culturais das periferias a partir da comunicação, oferece a atividade “Sua ideia no papel – Oficina de Escrita do VAI” no dia 21 de março, das 9h às 14h30, no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.

A oficina será ministrada pelo coletivo de comunicação Desenrola e Não Me Enrola e tem como objetivo fazer com que as pessoas consigam desenvolver a escrita do seu projeto de forma autônoma por meio da construção da estrutura da justificativa, objetivos específicos, plano de trabalho e orçamento. Os interessados em participar desta oficina podem se inscrever até a próxima sexta-feira, 20, com encerramento ás 15h, por meio deste link. O encontro será focado na escrita de uma ideia, ou seja, o coletivo participante precisa ter noções mínimas do seu projeto.

Obs: É indicado a presença de (no mínimo) dois integrantes do coletivo. Caso não seja possível, pode participar uma única pessoa.

Agenda:

Sua ideia no papel – Oficina de escrita do VAI

Data: 21/03/2020
Horário: 9h às 14h30
Atividade gratuita
Local: Centro de Mídia M’Boi Mirim – R. Thereza Silveira de Almeida, 3 – Jardim Ângela, zona sul, São Paulo – SP

Debate ao vivo discute importância dos movimentos culturais da periferia na pandemia

0

O debate vai reunir remotamente coletividades que atuam nos territórios da zona leste e será transmitido pela página do Fórum de Cultura da Zona Leste. Conscientes dos impactos gerados pela pandemia nas periferias, coletivos, articuladores culturais e artistas independentes têm atuado no atendimento das emergências, colocando em prática uma visão ampla sobre o papel dos coletivos. 

Encontro de coletivos culturais da zona leste de São Paulo. (Foto: Fórum de Cultura da Zona Leste)

Nesta sexta-feira (24), coletivos culturais da zona leste de São Paulo vão transmitir, a partir das 19h, um debate ao vivo sobre a importância dos movimentos culturais em tempos de pandemia de coronavírus na página do Fórum de Cultura da Zona Leste.

Já confirmaram presença a Ocupação Cultural Mateus Santos (Movimento Cultural Ermelino Matarazzo), Love CT, LabCasa Cultural, Okupação Coragem (Resiste Quebrada), Espaço de Nós pra Nós (Batakerê), São Mateus em Movimento, Centro de Estudos Periféricos, Comitê Solidário ZL (Coletivo Paulo Freire). A conversa será mediada pela Sílvia Lopes Raimundo, do Instituto das Cidades na Unifesp Campus Zona Leste.

Em um primeiro momento, a doença parecia atingir principalmente moradores de bairros nobres da cidade, com renda suficiente para realizar viagens à Europa e Ásia. Mas, o vírus se espalhou rapidamente pelos territórios, e é nos bairros periféricos onde provoca mais mortes.

Para além dos problemas na saúde, a quarentena, principal medida de contenção do vírus, tem atingido a população mais pobre, impedida de fazer seus corres na informalidade ou dispensada de trabalhos precários.

Nesse cenário, os trabalhadores e trabalhadoras da cultura têm colocado em prática ações de solidariedade, alinhadas com uma visão ampla do que é cultura, praticada em diversas coletividades da cidade. Na zona leste, algumas dessas coletividades têm feito coleta, triagem, higienização e distribuição de alimentos e itens de proteção, como máscaras e kits para a lavagem das mãos nas ruas.

Com grande contribuição territorial e bibliográfica para o debate do fazer cultural e político nas periferias da cidade de São Paulo, o Fórum de Cultura da Zona Leste é uma rede de coletivos e artistas independentes, formada por sujeitas e sujeitos periféricos, que lutam de maneira permanente pelo direito aos meios de produção, fruição e acesso à cultura nos territórios periféricos.

Direitos invisíveis: moradores denunciam estado de abandono nas favelas do Rio Pequeno

0

O Rio Pequeno é o distrito mais populoso da Subprefeitura do Butantã. É sobre a vida nas Favelas da São Remo e da ‘1010’ que o Desenrola abre a série de reportagens ‘cidade dos direitos invisíveis’, na qual vamos percorrer as periferias e favelas das quatro regiões de São Paulo, contanto histórias de moradores, para entender como é a vida nos distritos que possuem os maiores indicadores de aglomeração de moradias e habitantes durante a pandemia de coronavírus, com base em dados publicados pelo Censo 2010, que completam 10 anos de existência em 2020. 

Composto por mais de 40 bairros, o distrito do Rio Pequeno está localizado na região oeste da cidade de São Paulo. Os dados produzidos pelo Censo em 2010 revelam que há mais de 12 mil habitantes por quilômetro quadrado morando no território. Além disso, o estudo aponta que o Rio Pequeno é o menor distrito em extensão territorial da Subprefeitura do Butantã com 9,70 km², mesmo assim, ele possui o maior índice populacional da região com 118.459 moradores.

Todos os distritos vizinhos ao Rio Pequeno, que fazem parte da Subprefeitura do Butantã são maiores em extensão territorial, mas possuem um número bem menor de habitantes. Entre eles estão: Morumbi com 11,40 km² e 46.957 moradores; Butantã com 12,50 km² e 54.196 moradores; Raposo Tavares com 12,60 km² e 100.164 moradores; e Vila Sônia com 9,90 km² e 108.441 moradores.

Os dados revelam que o Rio Pequeno possui uma característica comum nas periferias de São Paulo: há um grande número de moradores que se auto-organizam em moradias irregulares, que demandam da existência de políticas públicas para acessar condições mais humanas e dignas de existência, mas que ao mesmo tempo são invisíveis para o Estado.

Dez anos depois da publicação destes dados, os moradores das favelas da ‘1010’ e São Remo denunciam que as condições de vida nas favelas não mudam, porque eles não são enxergados pelo poder público. “Moro aqui desde sempre, e é difícil. É difícil morar na comunidade porque não tem auxilio nenhum, as pessoas não nos enxergam, tem casa com um metro quadrado que moram 6, 7 e até 8 pessoas dentro de vielas. Como se mantém essas pessoas em casa, e ainda faltando alimentação, material de higiene e até água?”, questiona Marcos Antonio dos Santos, mais conhecido no território como Bulula, 45, morador da favela da ‘1010’.

Outra moradora da favela São Remo é a dona Maria Das Dores Bezerra, 42 anos, que mora no território há mais de dez anos. Segundo ela, o número de moradias irregulares só aumenta, juntamente com a vulnerabilidade dos moradores. “To no bairro a mais de dez anos e aqui só aumenta as moradias que são bem precárias, conheço famílias de seis pessoas que moram em um cômodo só. É bem precária, é bem apertadinho.”

Dona Maria complementa, descrevendo que o quintal das casas abriga banheiros externos e a passagem da viela acaba se tornando um local de encontro com a porta do outro vizinho. “Tem gente que não tem banheiro dentro de casa, é do lado de fora, é tudo bem apertado. A porta de uma casa ta na frente de outra porta, dentro de uma viela, é bem apertada.”

A partir dos dados disponíveis no Censo 2010, o Mapa da Desigualdade publicado pela Rede Nossa São Paulo em 2017 mostra que na Subprefeitura do Butantã havia quase 25 mil casas situadas em favelas, um indicador que ilustra claramente a condição de aglomeração de moradores na região. A pesquisa também apontou que a quantidade de moradias cresceu em relação ao ano de 2008, período no qual o distrito possuía mais de 22 mil casas localizadas em favelas.

Viela na entrada da Favela da São Remo, no Rio Pequeno. (Foto: Reprodução Facebook)

“Urbanização de favela é tentar organizar uma vida que tá fora do padrão” 

Os depoimentos dos moradores entrevistados pela nossa reportagem ilustram bem o tamanho do problema apresentando pelos dados produzidos pelo Censo em 2010. Como já se passaram 10 anos, esses indicadores podem estar bem maiores, devido ao aumento da vulnerabilidade dos moradores das periferias e favelas, devido ao desemprego, e a redução de investimento em serviços sociais estruturantes, como saúde e educação.

Segundo a mestranda em Planejamento Urbano pela FAU-SP, Gisele Brito, a políticas públicas de moradia e de urbanização das favelas seriam bem vindas se o Estado soubesse elaborar e implantar. “As questões de moradia estão em pauta a pelo menos uns 40 anos, o problema é que o Estado dá soluções erradas, ou soluções que as moradias continuam sendo tratadas como mercadorias, e aí não tem como resolver, o programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, é o maior programa de habitação que existe. 

Foram construídas mais de 2 milhões de casas e ainda assim, enquanto estavam sendo construídas essas habitações, o número de déficit habitacional aumentou”, aponta ela, enfatizando que o problema habitacional nas favelas nunca vai ser resolvido enquanto for tratado como mercadoria, e não como um direito à cidade e direito à moradia.

Para Brito, a urbanização das favelas é uma conquista histórica de muitos movimentos sociais, que conseguiram levar asfalto, água e luz para os bairros favelados. Isso se dá até hoje pautando as condições precárias de moradia e a questão do saneamento básico dentro da cidade.

Ela também explica que a remoção dos moradores não é uma solução para esse problema, mas que é importante compreender e reconhecer o modo de vida dos moradores, que não segue padrões socioeconômicos tradicionais. “Urbanização de favela é tentar organizar uma vida que tá fora do padrão.”

As considerações da pesquisadora têm forte conexão com o projeto de lei nº 619/16 que regulamenta o Plano Municipal de Habitação na cidade de São Paulo, no qual os objetivos estratégicos seguem a seguinte proposta descrita na página cinco do documento.

“Um dos aspectos mais importantes da política habitacional é sua diversidade. Os desafios a serem enfrentados são variados e pressupõem ações específicas para cada caso. Não se pode oferecer para uma favela consolidada há décadas a mesma política que se ofereceria para outra em situação de risco iminente, assim como não são problemáticas semelhantes, por exemplo, a da população em situação de rua, de moradores de cortiços, ou de famílias que residem em loteamentos distantes, na periferia. Cada realidade enseja uma ação diferente do Poder Público, uma integração específica com as políticas urbanas, uma parceria própria com outras secretarias ou subprefeituras.”

“Como que faz quando tem detergente e não tem água, quando tem água e não tem detergente?”
 

A Coalizão Pelo Clima, um grupo de coletivos que promovem debates e ações de combate às mudanças climáticas produziu um mapeamento listando os bairros da cidade de São Paulo que estão sendo atingidos pelo corte água em determinados horários do dia. No relatório, as duas favelas da zona oeste, tanto a ‘1010’ quanto a São Remo são registradas.

Os moradores afirmam que é mais um ponto que interfere na quarentena e no cuidado para não ser contaminado pelo novo coronavírus. “Como que faz quando tem detergente e não tem água, quando tem água e não tem detergente? Para os moradores daqui a água acaba toda noite, não dá nem para tomar banho antes de dormir e continua as campanhas para lavar as mãos e manter tudo limpo. É mais uma coisa que mostra que a gente tá sendo esquecido e isso afeta a nossa existência diariamente”, alerta Bulula.

Dona Maria diz que o abastecimento de água no território segue um padrão de horário para ser interrompido e para ser restabelecido. “Falta água todo dia, mais ou menos umas 21h da noite e só volta entre 5h e 7h da manhã. Eu tenho muito medo, tem que fazer tudo que usa água cedo e separar um balde de água para deixar caso precise né? Eu tenho filha pequena daí é complicado, eu to com muito medo de ser contaminada”, desabafa.

“A gente sabe o que tamo vivendo, então precisamos nos ajudar” 

Devido à ausência programada do Estado nas favelas do Rio Pequeno, os moradores compreenderam há muitos anos que a redução das desigualdades depende também da solidariedade de uns com os outros. Por isso, eles começaram a se organizar para coletar doações de alimentos e produtos de higiene, como forma de combater a contaminação de coronavírus em seus territórios.

“A gente que tá aqui sabe o que tamo vivendo, então precisamos nos ajudar, eu to coletando doação e levando para várias famílias todo dia”, diz Bulula. Ele valoriza as ações solidárias que estam acontecendo no bairro e informa um endereço para quem quiser ajudar. “O lugar de doação aqui é na favela da 1010, na Rua Cleon Mário Gacceone, 279. Temos que nos ajudar e ajudar as famílias que precisam mais, salvar nosso bairro”, finaliza o morador.

Nas periferias de Ferraz de Vasconcelos, grupo no Facebook articula moradores para combater pandemia

0

Combater a disseminação de notícias falsas, realizar anúncios diários de comércios locais que estão funcionando com serviços de delivery e cobrar medidas de prevenção da prefeitura de Ferraz de Vasconcelos estão entra as principais ações do grupo, que tem mais de 10 mil membros e vem substituindo a necessidade de reuniões comunitárias presenciais durante o período de contenção da pandemia de coronavírus. 

Nas periferias de Ferraz de Vasconcelos, grupo no Facebook articula moradores para combater pandemia (Foto: Pedro Gomes)

Não é de hoje que moradores das periferias de Ferraz de Vasconcelos, cidade da região metropolitana de São Paulo, tentam encontrar formas de lidar com o descaso do poder público municipal. Diante deste cenário “organizar e provocar” é a definição utilizada por Pedro Gomes, mais conhecido como Peter Gomes, para definir o significado da função dele no grupo de Facebook chamado “Comunidade Ferraz de Vasconcelos”, fórum de discussão comunitária que reúne moradores para debater os rumos e melhorias de serviços públicos na cidade.

Atualmente, o grupo tem 10.476 membros. Parece pouco se comparado ao último censo do IBGE que estima um número de 168.306 habitantes na cidade. Mas o impacto que essa rede de discussões comunitárias causa na vida dos ferrazenses torna-se gigantesco, perto dos poucos recursos de participação política que esses cidadãos têm acesso.

Então como informar e reivindicar direitos de uma forma que consiga alcançar o máximo de pessoas, a fim de ouvi-las? Essa foi uma das perguntas que Peter se fez, percebendo a popularização do facebook na época. Com isso, ele resolveu criar um grupo que ajude a população a refletir, se expressar e pensar no que é bom ou ruim para a cidade.

“Buscamos usar o espaço para informar sobre o que está acontecendo, cobrar os governantes locais, mas também entreter a população que nesse momento tem que ficar em casa”, conta ele, fazendo uma referência direta ao cenário da pandemia de coronavírus que tem assustado os moradores de Ferraz. “Também fazemos com muito bom humor para evitar que a comunidade tenha apena um olhar catastrófico.”

Segundo Peter, os impactos das discussões são diversos e chegam ao tom de ameaças. “O que soltamos no grupo sempre vai parar nos grupos políticos, a ponto é claro, de já termos recebido ameaças diversas, processos, etc”, relata.

Reunião comunitária virtual

Através do grupo, eles já organizaram protestos e outras ações por melhorias na cidade de Ferraz, as quais ele acredita que a rede de moradores tem força para interferir nas decisões políticas dos governantes de sua cidade. “O povo comenta muito. O povo está ligado ao grupo. É uma parcela dos moradores da cidade.”

Uma demonstração clara da força política dos moradores que fazem parte do grupo aconteceu durante a última live do prefeito de Ferraz de Vasconcelos, José Carlos Fernandes Chacon, onde ele diz: “Brasileiro está se apavorando a toa, mas uma semana e isso ai já sai de moda”. Na ocasião, o líder do executivo municipal estava reunido junto com os secretários para discutir medidas preventivas para combater o Covid-19.

Confira a live realizada pelo prefeito.

Após o ocorrido, Peter imediatamente publicou um post no grupo, dando a oportunidade dos membros apresentarem sugestões de como a prefeitura deveria combater a pandemia de coronavírus na cidade. A publicação chegou a ter até 100 comentários com forte engajamento dos moradores.

“Esse vídeo repercutiu bastante. E o grupo também partiu para o confronto direto com o Secretário da Comunicação da prefeitura, que chegou a nos ameaçar de processo. Após isso passamos a ver que passaram a tratar com mais seriedade o tema”, relata Peter.

Logo após a intervenção dos moradores, o poder público municipal divulgou algumas medidas iniciais para lidar com o caso do Covid-19 na região. Umas delas foi emitir um decreto contratando uma empresa que vai instalar leitos de triagem e UTI em caráter emergencial na cidade.

Peter se diz preocupado com a situação, acredita que muitas pessoas de sua cidade não se deu conta da circunstância que estam vivendo atualmente, mas segue informando e se organizando em rede, verificando a veracidade de todos os conteúdos postados no grupo para não correr o risco de disseminar nenhuma Fake News e ajudando os moradores de sua região a se adaptar com essa nova realidade.

“Hoje estamos com um tópico tentando identificar e divulgar mercados, farmácias e outros serviços de entrega da cidade que estão funcionando, para assim evitar que as pessoas saiam de casa”, afirma o mediador do grupo.

A importância do grupo para os moradores

Uma das integrantes desse grupo é a moradora Julia Sousa, que reside no bairro Parque Dourado. Ela conta que entrou no grupo com o objetivo de saber mais sobre sua cidade, descobrir coletivos culturais ou grupos que se articulam de alguma forma nos territórios, devido à existência de poucos meios de comunicação em atividade na cidade, que produzam esse tipo de informação.

“Na internet a gente consegue encontrar notícias sobre Ferraz vinda de grandes meios de comunicações, mas na TV onde as pessoas daqui têm o maior acesso, raramente”, afirma Sousa. Ela explica que as poucas mudanças que a cidade vem conseguindo surgem do uso dessas ações nas redes sociais e complementa: “um grupo desses é de extrema importância, para as informações chegarem até as pessoas, a internet tem essa ótima utilidade.”

Ainda Indignada com a atitude do prefeito durante a transmissão ao vivo, Julia enfatiza a importância do grupo, diante de uma cidade que está com a qualidade dos serviços públicos comprometidos. “Nossa cidade está abandonada há muitos anos. Temos um ex-prefeito preso, um que foi preso e solto, e agora esse que ninguém consegue encontrar direito,” finaliza ela, demonstrando indignação em relação a trajetória dos últimos representantes do poder público executivo da cidade.