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O que é “Black Money”?

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Tem muita gente aqui no Brasil que parece não entender a ideia do “dinheiro preto”. Já ouvi pessoas dizerem coisas como, imagine se criássemos o termo “dinheiro branco”  ou disséssemos coisas como “isso é racismo reverso”. Esses comentários são apenas reflexos do racismo que já existe dentro dessa pessoa.

Foto: Hilberto Dias / Arte: Rogerinho Art

Em nossa opinião, é a ideia de apoiar comerciantes, empresas e prestadores de serviços que sejam pretos. Significa deixar o “dólar” ou no caso do Brasil, o “real” circular dentro da comunidade preta e entre os pequenos negócios, para que o nosso dinheiro nos beneficie, incentivando o consumo consciente e intelectual através da representatividade.

Nos Estados Unidos o dólar circula na comunidade asiática e na comunidade branca (especialmente judaica), o que isso realmente significa é, digamos, em uma comunidade judaica, um judeu recebe seu salário. Em sua vizinhança haverá bancos judeus, escolas públicas e privadas, hospitais, padarias, etc., que ele comprará dessas pessoas e elas farão a mesma coisa. O dólar judeu vai circular, e essa comunidade vai acabar sendo mais saudável financeiramente. Enquanto isso, só circula o dólar negro nos Estados Unidos, ou seja, afro-americanos recebem o pagamento e logo vão gastar nos clubes, comprar roupas, tênis dentre outras coisas e nada que implique colocar nosso dinheiro nas mãos de outras pessoas negras. Portanto, muitos bairros pretos nos Estados Unidos continuam em estado de precariedade. O dinheiro definitivamente não circula entre os afro-americanos.

Tem muita gente aqui no Brasil que parece não entender a ideia do “dinheiro preto”. Já ouvi pessoas dizerem coisas como, imagine se criássemos o termo “dinheiro branco” (como a palavra “dinheiro” ainda não sugere isso) ou disséssemos coisas como “isso é racismo reverso”. Esses comentários são apenas reflexos do racismo que já existe dentro dessa pessoa. As pessoas, especialmente neste país, não têm a capacidade de entender como certos conceitos como “Black Money” e “Black Love” são extremamente cruciais para a saúde e sobrevivência de nossas comunidades pretas diaspóricas.

É interessante o fato que todas essas opiniões manifestadas especialmente nas redes sociais, apontam um profundo desconforto quando falamos de assuntos que nos afetam, mas os chineses, indianos, japoneses, judeus e outros grupos que fazem o dinheiro circular em suas comunidades são vistos como normais quando se unem por um propósito, eles podem sem problemas. Eles inclusive namoram e constituem família com pessoas da mesma etnia. Quando os pretos (especialmente aqui no Brasil) falam sobre querer se relacionar apenas com pessoas pretas, é um grande problema. 

Uma breve história

Após a abolição, um conjunto de códigos foi criado pelos estados do sul dos Estados Unidos chamado “Códigos Negros” que diziam que nenhum homem negro poderia estar desempregado, mas também nenhum homem negro poderia ter terras e contratar outro homem negro para trabalhar, então a sociedade branca do sul que tinha acabado de perder a guerra e seu estilo de vida orgulhoso e queriam criar uma sociedade que se parecesse o mais antiga e conservadora possível.

Portanto, por muitas décadas após a escravidão, o povo afro-americano permaneceu em um sistema análogo à escravidão, porém sem o título de escravidão. Isso foi depois da guerra civil, e o sul por muitos anos ainda estava sendo ocupado por soldados do norte, mas quando os soldados começaram a sair depois do famoso caso Plessy vs Ferguson de 1896, onde um homem negro foi informado que ele tinha que viajar no vagão reservado para pretos do trem no estado da Louisiana. 

Até então, não havia leis federais ou brecha para apoiar a segregação, mas uma vez que a ideia de “separados, mas iguais” (que nunca foi igual) provou não ser inconstitucional na Louisiana, todos os estados do sul adotaram o mesmo método e por muito mais de meio século os pretos foram segregados e enfrentaram um tipo de terrorismo que você encontraria nas piores nações.

Mas vamos deixar isso de lado e focar nos aspectos positivos da segregação nos Estados Unidos. Os negros foram forçados a ter uma mente empresarial. Antes da integração legal, no final dos anos 1950, existiam hospitais, fábricas, restaurantes, ligas esportivas que jogavam nacional e internacionalmente (já que as ligas negras de beisebol tinham um time de Cuba). 

Era determinado que a integração legal não se misturasse e casasse com brancos, mas que tivessem proteções legais e melhores estruturas e oportunidades. Todos os produtos e serviços eram de qualidade muito inferior do que era para brancos. Também tinha a preocupação de não serem assassinados por coisas simples como olhar para uma mulher branca por muito tempo ou não sair do caminho de um homem branco andando na calçada. Os brancos não viam os negros como humanos, suas vidas tinham muito menos valor como corpos livres e não como escravos.

Durante aquele tempo nos bairros negros dos Estados Unidos, o dólar certamente circulou, não tinha escolha, tinha que circular porque os negros não podiam gastar seu dinheiro nos comércios dos brancos, mesmo que quisessem. A maioria dos pretos ainda eram muito pobres, mas muitas fortunas foram feitas por pretos de sorte naquela época. Avance rapidamente para Brown vs Board of Education e as leis que acabaram com a segregação legal e o que começamos a ver é:

– Um ataque sistemático dos EUA aos negócios negros e à liberdade econômica dos negros.

– Um desejo de validação, negros que queriam finalmente ser capazes de comprar produtos brancos e ir aos espaços onde os brancos iam para se sentirem mais realizados, mesmo que isso significasse dar seu dinheiro para pessoas que te odeiam. Veja desta forma, se por muitas décadas os produtos de outros países (que eram muito melhores e mais baratos) fossem impedidos de vir para o Brasil, você apoiaria os produtos brasileiros, mas no momento em que produtos importados podem vir para o Brasil com um custo inferior e uma qualidade superior, muita gente vai deixar de consumir produtos nacional que antes apoiavam, e isso desmoronaria a economia brasileira.

Isso é o que em pequena escala aconteceu com a comunidade afro-americana antes semiautônoma nos Estados Unidos na década de 1960 até 1990, e ainda estamos sentindo os efeitos, e é por isso que existe hoje um movimento que resgatou o conceito de Black Money.

O que perdemos?

A ironia da integração é que ela parece tão pacífica e inofensiva para os negros americanos que a história geralmente a mostra como positiva. No entanto, para mim, BiXop, aos olhos de muitos negros com consciência racial, percebemos que foi a pior coisa desde a escravidão que poderia ter acontecido a nós como um povo. Nunca nos integramos culturalmente, ficamos morando a maior parte em bairros negros, mas muitas das pessoas que possuíam a maior riqueza nas comunidades negras (novamente procurando por essa validação, querendo ser verdadeiramente “americanos”) se mudaram para as comunidades brancas. A ideia de que eles foram em busca de uma vida melhor entre um grupo de terroristas selvagens é muito conflitante para mim.

Com isso, os bairros pretos perdem não só seus investidores, mas também a maioria dos negócios ao longo dos anos. Imagine os restaurantes negros nas áreas negras que não podiam mais competir com a nova franquia branca de restaurantes de fast food que agora podiam entrar na comunidade negra e, claro, por que os negros que querem ser “americanos” não correm para comer no McDonald’s (que nos EUA era e ainda é muito mais barato do que um prato feito aqui no Brasil) e ignora os restaurantes dos negros. 

Perderam os bancos, as empresas de transporte, as seguradoras, quase tudo que tínham conquistado com a segregação. Esse foi o grande motivo que causou o declínio da comunidade negra nos Estados Unidos e porque ha muitos lugares que, infelizmente, estão cheios de violência e carecem de oportunidades na nação mais rica do mundo.

Em 1985, sessenta bancos de propriedade de pessoas pretas, prestavam serviços financeiros às suas comunidades; hoje, restam apenas vinte e três. Em onze estados que tiveram bancos de propriedade de negros em 1994, nenhum ainda está em atividade. Das cinquenta seguradoras de propriedade de negros que operavam durante a década de 1980, hoje apenas duas permanecem.

No mesmo período, dezenas de milhares de estabelecimentos varejistas de propriedade de negros e empresas de serviços locais também desapareceram, tendo falido ou sido adquiridos por empresas maiores. Refletindo esses desenvolvimentos, os negros americanos em idade produtiva tornaram-se muito menos propensos a serem seus próprios patrões do que na década de 1990. O número per capita de empregadores negros, por exemplo, diminuiu cerca de 12% apenas entre 1997 e 2014.

Brian S. Feldman – Washington Monthly

O que está por trás dessas tendências e quais são as implicações para a sociedade americana como um todo? Com certeza, pelo menos parte desse declínio empresarial reflete desenvolvimentos econômicos positivos. Uma parcela lentamente crescente de negros americanos agora tem empregos assalariados de colarinho branco e tem mais opções de emprego além de administrar seus próprios negócios. O movimento de milhões de famílias negras para subúrbios integrados nos últimos quarenta anos também é uma tendência bem-vinda, mesmo que um dos efeitos tenha sido enfraquecer a viabilidade de muitos negócios independentes de propriedade de negros deixados para trás em bairros historicamente negros.

A ironia ainda maior é como o movimento pelos direitos civis foi conduzido foi um belo ato de organização negra. Bancos negros que emprestaram dinheiro às igrejas e líderes negros que protestavam o uso de transporte negro para levar pessoas que boicotavam os serviços de ônibus dos brancos. Os hotéis que abrigavam manifestantes de todo o país e os restaurantes que os alimentavam. A mesma luta pelos direitos de integração pode ter levado posteriormente à destruição de muitas dessas empresas. Até o Dr. Martin Luther King chegou a essa conclusão quando disse: “Posso ter nos integrado em um prédio em chamas”.

O antigo Brooks Motel, anteriormente localizado na Morris Street (Charleston, Carolina do Sul), é outro exemplo de como a integração contribuiu para diminuir o número de negócios viáveis de propriedade de negros. Construído antes da assinatura da Lei dos Direitos Civis pelo presidente Lyndon B. Johnson em 1967, o motel acomodou a maioria dos líderes dos direitos civis quando eles vieram para Charleston, incluindo o Dr. Martin L. King, Jr. Hoje, não há placa do motel ou do restaurante Brooks. Ambos foram demolidos para dar lugar a condomínios, que deslocaram não apenas empresas, mas também famílias dos bairros tradicionalmente negro.

Barney Blakeney – Charleston City Paper

Esses são os motivos pelos quais um movimento Black Money é necessário nos Estados Unidos e aqui no Brasil, considerando que é o país com a maior população preta fora da África. Aqui no Brasil ainda é possível ver negócios de pessoas pretas e brasileiras dentro das quebradas, porém, muitas vezes sem nenhuma consciência racial e intelectual. Mas estamos lentamente despertando e é possível notar uma certa mudança partindo da estética. Mulheres, homens e crianças estão assumindo seus cabelos naturais, o que é sim um grande avanço, mas não devemos nos limitar a cultura negra à estética. Precisamos nos fortalecer financeiramente e nos perceber enquanto indivíduo e grupo político, numa sociedade que tenta a todo momento deslegitimar tudo o que fazemos, pelo fato de sermos pretos.

Segundo uma pesquisa do SEBRAE de 2017 – os negros formam o maior contingente de empreendedores do Brasil.

Pessoas pretas movimenta mais de 1 trilhão e meio de reais por ano aqui no Brasil. O grupo de pessoas pretas representa 38,8% dos pequenos negócios no país contra 32,9% dos brancos. Os pretos lideram tanto no ranking de empreendedores já estabelecidos, tanto no ranking de empreendedores iniciantes. Com isso, grandes empresas de cosméticos passaram a investir em estratégias de marketing voltada para pessoas pretas, com o interesse de faturar nas nossas custas.

Somos um povo criativo, detentores de muitas habilidades. No Brasil tinha uma grande diversidade de trabalho escravo. Muitas mulheres pretas trabalhavam nas ruas como escravas de ganho, ditas “negras de tabuleiro” vendiam quitutes, alimentos, aguardente. Tinha as quitandeiras, os tropeiros que exerciam atividades comerciais de uma região à outra, carpinteiros, ferreiros, engenheiros, mestre de artesanatos, barbeiros e até mesmo professores. O pouco do dinheiro que recebiam como escravos de ganho, muitos deles investiam em cooperativas secretas organizadas por pretos libertos e escravizados que coletivamente economizavam para comprar sua própria liberdade, a carta de alforria e o que mais fosse de emergência entre os associados. Teve histórias de ex escravos que fizeram uma pequena fortuna no Brasil colonial. Temos também o exemplo dos quilombos que tinham grande potência econômica através das produções e trocas de mercadorias com outros quilombos.

A diversidade de encargos gerou ainda outras camadas sociais, principalmente nas localidades portuárias e associadas à mineração, destinadas ao comércio varejista. Ainda que as funções comerciais fossem exercidas em sua maioria por homens, mulheres negras livres exerceram um importante papel nesse aspecto da vida econômica e social no período colonial brasileiro.

É possível observar que a atividade do comércio varejista é comum por parte das mulheres africanas no Brasil e na África, principalmente na região centro-ocidental do continente, onde em várias etnias cabia às mulheres a atividade comercial varejista. Com isso, a prática comercial ligada à divisão social do trabalho de acordo com o sexo seria uma permanência econômica e cultural mantida pelas africanas no Brasil. E essa relação de raça e gênero muito afetam as mulheres pretas no momento de abrir a própria empresa, precisam lidar com o racismo e o machismo.

Já sabemos que temos o espírito empreendedor, mas não temos educação financeira. As leis aplicadas no Brasil eram escravocratas, excludentes e genocida. Vou citar aqui algumas, só para enfatizar essa reflexão:

– 1837: Primeira lei de educação: negros NÃO podem ir à escola.

– 1850: Lei das terras: negros NÃO podem ser proprietários.

– 1871: Lei do ventre Livre: mas ninguém nascia livre.

– 1885: Lei do sexagenário: o escravo com mais de 60 anos poderia ser livre após trabalhar mais 2 anos afim de agradecer o patrão. Poucos chegavam a essa idade.

– 1888: Abolição depois de longos e sórdidos 388 anos de escravidão. Uma lei pra inglês vê.

– 1890: Lei dos vadios & capoeiras: todos os negros que perambulavam pelas ruas, sem trabalho ou residência comprovada, iriam pra cadeia. O que deu início ao encarceramento em massa da população negra. Um agravante que perdura ainda na atualidade.

É nossa obrigação mudar esse cenário! Não adianta só cobrar o Estado, sendo que o próprio sustenta o racismo estrutural. Cabe a nós buscarmos por uma mudança na ordem social e pensarmos duas vezes antes de gastar horrores no MCDonald’s pra depois pedir desconto pra uma irmã de quebrada. Já passou da hora da gente se valorizar e não mais ter receio de colocar um preço justo no nosso trabalho.

Temos hoje em dia grandes referências de pessoas pretas que entenderam o conceito de Black Money e se organizam para oferecer produtos e serviços com representatividade e qualidade. Esses pequenos empreendedores precisam do nosso apoio. Vamos fechar com os nossos, e gradualmente deixaremos de consumir das grandes empresas brancas, até porque a maioria se diz antirracista, adoram afirmar que não compactuam com o racismo, mas não tem nenhuma política de inclusão e de diversidade.

E para fechar, vamos de música!

Lançamos recentemente o videoclipe Black Is Back In Style (preto voltou de moda) com imagens que trouxe com sensibilidade a jornada de um casal que atravessa desafios juntos e se conscientiza coletivamente. Além de abordar a relação de intimidade, nós reforçamos a perspectiva do Black Money dentro das periferias, usando a música como ferramenta de conscientização e emancipação do povo preto.

Neste clipe sensualizamos um pouco, mostrando o nosso cotidiano e o poder do nosso amor afrocentrado, enquanto promovemos algumas marcas afro brasileiras que estão em ascensão e a ideia de seguirmos unidos, investindo na irmã e no irmão que sustenta seus respectivos negócios com grandes dificuldades, mas com muita dedicação.

Com Lena Silva e BiXop no vocal a produção de Jonathas Noh, a música tem poder de embalar as noites de quem busca a valorização do afeto e da identidade. O roteiro e a direção de UmSoh, com câmera e edição de Hilberto Dias, por sua vez, trazemos aspectos do nosso dia a dia, de um jeito sensível, atraente e artístico, utilizando recursos fotográficos que representam tanto a sensualidade quanto o empoderamento.

A música conta ainda com um toque todo especial que nós UmSoh, como casal intercultural, trabalhamos com frequência: é cantada em português e inglês. Confira o lançamento nas principais plataformas digitais.

Oficinas de grafismos africanos e indígenas são lançadas hoje de forma virtual e gratuita

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Os encontros serão conduzidos por arte-educadores indígenas das etnias Kaimbe e Karajá e também professores da República Democrática do Congo

O artista Duchelier Mahonza Kinkani apresenta a oficina de grafismo africano com ênfase em Adinkra | Foto: Mahã Catu

 A Coletiva Tear & Poesia de Arte Têxtil Preta Nativa realiza no dia 18 de novembro as Oficinas de Grafismos Indígenas e Africanos, dando continuidade às atividades do Projeto Pangeia Entre Elos: Palavra de Mulher. Por conta da pandemia de Covid-19, as aulas serão gravadas e disponibilizadas gratuitamente no canal do Youtube da coletiva. Não é preciso realizar nenhum tipo de inscrição.

Os vídeos de ambas as aulas estarão disponíveis no dia 18/11, quarta, às 19h. A aula de grafismo indígena será ministrada por Kuanadiki Karaka, da etnia Karajá, e também por Antony Ribeiro dos Santos, da etnia Kaimbé. Já a oficina africana conta com a participação do professor Duchelier Mahonza Kinkani, da República Democrática do Congo. 

A importância dos grafismos 

Para quem não conhece, os grafismos são as formas de representação geométrica de um determinado povo, que podem representar tanto a natureza quanto a cultura de determinados povo. Alguns povos tradicionais do continente africano ou os mais de 300 povos indígenas originários do Brasil são exemplos de povos que utilizaram essas sofisticadas representações artísticas para se comunicar e guardar suas memórias.

Os grafismos não são iguais, cada povo tem o seu, trazendo os mais diferentes significados, cores e traços, mostrando inclusive a diversidade dos povos indígenas que compõem o Brasil, por exemplo. “Os grafismos não servem apenas para serem vislumbrados, tatuados no corpo ou desenhados nas paredes das cidades. Por trás dos grafismos indígenas, há a história de luta e resistência de um povo”, é o que diz uma das palestrantes, Kuanadiki.

Representação dos valores e crenças 

Nascida na cidade de São Felix do Araguaia, Kuanadiki pertence à etnia Karajá, da Ilha do Bananal (TO). É especialista na feitura de bonecas de cerâmica Karajá Iny e militante da saúde indígena. Para ela, os grafismos também têm como objetivo mostrar a identidade cultural de cada povo, por meio de cores, traços e significados diferentes.

“O grafismo Karajá (Iny) representa nossa força e união. Representa também os valores e crenças tradicionais e culturais dos karajá (Iny)”, explica Kuanadiki, que acredita que as oficinas possam ajudar as pessoas a respeitarem os traços indígenas. “Elas precisam saber que significado isso tem para o nosso povo, reconhecendo que cada povo tem seus grafismos. Reconhecer nossa diversidade fortalece nossas identidades”. 

Grafismo como expressão 

De Euclides da Cunha (BA) e da etnia Kaimbé, Antony migrou para São Paulo com a família quando ainda tinha 8 anos de idade. Hoje, aos 20, realiza oficinas sobre a cultura de seu povo e também estuda administração. Para ele, ao entender os grafismos as pessoas podem também compreender melhor a individualidade de cada etnia.

“Para os Kaimbé, as pinturas são uma ferramenta de comunicação e expressão. Temos pinturas para festejar, para guerrear e os desenhos mostram nossa caça, alimentos, materiais que usamos nas nossas vestimentas e outros pontos importantes da nossa aldeia”, aponta Antony.

Refugiado no Brasil há mais de cinco anos, Duchelier Kunkani é formado em Artes Plásticas na Academia de Belas Artes de Kinshasha, na República do Congo, já atuou como pintor e grafiteiro, e também teve experiência em campanhas de publicidade. “Procuro sempre compartilhar minha experiência artística e cultural com todos e todas, pois acredito no potencial da arte como forma de comunicação e de libertação de emoções e sentimentos”.

Segundo Rita Maria, coordenadora da coletiva Tear & Poesia,, o intuito com as oficinas é dar uma base cultural às pesquisas que a organização realiza em 2020 sobre as similaridades entre as culturas que influenciaram na identidade brasileira.

“Temos como foco dialogar com a mulher em diáspora, tanto imigrantes africanas quanto latino-americanas e caribenhas, mostrando também semelhanças entre grafismos nativos brasileiros, indígenas, e africanos, buscando identificar similitudes sutis pouco estudadas e menos difundidas entre culturas originárias daqui e de África”, diz Rita.

Até o fim do ano a coletiva pretende também lançar um livro em bordados e textos trazendo a pesquisa da ancestralidade africana e indígena e como se relacionam às vivências das mulheres nas periferias. Bordam em forma de luta por igualdade e valorização das identidades negras e indígenas.

Sobre a coletiva Tear e Poesia

A Coletiva Tear & Poesia de Arte Têxtil Preta Nativa é constituída por mulheres residentes da periferia da zona sul da cidade de São Paulo, que atuam há mais de 20 anos na região, com uma trajetória de participações em eventos, espaços e atividades como ilustração do livro Santo Amaro em Rede do SESC; Virada Cultural, Programa Pétala por Pétala – SESC Interlagos; Saraus e Feiras Literárias. Bordam em estilo ancestral como forma de luta por igualdade de oportunidades e direitos e valorização da beleza e identidades de negras e indígenas. Se autodenominam “tecelãs do verso”, pois bordam poemas e histórias ligadas à memória afetiva e herança cultural feminina, com questões ligadas às mulheres negras e indígenas, as crianças, a natureza, a culturas populares, tendo cantos, danças tradicionais e brincadeiras da cultura popular como estimuladores em suas oficinas.

Sobre o projeto ‘Pangeia Entre Elos: Palavra de Mulher’
O projeto “Pangeia Entre Elos – Palavra de Mulher” foi criado a partir de um processo de pesquisa sobre cultura, idioma e grafismos dos povos indígenas e africanos, com o objetivo de perceber na identidade brasileira as raízes profundas com essas tradições. Por meio da arte têxtil, a coletiva quer conectar mulheres bordadeiras com suas ancestralidades. O processo original de trabalho envolve encontros de bordados e a produção de um livro coletivo, mas diante do isolamento social em decorrência da pandemia do novo coronavírus, as oficinas estão sendo ministradas de maneira virtual. Saiba mais aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Eysq_8e_v6g


Serviço

Oficinas de Grafismos Indígenas e Africanos
Data: 18/11
Horário: os vídeos estarão disponíveis a partir das 19h e permanecerão no ar do Youtube da Coletiva Tear & Poesia.

Quem pode participar: livre para todos os públicos
Não é preciso realizar inscrição prévia
Contatos/ Redes Sociais

www.tearepoesia.com

Facebook: www.facebook.com/tearepoesia
Instagram: www.instagram.com/tearepoesia
Youtube: http://bit.ly/youtube-tear-e-poesia

Eleições 2020: Quilombo Periférico levará para a Câmara Municipal de SP a tradição de se aquilombar

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Elaine Mineiro, Alex Barcelos, Débora Dias, Júlio Cesar, Erick Ovelha e Samara Sosthenes integram a chapa Quilombo Periférico (PSOL), eleita neste domingo com 22.742 votos.

A moradora da Cidade Tiradentes, Elaine Mineiro no centro da foto, foi a representante oficial da chapa nas urnas.

Com uma campanha abraçada por diversos setores da sociedade civil, como o movimento negro, educação popular e cultura periférica, a Chapa Quilombo Periférico levará para a câmara Municipal de SP a cultura de se “aquilombar”.

“Isso não é um projeto só de São Paulo. Isso é um projeto de nação de um povo. É muito importante que as pessoas entendem que quando a gente fala aquilombe-se é para se aquilombar. É para abrir esse gabinete para as pessoas saberem como funciona. É para politizar e trazer consciência e socialização da política para o nosso povo e para nossa quebrada”, explica Alex Barcelos, um dos integrantes do mandato coletivo.

A chapa Quilombo Periférico é composta por moradores de territórios periféricos localizados no Jardim São Luís, Campo Limpo, Sapopemba, “Esse é um mandato que tem cor, ancestralidade e raiz”Guaianases, Cidade Tiradentes e Centro. 

Esse é um mandato que tem cor, ancestralidade e raiz

Alex Barcelos

O mandato coletivo chega com a promessa de inovar o fazer político na Câmara Municipal de São Paulo, pelo fato de ter representantes do mandato compromissados e engajados na luta por direitos sociais em diferentes territórios, mudando a lógica de atuação dos vereadores que tem uma atuação focada em apenas uma determinada região da cidade.

Alex enfatiza que o mandato foi construído por diversão mãos, corpos, olhos, bocas e ouvidos. “Esse é um mandato que tem cor, ancestralidade e raiz. É uma construção que só faz sentido porque ela é coletiva e em rede, com pessoas que existem e circulam por lugares que em muitas vezes são desconsiderados pelo próprio sistema”. 

Em post no perfil oficial do Facebook, o Quilombo Periférico pediu aos seguidores para colocar Racionais MC´s para  celebrar a conquista histórica. 

A gente vai escrever outra história com territorialidade, ancestralidade e feita pelo povo

Alex Barcelos

Sem depender do apoio do Governo e sem mesmo ocupar cargos na política institucional, os membros da chapa Quilombo Periférico carregam consigo a cultura política de criar soluções criativas e coletivas para solucionar problemas estruturais causados pela ausência do Estado e de políticas públicas que deveriam atender os problemas e demandas dos moradores das periferias e favelas de São Paulo.

Em 2021, quando ocorrer a posse de vereadores na Câmara Municipal de São Paulo, a chapa Quilombo Periférico buscará representar os moradores que vivem às margens da sociedade nas periferias e favelas. “Na situação econômica e política deste país e cidade se faz necessário um mandato igual ao Quilombo Periférico, que represente as margens, periferias, vielas, quebradas, favelas, com seis corpos que constroem lastro nas ruas, pisando no barro e estando próximo ao povo”, afirma Barcelos.

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Coletivos debatem eleições nas redes sociais com moradores da quebrada

 A partir da valorização da micropolítica, iniciativas de movimentos sociais e de educação popular estão transformando as plataformas digitais em locais para discutir a cidade e exercer a participação política nas periferias de São Paulo.


https://www.desenrolaenaomenrola.com.br/quebrada-tech/coletivos-debatem-eleicoes-nas-redes-sociais-com-moradores-da-quebrada

O educador e produtor cultural têm um histórico de atuação frente a projetos de geração de renda e trabalho para juventudes, artistas e empreendedores locais. À base dos ensinamentos da economia solidária, ele vem buscando formas de estruturar um ecossistema social que valoriza o fluxo de recursos financeiros que circulam pelos bairros e que podem gerar trabalho e renda aos moradores, que historicamente vivenciam a dura realidade do desemprego.

“A gente vai escrever outra história com territorialidade, ancestralidade e feita pelo povo, para fazer reparação histórica na cidade mais racista do país, onde se constroem praças, ruas e monumentos dos brancos racistas”, conclui o futuro co-vereador do Quilombo Periférico. 

Empreender na crise é tema do segundo episódio do Empreende Aí Cast

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 Lançado nesta sexta, dia 13, o episódio traz como convidada Ana Fontes, moradora de Diadema e fundadora da Rede Mulher Empreendedora

“Quando não foi um momento turbulento para empreender nas quebradas?”, questiona Luís Coelho, cofundador da Empreende Aí, escola de negócios da periferia e para a periferia. O segundo episódio do Empreende Aí Cast vai abordar os desafios e aprendizados de quem busca empreender em momentos de crise.

A primeira temporada do Empreende Aí Cast conta com oito convidadas para compartilharem sua trajetória no empreendedorismo. A convidada deste episódio é Ana Fontes, mulher negra e nordestina que mora no município de Diadema. Ela é fundadora da Rede Mulher Empreendedora, que há 10 anos atua em prol do empreendedorismo feminino no país. 

Em 2007, pedi para sair da grande corporação que eu trabalhava e resolvi empreender. Dei meu salto de fé para tentar para tentar abrir um negócio em 2008. Cometi todos os erros possíveis e imagináveis, acho muito importante a gente falar sobre isso porque as pessoas só falam da parte boa e não da parte ruim. E no meio desse processo de erros e acertos, sociedade que não deu certo, veio a inspiração de criar a Rede Mulher Empreendedora

Ana Fontes

Neste episódio, Ana destaca também os desafios que mulheres das periferias precisam superar para se dedicarem a si e ao seu negócio, principalmente em momentos de grande instabilidade política e econômica.

Compartilhando histórias de mulheres inspiradoras 

Com o objetivo de auxiliar as empreendedoras das quebradas com histórias inspiradoras de mulheres que criaram o seu próprio negócio e também compartilhar dicas práticas para executarem em seus negócios, a Empreende Aí (Escola de Negócios da Periferia para Periferia) lança seu primeiro podcast nas plataformas do Spotify e do Youtube, o Empreende Aí Cast.

O podcast é um formato de conteúdo por áudio, que vem ganhando força nos últimos anos e se assemelha muito aos antigos programas de rádio. Esta primeira temporada conta com oito episódios, que serão lançados entre novembro deste ano e fevereiro de 2021.

Criado por Luís Coelho e Jennifer Rodrigues, moradores da periferia do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, a Empreende Aí é uma iniciativa que busca motivar pessoas das quebradas na criação de seus negócios e na sua capacitação profissional no mundo do empreendedorismo. Neste conteúdo em formato podcast, a ideia é inspirar quem já pensa em criar seu próprio negócio ou quem deseja aprender como melhorá-lo.

Com mais de cinco anos de atuação, o Empreende Aí já realizou diversos cursos e palestras nas periferias e conta com a parceria do Itaú Mulher Empreendedora e a International Finance Corporation (IFC), organismo do Grupo Banco Mundial, para a realização do Empreende Aí Cast.

Coletivos debatem eleições nas redes sociais com moradores da quebrada

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 A partir da valorização da micropolítica, iniciativas de movimentos sociais e de educação popular estão transformando as plataformas digitais em locais para discutir a cidade e exercer a participação política nas periferias de São Paulo.

Plataforma Vote Perifa nasceu da iniciativa de dois moradores da Vila Inglesa, zona sul de São Paulo
Imagem: Sophia Caruso

A partir do entendimento de que os corpos periféricos precisam ocupar espaços políticos institucionais para construir um diálogo mais qualificado com os moradores da quebrada, utilizando práticas de participação social, como a escuta coletiva dos sujeitos que são invisíveis para o poder público, as iniciativas Vote Periferia e o Café Filosófico da Periferia, deram inicio a realização de uma série de debates com candidatos a vereadores que não tem o perfil dos políticos tradicionais, conhecidos no Brasil, com o propósito de disseminar uma maior conscientização sobre a importância do voto nos territórios periféricos.

A Vote Periferia é uma plataforma que surge como um Movimento Popular para compartilhar candidaturas da periferia de São Paulo. Já o Café Filosófico da Periferia atua como um grupo formado por educadores, artistas e coletivos culturais, que promove discussões sobre educação popular e produção de conhecimento nas periferias da zona sul da cidade.

Com a pandemia, essas iniciativas deixaram de realizar suas atividades em espaços físicos, para ocupar as diversas plataformas digitais e as redes sociais, passando a organizar encontros em ambientes virtuais, através de grupos de Facebook e Whatsapp. “A gente tem um grupo no whatsapp e tem um grupo no facebook, e esses grupos também são impulsionadores de outras discussões”, explica Wellington Amorim, 25 , morador do Vila Remo, bairro da zona sul de São Paulo, que atua como um dos organizadores do coletivo Café Filosófico da Periferia.

Amorim ressalta o quanto é necessário esses espaços de discussões, principalmente no cenário atual político, onde a mídia televisiva recusa a realizar debates eleitorais em São Paulo. “O Café Filosófico se propõe a ser um espaço de troca e de reflexão e num momento de eleições como esse, que a gente vê emissoras de televisão se negando a fazer discussões entre os candidatos, sobre política e sobre qual é o projeto de cidade que cada um tá apresentando, a gente entende o Café Filosófico como este espaço que precisa se colocar à disposição das pessoas da quebrada pra refletir, sobre o voto”.

No último encontro do Café filosófico, o grupo debateu sobre a construção de candidaturas coletivas nas periferias durante uma live que teve grande nível de interação dos moradores e seguidores, porém o organizador ainda demonstra sua insatisfação.

“A gente tem tido uma grande dificuldade para fazer esses papos virtuais e tudo mais”, diz Amorim, trazendo uma questão muito presente na vida de moradores das periferias que é a falta de internet ou de uma rede de qualidade, que proporciona uma desconexão da periferia com o mundo virtual. “A forma como a gente tem lidado hoje é com muita paciência, pedindo a compreensão das pessoas, e também tentar que as pessoas acessem esses conteúdos, compartilhando em todas as redes, então isso tem questões de fato que a gente consegue resolver”.

Ele reforça que a internet se tornou um instrumento fundamental e básico para a sobrevivência da população periférica. “Nesse momento de pandemia a internet ela foi colocada como item de direito básico pra gente sobreviver, e a gente não tem acesso a esse direito”, argumenta o integrante do Café Filosófico.

Através de uma observação sobre as necessidades do seu território, que não é colocada nos planos políticos na maioria dos candidatos que estão presente nas mídias tradicionais, ele sugere que umas das soluções encontradas pelo grupo para mudar esse cenários é inserir pessoas periféricas para ocupar esses espaços políticos de poder. “As pessoas precisam ser vistas como corpos políticos, isso é fundamental. Se as pessoas tivessem mais acessos a esses espaços de formação, a discussão, através de tecnologia, sem dúvida elas também participariam dessas questões colocadas para elas”, aponta ele.

O Café Filosófico entende que uma das características das quebradas é o potencial de engajamento das comunidades através do afeto e das relações pessoais construídas nos bairros. Eles utilizaram isso como estratégia para acessar moradores das periferias. “Quando a gente usa essa rede para reflexão e para construção de uma política pública de um processo de construção coletiva, que precisa para aquele bairro, eu acho que é ai que ta a potência, que a gente de fato consegue se relacionar , com o que mais tem haver com sua vivência “, avalia Amorim.

Considerado pelos seus criadores um movimento popular virtual e suprapartidário, o Vote Perifa foi criado por Rafael Shouz, 25, e Willian Dantas, 28, moradores da Vila Inglesa, periferia da zona sul de São Paulo, para fomentar uma plataforma que promove debates com candidaturas periféricas. A partir desta compreensão, eles articularam parcerias e campanhas nas redes sociais para entrevistar candidatos a vereador que são oriundos de territórios periféricos.

“O Vote Perifa é uma ideia prematura, mas que já tem levantado bons vôos. Nasceu em Junho deste ano, quando voltando para a casa da minha mãe na quebrada percebemos que tinham muitas outras candidaturas da periferia e que isso precisava ser propagado. Daí vem a ideia de gerar visibilidade e engajar o voto da quebrada também”, conta Dantas, um dos criadores, afirmando que entendeu que poderia usar de estratégias digitais para promover candidaturas periféricas.

O coletivo enxergou essa urgência de criar novos meios de comunicação que vá além da tradicional televisão, rádio, jornal e canais populares nas redes sociais, observando o descaso que os políticos que ganham voto nas periferias tem com o território depois de eleito. “Só quem veio da periferia sabe quais são as demandas que a periferia precisa. Só quem sentiu na pele a falta de acesso à políticas públicas vai entender a importância”, diz Rafael.

Pensando nisso, os criadores se tornaram produtores de conteúdos digitais, tendo como seu principal meio de divulgação uma conta no instagram da @vote.perifa. “Estamos tentando alavancar e dar visibilidade para os candidatos de outras formas. Começamos a compartilhar os candidatos que fazem parte do movimento e optamos pelas lives também. Para que não houvesse qualquer parcialidade, convidamos coletivos da quebrada para fazerem as mediações. A ideia é que esses convidados apresentem, mas também questionem os candidatos enquanto sujeitos que são da periferia também”, complementa William.

Porém ainda Rafael lembra sobre as maiores dificuldade de se produzir conteúdo para a periferia, é a exclusão tecnológica no qual ela está inserida “Usar o campo digital para chegar na periferia é uma possibilidade, mas também um desafio. Quando você fala em periferia, você fala da falta de acessos e precisa entender que as demandas mudam de território para território.” É diante dessa reflexão ele Relata “Nós precisamos democratizar o acesso digital antes de falarmos sobre a possibilidade de voto online, como estão querendo testar por aqui”.

 Contexto histórico

Durante as manifestações que explodiram pela cidade de São Paulo em junho de 2013, com a mobilização popular sobre o debate do preço da tarifa do transporte público para estudantes, nasce uma iniciativas de jovens da quebrada: o Café filosófico da Periferia, um espaço de reflexão sobre questões que atravessam vivências periféricas, conectando política, cotidiano na periferia e filosofia, cujo objetivo é a construção de troca de saberes por meio de debates e intervenções artísticas.

“Buscamos trazer pras pessoas a possibilidade de pensar e reconstruir primeiro essa relação com o território, e como eu olho pro meu bairro como um lugar potente”, explica o produtor audiovisual Wellington Amorim, 25 , morador do Vila Remo, bairro da zona sul de São Paulo, que atua como um dos organizadores do coletivo Café Filosófico da Periferia. Ele enfatiza que o “café filosófico é um lugar que a gente também busca mostrar que essa potência existe a partir da reflexão das pessoas que moram aqui”.

Diante deste espaço livre e democrático para participação e reflexão dos moradores sobre as nuances sociais dos territórios, o coletivo propõe um diálogo de escuta e provocações para as pessoas que vivem nas periferias, para assim construir saberes que todos possam participar no processo de elaboração.

“Tem um ensinamento do Café Filosófico que a gente aprende com o outro, independente se ele concorda ou não com a gente, a gente tá na busca de construção desse processo coletivo, ainda que a gente tenha posições diferentes”, conta Amorim, questionando logo em seguida: “o que nos une? como a gente torna essa união uma potência?”.

Legado

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Comunidade, esse mês foi difícil escrever, primeiro pela diversidade de assuntos que poderia conter nesse texto. Minha cocandidatura política, COVID-19, política brasileira, machismo estrutural, futebol e privilegio branco que vivemos. Enfim, muitos temas, todos mergulhados em uma mulher negra indígena e periférica, que nasceu na periferia e foi criada na favela.

Foto: DiCampanaFotoColetivo (Vale das Virtudes, Campo Limpo – Zona Sul – SP/2017)

Eu tenho muitos pontos cegos dentro de mim e em minha consciência, pois ainda não existe condições estruturais para esquecer tudo que passou pela minha história e de tantas e tantos que eu conheço, mas sabemos que todas as tragédias instituídas em nossas vidas me trouxe para luta social, cultural e política.

Eu gostaria de ter mais lembranças felizes da minha infância, mas minha família não tinha máquina fotográfica para registrar esses momentos, então eles vivem em outras pessoas, eles a possuem e nesses momentos eu não sou protagonista. Mas me lembro bem do que é morar a beira de um córrego, pois em fim, mesmo que canalizado (em partes) ele continua lá exalando seu poder. Eu não vivi muito alagamentos, pois meu pai e vizinhos cuidavam mensalmente do lixo e escavavam para que ele não alagasse nossa casa. Essa é a realidade de muitos brasileiros e foi a minha. A urbanização da favela veio quando eu não morava mais lá, meus pais ficaram felizes e eu também pela melhoria do ambiente da minha casa, minha casa propriedade da minha família na favela, pois onde vivo hoje estou de passagem, pois o aluguel depende de trabalho.

Minha família também não foi diferente da maioria das famílias nos anos 90, violenta com os filhos por medo da violência, não compreendia nossa vida artística ou nossas baladas. Apanhei bastante para entender que só o trabalho seria uma forma digna de vida, mas quem não fica violento com a falta de dinheiro e a demanda de trabalho. Passamos, todos os meus amigos por momentos de violência que se misturava com amor e carinho, muita terapia para não ligar amor a violência, muita poesia para trazer de volta algo possível para além da violência vivida e vista entre crimes, corpos, toque de recolher e toda guerra que presenciamos na adolescência.

Ninguém me contou essa história, eu vivi enquanto crescia, muitas coisas estão nesse ponto cego outras são objetivas e sei que criei várias fugas de momentos econômicos difíceis. A escola foi minha fuga, minha fortaleza, quando aprendi a ler, aprendi o teletransporte, aprendi com os livros que poderia esconder minha pobreza em belas redações, em falas e respostas difíceis para minha idade, em ser educada e ser firme. Uma menina firme, uma mulher firme me salvou de diversos abusos e problemas.

Ser uma menina firme, me fez não sofrer em não ser escolhida na “salada mista” ou miss caipirinha, mas estar feliz em ser a oradora do grêmio, em sair sozinha, andar com os garotos, em ser a metida sabe tudo, mas que me trouxe amizades que tenho até hoje.

Existem diversos caminhos para as mulheres na periferia, mas muitas vezes tudo parece um grande labirinto que nos leva ao mesmo lugar, a maternidade. Na verdade essa foi a única vez que achei que de verdade não haveria chance e que minha vida não teria outra estrada, além de aceitar o trajeto. Mas eu sempre fui firme, e mesmo que quase perdendo o tempo eu segurei a estrada e me fiz a primeira mulher formada no ensino superior na minha família, prêmio? Não, revanche!

Não consegui ir muito mais longe que isso no que se refere a instituição, mas essa passagem foi combustível suficiente para que minhas palavras fossem ações conectadas às lutas das quais eu pertencia e da análise de tempos tão distantes e tão presentes no território periférico.

Cada fala do ser periférico me transporta para um pedaço, um dia, uma hora da minha vida, absolutamente nada me traz estranheza, hoje faço o teletransporte ao contrário, mais forte consigo olhar de frente para a vida construída nas condições em que vivemos.

Somos sobreviventes, da falta, de saneamento básico, alimentação saudável, como se diz hoje, da falta de segurança e planejamento do nosso trajeto. Mas precisamos ser firmes, nossos ancestrais foram em condições muito piores. Minha mãe veio para São Paulo como escrava doméstica e hoje eu estou aqui, escrevendo, isso é legado.

Saúdo aqui todas que vieram antes de mim e me colocaram aqui hoje periferia é matéria que transborda memórias de sobrevivência.

Sinal de nascença 
Sou  negra,
sangue indígena, brasileira,
de trajetória equilibrada na tragédia, 
povo, laço, estupro, miscigenação forçada no murro.
Enfileiradas paulistanas,
desfile de trabalhadoras à deriva, 
solavancos do transporte público.
Mascaradas relembram,
o passado ancestral.
O medo nos olhos, a fúria nas mãos.
Ladeiras acima, ladeiras a baixo, seguimos, lenços nos cabelos, colares sagrados no peito.
Observando esse filme coletivo do homem branco faminto por sangue nativo,
Uma ordem que não cessa, 
Segue com nome e sobrenome
De vírus,
uma reprise funesta de antepassados, desconhecidos,
mas sentidos nas veias que nos restam.

Anabela Gonçalves

Sobre quando não amei essa criança

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Uma semana antes de termos a certeza pelo teste rápido eu havia sonhado com ele: alto, com uns dois metros de altura, quase como quando sonho com os Orixás, ele era um D’us negro, seu corpo a minha frente se derreteu como sorvete na frente da fogueira e se transformou em um bebê que saiu engatinhando pela sala. 

Foto: Léu Brito

Quase dez anos até aqui, quanta expectativa criada, imagens projetadas.

Uma semana antes de termos a certeza pelo teste rápido eu havia sonhado com ele: alto, com uns dois metros de altura, quase como quando sonho com os Orixás, ele era um D’us negro, seu corpo a minha frente se derreteu como sorvete na frente da fogueira e se transformou em um bebê que saiu engatinhando pela sala. Não tive dúvida, ele estava chegando.

Nos primeiros dias não sabia muito o que dizer, como me posicionar, aquele era um dos maiores sonhos da minha vida e ao mesmo tempo queria respeitar a escolha da companheira, sem fazer ela achar que tanto fazia pra mim, um lugar que ainda hoje não sei como faria de novo.

Então começou a brincadeira, alimentação, exercícios físicos, doula, sim doula, tão bom e importante.

Nesses anos de expectativa, andei por ai curiando essa parada, desde parteiras tradicionais até a doulagem, como esse universo tão nosso (preto, periférico, amerindio) foi se tornando algo desconhecido e distante da nossa realidade? Ser acompanhada por uma pessoa experiente e acolhedora a todo tipo de situação que iremos, sem saber, passar, isso ajuda muito nas doideras e cuidarmos do que importa.

Nos colocamos a cuidar da nossa gestação de toda forma que sabíamos e desejávamos. Cantava pra ele, já mandando uns jongos, pra ficar ligeiro na sua pretitude rs; Com carinho fazia o som do tambor na barriga, trocamos ideia com ele, contávamos histórias, fazíamos carinhos e a mamãe tomava água de coco, muita, mas muita água de coco, já que não tinha a breja né kkk (esse menino hoje ama coco, óleo de coco, coco ralado, leite de coco, água de coco, se tem coco, é com ele mesmo).

Foi um processo de gestação com suas delícias, sem tirar nem por as exaustões e dores, principalmente da parte da mãe, as do pai eram por sedentarismo mesmo! (parágrafo curto porque me perdi rindo)

Quero dizer com tudo isso que fui nutrindo cada vez mais amor, não tinha expectativa de nascer logo, de ser menino ou menina, mesmo tendo a intuição por causa do sonho que seria menino, mas o espírito dele podia vir no corpo de menina e por ai vai, não é!?

Eis então, conseguimos ir numa casa de parto (Sapopemba), fomos belamente acompanhadas e também fomos pesquisar sobre o plano B, o hospital do Ipiranga, ficamos muito animadas com a sala de parto humanizado que possuem, com a equipe médica e tenho que dizer, demos uma sorte de encontrar uma equipe maravilhosa, disponível, acolhedora… por que no final das contas tivemos que ir pra lá.

Depois das 41 semanas a recomendação da casa de parto era que fossemos para o hospital pois a gravidez poderia ter complicações, até porque estávamos lá, na 42° semana e nada desse menino vir gente!

Ruma pro hospital, sim as contrações do prelúdio haviam começado, fomos para a sala de parto, cada uma em seu processo único ali, muitos sentimentos, medos, dúvidas, de todas as partes atravessando o processo e os sentimentos da mãe. Muita responsa né e desafiador pra cada uma entender e conseguir por o seu melhor pra colaborar com o momento da mãe. As vezes tá todo mundo sem saber o que fazer, com seus medos e histórias, mas ta ai o desafio, de oferecermos o melhor de nossa energia pra mãe.

E foi tenso e intenso, a criança não virava, a barriga ainda alta como todos os outros dias, as médicas cochicharam entre si e da melhor forma que podiam nos convidaram para fazer a cesariana, entendemos que seria aquele caminho mesmo, mesmo com todas as expectativas criadas de termos de forma natural, aquela seria nossa história, aquela era a história do Malik.

Então corre daqui, corre de lá, sala preparada, equipe aprumada (só não precisava da médica chefe estar presente, um desconforto começou ali).

Antes de entrar pra sala de parto ouvi na minha cabeça: ele irá nascer semi morto! Bom pra quem tem intuição acho que vai me entender, ‘da hora’ saber algumas coisas antes que aconteçam, outras nem tanto, comecei a ter medo ali, ao invés de aproveitar a dica pra me acalmar, a frase não dizia, vai ser assim ou assado, só aquilo mesmo, então fiquei na nóia de que ele poderia não sobreviver e como foi difícil aquele sentimento me tomando…

Enfim, lá estava, na sala com a compa, mãozinhas dadas e se apoiando… Eis que pegam o bebê, sem choro, parecia que um silêncio tinha imperado, ela rapidamente olha pra mim e diz que vai ficar tudo bem, já tinha me sacado e tava lá lidando com os sentimentos meus e dela também.

Vi ele saindo da sala sem nem ser aproximado de nós, com uma cor cinza e verde escuro, bizarro… ele havia aspirado mecônio, não tava no filme isso, ninguém tinha nos preparado para aquela situação.

Me chamaram e eu fui lá: pai, estamos fazendo as manobras, houveram complicações e ele irá precisar ficar na UTI com a pediatra. Bom demoro, mas ele vai ficar vivo né? Ela lindamente e nada acolhedora respondeu: não sei, não posso dizer, ‘não sei o que vocês fizeram pra ter ocorrido isso’. Fiz a sonsa, voltei pra sala, conversamos entre nós que iria ficar tudo bem, não sei com que palavras, e fui pra sala de parto humanizado, buscar nossas coisas…

Ali me deixei desmontar, aquele choro descomunal, que eu nem sabia que tinha, chamei até a espiritualidade na chincha, não aceitaria uma situação de não vida, por toda correria que a gente faz na vida, aquele amor, aquela relação, não iria abrir mão… a médica me achou, me tirou do chão, eu já devia estar quase nadando nas lágrimas

Ela me explicou que aspirar mecônio não era algo raro, depois até fomos descobrir várias outras histórias, até quem dizia que a criança ficava com a imunidade reforçada depois de uma dessas!

Ainda assim, controlado, mas não menos surtado, tivemos que aguardar quase 4 horas pra saber como ele estava, tendo nascido lá pelas 6 horas, fui vê-lo só depois das 9hrs… foram 5 dias de UTI, indo e voltando, não podendo dormir com a compa, tendo que ver ele dentro de um acrílico, até que começou a ficar num bercinho aberto, todo entubado ainda e já podíamos pegar no colo, ela dar de mama e tirarmos umas fotos escondidos 🙂

Ao todo foram uns dez dias na UTI!

O evento do parto, acho que foi o ponto principal do que quero colocar, o susto, a tensão, a dor, o medo, angústia, uma série de sentimentos que dominaram meu corpo, em meio a isso fomos aprovados em um edital e não conseguia dar conta, me sentia culpado de não corresponder às demandas do processo do edital (formativo), mas só depois de 3 meses passados, até mais, comecei a me dar conta que eu estava em uma depressão profunda, olhava pra ele e não sentia nada e não entendia como aquilo era possível.

Eu sei chorei horrores, claro que o amava, mas pensava coisas do tipo: devo ter chorado por posse, medo de perder algo, uma propriedade, não me via sentindo amor, aquele avassalador que esperava ter, logo que nascesse e aquilo me assustava.

Fui ler sobre e não falamos muito disso no nosso dia a dia, nem sabia que existia, mas a depressão pós parto é tão comum nos homens quanto nas mulheres, nós homens somos condicionados a não demonstrar os sentimentos, sermos fortes, seguros e tudo o mais que a masculinidade tóxica nos oferece e adoece, ai sê já tá lá, cagado, com essas determinações da sociedade e não tem pra quem recorrer parece, à compa você precisa se colocar à disposição de nutrir, cuidar, zelar, fortalecer. E nessa de se reservar, você se abre com quem? Se expõe pra quem? Isso vai mudar algo do que ta sentindo? Quase que toma um “se liga negão, esse não é seu momento!”

Foram meses amargos e felizes, era doido, aos poucos, uma coisa por vez, tempo ao tempo, ali na pele com pele, no convívio, um dia depois do outro algo foi brotando, eu não sei se era brotar, acho que era outra coisa, algo foi desanuviando, as raivas, medos, angústias se dissipando, o choque daquele susto já podendo se contar sem reviver o medo e cair em lágrimas

É muito doido, os processos químicos que as emoções geram na gente, tiram a cor das coisas, o sabor, a poesia. Fico pensando para além das escolhas ruins que fazemos dentro da masculinidade: de não aceitar que parimos também; que quem teve um filho não foi a mulher, mas nós, eu e ela, você e ela, você e ele… o quanto as vezes nos deparamos com a falta do sentir, amor, apego, carinho, afeto, dengo, magnetismo, atração e isso tudo é uma diminuição na produção das químicas da alegria e do prazer geradas pelo nosso corpo, as: serotonina, dopamina, endorfina e ocitocina. Aumentam-se os medos, angústias, desânimo e ai travestidos de segurança, certeza, acrescidos de irritabilidade e buscando certa racionalidade, decidimos não estarmos naquela relação: com a mãe, com a criança, com a família.

Sabe aquele prazer de postar foto nas redes sociais, mas não conseguir ficar uma hora direto focados na criança? Porque as redes sociais, nos enganam, dando pequenos goles das químicas que falei. E a relação humana é mais complexa, ela requer tempo e esse tempo devolve pequenos encantamentos, satisfações de coisa que plantou a dias ou a anos e o amor parental só vai crescendo, mesmo misturado com as dificuldades.

Mas vale pensar, pedir ajuda, reconhecermos nossas fragilidades, mesmo com toda pressão e demanda de ser o negão incólume, não alcançável por qualquer dor ou medo. E se dar esse tempo de mesmo na visão turva e dolorida de se aproximar ao invés de se afastar, tem uma força que brota e uma magia que rola nos encontros, não sei, eu não saberia viver sem essa relação eu tenho muita vontade desse amor entre eu e a cria!

Empreende Aí apresenta podcast sobre empreendedorismo para mulheres das periferias

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Beatriz Santos, pesquisadora e diretora executiva da Barkus Educação Financeira, é a convidada do primeiro episódio desta temporada e vai dividir seus conhecimentos sobre finanças pessoais.

Luís Coelho e Jennifer Rodrigues | Foto de Thays Bittar

Com o objetivo de auxiliar as empreendedoras das quebradas com histórias inspiradoras de mulheres empreendedoras e também compartilhar dicas práticas para executarem em seus negócios, a Empreende Aí (Escola de Negócios da Periferia para Periferia) lança seu primeiro podcast nas plataformas do Spotify e do Youtube, o Empreende Aí Cast.

O podcast é um formato de conteúdo por áudio, que vem ganhando força nos últimos anos e se assemelha muito aos antigos programas de rádio. Esta primeira temporada conta com oito episódios, que serão lançados entre novembro deste ano e fevereiro de 2021.

No episódio de estreia, Beatriz Santos compartilha suas experiências e conhecimentos sobre como controlar os gastos pessoais. A jovem carioca tem graduação em Administração pela UFRJ e Universidade do Porto – UPorto e é pós-graduada em História e Cultura Africana e Afro-brasileira pelo Instituto Pretos Novos, pesquisando diversidade organizacional e finanças com foco em questões raciais. É também diretora executiva da Barkus Educacional, um negócio de impacto social, sendo responsável pela gestão e área comercial. 

Histórias inspiradoras e empreendedoras nas periferias 

Criado por Luís Coelho e Jennifer Rodrigues, moradores da periferia do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, a Empreende Aí é uma iniciativa que busca motivar pessoas das quebradas na criação de seus negócios e na sua capacitação profissional no mundo do empreendedorismo. Neste conteúdo em formato podcast, a ideia é inspirar quem já pensa em criar seu próprio negócio ou quem deseja aprender como melhorá-lo.

“Agora, vamos poder levar este conteúdo para milhares de mulheres de uma forma descontraída, mas oferecendo muito conhecimento e experiências que deram e dão muito certo até hoje”, reforça Luis, sócio fundador da escola de negócios. Ele também conta que os próximos episódios incluem os temas de gestão do negócio em momentos de crise, uso de redes sociais e técnicas para o aumento das vendas.

Entre as convidadas para os próximos episódios estão: Eliane Dias, empresária e advogada à frente da gestão da carreira dos Racionais MC’s; Michelle Fernandes, sócia proprietária da grife Boutique de Krioula; Débora Luz, empresária e fundadora do Clube da Preta; Viviane Duarte, jornalista e fundadora do Plano de Menina; e Ana Fontes, eleita uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil pela revista Forbes em 2019.

Com mais de cinco anos de atuação, o Empreende Aí já realizou diversos cursos e palestras nas periferias e conta com a parceria do Itaú Mulher Empreendedora e a International Finance Corporation (IFC), organismo do Grupo Banco Mundial, para a realização do Empreende Aí Cast.

A periferia do esperançar

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Em um dos momentos mais difíceis que já vivemos na periferia a esperança floresce, ela tem rostos, tem histórias, tem lágrimas e tem muitas mãos. 
Foto: Pedro Oliveira

Mês passado, tivemos a comemoração dos 99 anos de Paulo Freire na América Latina, mesmo remotamente pude observar e refletir que a periferia exerce na prática esse esperançar, somos as manifestações mais puras do não desistir, do lutar, de pensar coletivo.

Ano passado, observei muita desesperança. As pessoas viam uma perspectiva onde tudo só poderia piorar. Contudo, com tantos jovens de periferia na universidade, com tudo que os coletivos conseguiram mobilizar para manter a periferia viva neste momento, com tantas histórias que não estão na televisão porque não falam de morte, não falam dos nossos números de morte, eu não acredito que tudo acabou.

Relembrando a construção da periferia vemos que construímos tudo sozinhos, nossas casas, nossas ruas e nossos comércios, na década de 90 o Jardim Ângela foi considerado o bairro mais violento do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU) com uma taxa de homicídio de 98 para cada 100 mil habitantes. A partir de iniciativas dos próprios moradores e de instituições como a Sociedade Santos Mártires, CDHEP – Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo e organizações como associações de bairro a violência diminuiu e foi possível sonhar com mais calma.

Desde lá conquistamos muito e nos tornamos referência em cultura, em luta popular e agora podemos ver os nossos também na universidade. Quando relembro tudo isso só penso em Paulo Freire. O que mais seria o seu legado se não luta, educação popular e coletivo? A esperança mora no olhar dos jovens vendo seus amigos na universidade, no cuidado dos pais que choram ao ver que seu filho realizou um sonho mesmo sendo difícil e na nossa constância de revidar as violências do Estado de forma forte, prática e ativa.

Na periferia mora também a filosofia Ubuntu, uma filosofia africana que fala sobre a humanidade ser o coração da unidade, a periferia é seu próprio coração e pulsar, somos coletivo e por isso ainda estamos lutando para que os nossos vivam. Nós ainda vivemos a incerteza e tristeza da falta de políticas públicas, contudo também enxergamos uma luz por todas as conquistas que já tivemos.

A esperança mora em cada beco e viela onde crianças correm, riem e brincam, onde jovens felizes voltam para casa, onde pais voltam cansados do trabalho.

É difícil ter esperança vendo que ainda somos os que mais morrem, os que mais lutam e os que estão no fronte da vida, porém a esperança de Freire nos trará justamente essa perspectiva de não desistir, de continuar e transformar no coletivo. Esse texto além de ser uma forma de lembrar o legado da Educação Popular que valoriza os saberes da periferia e que se constrói com lutas, é também um texto para que não esqueçamos que o opressor já não domina completamente nossos corpos, não ficamos parados, a periferia jamais parou.

O único violento é o Estado!

Em 2020, tivemos um recorde de mortos pela PM, mesmo com a quarentena que retirou boa parte da população das ruas o Estado seguia matando pela falta de assistência no combate ao COVID-19 e também nas abordagens policiais que inclusive foram violentamente feitas contra crianças negras. Nessa história, a periferia nunca foi a fonte da violência e sim o Estado. Parece estranho pensar que o governo durante uma pandemia se ocupou em privilegiar empresários e quem supriu as necessidades da periferia foram organizações voltadas e construídas para e por ela.

Em meio a tanta violência ainda é possível sonhar? Apesar de todas essas violências acontecendo juntas eu vejo uma esperança muito grande no que já fizemos e estamos fazendo. Semana passada ouvi um audiolivro feito pelo coletivo O Corre que se chama “O inimigo invisível” e conta uma história que em meio a uma pandemia possuí esperança. Além disso ele informa as pessoas e promove um reconhecimento. Eu me vi em cada personagem da história e isso não poderia me gerar outro sentimento que não esperança.

Em meio à crise causada pelo descaso do governo, os cursinhos populares fizeram um trabalho potente em manter a esperança viva e eu vi Paulo Freire em cada um desses coletivos, eu vi o esperançar em cada uma dessas quebradas, nós somos uma potência!

Eu insisto em dizer que o sonho mora aqui, o sonho mora no Jardim Vera Cruz, no Jardim Horizonte Azul, Jardim Capela, Jardim Jacira, Jardim São Luís, Capão Redondo, Morro do Índio, Campo Limpo e em tantas outras quebradas do sul, leste, oeste e norte.

A esperança mora em você que tirou um tempo para ler até o final. O esperançar de Freire vive e cresce na periferia! Somos luta, coração e transformação.

Pessoas pretas e periféricas irão transformar a indústria da tecnologia

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Conheça os ‘devs periféricos’, jovens moradores de periferias e favelas que estão tendo a oportunidade de compreender como as questões de raça, classe, gênero e território irão moldar o pensamento e a atuação profissional de uma nova geração de profissionais de tecnologia da informação.

Gilmar Cintra, programador e estudante de engenharia da computação.

Ao relembrar a infância vivida na Brasilândia, distrito da zona norte de São Paulo, o programador e estudante engenharia da computação Gilmar Cintra , 32, afirma que o tradicional futebol na quadra com os amigos era deixado de lado para conhecer e vivenciar os primeiros contatos com a ciência e a tecnologia. “Em vez de ir em uma quadra com meus amigos, a gente ia em uma estação de ciência”, conta ele.

Após esse primeiro contato com o universo da tecnologia, Cintra afirma que foi na infância que surgiu o interesse pela ciência da computação. “Aí surgiu essa paixão por computação e quando você acha que acabou, que é só aquilo sempre surge algo novo”, complementa a recordação.

Porém a paixão pela ciência da computação de Gilmar vem acompanhada de uma frustração. Ele acredita que a tecnologia que poderia ser usada para resolver problemas da sociedade, no entanto, ela está sendo utilizada para produzir ainda mais desigualdades sociais, criando uma falsa sensação de evolução e ignorando problemas básicos.

“A gente tem famílias que ainda passa fome. E tem gente que ainda quer fazer entrega de drone. A gente precisa primeiro resolver esses problemas, que eles são uma coisa básica que não deveria nem existir”, ressalta o programador.

Após essa crítica sobre o mercado da tecnologia, o programador levanta outro questionamento: “como que a gente vai pra frente se tem muita gente que não tem nem saneamento básico?”

Diante das vivências e questionamentos do programador, outros aspectos importantes do processo de formação de profissionais de tecnologia vêm à tona, como por exemplo, o ambiente universitário que forma os profissionais do futuro, mas ainda pecam nas questões de diversidade. “Todos meus professores são brancos, em grande maioria homem, só vejo três professoras mulheres dentro do curso e reforço, todos são brancos”, afirma Gleyce Karen, 19, moradora de Poá, cidade da região Metropolitana de São Paulo.

A estudante de Sistemas de Informação conta que a falta de representatividade no curso também é outro problema que gera impacto no aprendizado. “Tenho dois professores que são de outros países, países vizinhos do Brasil e falam espanhol. Más dentro do curso não há diversidade e isso me entristece, pois não me vejo representada”.

Karen se mudou de Poá para a cidade de Dourados, em Mato Grosso do Sul, para estudar na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. Ela relata que mora em um bairro rico na cultura indígena, mas o racismo velado dos moradores brancos ainda a persegue. Em 2019, assim que ela chegou à cidade, a estudante estava passando em uma das ruas do território e viu uma senhora olharem sua direção e falar para uma pessoa próxima a ela: “olha a negrinha” e dar risada na sequência.

Após vivenciar essa situação, Karen relembra que pensou seriamente em desistir dos estudos. “Pensei em voltar para São Paulo e desistir de tudo, más se desistisse seria menos uma mulher preta ocupando um espaço onde majoritariamente é composto por homens brancos, então permaneci e resisti assim como meus ancestrais”, argumenta.

Tais fatos relatados pela estudante sobre a discriminação racial que vivenciou contribuem diretamente com a permanência ou não de pessoas negras nesses lugares. Karen atribui sua insistência de permanecer na cidade e na faculdade onde não consegue se reconhecer nos professores e também nos estudantes ao objetivo de desenvolver suas habilidades como programadora.

“Eu gosto muito de programar, desenvolver um software, ver que um programa que eu me esforcei pra fazer está rodando bonitinho”, diz a estudante de forma entusiasmada, enfatizando que acredita que esses aprendizados podem mudar as quebrada e os moradores. “Acredito que a tecnologia muda o mundo, transforma e ajuda pessoas de várias formas e eu sempre vi a necessidade de fazer algo pelas pessoas de onde eu vim e no meu território. Encontrei na área de tecnologia da informação essa possibilidade”.

Algoritmo racista

Ao falar sobre as propagações de ódio e o viés do algoritmo que a partir da coleta de dados dos usuários aprende preconceitos com a ajuda da inteligência artificial, formando um algoritmo preconceituoso, o programador morador da Brasilândia afirma que isso só acontece por que a sociedade é racista. “Isso é uma evidência que nossa sociedade realmente é racista, não tem como negar isso”, comenta o programador morador da Brasilândia.

Uma das propostas pensada pelo desenvolvedor para lidar com esse tipo de problema é criar programas que aprendem e falam como a periferia. “A única forma de uma maneira concreta seria desenvolver uma inteligência artificial através dos inputs das pessoas que realmente moram em zonas periféricas”, conta Gilmar.

Ele propõe em construir um programa que aprenda o comportamento de moradores da periferia e transforma isso em dados que alimenta a inteligência artificial. “Se você pegar realmente as pessoas que moram nesses lugares, ou somente as pessoas negras, você consegue desenvolver uma inteligência artificial que não seja racista, que não é racista, porque espera-se que não seja inputs racistas e através desse aprendizado não racista a gente consegue desenvolver uma inteligência artificial que não seja racista e não fique julgando”.

Quando pensa na junção de suas vivências como morador da periferia com seus conhecimentos como desenvolvedor, o programador ressalta que os moradores possuem uma ferramenta muito importante para mudar a vida na periferia. “Eu imagino as comunidade no futuro com um projeto de reurbanização, ela tendo cabeamento elétrico, fibra ótica, telefonia, tudo embaixo da terra, um sistema de transporte eficiente”, imagina o desenvolvedor, fazendo uma releitura de como a tecnologias voltadas para as periferias pode impactar no seu desenvolvimento no futuro.

Já para a estudante de Sistemas de Informação do Mato Grosso do Sul, a imaginação do programador da Brasilândia só se tornará realidade se mais pessoas pretas atuarem no mercado da tecnologia da informação. “Com certeza acredito que com mais pessoas pretas dentro da área, o povo preto teria mais acesso à internet, teríamos mais aplicativos voltados para nós, aplicativos que facilitam ainda mais as nossas vidas”.

Ela finaliza a entrevista afirmando que outro passo fundamental para concretizar esse futuro para a quebrada é criar uma rede de ‘devs periféricos’ para construir, disseminar e ensinar novas tecnologias. “Acredito que o meu dever é repassar conhecimento a todos e inserir outras pessoas pretas da periferia e das favelas dentro da área tecnologia”.