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“Meu sonho era ter uma filha”, diz Elvira Gonçalves, migrante baiana moradora do Jardim Ângela

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Aos 68 anos de idade, a migrante baiana da cidade de Ibititá compartilha como dedicou parte da sua vida  para cuidar dos filhos e revela o trauma de perder uma filha aos 17 anos e mais tarde realizar o sonho de ter outra menina.  

A partir de um diálogo intimista, honesto e ancestral, o Desenrola faz um mergulho nas histórias das mulheres que colocaram no mundo os integrantes do coletivo. Uma delas é a dona Elvira Gonçalves de Matos, 68, moradora do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. Ela é mãe de cinco filhos, dona de casa, avó de quatro netos e filha de pais camponeses que criaram 15 irmãos no município baiano de Ibititá, localizado na região da Chapada Diamantina.

Elvira conta que nasceu no distrito de Canoão, um povoado localizado na cidade de Ibititá, um território conhecido pela presença de rochas que represavam a água em épocas de chuva, formando pequenos açudes. A população local está estimada em 18 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE.

“Irecê é a cidade mais próxima, é o lugar onde eu fui registrada. Nessa época não tinha cartório na cidade de Ibititá, pois ela era um arraialzinho, onde as pessoas moravam mais na roça”, conta a migrante nordestina.

As memórias da sua família na cidade de Ibititá remetem a uma lembrança turva dos seus avós, os quais ela já não lembra com muita clareza. “O nome da minha avó materna é Andreza e o meu avô é Roseno. Eles são pais da minha mãe, Florência Floripes de Matos. Já os meus avós por parte do meu pai, Pedro Floripes de Matos eu não vou conseguir lembrar porque eu não os conheci”, afirma.

Elvira resgata com ternura a memória afetiva que ela guarda sobre a fisionomia, cor e costumes da sua avó Andreza. “Eu só conheci a minha avó Andreza. Ela ficava o dia todo sentada numa almofada só batendo os bilros que fazia um barulho assim: ‘treco, treco, treco, treco’. Ela era fazendeira de birro, aquelas rendas que se usa para colocar em capa de sofá, roupas, toalhas, essas coisas assim”, relata.

Segundo a ex-moradora de Ibititá, a sua vó fazia as rendas para presentear membros da família, pois naquela época não havia possibilidade de vender os artigos de pano devido à falta de trabalho e renda no povoado, o que limitava bastante a circulação de dinheiro entre as famílias. 

Igreja Matriz Nosso Senhor do Bonfim de Ibititá. (Foto: Banco de Imagens IBGE)

“A minha mãe passava o dia todo no rio pescando

Elvira Gonçalves

Para a dona Elvira, falar sobre a sua trajetória é também valorizar a forma como a sua mãe ajudava o seu pai, para conseguir comida para os seus 15 irmãos, numa época, onde as principais fontes de alimento era fruto do cultivo de legumes, grãos, frutas, criação de galinha, porco e principalmente da pesca, uma fonte diária de alimento para a mesa de uma grande família baiana.

“A minha mãe passava o dia todo no rio pescando. Ela era pescadora”, relembra Elvira. Segundo ela, essa era uma forma da sua mãe apoiar Pedro Floripes, o seu companheiro, enquanto ele se dedicava a uma pequena roça, onde passava a maior parte do tempo em busca de cuidar da terra para ter uma boa colheita. “Meu pai plantava milho, feijão, abobora, melancia e batata”, descreve ela.

Quando a dona Elvira tinha 12 anos a sua mãe apareceu no povoado de Canoão com um peixe enorme, que segundo ela deu muito trabalho para ser capturado. “Uma vez ela pegou um Surubim que arrastou ela para dentro do rio e ela ficou com água até o joelho, mas ela conseguiu pegar o peixe que deu 12 quilos”, relembra.

A mãe da dona Elvira pescou mais ou menos até os 50 anos de idade. Tamanha era sua força de vontade de continuar ajudando o seu companheiro, que ela não deixou se levar pelo avanço da idade, e continuou fazendo o que mais gostava: pescar com linha e anzol na beira do Rio São Francisco.

Aos 85 anos, ela sofreu um acidente em sua casa na cidade de Ibotirama na Bahia, para onde ela se mudou após os filhos estarem maiores. Após a queda, ela fraturou a bacia e ficou com dificuldades para se mover, tendo que ficar internada durante muito tempo no hospital.

Após alguns meses de internação, os filhos que permaneceram na Bahia e que continuaram vivendo ao seu lado decidiram tirá-la do hospital, devido a suspeitas de maus tratos e a levaram para casa. E foi nesse processo que a mãe da dona Elvira faleceu em sua residência.

Já o seu pai, Pedro Floripes viveu até 114 anos. O registro de nascimento, bem como o registro geral do senhor se encontram em poder dos irmãos da dona Elvira que ainda moram na Bahia. Muitos parentes e amigos até hoje se encantam com o vigor físico e a longevidade do patriarca da família.

Casa de Taipa da região nordeste do Brasil. (Foto: Banco de Imagens IBGE).

Moradia e trabalho 

Na década de 60, período no qual a dona Elvira ainda morava em Canoão, na cidade de Ibititá, ela conta que a vida era muito difícil, e um dos principais aspectos desse cenário era a escassez de água potável. “Nesse tempo todo mundo morava na roça. A água era algo muito difícil para ter, pois era uma água salgada e suja”, conta.

A casa dos pais da dona Elvira era construída com Taipa, um formato de construção que ilustra a paisagem do nordeste brasileiro, também conhecido como pau a pique. Ela explica como era a construção. “Você arma a estrutura da casa com madeira, e nas paredes você amarra um monte de varas e depois começa a bater o barro nas paredes para preencher com a massa de barro de louça”, descreve.

Para ela, os 15 irmãos e os seus pais dormirem na casa de Taipa, o chão da casa era forrado com esteiras de palha e camas de varas, divididos em três cômodos: uma cozinha, uma sala e um quarto. “Lá em casa todo mundo fazia sua cama de vara se fosse preciso”, afirma.

Assim como a sua mãe que usava o rio São Francisco para pescar, Elvira também conseguiu o primeiro trabalho fora de casa levando roupas para famílias de Canoão na beira de velho chico. “Lá tinha as pedras e quando não tinha como usar essas rochas, a gente levava uma tábua larga, botava na beira do rio, molhava a roupa na água e passava sabão em pedra, aí a gente esfregava o sabão e batia as roupas na pedra para tirar as manchas. Eu ganhei dinheiro lavando roupas de outras famílias durante muitos anos”, relembra.

Com esse ofício de lavadeira, que ela considera a sua primeira profissão, Elvira conseguiu comprar as suas roupas, já que seus pais não tinham muitos recursos para manter os 15 filhos. Ela recorda que essa atividade era um meio de sobrevivência para muitas mulheres de Ibititá, que ocupavam a beiro do rio para fazer esse tipo de serviço.

“A beira do rio era tomada de mulheres, elas brigavam por um ponto para lavar roupa por que era muita gente, a areia do rio ficava branquinha de tanto sabão que escorria das roupas que eram estendidas nas margens do rio”, relata ela, afirmando que além do grande número de mulheres, a beiro do rio era dívida com uma série de barcos, como lanchas, vapor e canoas de pescadores.

A primeira filha 

Elvira conta que não tinha muitas opções de brincadeira na sua infância. O tempo livre era ocupado ajudando com os fazeres domésticos dentro de casa. Ela conta que a sua família havia decidido se mudar de Ibititá para morar na cidade de Ibotirama, outro município baiano localizado às margens do Rio São Francisco.

Foi nesta cidade que ela iniciou os trabalhos ao lado deu pai, ajudando no cultivo da roça. A essa altura, ela já estava com 16 anos. Nessa época, o machismo era algo comum na vida das famílias nordestinas, havia também uma naturalização de relações abusivas, conta ela.

Quando ela completou 17 anos teve seu primeiro filho, fruto de uma relação abusiva que ela teve com um morador da mesma cidade de Ibotirama. Ao nascer, a sua primeira filha permaneceu viva durante 5 dias, e faleceu dormindo ao lado da mãe, devido alguns problemas de saúde que ela apresentou logo após o parto. “Eu dormi e quando acordei eu vi minha filha sem vida, foi muito triste”, relata.

Numa época em que os equipamentos públicos de saúde eram de difícil acesso, a história de dona Elvira revela como a mortalidade infantil está totalmente ligada com a ausência do políticas públicas naquela época no nordeste.

“Eu tive a minha filha nas mãos de uma parteira. O meu cunhado ajudou a fazer o meu parto. Eu morava numa região chada ‘Mata’, que fica há umas 20 léguas de distância do centro da cidade de Ibotirama”, diz Elvira. Ao ser convertida, a distância de 20 léguas equivale a mais de 90 quilômetros.

Ela complementa afirmando que hoje, por mais problemas que o sistema de saúde tenha em São Paulo, cidade onde ela morada com a família, se a unha do pé dela doer, ou bem ou mal o médico irá atender ela, mas na região onde ela morava na Bahia até o hoje o sistema de saúde público de lá é ruim e ela vê muitos parentes vindo para cá se tratar de alguma tipo de doença.

Após ter essa experiência com 17 anos, Elvira passou a redobrar o cuidado para não entrar em novos relacionamentos abusivos. Uma das medidas foi ficar um bom tempo se cuidado e longe de relacionamentos.

Chegada em São Paulo 

Elvira se mudou para São Paulo em 1972, quando tinha 19 anos, para tentar construir a vida na cidade que na época estava em processo de urbanização dos bairros periféricos. À convite de um casal de amigos da sua mãe Florência, ela decidiu vir morar na cidadã em busca de trabalho. Para realizar esse feito, a sua mãe teve que vender uma porca, criada na roça pelo seu pai, para conseguir pagar a passagem de ônibus.

Com o apoio do casal de amigos da sua mãe que visitavam a Bahia em época de férias, e que já moravam no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, Elvira conseguiu uma casa para se hospedar durante um tempo e a partir de amizades que ela fez com amigos do casal surgiu a sua primeira oportunidade de trabalho.

Dona Ana, a mãe do Antônio Neguim, um antigo amigo da família de Elvira a abrigou e lhe apresentou pessoas que fazem parte do seu ciclo de amigos até hoje. Uma dessas pessoas é Antônia Camilo, que lhe ofereceu a primeira oportunidade de trabalho em São Paulo, para trabalhar como diarista numa casa de comerciantes no centro da cidade.

“Eu fui trabalhar de doméstica aonde a minha comadre Antônia era cozinheira. Ela arrumou esse trabalhou para eu lavar roupa e limpar o apartamento dessa família. E lá tinha um quarto só para a gente dormir em um beliche”, relembra Elvira. Arrumar a cama, lavar louça, varrer o chão, limpar vidraças e os banheiros, essas foram as principais tarefas dela num apartamento localizado na esquina das Alamedas Santos com a Jaú.

Durante a sua juventude, Elvira conta que não tinha como se divertir e comprar produtos de beleza para cuidar de si. Era uma época difícil e de dinheiro curto. “Produto de beleza ninguém tinha, porque o dinheiro era muito pouco para comprar, além disso, eu não conhecia ninguém em São Paulo, então eu não me divertia indo em bailes. A única coisa que eu conseguia comprar era um produto chamado Henê para passar no cabelo”, conta.

Elvira lembra que por conta das dificuldades financeiras, algumas soluções criativas e baratas eram usadas para cuidar do cabelo, como por exemplo, o uso de ferro quente para facilitar o penteado e o uso de bobes para deixar o cabelo cacheado.

Elvira teve a oportunidade de viajar para a Bahia em 2017 para matar a saudade da famílias que não via há muitos anos. (Foto: Marília Matos)

 A família

Elvira permaneceu nesse trabalho durante um ano. Nesse meio tempo, ela conheceu Domingos Camilo, irmão de Antônia, sua colega de trabalho. Domingos morava no mesmo bairro onde Elvira estava hospedada na casa dos amigos da sua mãe. Da amizade entre eles surgiu uma união que já dura 49 anos.

Para Elvira, construir uma família ao lado de Domingos foi uma benção, pois ela se sente muito feliz e emocionada ao falar do amor pelos filhos quatro filhos que teve com ele. No entanto, ela não esconde que deixou de cuidar de si em várias questões, uma delas é o acesso a educação, pois na sua cidade natal estudar não era uma possibilidade real e acessível para todos os moradores.

“Eu nunca fui à escola. Só depois de ter todos os meus filhos eu fui estudar no EJA. Quando eu era jovem os meus pais não me cobravam de ir à escola e eu também não tinha interesse, porque já ajudava em casa e trabalhava na roça”, afirma.

Segundo Elvira, o fato de não saber ler e nem escrever não a impediu de circular pela cidade, cuidar dos filhos e até mesmo se candidatar para outros postos de trabalho, mas o preço mais alto que ela pagou por não ter estudado foi a discriminação que sofreu trabalhando como empregada doméstica.

“Antigamente aqui em São Paulo as pessoas precisavam bastante de empregas domésticas. Era fácil conseguir emprego. A escolaridade não atrapalhava. Mas além de pagar pouco, elas desfaziam da nossa profissão, ainda mais porque éramos pobres e negras”, revela.

Elvira Gonçalves de Matos, 68, é moradora do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. (Foto: Ronaldo Matos/Arte: Flavia Lopes)

Os filhos 

Após ter o segundo filho Reginaldo, Elvira parou de trabalhar como empregada doméstica. O nascimento dele aconteceu no Hospital São Leopoldo, localizado na Avenida Santo Amaro, zona sul da cidade e já completou 39 anos desde então. A história dela em São Paulo para trazer uma nova criança ao mundo começa com a realização de um parto fórceps, procedimento realizado retirando o bebê puxando a sua cabeça com o uso de instrumentos metálicos.

“A minha recuperação do segundo parto foi tranquila, mas o meu filho teve que ficar um tempo no hospital, pois ele teve um machucado nos olhos devido ao parto”, conta ela, afirmando que para criar Reginaldo foi preciso parar de trabalhar, com isso, apenas Domingos, seu companheiro permaneceu empregado.

Ela conta que a criação do segundo filho foi tranquila, mas em uma época difícil na década de 80, onde seu companheiro ficou desempregado, e com isso, ela voltou ao mercado de trabalho, para apoiar financeiramente as despesas da família.

“Reginaldo já tinha uns cinco anos. Eu precisei voltar ao trabalho como empregada doméstica, pois a vida aqui em São Paulo era muito difícil porque o salário da gente era muito pouco, não dava para comprar muitas coisas, era só o básico”, relembra.

O terceiro filho dela foi Paulo, que nasceu dois anos depois de Reginaldo. Eles nasceram no início da década de 80, período em que eles construíram um barraco de madeira na Estrada Guavirutuba no Jardim Ângela.

O barraco coberto com telha Brasilit tinha dois quartos, uma cozinha, um banheiro e apenas uma janela. Neste espaço, essa família foi se proliferando até a chegada de mais dois filhos no final dos anos 80. Ronaldo nasceu em 1987 e Marília em 1988. Ter uma menina era um sonho de Elvira que ela alcançou na sua última gestação.

“Eu cuidava de todos os filhos do meu jeito. Eu me lembro que eu encontrei muitas pessoas boas que me ajudaram, inclusive nos hospitais quando eles ficavam doentes. No Hospital São Paulo, por exemplo tinha médicos excelentes nos anos 90 que viraram até meus amigos, e me atendiam super bem com meus filhos”, lembra.

Ela complementa afirmando que a Santa Casa de Santo Amaro foi outro equipamento de saúde onde a equipe médica ajudou muito no cuidado com seus filhos. “Os meus filhos Reginaldo e Marília tinham problemas de bronquite e inflamação na garganta, então eu sempre estava levando-os para o hospital. Eu lembro de três médicos que marcaram a minha vida que são os doutores Waldo, Lins e Gaspar que me tratavam muito bem na Santa Casa e cuidaram dos meus filhos que ficavam internados com crises de bronquite.”

Dedicada a cuidar dos filhos, Elvira conta que nunca conseguiu ter tempo e oportunidade para se divertir ou ter um lazer, a dedicação sempre foi com as crias. “Não existia diversão. Desde quando eu cheguei em São Paulo eu nunca fui em um baile, parque ou restaurante. Para não dizer que eu não saia, eu costumava ir em festas de família, como almoços de final de semana e aniversários.”

“Eu gostava muito de comer galinha matada na hora, aquelas galinhas velhas que vendia na granja. Essa era uma comida simples e barata que eu fazia às vezes e toda a minha família gostava, quando iam na minha casa aos finais de semana”, diz Elvira, contando sobre uma das suas únicas lembranças de almoços em família que ela preparava.

Ela enfatiza que antigamente, as famílias mais pobres não tinham muita opção de diversão e até para fazer uma comida diferente em casa era difícil, devido aos altos preços dos alimentos e o baixo salário, que não sobrava para fazer esses tipos de atividades em família.

Toda encantada, Elvira segura Miguel no colo, o seu quarto neto. (Foto: Ronaldo Matos)

Sonhos 

Os momentos de alegrias para Elvira são baseados no nascimento dos seus filhos, em especial, ela destaca o nascimento da filha Marília. “Como a minha primeira filha morreu, o meu sonho era ter outra menina e eu tive a Marília, isso foi muito importante na minha vida”, revela ela, com um sorriso no rosto e olhos lacrimejando.

A autonomia financeira é outo ponto marcante na vida de Elvira. Segundo ela, em um determinando momento da sua vida ela começou a coletar latas de alumínio na rua, para vender no ferro velho, em busca de ter seu próprio dinheiro, para comprar as coisas que ela gosta. A dependência financeira do marido ganhou um peso maior, após ela estar mais madura e com os filhos criados.

“Eu vivia catando latinha na rua, mas eu nunca passei fome. Eu não queria ficar em casa deitada e dormindo, eu gosto de ter o meu próprio dinheiro, ser independente, para comprar as coisas que eu gosto de comer e para ajudar nas contas de casa”, justifica.

Elvira catou latinhas dos 61 a 64 anos.Ela parou de fazer a coleta de reciclagem para vender após conseguir ter o benefício do INSS que assegura a ela ter um salário-mínimo por mês. O acesso ao benefício veio quando ela completou 65 anos, e contou com apoio dos filhos que não moravam mais na mesma casa que ela, para realizar o procedimento burocrático de solicitação.

Se ela pudesse voltar no tempo, uma das coisas que faria diferente seria uma dedicação maior ao trabalho, já que boa parte da vida foi dedicada a cuidar da casa e dos filhos. “Se eu pudesse voltar no tempo eu teria trabalhado mais, eu ainda tenho vontade de trabalhar, porque viver dentro de casa só dormindo é muito chato, não que hoje eu aguente trabalhar, pois tenho muitos problemas de saúde, mas seria bom ter trabalhado mais para ter uma casa melhor e poder ajudar meus filhos.”

Com 68 anos e uma série de problemas de saúde, ela luta para se manter viva, consumindo remédios para retardar e controlar o impacto das doenças que ela adquiriu ao longo da vida. “Eu tenho diabetes, pressão alta, tiroide e colesterol alto. Eu faço tratamento para todas elas e tomo remédios controlados.”

Um dos sonhos da migrante baiana era ter a oportunidade de voltar na Bahia para rever os irmãos e parentes que ela tinha pouco contato. “Foi uma benção de Deus. Se eu morrer hoje eu vou tranquila, porque o meu sonho era rever meus irmãos e irmãs que estão vivos. A única tristeza que guardo é o fato de meus irmãos mais velhos terem morrido e eu não tido a oportunidade de ver eles antes”, relata.

Com um semblante já emocionado ela revela o sentimento que tem pelos filhos: “Os meus filhos é tudo o que eu tenho na vida. Eles são os meus pés, braços, olhos, é tudo o que eu tenho”, define ela. A ligação com os filhos refletes no sonho de futuro que Elvira tem em relação aos seus netos. “Eu quero viver um pouco mais para eu ver meus netos crescer e receber eles em casa para eu cozinhar para eles e a gente passar um dia inteiro juntos”, finaliza ela.

Esse perfil faz parte do conteúdo da semana do dia das mães, onde compartilhamos um pouco das histórias das mães dos integrantes da equipe do Desenrola e Não Me Enrola. Além de tantas outras coisas, Elvira Gonçalves é mãe de Ronaldo Matos, editor do Desenrola.

Do Ceará para São Paulo, Silene Alves se redescobriu e continua sonhando com o futuro

Entre chegadas e partidas, foi em São Paulo que Silene fixou morada e hoje se redescobre dentro da costura e faz planos para seu futuro.

Silene Alves Ferreira, 53, nasceu em Ibiapina, no norte do Ceará, é moradora do Rio Pequeno na zona oeste de São Paulo, local onde mora há mais de 30 anos. Ela já atuou dentro de uma ONG que auxilia mulheres com câncer de mama, trabalha como balconista na mesma empresa desde que chegou na cidade e nos últimos meses redescobriu seu talento como costureira.

Ela conta que cresceu junto com os pais e teve uma juventude de muito trabalho. Ela também conta que sempre teve o sonho de viajar e conhecer outros Estados: “Meu pensamento era viajar, ir para Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, queria estudar, ser alguém na vida. A gente estudava até a terceira série só, daí pra frente não tinha condições de continuar, mas eu sonhava alto.” 

“Eu tinha vontade de ser professora, cheguei até dar aulinhas, ensinando o ABC, a cartilha da alfabetização para uns meninos de lá”

Durante a adolescência, Silene estudava a noite e durante o dia trabalhava na roça: “A roça que eu falo significa plantação de milho, feijão, café. A gente trabalhava também no cafezal apanhando café, chegava até a capinar mato, tudo isso para ajudar meu pai, ajudar em casa, e a noite a gente estudava”, relembra Silene.

Ela conta que teve uma juventude boa, e compartilha sobre seus divertimentos nessa época, período também da sua primeira gravidez. “Minha juventude, foi muito boa, a gente era muito preso né, mas saímos muito para os forros, dançava muito, eu amava um forró, ainda amo, namorava muito, e foi aí nessa juventude com essas festas, que eu comecei a namorar. Um namoro forte, me apaixonei pela primeira vez, acabei engravidando sem casar e tive a minha primeira filha”, compartilha.

A primeira gravidez trouxe mudanças para Silene, e também a realização de um sonho através da primeira filha: “Com a gravidez dela [primeira filha], eu tive que romper os meus sonhos, tinha 19 anos, tive que parar com tudo que eu queria, daí pra frente me inspirei em ser mãe, e o engraçado é que foi ela que realizou um sonho meu. O meu sonho era ser professora, e ela chegou a realizar esse sonho meu, hoje ela é uma professora formada pela universidade pública, e eu tenho muito orgulho disso, ela realizou meu sonho”, afirma Silene.

Ela conta que não gosta de ficar parada e procura estar sempre em movimento: “Eu amo ir para rua, para o trabalho, me sinto muito mal em ficar em casa, tenho uma rotina que eu sempre trabalhei desde meus 12 anos, e eu gosto de trabalhar, se eu fico em casa, não consigo ficar parada, eu gosto de passear, ajudar as pessoas.”

Em 2018, Silene passou por um tratamento de câncer de mama e afirma que esse momento a fez mudar muito: “Comecei a olhar muito mais pra mim e a fazer muito mais as coisas por mim, aí conheci a ONG ‘Amor e Mechas’, que faz perucas para mulheres. Aí comecei a ajudar a recolher cabelo, a incentivar as pessoas a doarem, a conversar com outras mulheres que estavam passando pelo o que eu passei”, afirma. 

“Gosto de dançar meus forros, me faz muito bem, é onde me sinto mais viva também, onde me lembro da minha juventude, me divirto muito, isso é o pouco do que eu sou, é isso que me faz bem, quem eu sou.”

Costura como herança 

A costura tem uma grande relação com uma herança familiar para Silene. Segundo ela, sua família tem o DNA de costura, desde sua avó, tias, mãe, até as suas irmãs: “A maior referência é uma irmã minha, que foi uma costureira de mão cheia, a melhor que eu já pude conhecer, ela que fazia minhas roupas. Eu tinha uma ideia de roupa mais diferente, e ela fazia tudo, e no meu tempo o que a gente aprendia com os pais, era costurar ou bordar, eu sou desse tempo ainda”, compartilha Silene, que pegou pela primeira vez em uma máquina de costura quando tinha 13 anos, e em 2020, durante a pandemia da covid-19, voltou a ter contato com a costura.

“Quando a gente ficou em casa, eu estava desesperada, não conseguia ficar parada, não podia sair, eu já estava ficando aperriada de só cozinhar e arrumar a casa, aí minha filha comprou umas máscaras de tecido, eu olhei para elas e fiquei: ‘eu vou fazer essas máscaras para nós e para ajudar quem não pode comprar’. No outro dia, fui em uma loja e comprei TNT, e comecei a costurar na mão, depois pedi a máquina de costura de uma amiga emprestada”, conta Silene que não sabia mais nem colocar a linha na agulha e contou com a ajuda da sobrinha.

“Daí para frente fui tomando gosto por fazer máscara, doei muita máscara, e hoje eu tenho minha própria máquina que eu ganhei, e eu amo costurar. É como disse pra minha filha uma vez, se eu tivesse tido condições de estudar e desenvolver isso, eu seria uma bela de uma estilista.”

Hoje Silene consegue ter uma renda a partir das máscaras que costura e também tem uma rede de apoio que a ajuda. “Hoje faço máscara para vender e consigo tirar um dinheirinho fazendo máscara, ainda dou na igreja, e tem muita gente que me ajuda, ganhei uma amigona por causa da minha filha, que me ajuda comprando tecidos mais barato no centro, isso me ajuda muito e eu consigo fazer mais e mais pra ajudar outras pessoas também, porque é um momento que temos que nos ajudar, não tem jeito”, afirma Ferreira.

Para ela, voltar a costurar depois de quase 40 anos a fez lembrar muito de sua irmã, que já faleceu: “Quando eu estava tentando colocar a linha na agulha que eu não conseguia, e fiquei apavorada, lembrei muito de quando eu tentava pegar na máquina da minha irmã, ela não deixava a gente nem se aproximar, mas quando ela saía, eu ia direto na máquina dela para costurar”. Ela completa a memória: “Inclusive quando eu peguei essa máquina agora, depois de quase 40 anos, ela veio muito forte na minha memória, e aquele pensamento tão positivo que eu tinha dela, reclamando da gente pegar na máquina, e eu pensando nela, e falando que ia conseguir por a linha na agulha, e em pensamento pedindo ajuda dela, falando ‘me ajuda minha irmã, que eu preciso aprender a colocar essa linha na agulha para doar máscara’, aí logo depois eu consegui, consegui e chega eu senti ela comigo, e dali pra frente e não parei mais”, conta Silene.

Silene Ferreira voltando a costurar.

O caminho até São Paulo 

Silene conta que o seu sonho era viajar e que até o momento de chegar para morar em São Paulo, viveu um tempo em outros dois estados. “Eu morei um tempo na casa de uma parenta em Brasília, e depois eu fui para o Rio [de Janeiro] com a minha filha mais velha atrás do pai dela que tinha ido para lá atrás de trabalho, e eu era muito nova”. Silene conta que foi para o Rio de Janeiro com sua sogra, para se encontrar com o pai de sua filha e que chegou a morar com ele por um tempo.

“Eu tinha uma irmã em São Paulo, que ela tinha vindo bem antes de eu sair de lá, mas ela nunca mais deu notícia, ela tinha praticamente sumido, a gente falava com marido dela, mas não falava com ela, aí um dia muito desgostosa dessa relação com os pais dos meus filhos, vi que ele não queria nada com nada, descobri que estava grávida do segundo filho, e eu pensei ‘se eu ficar aqui vai ser só sofrimento'”, conta Silene que resolveu ir atrás de sua irmã, com sua filha mais nova e grávida do segundo filho.

Ela conta como chegou em São Paulo: “Vim para São Paulo, eu não conhecia nada, só tinha o endereço do serviço do meu cunhado, aí chegando aqui, comecei a trabalhar nessa empresa que eu trabalho hoje, com 5 meses de grávida, escondi a gravidez para não ser mandada embora e trabalhei grávida até o dia que ele nasceu, e trabalho nessa empresa até hoje”, relata Silene.

Hoje com três filhos, Silne conta como foi a gravidez de cada um deles e o que encontrou nesse caminho: “Na minha primeira gravidez, a gravidez da Marina, eu tinha 19 anos, eu não tinha noção nenhuma do que tava passando, o que que era aquilo, eu tinha muitos sonhos, mas eu também queria ser mãe, ser dona de casa, ter um marido do meu lado para constituir família”, compartilha.

“Eu fiquei feliz com a minha gravidez, mas não casei, eu passei por cima das honras da minha mãe, do meu pai, fui morar na casa da minha sogra, que foi uma pessoa maravilhosa, foi um anjo na minha vida, que me acolheu com braços abertos, foi quem me ajudou muito, e isso foi minha gravidez dos 19 anos.”

Um dos primeiros registros de Silene Ferreira em São Paulo.

Na sua segunda gravidez a costureira passou por mais mudanças. “A segunda gravidez, do meu filho do meio, o Rafael, meu único menino, foi mais turbulenta. Eu estava no Rio, vim parar em São Paulo, eu tinha que correr para trabalhar, eu já tinha uma menina, tive que esconder essa gravidez até o dia que nasceu, por causa se eu não tivesse escondido não teria arranjado trabalho, trabalhei até o dia que ele nasceu, ele nasceu em casa, não deu nem tempo de chegar no hospital, minha irmã que cortou o cordão umbilical, foi algo mais conturbado mesmo”, relata Silene.

Já na última gravidez, da terceira filha, Ferreira conta que foi um processo diferente dos outros dois: “A da minha filha caçula, a Vitória, eu já era mais velha, o pai dela também, e a gente se juntou de novo, com a ideia dessa vez construir a família que queríamos e falamos lá atrás, a ideia era se juntar e criar esses três filhos, e eu me sentia muito orgulhosa de estar grávida e estar com o marido do lado, então isso era minha felicidade, mas tudo acabou indo por água abaixo, não conseguimos ficar juntos, e ele foi embora, me deixando com esses três filhos para criar, sozinha, e hoje estão aí enormes, crescidos e são meu maior orgulho”, afirma.

Ela conta que se sente feliz sendo mãe e que se pudesse voltar, teria tido mais filhos. “Eu me inspirei em ser mãe, e fui e sou, não sei se boa, porque é como diz, a gente quer ser uma mãe tão boa, quer proteger os filhos de tudo, acaba sendo uma mãe ruim, porque ensina eles coisa que às vezes eles tem que aprender só, de tentar ser tão boa, e sempre proteger acaba sendo ruim para eles mesmos”, ela finaliza: “eu me sinto uma mãe muito feliz, tenho três filhos maravilhosos que eu amo muito, se voltasse atrás não seria mãe só de três mas de seis, que eu me sinto muito feliz em ser mãe”.

Silene também conta de onde partiu sua inspiração para ser mãe, sobre como a sua criação e a sua mãe foram suas referências. “Eu me vi na minha mãe, a minha mãe é uma mãe até hoje com os 86 anos dela, era uma mãe que só ela, naquele tempo as coisas era tudo difícil, mas mesmo assim ela era uma mãe acolhedora, ela queria que os filhos tivesse tudo ali ligado a ela”, conta.

Ela também conta que se espelhou em seu pai e em outras mulheres: “o meu pai era um marido muito bom, e um pai maravilhoso, ele também foi quem me inspirou muito, quem eu carrego dentro de mim pra sempre, e outras mulheres que passaram na minha vida desde que eu cheguei aqui, me inspiraram muito, as madrinhas dos meus filhos, às minhas irmãs, todas mulheres que passaram por muito, foram muito fortes e me deixaram muito forte também”, compartilha.

Para Silene, a pandemia afetou a convivência com seus filhos de uma forma boa e o isolamento mudou essas relações: “A gente teve uma convivência bem mais forte do que quando antes da pandemia, porque antes era do serviço pra casa e de casa pro serviço. Saía de férias, quando eu saia de férias elas estavam trabalhando, então a gente nunca tinha tido essa convivência tão longa como foi agora”.

Futuro 

Silene afirma que o que ela mais fez e faz por ela mesma é passear e viajar: “Eu sai de férias e viajei, sozinha. Viajei. Isso eu fiz por mim, eu falei: ‘não vou levar filho, vou fazer por mim, maravilhoso’. Outras férias que tirei também, viajei de novo, passei uma semana numa praia aí deserta, também muito boa, só eu”.

Segundo ela, foi um tempo que tirou para si. “Eu falei: ‘é eu que vou fazer isso, é pra mim, vou viajar’. Andei no mar, andei de navio, andei de barco, me senti uma pessoa maravilhosa, que eu tava fazendo pra mim, pra minha felicidade, se eu pudesse viajava muito, hoje é uma coisa que eu priorizo muito é sair, conhecer os lugares, eu amo viajar, espero que em breve eu possa viajar mais, conhecer o Brasil, que aqui tem muito lugar bonito, pretendo conhecer todos”, conta Silene.

Ela finaliza contando sobre seus sonhos e o que almeja para o futuro. “Então, hoje eu tô com 53 anos, daqui mais 3 anos eu me aposento, o que eu vejo no futuro? É ter uma aposentadoria com saúde pra que eu possa curtir essa aposentadoria, não quero mais trabalhar com fé em deus, quero curtir minha aposentadoria, viajando, cuidando dos meus netos quando precisar, ficar mais em casa cuidando da minha casa, sem ter essa preocupação de sair todo dia de manhãzinha pra trabalhar, apesar que eu gosto muito, mas é isso que eu me vejo no futuro”. 

“Ter minha aposentadoria e curtir minha aposentadoria do jeito que todo mundo deveria curtir a aposentadoria, que a gente trabalha tanto, se gasta tanto, então quando a gente percebe esse dinheirinho, mesmo que seja pouco, tendo a ajuda dos filhos dá pra gente curtir uma coisa melhor. Então eu me vejo no futuro assim, e será assim, eu espero”, finaliza.

Esse perfil faz parte do conteúdo da semana do dia das mães, onde compartilhamos um pouco das histórias das mães dos integrantes da equipe do Desenrola e Não Me Enrola. Além de tantas outras coisas, Silene Ferreira é mãe da Vitória Guilhermina, repórter da equipe do Desenrola.

Rede de bancos comunitários cria moeda digital para comércios das periferias

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Visando fomentar o fortalecimento da economia local, a Rede Paulista de Bancos Comunitários investe em tecnologia para modernizar sistema de atuação dentro das periferias e favelas

Empreendedora exibe adesivo que informa o e-dinheiro como forma de pagamento digital (Foto: Rede Paulista de bancos comunitários)

“Banco comunitário é uma associação de pessoas que se juntam para criar alternativas ao sistema financeiro tradicional”, explica Hamilton Mendes, 58, coordenador da Rede Paulista dos Bancos Comunitários. A iniciativa de consolidar a atuação de uma rede faz parte de um movimento de bancos comunitários que visa investir na digitalização de serviços para fortalecer a atuação dessas organizações nas periferias e favelas.

Hamilton destaca a importância de criar um sistema financeiro alternativo, mesmo ciente que já existe o sistema tradicional. “O sistema financeiro está baseado no lucro, então tudo que você faz em um banco sempre gera lucro ao banqueiro. O problema dos bancos é que eles concentram o maior poder político e econômico que o país tem”.

O coordenador da Rede de Bancos Comunitários enfatiza que o objetivo dos bancos populares geridos por moradores, por meio de uma associação é a ativação e circulação de renda em bairros de favelas e periferias.

Segundo ele, o sistema financeiro alternativo visa beneficiar e atender as necessidades dos moradores de acordos com suas condições socioeconômicas. “O banco comunitário pode emitir uma moeda local, essa é uma das ferramentas que o banco comunitário utiliza, além dos juros baixíssimos de 0 a 2 %, quando emprestam dinheiro a alguém”, afirma.

Hamilton complementa que o banco comunitário pode contribuir para uma desburocratização no acesso ao empréstimo, ofertando baixas taxas de juros em relação ao sistema financeiro tradicional. Ela ainda ressalta sobre a estratégia de emitir sua própria moeda para ativar a economia local.

“Fazer com que essa atividade econômica do bairro gere dinheiro para o bairro, você só pode usar essa moeda social para o bairro, isso fortalece a economia local”.

 

Moeda digital

Em busca de modernizar o sistema de atuação e gestão dos bancos comunitários, a Rede criou uma moeda eletrônica que atua com a mesma lógica da moeda social. “A gente criou um sistema de pagamento alternativo pelo celular, e por isso a gente deu o nome de e-dinheiro, para usar esse pagamento na comunidade através do celular, pois é mais seguro e higiênico, então é preciso aprender a usar o e-dinheiro no celular, ele é um sistema muito prático”, descreve Hamilton, apontando as soluções de pagamento que a rede busca oferecer por meio dos bancos comunitátios, para agilizar e democratizar os pagamentos via celular com menos encargos e taxas de juros.

“isso ajuda muita gente, tanto no consumo, pra você comprar uma comida, comprar um gás de cozinha, comprar alguma coisa que você precisa com urgência, como também para você montar seu próprio negócio cooperativo ou negócio individual, para você montar uma lojinha na sua casa, ou um brechó, uma costura, ou uma loja de bolo, ou produzir e vender marmitex”, diz o coordenador, citando uma série de serviços e produtos que podem ser consumidos ou desenvolvidos com o apoio de empréstimoa do banco comunitário.

Junto com a solução do e-dinheiro, a rede de bancos comunitários apresenta também a e-vaquinha, uma vaquinha eletrônica que recebe doações, por meio da moeda social eletrônica, sendo a única plataforma existente no Brasil, que oferece esse tipo de operação de financiamento coletivo.

Outra ação da rede de bancos comunitários é a e-lojinha, loja virtual que vende produtos de comerciantes dos territórios onde atuam organizações de bancos comunitários e que aceitam como forma de pagamento a moeda social.

“O conjunto desses instrumentos e ferramentas é no sentido de fortalecer o uso da moeda eletrônica, é fantástico a gente ter um sistema de pagamento pra usar por internet, ao mesmo tempo que tem um sistema de compra pela internet, que no período da pandemia é muito importante”, conta o coordenador.

 Um dos projetos da rede é um curso de capacitação totalmente online que a própria organização vem desenvolvendo para formar pessoas para montar um banco comunitários. A formação possui conteúdos organizados em módulos, onde cada aula tem uma duração média de três horas.

“A gente vai fazer esse primeiro esforço para levar essa formação, a fim de incentivar e apoiar essas formações em suas comunidades, que pode ser eventualmente uma formação presencial, mas também procurando uma solução para essa dificuldade de inclusão digital que é um problema muito sério”, Conta Hamilton sobre suas expectativa com a capacitação de futuros proprietários de banco comunitários.

Ele não esquecendo o problema do acesso ao mundo digital dentro dos territórios periféricos. “Eu acho que nós temos que pensar nessa solução juntos, inclusive usando os bancos comunitários como uma forma de financiamento de antenas de distribuição de sinal, de compra coletiva para sinais de telefonia para oferecer gratuitamente para os estudantes, essa é a natureza do banco comunitário, essa deve ser a tendência dos bancos comunitários da periferia”, avalia.

O maior público são as mulheres chefes de família

“Atualmente o pedido de crédito tem sido a nossa maior procura devido ao aumento de desemprego, as pessoas de alguma forma necessitam fazer algo para manter a família. E o maior público são as mulheres chefes de família”, conta Maria do Carmo Rodrigues, 67, coordenadora do Banco Tonato, localizado no Jardim Tonato, na periferia do município de Carapicuíba.

Marica do Carmo mora no mesmo bairro onde atua dentro de um banco comunitário. Durante a pandemia, ela sentiu o crescimento pela procura de crédito na região e a redução do fundo de reservar financeiras do banco. “Aumentou a procura de crédito, mas também diminuiu o fundo, como a gente tá sem fazer nenhum evento ficou mais difícil o fundo e as mulheres é quem procura mais”, relata Rodrigues. Ela conta que antes da pandemia, a maior parte da renda que compõe o fundo da organização vinha de eventos feitos no território de maneira, e esse recurso é utilizado principalmente para realização de empréstimos.

Maria do Carmo explica como é o processo de avaliação e aprovação de empréstimo no banco comunitário. “Essa pessoa vem e nos procura, ai o agente de crédito vai lá na casa dela para fazer uma avaliação, depois dessa avaliação o agente de crédito tem um grupo que se chama Kak, aí a gente passa essa ficha pra esse grupo para eles avaliarem se a gente deve passar esse crédito para pessoa ou não”.

Mesmo com um processo fácil para aprovação de crédito, a alta demanda impediu o banco de atender todos os moradores do território que o procuraram, essa situação gerou a necessidade de criar um sorteio para destinar o empréstimo aos moradores.

Os valores dos empréstimos normalmente giram em torno de 100  a 300 reais. “A maior finalidade é para comprar materiais para iniciar seu próprio negócio com venda de bolo ou salgados. Em alguns casos são pedidos para comprar o gás ou alimento”, revela a coordenadora.

Para Maria do Carmo, a modernização proposta pela Rede de Bancos Comunitários vai aumentar a possibilidade de os bancos aumentarem a sua receita e fortalecer o seu fundo de empréstimos. “Além de ajudar na divulgação também vai aumentar o fundo, e dá para a gente atender um maior número de famílias que vai procurar os bancos comunitários”, conclui. 

Rita de Cássia: uma trajetória de muitas transformações

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Com uma trajetória de vida marcada por dores e muitas conquistas, ela conta como algumas mulheres apoiaram e marcaram sua juventude e a experiência de ser mãe.

Rita de Cássia, 42, nasceu e passou boa parte da sua infância no Rio Pequeno, distrito da zona oeste de São Paulo, mas ao longo dos anos morou em alguns bairros, como no Jardim das Rosas, no Capão Redondo. Aos 17 anos, com a chegada da primeira filha e do casamento, se mudou para Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo, onde mora atualmente. Já foi ajudante de serviços gerais, vendedora, operadora e fiscal de caixa, e hoje é supervisora de atendimento em uma empresa de comercialização de aparelhos eletrônicos.

Na sua infância morou com sua mãe e seus seis irmãos. Rita se lembra que onde morava, ainda no Rio Pequeno, a princípio era um terreno grande de sua vó, com vários barracos, um deles era o da sua mãe. Cresceu junto com muitos primos e tios que moravam no mesmo quintal, e afirma que foi uma infância boa, e o que mais se lembra são as partes legais. 

“Me marcou bastante, foi uma infância bem gostosa, porque eu fui criada com todos os meus primos, tias, todos morando na mesma rua, no mesmo quintal. Então foi o que mais me marcou, as brincadeiras com meus primos”

Ela conta também que em alguns finais de semana sua família se reunia para ouvir música, dançar, tomar uma bebida e enquanto isso aproveitava a rua com seus primos: “A gente criança tinha a liberdade de poder brincar na rua nessa época enquanto eles ficavam se divertindo lá na sala, a gente tava correndo na rua, brincando de pega-pega, de pula-pula, de esconde-esconde. Às vezes a gente entrava lá no meio da sala também para dançar junto com eles”, recorda.

Mesmo guardando para si as partes boas da infância, ela conta que também tem uma parte de dificuldade nesse período, onde sua mãe precisava cuidar de sete filhos praticamente sozinha.

“Eu me lembro que me marcou muito também quando a gente às vezes não tinha um pão para comer de manhã cedo, e aí minha mãe fazia um bolinho de farinha com água e sal para gente poder comer de manhã. Quando às vezes ela ia nas padarias pedir pão amanhecido pra gente poder ter um pão para comer de manhã cedo. Quando ela ia no Ceasa pegar lá o resto da feira pra gente poder ter uma verdura pra poder comer”, compartilha Rita citando os momentos bons e ruins que teve na sua infância, e reforça que guarda para si as partes boas.

Já na adolescência, Rita passou um período morando com a avó, e uma de suas memórias da juventude é da época dos bailes e da galera que andava junto e saía aos finais de semana. Ela conta que trabalhou e estudou muito, e teve uma adolescência boa, onde conseguiu aproveitar muito, mesmo casando e tendo engravidado cedo.

“Eu não podia ir muito [aos bailes], era um pouco proibido, eu só podia ir se meus irmãos mais velhos fossem, senão eu não poderia ir. E aí pra poder sair às vezes, aos domingos para curtir um pouquinho do baile, no salão, a princípio eu mentia para minha vó. Eu dizia que ia para o shopping, mas na verdade eu ia para o salão para poder aproveitar um pouco, porque eu era um pouco presa, nem tanto pela minha vó, mais pelo meu pai que era muito machista, tinha uma mente muito fechada e era muito rígido”, conta Rita.

Ela relembra que nessa época, por volta de 1992, tinham grupos que faziam disputa de dança nos bailes, e se reuniam para treinar os passinhos para o baile. “Tinham aquelas competições de vários grupos. O pessoal comprava a roupa parecida, era meio que uniforme para se destacarem, mostrar que cada um era de um grupo diferente. Era muito gostoso”, lembra Rita.

Assim como muitos jovens, principalmente das periferias da cidade, na sua adolescência, Rita trabalhava, estudava e em parte da sua juventude passou a se dedicar ao atletismo.

Seu primeiro emprego foi aos 11 anos em uma loja de artesanato perto do local onde morava. “A minha mãe ainda morava no Rio Pequeno, e aí ela era sozinha praticamente para criar sete filhos, e aí ela tinha arrumado um emprego para mim do lado de casa, que era um localzinho que tinham alguns hippies que faziam artesanatos, e aí ela arrumou pra mim poder limpar mesmo. Varrer, lavar banheiro e aí aos pouquinhos eles foram me ensinando a fazer alguns artesanatos para ajudar também”, conta.

Depois disso Rita seguiu trabalhando em uma papelaria, passou por uma empresa que fabricava fita cassete e continuou estudando. “Nessa época também eu trabalhava de dia e estudava à noite, e aí teve um período que eu ingressei no atletismo através de uma professora minha de educação física. Isso mais ou menos quando eu tinha uns 12 ou 13 anos. Eu meio que intercalava escola, trabalho e treino”. Ela conta também que com o tempo não conseguia mais trabalhar, pois estava buscando focar no treino, então passou a estudar de manhã e treinar a tarde.

O esporte e a escola como canal de oportunidades e descobertas

Na adolescência, Rita chegou a fazer atletismo na USP, oportunidade que conseguiu através de uma professora, na escola EMEF Brasil-Japão, no Rio Pequeno, que levou os alunos para uma seleção. Rita foi uma das selecionadas nessa peneira e começou a treinar no CEPEUSP – Centro de Práticas Esportivas da USP.

Esse contato com o atletismo aconteceu por meio da professora de educação física, Fátima. “Antes de entrar na USP, essa professora de educação física, que foi muito importante para que eu ingressasse nessa área de atletismo, ela levava a gente para competir, para fazer competições interescolares. E aí ela que corria atrás de tudo, que levava a gente, mas a gente normalmente competia por São Paulo mesmo”, conta Rita, ressaltando a importância do apoio da professora nesse período.

Rita conta da vez que foram competir em Rio Claro, uma competição estadual, e nessa época estava morando com seus avós. Ela conta que os avós davam o básico e essencial e sua mãe sempre buscava levar uma muda de roupa e material escolar quando precisava.

“Fui classificada para participar desse campeonato estadual, ela [professora] que bancou a minha viagem, inclusive, eu nem tinha a roupa adequada para poder competir, porque o correto é ter roupas de esporte, uma calça de moletom no mínimo, um tênis, e eu não tinha. Eu lembro que arrumei a minha mala toda empolgada pra ir competir, mas eu não tinha a roupa adequada, e aí quando chegou lá no local, ela foi e me cedeu algumas roupas dela pra eu poder participar da competição, porque eu não tinha”, lembra Rita.

Durante três anos Rita conseguiu participar de competições e se empenhar no atletismo. Ela parou de treinar aos 16 anos, período em que sentiu bater forte a necessidade de ajudar financeiramente dentro de casa. Como não era federada pelo clube, não recebia na época o salário mínimo que era pago aos federados, recebia um auxílio para o transporte e alimentação, e suporte nos custos das viagens para competições em outras cidades.

Com o fim do patrocínio que a USP recebia de uma empresa na época, alguns atletas foram cortados, e ela estava entre eles.

“Eu tive que optar, ou continuar treinando ou sair do treino e ir trabalhar. E como eu tinha encerrado contrato na USP, eu tinha a opção de ir para outro clube para poder fazer uma peneira e começar treinar, mas aí tinha encerrado o contrato”, ela completa: “A Xerox que era uma empresa grande, que nessa época patrocinava a USP, deixou de patrocinar, e aí eles tiveram que parar o treino de algumas pessoas, cortar o contrato com algumas pessoas e eu estava no meio, mas eles incentivaram a gente a procurar outro clube, Clube Pinheiros, por exemplo, pra gente poder continuar”, conta Rita que após três anos no atletismo, deixou de treinar aos 16 anos, mas continuou estudando e voltou a trabalhar.

Rita de Cássia – Foto: Acervo pessoal / Arte: Flavia Lopes

Cuidando de si: a criação de novos caminhos e possibilidades 

Um ano após parar com o atletismo, Rita se casou e engravidou da primeira filha. Nesse período se mudou de vez para Carapicuíba, onde morou por um tempo com a mãe, Dulcineia Augusta, até construir sua casa no espaço do terreno que recebeu de sua mãe.

Após se casar e mudar de cidade, ficou quatro anos dedicado a cuidar da casa e dos filhos: “Quando eu casei que eu vim para Carapicuíba, fiquei quatro anos sem trabalhar, sem estudar, fiquei quatro anos dedicada realmente à família, aos meus filhos, marido, casa. Até que eu decidi retomar a minha vida, a minha vida de trabalho. E aí depois de quatro anos de casada, minha filha mais velha estava com 4 anos, meu filho com 3 anos e eu voltei a trabalhar”, conta Rita.

Ao voltar a trabalhar, Rita desempenhou diversas atividades, desde auxiliar de serviços gerais a fiscal de caixa. Mas foi principalmente a partir de um emprego no qual ficou durante nove anos, de 2004 a 2013, e das diversas funções e cargos que passou a ter na empresa, que sentiu a necessidade de voltar a estudar e aumentar suas possibilidades de atuação.

“Foi até isso que me incentivou a voltar a estudar, a fazer faculdade, porque a empresa dava oportunidade para crescer, mas ali você tinha que ter pelo menos o ensino médio, a faculdade para poder alcançar novos horizontes”, ela complementa:

“Foi quando eu voltei a estudar com objetivo de crescer dentro da empresa, estar em outros setores, e meu objetivo era ir para área financeira que é algo que eu gosto, até por isso que queria muito fazer ciências contábeis, mas acabei fazendo gestão financeira. Mas foi lá aonde realmente voltou meu interesse em voltar a estudar, pensando em crescer dentro da empresa”, compartilha.

 “Voltar a estudar, por exemplo, foi algo que eu fiz por mim e que foi muito importante.”

Ela lembra que em 1997 ia fazer o primeiro colegial, mas acabou trancando. Chegou a iniciar o primeiro colegial, que hoje é o ensino médio, mas depois que casou foi para Carapicuíba e acabou trancando a matrícula. “Eu só fui voltar a estudar, acho que em 2010, por aí, que eu voltei, fiz o EJA, concluí o EJA e em 2013 eu entrei na faculdade. Foi algo que eu fiz por mim realmente, que foi essencial e fundamental, muito importante para mim, mesmo eu não tendo concluído a faculdade, infelizmente”.

Atualmente atuando como supervisora de atendimento, Rita conta que chegou até o último semestre de Gestão Financeira, mas precisou trancar devido a problemas de saúde. “Parei no último semestre, porque eu tive um problema na coluna, onde fiquei impossibilitada de me movimentar, não tinha condições de pegar transporte, de ir até a faculdade. Cheguei até ir na faculdade para conversar com as pessoas lá responsáveis pelo curso para ver se tinha alguma forma de finalizar, porque eu tava no finalzinho, lembro até que era mais ou menos outubro, novembro, já estava terminando o último semestre e eu queria concluir de toda forma”.

Ela acrescenta: “Não queria ter trancado sem concluir, porque eu sabia que ia ser difícil pra mim voltar, mas eles disseram que não tinha jeito realmente, que o ideal seria eu trancar e retornar depois que estivesse com a saúde restabelecida”, coloca Rita, que hoje atua como supervisora de atendimento em uma empresa de comercialização de aparelhos eletrônicos.

A importância da força, apoio e referência de outras mulheres durante sua vida 

Ao longo desses anos, Rita teve algumas mulheres como referência e que também te deram apoio em diversos momentos. Desde sua mãe e sua avó, até a sua professora de educação física, e a mãe de uma amiga que a deixava dormir em sua casa quando precisava sair cedo para alguma competição de atletismo.

Sua mãe, Dulcinei Augusta, é uma das suas principais referências de mãe e mulher para ela: “A minha mãe sempre foi muito guerreira. Sozinha naquela época para criar e sustentar sete filhos, não foi fácil. Se hoje não foi fácil, naquela época foi muito menos. Mesmo assim, mesmo diante de tanta dificuldade a gente tinha ali de manhã cedo nem que fosse bolinho com farinha e com água para comer de manhã cedo, a gente tinha um pão amanhecido para comer, a gente tinha pelo menos uma fruta ali que já não estava tão boa para alguns, mas pra gente já fazia nossa felicidade. Minha mãe sempre foi muito guerreira”, compartilha Rita sobre sua mãe que faleceu em 2014.

Ela também traz sua avó como uma figura de referência: “Que também teve bastante filhos e eu passei boa parte da minha infância e da minha juventude também, então são as duas que são referências”.

Rita de Cássia com sua mãe Dulcineia Augusta e sua avó Cícera Maria, no dia de seu noivado em março de 1994. Foto: Acervo pessoal

Além de sua mãe e avó, outra mulher foi importante para Rita na sua juventude, foi sua professora de educação física, Fátima, na época em que estudava na EMEF Brasil-Japão. Foi a partir daí que passou a se dedicar durante um período de sua vida ao atletismo, e participou de competições em outras cidades.

Nessa mesma época do atletismo, também teve uma outra mulher que passou pela sua vida que foi um canal de apoio e acolhimento: a mãe de uma amiga, Dona Leda. Era uma período em que estava treinando no Rio Pequeno e morando em Carapicuíba. Quando precisava viajar para competir e estar às 6 horas da manhã na USP, o trajeto de Carapicuíba para chegar até a universidade era mais complicado.

“Nessa época eu tinha uma amiga chamada Luciana, que era mais ou menos bem de vida e ela tinha uma casa enorme, grandona, e aí a mãe dela deixava eu dormir lá. Eu dormia às vezes lá na sexta-feira ou no sábado, dependendo se a competição era na sexta ou sábado, e aí saía cedinho para competir”, conta Rita.

Ela completa relembrando quando saía cedo para competir e dormia na casa da mãe de uma amiga: “Essa fase eu me lembro muito bem da dona Leda que me acolhia lá quando eu precisava ir competir no final de semana e eu estava morando aqui em Carapicuíba. Ela sempre tinha lá um quartinho reservado para eu dormir, eu levantava de manhã cedo na ponta do pé pra não ter que incomodar ninguém, e aí ela já tinha deixado café da manhã prontinho pra mim. Me acolheu muito, me ajudou muito nessa fase também”, relembra Rita.

O processo de se tornar mãe 

Para Rita de Cássia, ser mãe é algo que transforma, um amor indescritível. Ela conta que sempre se via sendo mãe, que era algo que sempre quis muito. Não pensava se seria mãe aos 17, aos 30 ou 40 anos, apenas imaginava que queria ser mãe.

Mas para ela, a parte que não é tão boa nesse processo, independente de ter sido mais jovem ou mais velha, é a maior responsabilidade pelos filhos que fica para a mulher: “A mulher, principalmente quando eu engravidei, quando eu tive filhos, acaba tendo que abdicar de muitas coisas. Na minha época ainda muito mais do que hoje”.

Ela afirma que alguns anos atrás, o compartilhar das responsabilidades de cuidados com os filhos era um pouco diferente: “Hoje ainda os homens são muito mais parceiros, companheiros, eles dividem a responsabilidade dos filhos, da criação, do cuidado, do ter que levantar de madrugada para trocar, de ter que levantar de madrugada para amamentar. Quando eu casei não, então eu tive que abdicar de muita coisa”, aponta Rita.

Ainda assim, a gravidez mesmo sem ter sido planejada, foi algo importante e bom, segundo ela: “Quando eu fui fazer o exame, eu fui no posto de saúde pegar o resultado, a enfermeira veio me falar o resultado, ela veio com uma cara de pesar, com uma cara de tristeza, pensando ‘nossa, uma menina tão jovem, já grávida’. Achando que eu ia cair em desespero, mas na verdade foi o oposto, eu comecei a sorrir, fiquei tão feliz, não pensei em nada, nenhuma consequência de como dizer para minha vó, ou mais do que dizer para minha vó, como dizer para o meu pai, eu só conseguia sorrir e ficar feliz”, conta Rita.

Ela também afirma que não pensou nem nas consequências, mas a descoberta a fez querer ser cada vez mais forte. “Cair e levantar cada vez mais, me dava força para poder sempre quando acontecia alguma coisa ruim, que não dava certo, passar pela dificuldade, porque você tira força de onde você não tem pelos seus filhos. Muda tudo, pelo menos para mim. Você descobre realmente o real sentido da palavra amor, o real sentido da vida, é uma coisa muito boa, apesar de não ser fácil”, reflete.

Ela afirma que sua infância, adolescência e juventude influenciaram nas decisões e escolhas que fez para sua vida e na construção de quem é hoje. “Hoje eu vejo que a pessoa que eu sou é muito resultado de tudo que eu passei na minha vida, sejam as coisas boas ou as coisas ruins. As coisas boas porque eu procurei manter e as coisas ruins que eu tirei como lição para não fazer igual, pra não repetir e ser diferente. O que eu sou hoje é muito resultado de tudo o que eu vivi”, afirma.

Para o futuro Rita já tem uma imagem do que deseja.

“Daqui alguns anos eu me imagino no meu sitiozinho, aposentada, criando minhas galinhas, cuidando da minha horta. Com os meus netinhos indo lá final de semana me perturbar.”

Mas ressalta: “Mas antes disso, eu imagino eu aqui com os meus netinhos, ainda aqui em Carapicuíba, porque vai demorar alguns anos para eu conseguir meu sítio e para me aposentar. Mas antes disso ainda me imagino aqui em casa, com a casa cheia, com meus filhos, meu genro, minha nora, meus netos. Me imagino dessa forma”, finaliza Rita.

Ser mãe sempre foi um desejo de Rita. Mesmo com as grandes mudanças que aconteceram em sua vida com a chegada de seus dois filhos, sua trajetória não se resume no capítulo em que se tornou mãe. Terminou os estudos, ingressou no ensino superior, hoje é supervisora de uma equipe, e ao longo da sua caminhada descobriu e passou por várias rotas, com perdas e grandes conquistas.

Esse perfil faz parte do conteúdo da semana do dia das mães, onde compartilhamos um pouco das histórias das mães dos integrantes da equipe do Desenrola e Não Me Enrola. Além de tantas outras coisas, Rita de Cássia é mãe da Evelyn Vilhena, jornalista e integrante da equipe do Desenrola.

Uma carta para minha mãe, vítima de Covid-19

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 Esta carta é uma singela homenagem de Ana Luiza à sua mãe como forma de demonstração do seu amor e carinho, revelando que para o amor não existem barreiras, nem mesmo as que separam o plano físico do espiritual.

Com o dia das mães chegando, muitos filhos e filhas, assim como mães, espalhadas pelo mundo irão reviver a dor da perda de suas maiores referências na vida. Muitas dessas mães,  estavam trabalhando, buscando trabalhar, cuidando da casa e focando no bem mais precioso para cada uma: os seus filhos.

A pandemia interrompeu o sonho de diversas mulheres e seus filhos que por conta da pandemia, partiram muito cedo, e não puderam acompanhar o crescimento, participar da felicidade, tristeza, dar aquele colo com um aconchego que somente uma mãe consegue proporcionar, além de poder participar o máximo possível da vida dos seus filhos.

São filhos e filhas de diversas idades, crenças, raças e classe social, que não conseguiram dar aquele abraço, fazer uma surpresa e participar daquele almoço especial do Dias das Mães tão esperado no ano. São mais de 400 mil vidas ceifadas pela falta de medidas governamentais para conter o avanço da pandemia de coronavírus que cresce cada vez mais no Brasil.

A ausência da vacina para imunizar a população em larga escala é uma das medidas governamentais que poderiam salvar milhares de vidas, entre elas, a de muitas mães que deixaram seus filhos de maneira precoce, vítimas de complicações causadas pela covid-19.

Hoje, vamos publicar a carta da Ana Luiza Alves, adolescente de 12 anos, que perdeu sua mãe, Fabiana Alves Siqueira, 45 anos, em outubro de 2020, para a Covid-19. Fabiana era mulher negra, pedagoga, mãe solo de dois filhos: Ana Luiza e Julio Cesar de 25 anos. Uma mulher cheia de conquistas, sonhos e afetividade.

Ana Luiza ao lado de sua mãe, Fabiana Siqueira Foto: Acervo Pessoal 2019, Fabiana/Arte: Flavia Lopes

Esta carta é uma singela homenagem de Ana Luiza à sua mãe como forma de demonstração do seu amor e carinho, revelando que para o amor não existem barreiras, nem mesmo as que separam o plano físico do espiritual. E que todos os filhos e todas as mães que passaram por essa triste perda por conta da pandemia, possam de alguma forma serem abraçados e que essas lembranças estejam guardadas num relicário e dentro dos seus corações.

Ana Luiza ao lado de sua mãe, Fabiana Siqueira, durante a celebração de seu aniversário de 12 anos em maio de 2020 Foto: Acervo pessoal 2020, Fabiana / Arte: Flavia Lopes

Maternidade e pandemia: por amor a minha filha busquei forças para seguir

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Com todas as dificuldades e desafios nessa jornada de me tornar mãe durante a pandemia de covid-19, eu só posso agradecer pela vida da minha filha, porque foi o amor por ela que me salvou de uma depressão profunda, é o amor por ela que tem sustentado e trazido alegria para a minha família.

Eu preciso iniciar esse texto falando sobre a minha experiência com a gestação em tempos de pandemia. Creio que muitos desafios, tristezas e lágrimas impactaram a vida de todas as mulheres que engravidaram em 2020. Se antes da pandemia, o normal da maternidade era estar rodeada pelos seus e com direito a diversas mãos na barriga para sentir o bebê se mexendo, durante essa crise sanitária que afetou a vida do mundo inteiro, isso não foi possível.

Nenhuma mulher que foi gestante em 2020 pode simplesmente ir a um restaurante, sentar-se, conversar e saciar o desejo de comer aquele tão famoso prato inesperado. Foram e são tempos difíceis que estamos enfrentando. Nada de chá de bebê, abraços, beijos como demonstração de carinho, nada de chá-revelação, como mais uma desculpa de reunir quem se ama em um período tão especial na vida de uma mulher que é a gestação.

No meu caso, durante a gravidez, passei por uma situação que não desejo para ninguém, quanto mais para uma mulher grávida. Por conta da Covid-19, perdi minhas duas irmãs, pois é. Com sete meses de gestação, ao invés de estar pensando no chá de bebê, fazendo todo o enxoval da minha filha, eu estava enterrando minhas duas irmãs num intervalo de 10 dias de falecimento de cada uma.

No enterro das duas eu senti minha bebê mexendo sem parar, ao ponto de precisar ir ao hospital ser medicada e só depois, sentir ela se acalmando dentro de mim. Foi por amor a minha filha que busquei encontrar forças para seguir, foi por amor a minha filha que me alimentava todos os dias sem sentir fome, foi por amor a minha filha que aceitei fazer terapia quando minha amiga Mariana Belmont, junto com a Uneafro Brasil disponibilizaram essa possibilidade para mim, e foi por amor a minha filha e também por amor ao meu companheiro Ronaldo Matos e aos meus sobrinhos, Júlio Cesar 25, e Ana Luiza 12, que resolvi me acalmar, viver e seguir em frente, por mais difícil que fosse lidar com toda a dor que senti e sinto durante esses 7 meses sem ter a minhas irmãs ao meu lado. 

Thais Siqueira durante a gestação/Foto: Flavia Lopes

O parto 

Quando descobri que estava grávida eu já tinha em mente a vontade de ter parto natural. Estava me preparando para isso, fazendo exercícios de pilates, yoga e tudo mais. Após ter perdido minhas irmãs, senti que meu mundo havia desabado na minha cabeça, parecia que o universo estava contra mim, sentia que estava me afogando e tentando lutar contra a correnteza sem sair do lugar.

Nesse período, eu estava me preparando para ser mãe pela primeira vez, e o universo me presenteou com mais dois filhos que são os meus sobrinhos. Prometi para minha irmã que cuidaria dos dois, minha irmã sabia que se algo acontecesse com ela, teria minha irmã Flávia e eu para cuidar dos seus filhos, porém, Deus também levou a Flávia e ficou somente eu aqui para cuidar, orientar e dar todo meu amor e carinho para os meus sobrinhos.

Foi quando decidi que meu parto seria cesárea, pois já sem forças meu maior medo era de passar mal durante o parto, de ter uma crise de choro durante esse processo, já que essas crises não tinham hora e nem lugar para começar.

Um dia antes do nascimento da Alika chorei muito por não ter minhas irmãs ao meu lado num momento tão especial e importante da minha vida. Era difícil não ficar emocionada, eu chorava de um lado, e meu companheiro Ronaldo Matos chorava do outro.

Me internei para seguir com o parto cesárea, minha bebê nasceu no dia 14 de dezembro de 2020. A partir deste momento um sentimento inexplicável tomou conta de mim, sentir minha bebê deitada com a cabeça encostada no meu peito pela primeira vez, seu calor, sua respiração, seu cheirinho é algo que estará guardado para sempre na minha memória e no meu coração.

Thais Siqueira durante o nascimento de sua filha, Alika/Foto: Camila Baby Boom

Foi um dia tranquilo, me sentia cansada pelo processo do parto e ao mesmo tempo energizada com a chegada dela. Porém, no decorrer da noite minha bebê teve uma pequena queda de saturação e precisou ir para a UTI. A enfermeira havia entrado no quarto para pegá-la, mas imediatamente eu levantei cheia de dores por conta da cirurgia do parto cesariana e decidir ir junto, não existia nada no mundo que me fizesse ficar deitada naquela cama enquanto minha filha era conduzida para uma UTI, mesmo que fosse para ficar em observação.

Aquela foi a primeira noite que de um total de 11 dias de muita angústia, choros e tristeza, que eu passei com a minha filha internada na UTI neonatal para recém-nascidos.

Meu coração e minha mente não estavam preparados para ter alta da maternidade sem minha filha nos meus braços. Chorei muito quando tive alta e ela ficou, as enfermeiras tentavam me consolar, mas eu não conseguia lidar com todos aqueles sentimentos.

Durante esse período, todos os dias o Ronaldo e eu saíamos cedo de casa e passávamos o dia inteiro no hospital, esperando as horas que eram liberadas para que pudéssemos ver a nossa filha. Como eu amamentava, conseguia entrar mais vezes e passava mais tempo com ela. Ali, pude sentir e observar a dor das mães que precisam lidar com seus pequenos internados numa Unidade de Terapia Intensiva.

Cada bebê que recebia alta era uma alegria coletiva, e ao mesmo tempo, os olhos dessas mães diziam: “estou feliz por ela e pelo bebê, mas quando será a minha vez, a vez de sentir a alegria de sair daqui com a minha filha?”.

Eu dormia e acordava pensando na minha filha. Nada mais fazia sentido, somente a sua recuperação poderia preencher com vida aquele vazio no peito. 

Thais Siqueira e Alika/Foto: Acevo pessoal, Thais Siqueira

Maternidade 

Depois de tanta dor e tristeza, que somaram a perda das minhas irmãs, mais o fato da minha filha ficar internada na UTI, Ronaldo e eu chegamos no hospital com a notícia de que minha filha finalmente teria alta naquele dia 25 de dezembro de 2020. Meu coração batia tão forte, a vontade que eu tinha era de pegar minha bebê no colo e sair correndo do hospital na mesma hora em que ficamos sabendo do laudo médico.

Alika teve alta no dia 25 de dezembro, data comemorativa que sempre foi importante na vida das minhas irmãs. Para a nossa família foi o melhor presente de Natal, Alika nos trouxe esperança, aconchego, uma leveza na alma depois de tudo que havíamos passado nos últimos meses.

Neste mês de maio que é celebrado o dia das mães, minha filha completa cinco meses de vida eu não vou aqui romantizar a maternidade, pois tudo muda na sua vida, nada jamais será como antes.

São cinco meses de muito amor, cabelos mais despenteados do que penteados, noites mal dormidas e apesar dela já dormir durante a noite toda, meu sono que antes de ser mãe era pesado, tornou-se tão leve que acordo no meio da noite só para olhar e ver se está tudo bem com ela. Sabe aquele velho ditado? Depois que eu fui mãe, nunca mais comi direito. É muito verdade, porque antes da gente as crias vêm em primeiro lugar.

Hoje eu estou buscando conciliar o equilíbrio de ser mãe presente e voltar ao trabalho. Esse processo não é simples, não é fácil. Eu tenho uma rede de apoio, Flavia Lopes e Evelyn Vilhena que são minha família no Desenrola, meus sobrinhos e meu companheiro Ronaldo me ajudam dentro desse processo. Se a mulher tem uma rede de apoio ajuda e muito, porém, se ela não tiver essa rede de apoio se torna mais complicado. Mais complicado ainda por conta da pandemia.

Thais Siqueira e Ronaldo Matos com Alika e família Desenrola/Foto: Acevo pessoal

Maternidade na pandemia 

Thais Siqueira e sua filha Alika / Foto: Marcelino Melo e Arte: Flávia Lópes

Eu gostaria que a minha filha estivesse rodeada de toda a minha família e de todos os meus amigos que me ajudaram no decorrer de todas as coisas que aconteceram. Porém, por conta da pandemia, isso ainda não é possível. E ser mãe durante a pandemia também é mais um desafio que precisamos enfrentar, por aqui, ninguém chega perto e pega a Alika no colo sem lavar as mãos, usar álcool em gel e usar máscara.

Nem o Ronaldo e eu que somos os pais da Alika não pegamos ela no colo sem máscara, é uma triste realidade, mas necessária para preservar a saúde da nossa filha. Não sabemos se a qualquer momento podemos nos contaminar com a covid-19 e passar para nossa bebê, o vírus é invisível, ele não avisa onde está.

Além disso, os passeios com a Alika acontecem somente quando vamos em uma consulta com a pediatra, ela ainda não sabe o que é ir ao parque, mercado ou qualquer outro lugar. Todo cuidado é pouco, mas achamos que é melhor passarmos por tudo isso agora e nos mantermos protegidos, do que renunciarmos à segurança e cuidados com ela, por conta deste momento.

Diferente da realidade de muitas mães, estou voltando ao trabalho e tendo a possibilidade de fazer isso, sem sair de casa, o que me permite mais tempo com a minha bebê, são mamadas, troca de fraldas e banhos durante reuniões por meio do Zoom ou Meet. Às vezes, é preciso pedir uns 5 minutos para agilizar uma coisa aqui e outra ali para não perder o foco da reunião.

Diante de tudo isso posso dizer uma coisa: não podemos romantizar a maternidade, mas também não podemos negar o sentimento, a força, a coragem, a fé e principalmente o amor que sentimos ao sermos mães, é um sentimento tão inexplicável que ao meu ver é um amor divino e genuíno, que só pode vir de Deus para os nossos corações.

Com todas as dificuldades e desafios nessa jornada da vida de mãe, eu só posso agradecer pela vida da minha filha, porque foi o amor por ela que me salvou de uma depressão profunda, foi o amor por ela que tem sustentado e trazido alegria para a minha família.

Então para mim, enquanto mãe, está tudo bem, não comer direito, não dormir, não conseguir me arrumar e todas as dificuldades para encontrar o caminho para lidar com a Maternidade x Trabalho, porque sei que encontrarei o equilíbrio para isso, e está tudo bem, porque o amor que sinto por ela é mais forte do que tudo que já senti na vida.

Marketplace conquista morador e empreendedor da quebrada

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Preços baixos, boa visibilidade e a presença garantida de moradores da quebrada. Esses são os principais atrativos que estão levando empreendedores a criar lojas eletrônicas no Shopee, um shopping digital que vem reunindo uma série de marcas criadas por moradores das periferias.

Gustavo postando seus produto em sua loja virtual (Foto: Fabio Dasmaceno)

Criar uma loja virtual para algumas pessoas pode ser algo comum, que faz parte das estratégias de vendas dentro universo do comércio eletrônico, mas para empreendedores como Gustavo é muito mais que isso. Eles acreditam na criação de uma comunicação estratégica sobre sua identidade e cultura, que busca transferir um valor através de um propósito presente na vida dos moradores das periferias e favelas.

Poderíamos definir essas palavras como construção de marca ou persona, mas para esses empreendedores o real significado vai muito mais além do que um conceito de marketing. E foi assim que Gustavo Damasceno, 19, morador do jardim Guarujá, bairro da zona sul de São Paulo, criou a marca Vestiário da Quebrada.

“Antes do empreendedorismo eu comecei jogando bola, tentando ser jogador, aí veio na minha mente o significado do vestiário né, pois quando os moleques pensam em vestiário eles imaginam o ato de entrar, trocar de roupa e sair pronto para o jogo, entendeu? Aí eu falei: ‘essa vai ser minha fita, essa vai ser minha visão, os moleques e as meninas vão entrar e sair do vestiário prontos para o jogo, vai sair com sua camiseta de time, vai sair com sua lupa, vai fazer aumentar autoestima”, vislumbrou Gustavo, relembrando a inspiração que vem direto do seu cotidiano como morador de quebrada para criar a sua marca de roupas e acessórios.

Segundo o empreendedor, ele migrou sua loja do Mercado Livre paro o Shopee, por apostar nas taxas que são menores e no potencial de venda do novo marketplace que vem chamando a atenção de consumidores e empreendedores das periferias. “No começo desse ano eu usava o Mercado Livre e trabalha só com lupa, como eu disse é enxuto, eu sabia que lupa era uma coisa que tinha mais procura, fiz pesquisa de mercado antes claro, e soube que esse era o melhor produto pra eu vender, então comecei a trabalhar só com óculos, criei um Instagram chamado Lab Lupas, que é o nome que do perfil até hoje, só que eu vi essa oportunidade da Shopee que tem taxas baixas, onde eu poderia estar vendendo mais e atraindo mais o meu público, então eu migrei pra ela”, relata Damasceno..

Após migrar para o marketplace, o criador da Vestiário de Quebrada conta que passou a identificar um potencial de público formado por moradores da quebrada. “A diferença que eu percebo na Shopee é que ela agrega mais o público da periferia, uma coisa que atrai muito são os preços baixos no início desta plataforma entendeu, e assim, quem vem de onde a gente vem não costuma comprar roupa original, costuma comprar réplica certo, comprar no Brás, final de ano é Brás, naquele pique”, afirma o empreendedor, resgatando uma cultura periférica do morador consumir roupas com cara de original, mas que na verdade são réplicas de marcas bem conhecidas.

Ele também conta que já percebeu mudanças significativa em suas vendas dentro da plataforma e principalmente no comportamento do público. “Depois que a Shopee começou a passar na TV está vindo mais pessoas das periferias. Eu já estou vendo o pessoal me chamar por gíria, assim como no Instagram, agora estou sentindo que a periferia está mais presente”, conta Gustavo.

O empreendedor faz questão de enfatizar que não atende somente o morador da quebrada e que adapta o seu estilo de venda a qualquer perfil de cliente. “Independentemente de ser voltado pra quebrada, eu trago adaptabilidade no sentido que por mais que a cultura seja daqui eu também acabo atraindo pessoas que tem um pouco mais de dinheiro, que vem comprar na minha loja e mandam mensagens em uma linguagem diferente, na qual eu como vendedor me adapto ao vocabulário deles”, explica.

Perguntamos para Gustavo se ele sentiu que seus produtos tiveram algum tratamento desigual devido ao fato dele alcançar diferentes perfis de públicos dentro das plataformas digitais, e a resposta do empreendedor foi inspiradora. “Essa parada de discriminação eu não senti, eu não recebi nenhuma mensagem, pelo fato de eu ir diretamente no meu público-alvo né, que é o pessoal daqui”, revela, ressaltando novamente sua estratégia de trabalhar em comunidade para fortalecer sua rede de consumidores.

Do ponto de vista de Gustavo, a internet foi uma ferramenta transgressora que contribuiu para o desenvolvimento de suas habilidades alinhadas com sua identidade como morador da quebrada. “Para negócios online, a internet nos dá a possibilidade de criar e ser quem a gente é, tá ligado”, opina. Ele complementa sua linha de raciocínio enfatizando que sua história pode inspirar o surgimento de outras marcas e empreendedores.

“Eles querem que a gente não tenha conhecimento, querem que a gente não estude, então a gente tem que estudar tio, a gente tem que usar a internet como meio de conhecimento, e através desse conhecimento agregar para a sociedade, independentemente de como for, precisamos nos tornar uma pessoa melhor”, conclui o empreendedor da quebrada.

“Não tenho acompanhamento psicológico”: a saga de Malúe Aba Dias para sobreviver na pandemia

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No retorno da série Relatos LGBTQIA+, a artista Malúe Aba Dias, moradora do Jardim João XXIII reflete sobre o futuro de pessoas não binárias na quebrada e o impacto da pandemia no seu direito de existir.

“Sou uma pessoa não binária e androssexual”, define Malúe Aba Dias, 21, artista que mora no Jardim João XXIII, zona oeste da cidade de São Paulo. Ela atua no movimento cultural do território onde vive, realizando saraus em espaços públicos, peças de teatro e outros eventos de cunho político e artístico.

Malúe vive com a família, na qual, mora com a sua avó, primos e o seu pai. A artista conta que ao todo convive com sete pessoas dentro de casa, e relata como é a convivência diária com os parentes, que pouco compreendem as questões de gênero e sexualidade que impactam a vida de uma pessoa não binária.

“Sempre tive um maior contato com as mulheres de casa, minha vó e minha tia, ao todo sete pessoas divididas em três casas, eu, meu pai na primeira casa, a família do meu tio na segunda, minha vó na terceira, a convivência entre eles, eu acho natural e normal, claro, todos cis, o igual se conhece e se trata muito bem, agora comigo é diferente”, diz a artista.

Segundo a moradora do Jardim João XXIII, o processo de se assumir uma pessoa não binária começou em 2018, e de lá para cá muitas coisas mudaram a sua visão de mundo. “Me assumi em 2018, me entendia como cis, usava o nome de registro, ainda me sentia atraído por mulheres, foi um choque aqui em casa, nunca pensariam que pudesse ter alguém diferente em casa, mas fui me entendendo de outras formas, hoje entendo que sou trans não binaria, atraído por homens, que se chama Malúe, mas aqui em casa não me chamam pelo nome, já tentei explicar, gritar, mas não adianta, sei que não vão evoluir”, descreve.

A maneira como é tratada pela família, por mais normal que pareça para os parentes mais próximos, deixa marcas na trajetória de vida de Malúe, que vive um constante processo de construção de identidade. “Me enxergam com outros olhos, cuidam de mim de outras formas, mas na mente e emoção deixam de lado, às vezes me sinto sozinha, por não poder contar tudo para eles, pois vão me julgar e dizer que não é certo, eu sei que é sim, este sou eu, queira eles ou não, não vou voltar pra um armário que vivi por 19 longos anos, um dia sairei daqui e vou voar que nem uma borboleta”, afirma.

O pronome pessoal em terceira pessoa ‘ele ou ela” não se encaixa de maneira apropriada para se referir a o gênero não binário, pelo fato das pessoas que assumem essa identidade de gênero não se reconhecem como homem ou mulher, portanto, se identificam como um gênero neutro. Essa compreensão abre margem para que a forma de se referir a elas mude por completo.

Malúe faz questão de explicar o que é androssexual e conta como enxerga seu corpo. “É quase homossexual, mas como não me entendo como homem não seria assim, ou seja, androssexual é uma pessoa que sente atração por homens, seja trans ou não. Sou uma pessoa preta, gorda, forte, que sempre está em mudança, ama cantar, canto desde sempre, mas profissionalmente desde 2019.”

Como será o futuro? 

A maior preocupação que atravessa os pensamentos de Malúe é sua condição socioeconômica, que parece não dar sinais de melhora. “Eu acho que a maior dificuldade é não ter um emprego, não poder ter uma estabilidade financeira, ajudar em casa, comprar roupas e makes, porque tendo essa pequena estabilidade, você saindo pra trabalhar, comprar suas coisas, seu equilíbrio emocional, no meu caso, vai se igualando, angústia e medo vão indo embora por alguns momentos”, argumenta.

Mesmo diante desse cenário, a artista não deixa enxergar o futuro. “Eu estou tentando enxergar as coisas daqui para frente de uma forma positiva, que vamos sair dessa, já passamos por outras pandemias, não tirando a importância e letalidade que a covid-19 tem, creio que a sociedade em questão de direitos vai ser muito difícil de mudar, principalmente o patriarcado que está enraizada em nós, mas acho que com luta, com pessoas pretas, mulheres, indígenas, LGBTQIA+ nos altos cargos de governo, com todos unidos vamos alcançar algo muito bom no futuro”, reflete.

Atenta a sua contribuição para o universo artístico, Malúe fala sobre a importância de se preparar para aprimorar seus conhecimentos, visando um futuro coletivo para quem faz cultura na quebrada. “Eu espero me aperfeiçoar mais na arte que eu estou fazendo, tentando passar meu cotidiano e de muitos outres, através da arte, na música e dança, tenho essa esperança, meu futuro é a arte”, enfatiza.

O isolamento social e o corpo LGBTQIA+ 

Em meio a pandemia de coronavírus, muitas famílias estão construindo ou não laços de afeto que não eram exercitados da melhor forma antes do isolamento social. Nesse cenário, a artista destaca como a convivência familiar está afetando a sua saúde emocional. “Eu estou um turbilhão de coisas, são muitas coisas mesmo dentro de mim, é preocupação em arranjar um trampo e fazer as tarefas que já temos que fazer dentro das nossas vidas”, relata.

Aba Dias lembra que outro fator que mexe com sua estrutura emocional é a forma como os familiares demonstram se importar com você. “Dentro de casa se importam comigo, mas de uma forma que impede minha existência, eu tento entendê-los, mas não tenho nenhum acompanhamento psicológico, conheço pouco, mas também nem procurei muito, acho que por falta de tempo e dinheiro para me preocupar sabe.”

A aceitação do gênero e da sexualidade é um dos pontos que mais afetam o bem-estar da artista, que vive em busca de um apoio para lidar com situações adversas do cotidiano. “Para uma pessoa como eu, que se vê sozinha dentro de casa, não tendo a aceitação de quem se convive todos os dias, é complicado demais, porque não vemos ali um apoio, vemos os mesmos olhos julgadores que na rua, e ficar presa dentro de casa vai nos afetar com ansiedade, depressão e muitos outros distúrbios mentais”, avalia.

O dilema da não aceitação dentro de casa causa impactos severos na artista, como por exemplo, a necessidade de sair de casa para conseguir respirar outros ares. “Eu tenho ansiedade e essa falta de aceitação dentro de casa me faz sair, mesmo na pandemia eu sigo tendo todos os cuidados e usando todos os protocolos, máscara, álcool em gel, graças aos deuses não peguei esse maldito vírus, fico triste por ver jovens como eu não ligando realmente pra isso, saindo pra longe sem máscara e sem distanciamento, mas fazer o que, não temos uma mansão, uma piscina dentro de casa pra ficar, não tem nada que nos faça manter-se em casa”, avalia Malúe. 

Malúe Aba Dias mora no distrito do Jardim João XXIII, território onde ela afirma se sente mais segura. 

Me sinto mais segura aqui na minha quebradinha

Malúe Aba Dias, 21, moradora do Jardim João XXIII, zona oeste da cidade de São Paulo

Desde 1999, a artista mora no Jardim João XXIII, território que Malué considera o “fundão da zona oeste”. No seu ponto de vista, um dos diferenciais do bairro onde mora é a união entre os moradores.

“Sinto que o povo aqui de certa forma é unido, quase todo final de semana tendo um baile, um churrasco (infelizmente ainda nesta pandemia), gosto dessa união, aqui não vemos muita cultura, como há em outras regiões, até tem, mas geralmente os artistas ficam dentro de suas casas e vão se apresentar fora daqui”.

É no Jardim João XXIII que Malúe encontra sua rede de apoio, formada pelos próprios moradores do território. “A minha roda de amigos reside aqui, são quase que meus vizinhos, todos LGBT’s, são a minha rede de apoio, querendo ou não, são eles que me aceitam do jeito que sou, e uma parte dessa rede também é a minha família, que me fez ser que eu sou hoje, me deu fundamentos para ser a Malúe, mesmo eles não me aceitando eu os agradeço, sem eles não estaria aqui, mas eu e os amigues sempre estamos em alguma ação cultural aqui, mas é difícil, é um bairro que não teve uma inserção cultural antes, mas seguimos tentando e vamos conseguir”, conta, afirmando que neste momento está preparando uma proposta de projeto para o VAI, programa de valorização de projetos culturais destinado a coletivos artísticos das periferias de São Paulo.

Ao analisar a forma hostil como a cidade de São Paulo trata a população LGBTQI+, Malúe garante que se sente à vontade para circular em sua quebrada, mas que esse sentimento muda quando pensa em outras regiões da cidade. “Pensando na São Paulo toda, querendo ou não me sinto mais segura aqui na minha quebradinha, estou rodeada por pessoas que já me conhecem e de alguma forma vão correr por mim e vice-versa, o centro é mais aleatório, um corpo como o meu, preto, lgbt, ainda é um alvo, pensar como vou me vestir, me portar, não digo que nas margens não é assim também, porque tem seus casos, mas é algo que não acontece todo hora”, acredita. 

Jardim João XXIII – Zona Oeste ( Foto: Malúe Dias)

Canto pra que a pele preta e lgbt sempre estejam em nossos ouvidos

Malúe Aba Dias, 21, moradora do Jardim João XXIII, zona oeste da cidade de São Paulo 

A arte de cantar faz parte do processo de construção social e política de Malúe. A poética do canto a motiva a seguir em frente, para espantar suas frustrações. “A arte me fortalece muito, é nela que despejo minhas frustrações, alegrias, lágrimas, sorrisos, a arte está na minha raiz, nós pretos criamos o pop, jazz, blues e o rock, tornamos possível a ida do homem branco à lua. Eu canto para espantar os maus, canto para que a pele preta e lgbt sempre estejam em nossos ouvidos”.

Mas foi em um espaço de formação audiovisual que aconteceu o processo de percepção e construção de identidade da artista. “Fazer um curso do Instituto Criar, um curso de audiovisual voltado para pessoas pretas e que moram nas margens foi um boom na minha mente e no meu jeito de ser, conheci pessoas trans, lésbicas, gays, e ali fui entendendo que eu não era cis, muito menos bissexual, e que era tudo bem ser assim”, afirma.

Relembra que com cerca de 10 anos já percebia que tinha um comportamento diferente dos outros ditos meninos. Na escola sempre andava com as meninas e já sabia que sentia algo pelos meninos.

“Eu reprimia isso demais porque achava que era algo ruim e que não iriam me amar”, conta o artista, relembrando que antes do ano de 2019 nunca teve contato com pessoas Lgbts., e que a partir do curso, sua vida ganhou outro sentido para construir uma história livre de estereótipos e pressões psicológicas.

Motorista de ônibus do Grajaú usa Tik Tok para mostrar amor pela profissão

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Morador do Grajaú afirma que seu cotidiano mudou há um ano, após a descoberta do aplicativo de vídeos curtos e gostar da experiência de mostrar o seu trabalho nas redes sociais.

Jefferson Oliveira filmando seu onibus de trabalho (Foto Ramildo Francisco)

O Tik Tok tem revelado muitos moradores das periferias que tem a habilidade de contar histórias de vida carregadas de vivências sociais e culturais, por meio de vídeos que duram no máximo 15 segundos. O roteiro e o cenário desses vídeos são baseados no cotidiano do morador da quebrada, característica que vem chamando a atenção e engajando muitos seguidores em pouco tempo.

Esse é um pequeno resumo da história do Tik Toker Jefferson Oliveira, 36, morador do Jardim Reimberg, bairro localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo. Ele conta que tudo começou como uma brincadeira e hoje se tornou um movimento importante para ele revelar o amor pelo seu trabalho. “Uma simples brincadeira se tornou um hobby de quase 4.200 seguidores, e cada dia estou conquistando mais seguidores fazendo o que eu gosto né, que é dirigir, e sou apaixonado pela minha profissão, tudo que você faz com amor é carinho sai bem feito né “, afirma o motorista.

O morador do Grajaú conta que trabalha como motorista de ônibus há 10 anos, mas foi há cerca de um ano que ele criou o perfil no Tik Tok chamado @Robozao920, que hoje possui 4.532 seguidores. Suas postagens têm mais de 30 mil likes. O público do que interage com seus vídeos assiste a rotina de um condutor de transporte público que acima de tudo ama o que faz e se preocupa com o bem-estar dos seus passageiros e com as adversidades no trânsito da cidade.

Confira o perfil do motorista no Tik Tok.

“Baixei o aplicativo por um acaso há mais ou menos um ano, porque eu sempre gosto de conhecer aplicativos novos, e de uma brincadeira se tornou um hobby fazer os vídeos, divulgar meu trabalho, a paixão que sinto por ônibus, não só por ônibus, mas por carro em geral”, relata Oliveira.

Ao falar sobre aa experiência de produzir pequenos vídeos sobre o seu cotidiano, o motorista enfatiza que um dos principais assuntos recorrentes nos vídeos aborda o cuidado em dirigir um veículo motorizado que está presente na vida de diversas pessoas periféricas, que o acompanha durante algumas horas do dia na ida e volta para casa.

“Eu cuido dele como se fosse meu, até minha esposa às vezes tem ciúmes dele de tanto que eu cuido desse carro, cuido até demais”, confessa Oliveira, demonstrando sua paixão pelo ônibus, que ele apelidou com um nome curioso e explica o seu significado. “Chamo de Robozão porque é um ônibus de 23 metros, que na cidade de São Paulo não é tão comum, é um ônibus grande, e 920 , porque é o prefixo dele, é o número de identificação dele e da empresa, então a gente apelidou ele de robozão920”, descreve.

Oliveira relata que não prepara um roteiro ou cronograma de posts para produzir seus conteúdos, pois o objetivo é ser bem natural e rotineiro. “Geralmente é espontâneo. Eu vejo oportunidade de fazer os vídeos, eu viciei em fazer os vídeos, então do nada, quando eu vejo a oportunidade de fazer os vídeos eu já estou fazendo “, conta.

Ele revela que também recebe alguns vídeos de pessoas que transporta no dia a dia e que compartilham do mesmo cotidiano. “Algumas pessoas me enviam os vídeos ou quando eu passo na rua algumas pessoas que me conhecem fazem o vídeo e me enviaram pelo WhatsApp”.

Atento às leis de trânsito e a segurança do público que transporta, Oliveira diz que quando o veículo está em movimento pela cidade recebo apoio do cobrador para realizar as filmagens. “Eu tenho auxílio do cobrador que trabalha comigo, ele me ajuda também nas gravações, que geralmente precisa de uma segunda pessoa gravando, mas é espontâneo”.

Oliveira finaliza a entrevista explicando que não se considera um sujeito criativo, ele nos conta que a sua presença no Tik Tok vem da habilidade que ele desenvolve a cada dia como motorista de ônibus. “Na nossa profissão cada dia é um conhecimento novo que a gente aprende, é uma situação nova, a gente acaba aprendendo a lidar com aquela situação, é com a habilidade no volante que você aprende, você nunca sabe tudo, você sempre vai aprendendo como lidar com situações diferentes, como se comportar, habilidade e conhecimento eu digo que vem do fato de eu trabalhar com um ônibus moderno com a grande tecnologia embarcada “, conclui. 

Motorista de ônibus do Grajaú usa Tik Tok para mostrar amor pela profissão

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Morador do Grajaú afirma que seu cotidiano mudou há um ano, após a descoberta do aplicativo de vídeos curtos e gostar da experiência de mostrar o seu trabalho nas redes sociais.

Jefferson Oliveira filmando seu onibus de trabalho (Foto: Ramildo Francisco)

 O Tik Tok tem revelado muitos moradores das periferias que tem a habilidade de contar histórias de vida carregadas de vivências sociais e culturais, por meio de vídeos que duram no máximo 15 segundos. O roteiro e o cenário desses vídeos são baseados no cotidiano do morador da quebrada, característica que vem chamando a atenção e engajando muitos seguidores em pouco tempo.

Esse é um pequeno resumo da história do Tik Toker Jefferson Oliveira, 36, morador do Jardim Reimberg, bairro localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo. Ele conta que tudo começou como uma brincadeira e hoje se tornou um movimento importante para ele revelar o amor pelo seu trabalho. “Uma simples brincadeira se tornou um hobby de quase 4.200 seguidores, e cada dia estou conquistando mais seguidores fazendo o que eu gosto né, que é dirigir, e sou apaixonado pela minha profissão, tudo que você faz com amor é carinho sai bem feito né “, afirma o motorista.

O morador do Grajaú conta que trabalha como motorista de ônibus há 10 anos, mas foi há cerca de um ano que ele criou o perfil no Tik Tok chamado @Robozao920, que hoje possui 4.532 seguidores. Suas postagens têm mais de 30 mil likes. O público do que interage com seus vídeos assiste a rotina de um condutor de transporte público que acima de tudo ama o que faz e se preocupa com o bem-estar dos seus passageiros e com as adversidades no trânsito da cidade.

“Baixei o aplicativo por um acaso há mais ou menos um ano, porque eu sempre gosto de conhecer aplicativos novos, e de uma brincadeira se tornou um hobby fazer os vídeos, divulgar meu trabalho, a paixão que sinto por ônibus, não só por ônibus, mas por carro em geral”, relata Oliveira.

Ao falar sobre a experiência de produzir pequenos vídeos sobre o seu cotidiano, o motorista enfatiza que um dos principais assuntos recorrentes nos vídeos aborda o cuidado em dirigir um veículo motorizado que está presente na vida de diversas pessoas periféricas, que o acompanha durante algumas horas do dia na ida e volta para casa.

“Eu cuido dele como se fosse meu, até minha esposa às vezes tem ciúmes dele de tanto que eu cuido desse carro, cuido até demais”, confessa Oliveira, demonstrando sua paixão pelo ônibus, que ele apelidou com um nome curioso e explica o seu significado. “Chamo de Robozão porque é um ônibus de 23 metros, que na cidade de São Paulo não é tão comum, é um ônibus grande, e 920 , porque é o prefixo dele, é o número de identificação dele e da empresa, então a gente apelidou ele de robozão920”, descreve.

Oliveira relata que não prepara um roteiro ou cronograma de posts para produzir seus conteúdos, pois o objetivo é ser bem natural e rotineiro. “Geralmente é espontâneo. Eu vejo oportunidade de fazer os vídeos, eu viciei em fazer os vídeos, então do nada, quando eu vejo a oportunidade de fazer os vídeos eu já estou fazendo “, conta.

Ele revela que também recebe alguns vídeos de pessoas que transporta no dia a dia e que compartilham do mesmo cotidiano. “Algumas pessoas me enviam os vídeos ou quando eu passo na rua algumas pessoas que me conhecem fazem o vídeo e me enviaram pelo WhatsApp”.

Atento às leis de trânsito e a segurança do público que transporta, Oliveira diz que quando o veículo está em movimento pela cidade recebo apoio do cobrador para realizar as filmagens. “Eu tenho auxílio do cobrador que trabalha comigo, ele me ajuda também nas gravações, que geralmente precisa de uma segunda pessoa gravando, mas é espontâneo”.

Oliveira finaliza a entrevista explicando que não se considera um sujeito criativo, ele nos conta que a sua presença no Tik Tok vem da habilidade que ele desenvolve a cada dia como motorista de ônibus. “Na nossa profissão cada dia é um conhecimento novo que a gente aprende, é uma situação nova, a gente acaba aprendendo a lidar com aquela situação, é com a habilidade no volante que você aprende, você nunca sabe tudo, você sempre vai aprendendo como lidar com situações diferentes, como se comportar, habilidade e conhecimento eu digo que vem do fato de eu trabalhar com um ônibus moderno com a grande tecnologia embarcada “, conclui.