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Cuidado coletivo

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Quero iniciar essa nova sessão com algo tão importante quanto os temas anteriores, que é o viver coletivamente, criar formas de nos aquilombar, reconexões e ancestralidade que já são parte de nós.

Em novembro vivi uma experiência marcante e amorosa que me fez ter o desejo de escrever, mesmo tendo enfrentado uma viagem de ida e volta longa. Quero registrar os momentos vividos para curtir e celebrar esta grande conquista que o Desenrola e Não Me Enrola me proporcionou.

Fiquei tão feliz e grata que divido aqui com vocês o valor do cuidado afetuoso, coletivo e a experiência que podemos trocar com nossos pares de forma amorosa e não violenta.

Podemos nutrir uns aos outros com a troca, o reconhecimento e o respeito que podem gerar bons momentos, boas energias. Ter a certeza que esse é o caminho, que como disse no encontro: Vou insistir nesse caminho, acredito que é sobre a ancestralidade que realizo esse trabalho e que são ELES que nos aproximam de formas poderosas e misteriosas. Realizam conexões para podermos vencer, curar, construir, realizar, cuidar e amar.

Tive o prazer de conhecer a trajetória desse grupo, das suas lideranças, sua ideologia de levar a informação, de realizar formações, buscar formas de mudar o sistema, criar estratégias e ter a criatividade para levar o que tanto precisamos: registrar e mostrar a caminhada do povo que o sistema tem aniquilado de tantas maneiras.

Conheci também uma professora de inglês que tem realizado um trabalho de mestrado na USP e tem apoiado com seu conhecimento esse grupo e isso me fez acreditar ainda mais no amor. O amor pelo conhecimento, o amor e respeito pelo trabalho que realizamos e podemos realizar. 

Saí nutrida de afeto de amigos que se fortaleceram na caminhada desafiadora do Covid, e pós pandemia seguem fazendo e recebendo de forma tão cuidadosa com as comidinhas, abraços e olhares agradecidos pelo que faço do outro lado da cidade, junto com este projeto amoroso que é o Obará.

Sei que muitas vezes nos endurecemos e seguimos sem acreditar nessa perspectiva, mas tenho fé que tantos os ancestrais, como aquelas pessoas comprometidas com o coletivo, com a comunidade, possamos nos fortalecer e construir novos caminhos para re-existir e transformar.

No caminho da viagem para o encontro com o Desenrola, estava lendo bell hooks e no livro “Tudo sobre o amor”, esta autora tão incrível, descreve no capítulo 8, Comunidade: uma comunhão amorosa”, que fala justamente sobre este tema e me fortaleceu a ideia em escrever o artigo sobre o cuidado coletivo. Porque após a minha chegada lá no espaço, vivi exatamente estes momentos em comunhão com o grupo.

Temos nossa ideologia e manter nossa resistência coletivamente nos abastece com a certeza que, as ações voltadas para o bem estar coletivo e para o nosso povo, trazem o sentimento de pertença e de que juntas podemos realizar coisas grandiosas. 

Levar a mensagem para a comunidade, os coletivos, os quilombos, aos povos originários, mesmo que a vida seja cheia de desafios, mais dores que alegrias muitas vezes, mas que juntas somos um e mais fortes. Principalmente se cuidarmos uns dos outros, respeitar e acolher a individualidade, cultura e a essência de cada pessoa.

É um baita desafio, mas acredito na realização delas e vamos tomar o caminho para a vitória, segurando as mãos uns dos outros e fazendo acontecer.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas. 

Território e tradição: articuladores culturais falam sobre presença do maracatu nas periferias de São Paulo

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“Maracatu não é só batuque, tem vários outros saberes ancestrais. A dança, a espiritualidade, as cantigas, as roupas, o penteado”. Essa é uma das formas que Luciana Félix, regente de maracatu e parte do movimento desde 2011, explica sobre os fundamentos dessa, que segundo ela, vai além de uma manifestação cultural ou entretenimento, que é parte de uma identidade cultural. “Maracatu é alegria, é processo de cura, de libertação, é família”, afirma Luciana. 

Luciana Felix é regente do grupo Caracaxá desde 2019 (foto: Maria Clara Guiral)

Segundo a regente, o território é um elemento fundamental quando se trata da origem e consolidação do maracatu nas periferias de São Paulo, e conexão com grupos tradicionais que têm origem no estado de Pernambuco, chamados de Nações de Maracatu. “Batuque, corte, território e ancestralidade são os quatro elementos que têm que estar junto [para ser uma] Nação de Maracatu”, explica Luciana, que também é arte-educadora, multiartista e produtora cultural. 

Registrado como Patrimônio Cultural do Brasil pelo IPHAN desde 2014, em 2024, foi validada a lei que cria o Dia Nacional do Maracatu, em 1º de agosto. A data que já era comemorada em Pernambuco, agora passa a ser celebrada em todo o país. 

“O maracatu em São Paulo começa com as Irmãs Ibeji entre 1940 e 1950, e tem um reinício quando o meu vô [Solano Trindade] chega do Rio de Janeiro, em 1960, e vem para Embu das Artes”, conta Vitor da Trindade. Ele é músico, Ogan Alabê Omoloyê, presidente e diretor artístico do Teatro Popular Solano Trindade (TPST), que tem como origem o Teatro Popular Brasileiro formado, em 1950, por Solano Trindade, Margarida Trindade e Edison Carneiro.

Vitor da Trindade e Elis Trindade. (foto: arquivo pessoal)

“Atuante agora em São Paulo, nós somos os mais velhos”, aponta Elis Trindade ao se referir ao maracatu Nação Kambinda, que faz parte das manifestações culturais que acontecem no TPST. Bailarina e professora de danças afro-brasileiras contemporâneas, Elis é coreógrafa e coordenadora cultural do Teatro Popular Solano Trindade. Ela e Vitor moram no bairro Jardim Silvia, na cidade de Embu das Artes, território que também está localizado o TPST.

Conhecido como poeta do povo, Solano Trindade era de Pernambuco, escritor, pintor, ator, teatrólogo, cineasta e militante do Movimento Negro. Junto com Margarida Trindade, que era coreógrafa e terapeuta ocupacional, passaram os seus saberes sobre manifestações culturais adiante, conforme explica Elis e Vitor.

Solano Trindade. (foto: arquivo pessoal)
Margarida Trindade. (foto: arquivo pessoal)

“Em 1974, meu vô falece e minha mãe retoma a ideia do maracatu [que] se espalha [também] na periferia”, conta Vitor ao se referir a Raquel Trindade, que além de sua mãe, era artista plástica, pesquisadora, folclorista e coreógrafa. “Eu adolescente acompanhava minha mãe. [Coloca] aí 50 anos para trás ela já ensinando maracatu, fazendo a dança nas escolas, falando com os professores, nos bairros, nas comunidades, nos centros comunitários”, relembra.

Raquel Trindade à frente do maracatu Nação Kambinda. (foto: arquivo pessoal)

Entre o final da década de 90 e o início dos anos 2000, foi quando o maracatu se propagou de modo mais consolidado em São Paulo. Luciana cita o músico e percussionista Eder Rocha, como um dos precursores ao trazer e difundir o ensino da parte sonora do maracatu. Ela aponta três tipos de maracatu: “maracatu de baque solto [também conhecido como maracatu rural], o maracatu cearense e o maracatu de baque virado, é esse que a gente brinca bastante aqui em São Paulo”.

“Da Vila Madalena é que foi para periferia, não saiu da periferia para a Vila Madalena. Ele [também] sai daqui [do TPST], a gente espalha pela cidade inteira. O Eder se assenta na Vila Madalena e o maracatu, a partir [daí] se tornou uma grande moda em São Paulo”, conta Vitor.

“Pessoas com maior poder aquisitivo, na hora que Eder chega na Vila Madalena e apresenta o maracatu, vão para Pernambuco aproveitar o carnaval, consomem da tecnologia de lá, trazem [para SP], mas não falam que aprenderam lá”.

Elis Trindade, coreógrafa e coordenadora cultural do Teatro Popular Solano Trindade

Nesse contexto, Elis comenta que com o tempo os mestres e grupos de maracatus de Pernambuco passaram a exigir que seus saberes fossem referenciados. 

“A gente nunca exigiu obrigatoriedade [de ser referenciado]. A gente sempre devolveu ao povo em forma de arte igual Solano Trindade falava, ‘pesquisar na fonte de origem e devolver ao povo em forma de arte’. Só que esse povo que aprende, que consome da nossa tecnologia, leva e vende para todo mundo e não fala que aprendeu com a gente”, afirma Elis sobre um dos motivos de não conseguir apontar quantos grupos surgiram a partir do TPST.

Elis Trindade é bailarina, professora de danças afro-brasileiras contemporâneas e coordenadora cultural do TPST. (foto: Weslley Tadeu)

Em São Paulo, enquanto ensino de percussão, Luciana diz que o maracatu se dissemina a partir de grupos de estudos realizados e liderado principalmente por pessoas brancas, no centro da cidade. “Antes era difícil a gente chegar [nos ensaios de maracatu], sair de um território pra ir pra USP [ou] pra Vila Madalena. [Ao] chegar lá as pessoas pretas eram poucas, porque era difícil chegar [e] se sentir aceito. A gente foi quebrando isso, fazendo as nossas próprias movimentações”, coloca Luciana sobre os locais que os grupos de maracatu se reuniam para ensaiar. 

“Não existia uma manutenção das pessoas pretas nesses espaços”, comenta Luciana ao citar alguns dos motivos desse cenário, como a distância, valor para locomoção e alimentação. “Inclusive, eu saía da zona leste, morava na Cohab II e ia pra lá”, relembra. Atualmente a regente mora no bairro Penha de França, no distrito da Penha, na zona leste de São Paulo.

Agentes culturais que viviam nas periferias e conseguiam frequentar esses espaços no centro, com o tempo, levaram essa cultura para os próprios territórios e formaram outros grupos, o que contribuiu para expandir a presença do maracatu nas periferias da cidade, segundo Luciana. “As pessoas querem estar no seu território e muitas vezes [formavam outros grupos] por divergências também”.

Território e tradição
Ensaio de maracatu do grupo Caracaxá na Vila Guilhermina, zona leste de  São Paulo. (foto: Diego Menezes)

Entre muitos exemplos, Luciana cita o Caracaxá, grupo fundado na USP, em 2003, e que alguns dos integrantes deram origem a outros grupos de maracatu que estão em bairros descentralizados, como o Ouro do Congo, no Campo Limpo, o Arrastão do Beco, em Santo Amaro e o Mucambos de Raiz Nagô, no Jabaquara. 

“Com esse desmembramento, a gente que é periférico começa a assumir mais o papel tanto de liderança, quanto de batuqueiros”, afirma a regente sobre grupos que vão sendo criados nas periferias, além dos que surgiram no centro e migram para esses territórios. Esse é o caso do Caracaxá, grupo que Luciana é regente desde 2019, e que atualmente está no bairro Vila Guilhermina, na zona leste de São Paulo.

Identidade

Os grupos de maracatu, tradicionalmente em Pernambuco, estão localizados nas periferias do estado, segundo Luciana. “Uma nação de maracatu [sempre] vai estar numa comunidade, independente das pessoas virem de outros bairros, o grosso é daquele território”, comenta.

Acolhimento é outro fator que Luciana menciona como determinante para que um grupo de maracatu de São Paulo consiga permanecer em um território. Ela afirma que não é em todo local que o maracatu é bem-vindo, pois há preconceitos por se tratar de uma cultura de matriz africana. A presença da comunidade evangélica e a especulação imobiliária fazem parte dos contextos das periferias, no qual, Luciana aponta uma intolerância com relação ao maracatu.

Apresentação de maracatu do grupo Caracaxá. (foto: Maria Clara Guiral)

“A polícia oprimia o maracatu, tinha que pedir autorização para tocar na rua. E se tocava maracatu para os terreiros poderem fazer seus trabalhos, porque a polícia não podia ouvir o barulho do Candomblé que era proibido”, aponta a regente sobre o maracatu enquanto estratégia de resistência cultural.

“O que eu vejo da recepção dos territórios é que cada vez mais a gente está perdendo espaço”. No entanto, também há quem acolha os grupos, “a comunidade quando ela abraça é muito bom porque as pessoas saem na janela para tirar foto, bater palma, sai com um sorriso no portão”, relata.  

A manifestação cultural, segundo Luciana, também é um lugar de fortalecimento para crianças e jovens nas periferias. Atualmente, ela ensina percussão de maracatu para crianças de 7 a 14 anos, na Casa de Cultura Raízes, no município de Ferraz de Vasconcelos, no CEU Arthur Alvim e no CEU Tiquatira, que fica na comunidade do Chaparral.

Luciana Felix ministrando oficina de percussão no Projeto Vivências, realizada na Casa de Cultura Raízes. (foto: arquivo pessoal)

Para a educadora, o impacto que essa cultura, assim como outras de matriz africana, gera na vida de crianças negras que vivem em territórios periféricos está diretamente ligado à construção de identidade e autoestima. “O empoderamento de se entender como uma pessoa periférica, gostar de ser periférico, valorizar o território, se sentir bonito, se entender como negro e afro-brasileiro, de entender o cabelo, a [própria] beleza, a roupa, a dança, ser aplaudida”, comenta. 

A descentralização dos grupos de maracatus que se ramificaram para as periferias, é apontado por Luciana como um avanço, pois os grupos passam a se tornar mais diversos com relação a raça e gênero. “Nos tornamos protagonistas da nossa própria história”, menciona ao falar das mudanças.

Mas também pontua que o combate ao machismo, racismo e homofobia, mesmo dentro desses espaços culturais, assim como na sociedade, é algo contínuo. Nesse sentido, ela fala da necessidade de ter mais pessoas negras em cargos de lideranças nos grupos culturais, principalmente quando se trata de cultura negra e afro-diaspórica. “Não é sobre tirar lugar, é sobre fazer junto”, ressalta ao pontuar sobre pessoas brancas que lideram grupos de maracatu e que querem ser aliadas da causa antirracista. 

“O que a gente tem que fazer é retomar a direção das nossas estruturas culturais [e] sociais. Nós temos que voltar para as religiões afro descendentes, temos que voltar da universidade para a periferia. O maracatu pertence à periferia, o maracatu é a periferia”, finaliza Vitor da Trindade. 

Projeto Amizade F.C

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Time do Amizade Feminino, fundado em 2012, é um projeto criado com a missão de formar atletas e cidadãos e tem como dirigente o senhor Valdomiro, que leva e se empenha dia-a-dia no foco de transformar vidas por meio do esporte. 

Pensado para as meninas da comunidade, o projeto vai além das quadras, promovendo inclusão e oportunidades para jovens talentos. Os treinos acontecem regularmente na semana e final de semana também. 

As meninas aprendem muito mais do que habilidades técnicas, elas desenvolvem valores como disciplina, trabalho em equipe e respeito. Além disso, é através desses treinos que elas conseguem se expressar, sonhar e acreditar no próprio potencial. 

Em novembro desse ano, Miro, como é conhecido o dirigente, realizou no CEU TAIPAS um torneio interno com as meninas. Lindo de ver o sorriso no rosto de cada uma, a união de todas, e não importava se fosse a adversária a acertar um passe, todas, até do lado de fora, batiam palmas e vibravam juntas. 

Muitas mães e pais estavam presentes acompanhando esse momento e vibrando juntos. 

O esporte é uma poderosa ferramenta de mudança social.

Falta muita atenção e investimento para o futebol feminino, seja em quadra ou no campo. Que possa aparecer cada vez mais projetos e incentivos, tal qual investimentos para que cada vez mais aumente a mulherada disputando jogos em alto nível.

As meninas também sonham, tem garra e precisam de oportunidades, potencial não falta. Cada passe é um passo rumo a um amanhã melhor e é sempre bom  lembrarmos que lugar de mulher é onde ela quiser.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas. 

Curta aborda precarização e informalidade de trabalhos ocupados por jovens negros e periféricos

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Um jovem, negro e periférico que está tendo as primeiras experiências como trabalhador e se depara com questões como a precarização e a informalidade do trabalho. Esse é o enredo central do filme “Samuel foi trabalhar”, que apesar de ser uma ficção, retrata a vivência de alguns jovens que estão à procura do primeiro emprego.

Segundo levantamento dos Principais destaques da evolução do mercado de trabalho no Brasil 2012 - 2023, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022 os trabalhadores informais totalizavam 38,2 milhões de pessoas, número que subiu para 39,4 milhões de pessoas no ano seguinte, é o que consta na PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), publicada em janeiro de 2024.

A pesquisa considera como ocupação informal as seguintes categorias: empregado no setor privado e empregado doméstico sem carteira de trabalho assinada, empregador e trabalhador por conta própria sem registro no CNPJ e trabalhador familiar auxiliar, ou seja, pessoas que trabalham em atividades conduzidas por membros da família, geralmente em pequenos negócios, propriedades rurais ou estabelecimentos familiares, sem remuneração formal.

Janderson Felipe, 30, é cineasta e diretor do curta “Samuel foi trabalhar”, que aborda a vivência de muitos jovens de territórios periféricos no mercado de trabalho. Ele comenta que pela falta de oportunidades e a urgência em gerar renda, pessoas que vivem em periferias acabam inseridas em trabalhos precários que em muitos casos não gostam, mas que realizam por necessidade. 

Janderson Felipe no Festival Internacional de Cinema de João Pessoa. (foto: Natália Di Lorenzo)

“Às vezes a gente tem uma qualidade artística e a gente não consegue encontrar esses trabalhos. A gente não consegue dar vazão e ao mesmo tempo conseguir ganhar dinheiro com isso [como artista] e acaba entrando nesses lugares”, aponta Janderson, que também é jornalista e cresceu no bairro Tabuleiro dos Martins, em Maceió.

Cenário que vai de encontro com as discussões sobre direitos trabalhistas, como a revisão das jornadas de trabalho, debate que ganhou força no campo político e social em 2024, a partir do movimento VAT – Vida Além do Trabalho junto da deputada Erika Hilton (PSOL), que propôs uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para acabar com a escala de trabalho 6×1 no Brasil, que representa seis dias de trabalho consecutivos seguidos de um dia de folga.

Saiba mais: Como pensar em relações de trabalho dignas e com direitos garantidos?: Curta aborda precarização e informalidade de trabalhos ocupados por jovens negros e periféricos

Em 2019, quando Janderson começou a escrever o curta, ele comenta que em Maceió, acontecia um aumento no processo de precarização do trabalho pela uberização, modo de atuação informal que utiliza aplicativos para conectar trabalhadores a clientes e caracterizado pela falta de direitos trabalhistas, e isso reforçou a importância de falar sobre o assunto.

A pesquisa Teletrabalho e trabalho por meio de plataformas digitais, realizada pelo IBGE, Unicamp e o Ministério Público do Trabalho, por meio da PNAD Contínua, avaliou que no 4º trimestre de 2022, no Brasil, a população ocupada de 14 anos ou mais, foi estimada em 87.2 milhões de pessoas, sendo que 2.1 milhões realizavam trabalho por meio de plataformas digitais (aplicativos de serviços) ou tinham clientes e efetuavam vendas através de plataformas de comércio eletrônico. Desse total, 1.490 mil pessoas trabalhavam por meio de aplicativos de serviços e 628 mil utilizavam plataformas de comércio.

Os fatores externos, sociais e políticos, também se uniram à própria vivência do cineasta de nunca ter conseguido acessar um posto de trabalho formal, com carteira assinada e direitos garantidos. “Samuel também é um filme de terror nesse sentido, porque eu nunca assinei a carteira. Eu ficava, ‘caramba, nunca vai chegar’. Até o ponto que eu já não tenho uma questão sobre isso, mas quando eu era mais jovem tinha essa nóia”, compartilha o diretor.

Encontro entre ficção e vida real

O enredo do curta se dá a partir de Samuel, que está prestes a deixar a informalidade e ser contratado, mas é assombrado pelo seu instrumento de trabalho: a fantasia de engenheiro.

A direção, roteiro e montagem do curta foi feita por Janderson e Lucas Litrento, que é jornalista, escritor, cineasta e morador do bairro Benedito Bentes, em Maceió. Segundo Janderson, eles sempre imaginaram fazer um filme popular, que as pessoas pudessem se reconhecer, principalmente pessoas de periferias, negras e que também fosse uma representação do jovem maceioense.

“No cinema brasileiro recente, de fato, quem está pensando no trabalhador parte muito do cinema negro, porque ainda é uma coisa muito próxima. Os pais, mães e irmãos da gente são esses trabalhadores também. Muitos realizadores [dos filmes] foram ou são esses trabalhadores. Existe um cinema periférico geral no Brasil que pensa esses trabalhadores.”

Janderson Felipe, diretor e roteirista de cinema.

“[A proposta] era pensar quem é esse jovem periférico que estudou em escola pública a vida toda, terminou de se formar e o que ele vai fazer da vida. É o jovem que muitas vezes não vai acessar a universidade e quais são os empregos que ele vai conseguir?”, menciona Janderson sobre as motivações do curta.

Saiba mais: Dos anos 90 ao século XXI: o acesso da juventude periférica ao mercado de trabalho: Curta aborda precarização e informalidade de trabalhos ocupados por jovens negros e periféricos

“Tem [no] filme a discussão sobre buscar os direitos junto ao empregador. As meninas querem o dinheiro da passagem, pelo menos, para não gastar a grana do próprio bolso para poder trabalhar. Que é uma coisa que eu já vivi”, menciona Janderson sobre situações do filme que dialogam com a realidade de trabalhadores informais.

Questões sobre dias de folga e lazer também são abordadas no filme, tendo os territórios como ponto de partida. “Quando se pensa em Maceió se pensa na praia, o estado também vende esse imaginário. [Porém] quando se pensa em acessar esses espaços dentro da perspectiva de quem é da periferia, esse lugar não é só de lazer e turismo, também acaba sendo o ambiente de trabalho de muitas pessoas”, explica.

Curta aborda precarização e informalidade de trabalhos ocupados por jovens negros e periféricos
Cena do filme que se passa na orla de Maceió, mostra a perspectiva de trabalho que há no local, para além do lazer. (foto: Amanda Môa)

Janderson menciona que as pessoas negras e periféricas que acessam a praia, principalmente as mais turísticas, em muitos casos estão trabalhando, mas que também há famílias que vivem nesses locais e que têm a praia como uma das poucas opções gratuitas de acesso ao lazer na cidade. “O Samuel no filme vai para um baile de reggae, [por exemplo]. Os escapes desses jovens da periferia, o lazer deles acabam não sendo a orla de Maceió igual é para os turistas”, pontua.

Segundo o diretor, a dificuldade de deslocamento na cidade, que se agrava nos fins de semana e feriados com a escassez de transporte público, também contribui para que os trabalhadores, que são moradores de bairros afastados da orla, procurem por outras opções de descanso e lazer.

“Trazer esses espaços reconhecíveis para quem é de Maceió bater o olho e ver, ‘é perto do lugar onde eu moro, já passei por aí’”, explica Janderson sobre a ideia de representar ao longo do filme os bairros da Serraria, Salvador Lyra e Grota do Rafael, periferias de Maceió, que também receberam parte das gravações.

O filme circula entre as categorias de fantasia, terror e comédia. “Tem coisas engraçadas do trabalho do Samuel que não são [bem] engraçadas, mas tem uma graça ali, tem uma coisa de um riso meio estranho”, explica.

Estudante do ensino médio, de uma escola pública, participa de discussão sobre o filme, após exibição no Festival Revoada. (foto: Renata Baracho)

Jovens que se assemelham com os personagens são apontados por Janderson como o principal público do filme. “Quando tem esses jovens é onde o filme mais chega. No Festival Revoada, aqui em Maceió, teve várias sessões para escolas públicas. Teve uma sessão em que um menino decidiu falar sobre trabalho, que tem que buscar os direitos. O filme realmente pegou para ele”, relata.

Janderson fala com entusiasmo de como está sendo a recepção do filme por jovens que vivem nas periferias e finaliza, “o melhor público são eles”.

O filme está em circulação em festivais e mostras de cinema. As próximas exibições em dezembro serão na 7° Edição da Mostra Sesc de Cinema, em Belém-PA; entre os dias 3 a 10 no Macau International Short Film Festival; de 12 a 15 no 12º Curta Brasília – Festival Internacional de Curta-metragem; 9 a 14 deste mês no 15º Festival de Cinema de Triunfo e também na 15ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano entre o dia 12 e 15 de dezembro.

Ser mística

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Ser uma pessoa mística com experiências e vivências espirituais é um caminho tão precioso e transformador que merece ser registrado e compartilhado por ser tão autêntico e verdadeiro, como qualquer experiência da vida física e material, onde jamais eu conseguiria fantasiar ou criar algo como uma ficção.

Sou transparente na vida, mostro quem sou, não me escondo, pois me sinto bem e feliz assim. Chegar neste lugar é um processo interno de reflexões profundas, entender qual é o propósito da vida e ser coerente é muito importante. Isso se deu a partir das práticas de autoconhecimento com terapias. É preciso ter coragem e sabedoria para ser positiva e construtiva, para isso temos um percurso que pode ser longo ou curto, só depende de nós.

Também gosto de apresentar possibilidades e mostrar mecanismos que usei para curar e esvaziar a mente e o coração, pois foram eles que me proporcionaram reconhecer as feridas dolorosas e tristes que me marcaram, onde destravei bloqueios e após ressignificá-los no caminho, trouxe a liberdade de poder ser quem sou. Ou ao menos reconhecer o que desejamos ser, isso é uma auto-realização. 

Ter consciência nos leva a construir caminhos novos que vão se desenrolando e vamos escrevendo uma nova história.

A nova trajetória que venho construindo e contando aqui para vocês está sendo maravilhoso para mim, contar como posso ser uma psicóloga e também uma mulher mística, sem ter medo de ser julgada por quem sou. Muito pelo contrário, ao criar este diálogo os convido a dialogar comigo, me conhecer e assim vamos nos conectando mais ou tendo a possibilidade de lhes contar os caminhos percorridos e que vocês podem experimentar em suas vidas, sem ter medo de desconstruir e reconstruir, assim sucessivamente, até que sejamos livres e felizes com quem somos, dando os contornos, sendo atores e protagonistas de sua própria história. 

Ser mística é poder expressar a comunicação de forma compartilhada e nem preciso ter consciência disso. Entendo que as experiências místicas podem ocorrer através da nossa fala, da escrita e de tantas outras formas de comunicação possíveis, muitas vezes ocorrem só para nos ajudar. 

Tenho o dom de ouvir e aconselhar de forma madura desde a infância, isso me colocava num lugar diferente, só não sabia nomear. Me lembro que eu sabia das coisas, via e sentia a fundo as situações, as pessoas e esses momentos nem sempre eram felizes. Acho que mais infelizes e tristes, mas eu vivi e cresci assim, aprendendo a viver com as minhas dores e de outras pessoas que eram profundas. Fui sobrevivendo sem saber o que era ser feliz.

Na última sessão contei como foi a experiência da minha iniciação e desde lá esse ciclo se fechou com um grande aprendizado, onde as vaidades, as ilusões da vida material não conseguiram sanar e sim a certeza que somos parte de algo muito maior. Onde podemos nos apoiar nos momentos de dor e de angústia e saímos desses lugares adoecidos para lugares que podemos reconstruir e compreender que a finitude, os desejos e a consciência podem nos proporcionar muito mais do que viver sem rumo, vazios, infelizes e carentes.

Digo tudo isso, pois ainda estou muito longe de ter uma vida tranquila, abastada, com um relacionamento que me faça feliz, muito pelo contrário, continuo na luta pela sobrevivência, mas sei que vou conseguir me virar se precisar recomeçar. Ou mesmo saber que posso viver de forma simples e sem ter uma necessidade por algo que não faz mais sentido.

Ainda sigo sozinha, mas não me sinto só, tenho me sentido segura e feliz com minha solitude e conectada aos meus ancestrais, entidades e Orixás que nunca me abandonam, segue me fortalecendo e intuindo qual a melhor decisão e o melhor caminho a seguir. Desejo isso a todos vocês, que a vida tenha sentido como tem sido para mim, crer nela e para além dela.

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Cena “desfavorável” ao Slam em Floripa

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No último dia 07 de novembro, a Coordenadoria Regional de Educação de Florianópolis – CRE 18, órgão administrativo-pedagógico da Secretaria de Estado da Educação, proibiu o SLAM em sua rede de ensino.

Trata-se do Ofício n.° 2.502/CRE 18/2024, encaminhado aos gestores das unidades escolares da Grande Florianópolis, manifestando “parecer a respeito do Projeto ministrado pelos integrantes do SLAM EDUCA” – composto por estudantes do curso de Letras da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). 

Apesar da elaboração do parecer ter sido motivada pelas ações do SLAM EDUCA, a CRE 18 “informa” que todos os “projetos ligados ao Movimento SLAM não são aprovados” na Grande Florianópolis, território de sua circunscrição administrativa. 

A redação do documento, em seu derradeiro parágrafo, utiliza letras em caixa alta para explicitar sua posição “DESFAVORÁVEL à solicitação da aplicabilidade na rede” – o que se poderia ler (entender) como um primeiro passo para, mais do que na Grande Florianópolis, extirpar o SLAM em todo o estado de Santa Catarina? 

Arbitrária, a Coordenadoria não explica, na comunicação burocrática aos diretores de escola, as razões que a levou a coibir o SLAM EDUCA. Afinal, no ofício, inexistem fundamentos legais, embasamento em fatos possíveis, argumentos sobre metodologias dissonantes, transgressão de princípios da rede; enfim, uma omissão que dá o que pensar!

Demandando mais interrogações, ainda que não bastasse a ausência de justificativas para esse coletivo ser impedido de executar suas ações, estende-se a autoritária decisão – que outro nome teria? – a todo o “movimento” do SLAM (existem outras comunidades de competição de poesia falada em SC) para a articulação de parcerias outras com os colégios do estado de Santa Catarina.

SLAM e SLAM INTERESCOLAR

“Poetry Slams” ou SLAM – designação mais difundida – é o termo que significa “batalha de poesia” (competição de poesia falada) com regras: tempo (até 3 minutos), público, jurados (cinco) selecionados da plateia, obrigatoriedade de poema autoral, performance sem objetos cênicos, rodadas (três), até a definição do(a) vencedor(a) 

Criado nos EUA, em 1984, o SLAM chegou ao Brasil em 2008, quando Roberta Estrela D’Alva o introduziu no país por meio do Zona Autônoma da Palavra (ZAP). Desde então, não para de crescer. Atualmente, estima-se que sejam mais de trezentas comunidades de SLAM ativas no país, em quase todos os estados brasileiros.

Há uma variedade de propostas de SLAMs. Dois relevantes para situar o leitor: o SLAM do Corpo, criado em 2014, voltado aos deficientes auditivos; o SLAM DAS MINAS (em diversos estados brasileiros), a partir de 2015, para mulheres e pessoas trans (homens héteros não podem competir, tão somente assistir).

O SLAM INTERESCOLAR (um terceiro exemplo de tantos outros formatos de SLAM) surgiu em São Paulo, em 2015. Emerson Alcalde (criador do primeiro SLAM de rua, o SLAM da Guilhermina) e Cristina Assunção idealizaram uma experiência com quatro unidades escolares. Neste ano, 2024, foram mais de 400 inscrições, só no SLAM de São Paulo.

Em 2021, O SLAM INTERESCOLAR-SP venceu o Jabuti, a maior premiação do meio editorial do país, no Eixo Inovação – Fomento à Leitura. É, dentre tantas outras coisas, o reconhecimento de que o SLAM é uma grande manifestação lítero-artística e, também, preciosa ferramenta educacional. 

“Retratos da Leitura” versus potencial do SLAM para fomento à leitura

Aliás, nesta semana (19/11/24), inclusive, saiu a lista de premiados do Jabuti 2024; IBEAC Literatura: os caminhos literários das bibliotecas comunitárias de Parelheiros, realizado na periferia paulistana, idealizado por Bel Santos Mayer, recebeu a honraria do prêmio, na categoria Eixo Inovação – Fomento à Leitura.

No mesmo dia, também, foram divulgados os resultados do Retratos da Leitura do Brasil. Ao contrário do Jabuti, festejando o livro, o “retrato” constatou, sepulcralmente,  pela primeira vez na história do levantamento, que mais da metade da população brasileira não leu nem sequer uma obra nos 90 dias que antecederam a pesquisa!

Para ser considerado leitor, pela pesquisa “Retratos”, realizada pelo Instituto Pró-Livros (IPL), é preciso ter lido ao menos “parte de uma obra nos últimos três meses”. Caso considere livros inteiros, a sondagem é mais preocupante ainda: “apenas 27% da população brasileira” leram um livro inteiro, ao menos, nos três meses anteriores à pesquisa.

O SLAM (ao lado dos Saraus) é uma das ricas possibilidades de incentivo à leitura. Em muitos dos poemas em performances de slammers (como são chamados os que participam da competição de poesia falada), há referências a personalidades históricas, livros, poetas, pesquisas sérias (como as do IBGE, por exemplo).

Para maior compreensão das mensagens dos textos poéticos dos slammers, é preciso recorrer a leituras (de obras não literárias e literárias). Ademais, para ampliar o repertório e, por conseguinte, aperfeiçoar suas produções em verso, os educandos recorrem à leitura.

Não são poucos os depoimentos de discentes (dentre os quais muitos aos quais lecionei) associando o gosto pela leitura ao SLAM. O Jabuti 2021, Fomento à Leitura,  para o SLAM  Interescolar, e o Jabuti 2022, no Eixo Poesia, para a slammer Luíza Romão, só corroboram o que já é consensual: SLAM favorece a formação leitora.

Essa é a opinião de quem entende sobre o assunto. É  do professorado,  dos bibliotecários,  dos pesquisadores, dos agentes promotores da leitura, como o IBEAC, Jabuti deste ano: o SLAM leva ao livro! E, como dizem os poetas (os slammers, os grafiteiros, os rappers), O LIVRO LIVRA! 

A potência do SLAM para a leitura e para a produção textual (especialmente literária nos dois casos) é tão consensual, entre educadores, que consta da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), publicada em 2018. A BNCC é o documento normativo mais importante do país para orientação das redes de ensino, pública e privada.

A BNCC faz menção direta ao SLAM desde os Anos Iniciais, em “Práticas de Linguagem”, como uma das possibilidades de “produção textual” e de realização de “evento” (EF67LP12).

No Ensino Médio, “em relação à literatura, a leitura do texto literário, que ocupa o centro do trabalho no Ensino Fundamental, deve permanecer nuclear também no Ensino Médio”; leia-se SLAM também (como leitura e, também, escrita).

SLAM EDUCA

Essa mesma experiência de SLAM nas escolas, que se difundiu pelo país, vem (vinha) sendo desenvolvida pelo SLAM EDUCA na Grande Florianópolis, desde o segundo semestre deste ano (2024), por estudantes vinculados ao PET (Programa de Educação Tutorial), da Universidade Federal de Santa Catarina.

A proposta de trabalho do SLAM EDUCA, segundo o site do PET, é desenvolver-se em três etapas: 

1.a) Oficina de Poesia Falada nas escolas; 

2.a) (Após um mês da primeira) Competição de SLAM entre os estudantes de cada unidade;                                                 

3.a) Realização de SLAM Interescolar entre os finalistas da etapa anterior, que, além da disputa pelo título, têm seus textos publicados em antologia. 

Segundo representantes do SLAM EDUCA, a final do Interescolar será em 06/12/24, somente os estudantes das escolas estaduais não  participarão – seis unidades ao todo. 

RESPOSTAS

As lacunas do Ofício n.° 2.502, da Coordenadoria Regional de Educação de Florianópolis, suscitam preenchimento. Seriam as temáticas dos estudantes (machismo, racismo, desigualdade social, gênero, etc.)?  

Seria um preconceito contra a literatura periférica? Em vez de se fazer mais especulações aqui, é preferível cobrar explicações.

Que tal uma resposta oficial da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catariana, para começar um debate sério de verdade e, sobretudo, uma resolução em prol dos estudantes da rede estadual daquele estado? 

Até o fechamento deste artigo, em 22/11/24, apesar de várias tentativas de contato telefônico, não consegui falar com alguém responsável  da Secretaria de Estado da Educação para obter explicações.

Não encontrando notícias sobre a proibição do SLAM em Santa Catarina, dialoguei com algumas (alguns) jornalistas de meios de comunicação do estado: o assunto era ignorado por todas (os) com quem falei. Profissionais do Agora Floripa e do NDMais se interessaram pela pauta, informando-me que iriam apurar os fatos. 

Fábio Roberto Ferreira Barreto, é mestre em literatura pela USP, é professor da rede municipal de Ensino em São Paulo – SP.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.


Baiana de acarajé fala sobre cultura alimentar como forma de resistência nas periferias

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Desde 2004, o ofício das baianas de acarajé é reconhecido como Patrimônio Imaterial Brasileiro, pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e no dia 25 de novembro é celebrado o Dia Nacional da Baiana de Acarajé. Assim como toda culinária de matriz africana, o bolinho que leva entre os ingredientes feijão fradinho, cebola, sal e azeite de dendê, representa um elo de resistência e ancestralidade a partir da cultura alimentar.

Yalorixá no Ilé Asé Ketu Egbé Oni, que fica no bairro Jardim São Marcos, em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, Ana Rita, 67, baiana de acarajé desde 1981, dois anos após se mudar para São Paulo, ressalta o papel histórico dessa função e do alimento. “Estou sempre defendendo a profissão das baianas de acarajé, fomos nós que entramos nesse ramo, que trouxemos da nossa ancestralidade. O acarajé, para algumas mulheres, é quem sustenta a casa”, coloca.

Ana Rita aponta que o acarajé é da região de Ketu, Nigéria e Benin, e que mesmo com toda a truculência da escravidão e seus efeitos, essa culinária permaneceu e se mantém viva na cultura brasileira.

“No começo, na senzala [as mulheres] saiam vendendo, não tinham os recheios, mas saiam vendendo [os bolinhos de acarajé] no fim de tarde para pagar as alforrias das outras ou dos outros escravizados. Essa foi a função do acarajé lá na senzala”, explica.

Bolinho de acarajé feito de feijão fradinho, cebola, sal e azeite de dendê.  (Foto: arquivo pessoal)

“Depois [o acarajé] passou para dentro do axé e as filhas de Oyá, que é o orixá que representa o acarajé, começaram a vender para pagar as obrigações [religiosas]”, conta Ana Rita sobre a conexão do alimento também com as práticas e tradições de matrizes africanas.

“A comida sempre faz ponte em qualquer lugar do mundo com [o lugar de] onde você veio e isso é bom, porque isso não morreu na ancestralidade. Ainda tem pelo menos a comida que faz essa ligação, porque da religião se perdeu muito em África”

Ana Rita, yalorixá e baiana de acarajé.

Através do consumo do acarajé, a baiana afirma que nas periferias, formadas principalmente por pessoas negras, muitas pessoas se conectam com suas origens. “Tem [pessoas] que chegam e querem saber a história, conversam, perguntam, a gente explica, isso é se conectar com seu ancestral. E aí você nem conhece aquilo e o cheiro, que é do dendê, te conecta com algum lugar que você [às vezes] nunca foi, com a Bahia, com a África”, diz a baiana. 

Sexta, sábado e domingo são os dias que Ana Rita vende acarajé, que é feito no Ilé e pode ser retirado no local ou por entrega. Ela também aceita encomendas para eventos, como casamentos e festivais, através do seu empreendimento Ojó Bahiano. Ela circula por eventos no território, como a festa julina da Igreja Nossa Senhora do Carmo, no Capão Redondo, onde fez boa parte de sua clientela.

Ojo Bahiano é o nome do empreendimento de Ana Rita. (Foto: arquivo pessoal)

“Teve um cliente que ligou para alguém lá da Bahia dizendo, ‘olha encontrei acarajé de baiana’. É tão bonito ver que a pessoa encontrou uma coisa que levou ele pra família, porque às vezes a gente não tem dinheiro para visitar a família e isso traz a família para perto”, conta Ana Rita sobre a conexão com seus clientes que são migrantes da Bahia.

Trajetória

Ana Rita foi uma das fundadoras do Movimento Negro no Campo Limpo e é aposentada com técnica de enfermagem. “Trabalhei 41 anos na saúde e como o dinheiro nunca deu, sempre vendi acarajé”, comenta sobre o início que se deu também como forma de complementar a renda familiar.

Ana Rita vende acarajé e outras iguarias da Bahia em eventos. (Foto: arquivo pessoal)
No recheio do acarajé vai caruru, vatapá, camarão e tomate. (Foto: arquivo pessoal)

Ela é de Salvador, Bahia, e viveu no bairro do Garcia até 1978, quando se mudou para São Paulo, com 18 anos, fugindo das agressões que o pai dela cometia contra a mãe. “[Eu vim trabalhar] para uma espanhola, fiquei na casa dela por três anos. Saí de lá, entrei no hospital e não saí mais”. Ela começou a vender acarajé para complementar a renda desde que deixou de atuar como trabalhadora doméstica e passou a precisar de moradia, pois antes morava no trabalho.

“Acarajé é ancestralidade. Eu faço iguarias baianas, mas acarajé a gente faz de família. Minha avó fazia, minha mãe, [era] o quitute da tarde, porque lá [na Bahia] era tudo barato, lá você tem dendê à vontade”

Ana Rita, yalorixá e baiana de acarajé

Ana Rita relembra que sua mãe tinha o hábito de cozinhar para os filhos e que os saberes da culinária ancestral do acarajé continuam sendo passados adiante. Atualmente ela tem a companhia de sua filha, Dandara, que ajuda nas vendas e no preparo.

Baiana de acarajé
Yalorixá no Ilé Asé Ketu Egbé Oni, Ana Rita prepara e vende acarajé no local. (Foto: Viviane Lima)

“Era um afeto que ela [a mãe] tinha de fazer o acarajé e dá para a gente comer, e não tinha o recheio não, viu? Eu gosto de sentir o gosto do feijão, aquela coisa que me reporta a minha infância, ao amor de mãe, daquele útero que me pariu. Eu fico muito lisonjeada vivendo de acarajé”, compartilha Ana Rita com os olhos brilhando ao falar de sua mãe, Maria Edelvira.

O azeite de dendê, que é usado na fritura, para a baiana, é o principal ingrediente do bolinho. “Porque o dendê é de lá [do Continente Africano], porque é o dendê que dá sabor, é uma delícia, é da ancestralidade. Eu acho que a gente não tem que mudar aquilo que nossos ancestrais trouxeram e que é bom, porque se você [sentir] o cheiro de dendê, já se reporta ao acarajé. Agora estão inventando de fritar no óleo. Não é a mesma coisa, até porque o óleo passa por um processo químico e o dendê se consegue fazer em casa”, comenta.

Segundo ela, o acarajé segue sendo um elemento de resistência da cultura negra no Brasil. “Eu acho que é o único lugar do mundo que guardou nossa comida, do povo negro, porque tem povo negro no mundo inteiro, mas quem guardou essa questão da comida, da alimentação, essa ligação com a África fomos nós brasileiros”, finaliza.

Feira valoriza cultura e impulsiona empreendedorismo negro no Jardim Ângela

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A Primeira Feira Preta de M’Boi Mirim e Região do Jardim Ângela, que busca fortalecer a cultura e o empreendedorismo negro na periferia, acontece no dia 24 de novembro, na zona sul de São Paulo, sendo organizado por mobilizadores culturais locais, em parceria com a Sociedade Santos Mártires, entidade reconhecida pela atuação em prol das comunidades da região.

A criação da Feira Preta foi impulsionada por discussões e debates promovidos nos fóruns culturais da região. A proposta é abrir espaço para que empreendedores locais exponham e vendam seus produtos nos setores de estética, artesanato e alimentação, estimulando o crescimento econômico local e o desenvolvimento das redes de apoio entre empreendedores negros.

Além da área de exposição e vendas, a Feira contará com um palco para apresentações culturais, incluindo roda de samba, intervenções poéticas e falas sobre a importância da valorização e fortalecimento da identidade negra, como parte das celebrações do Dia Nacional da Consciência Negra. A programação foi pensada para atrair pessoas de todas as idades, oferecendo uma variedade de atividades culturais e de entretenimento que fortalecem o senso de comunidade e promovem uma reflexão sobre temas como o racismo, o empreendedorismo negro e o papel da cultura como elemento de resistência e transformação social.

A Primeira Feira Preta de M’Boi Mirim é mais do que um evento; é uma celebração e um chamado para que a cultura negra seja vista, ouvida e valorizada. A expectativa é que o evento se torne um marco anual na região, incentivando a participação de empreendedores e artistas e trazendo novas perspectivas de desenvolvimento para o território.

Serviço
📅 Data: 24 de novembro
Horário: 10h às 17h
📍 Local: Rua Luís Baldinato, nº 9, Jardim Ângela
🎤 Atividades: Exposição de produtos, apresentações culturais e rodas de conversa.

“Nos demais meses você praticamente não existe”, diz escritora sobre convites no mês da Consciência Negra

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Com a agenda de trabalho lotada para o mês de novembro, entre uma atividade e outra, a escritora Elizandra Souza nos recebe em um salão de beleza no Jardim Porto Velho, bairro do distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo, enquanto trança o cabelo para se preparar para os compromissos das próximas semanas. Segundo Elizandra, novembro é o mês em que as pessoas negras, sobretudo artistas, mais recebem convites de eventos por conta da demanda social e da pauta racial que é discutida de forma intensa nesse período.

A escritora aponta que em novembro existe um grande fluxo de ações, sendo que nos demais meses do ano essa demanda é menor. “É uma conquista a gente conseguir que pelo menos em novembro sejamos convidados, mas [isso] precisa avançar”, coloca Elizandra, que também é jornalista, poeta, editora, produtora cultural e atua como ativista cultural desde 2002.

“Novembro tem atividade quase todos os dias e nos demais meses praticamente você não existe.”

Elizandra Souza, jornalista, escritora e fundadora da editora Mjiba.

Elizandra afirma que o aumento da quantidade de trabalhos que surgem nesse período não é um problema. Para ela, a principal questão é que as pessoas negras, principalmente as que atuam na área da cultura, precisam de oportunidades de trabalho durante o ano todo, assim como o combate ao racismo também deveria acontecer. 

Leci Brandão entregando a Medalha Theodosina para Elizandra Souza em reconhecimento da sua literatura e trajetória. (Foto: arquivo pessoal)

“Eu sou muito favorável que aconteça os convites em novembro, não é para eles deixarem de acontecer, mas precisa se estender durante o ano. Novembro só não é suficiente”, coloca a escritora.

Com relação às empresas que procuram pessoas negras apenas para cumprir um calendário institucional e que não têm real comprometimento com as questões raciais, quando convidada, Elizandra diz que também ocupa esses espaços de forma estratégica. Hoje estamos numa sociedade que se você não é antirracista é ultrapassado, então as instituições [nos] contratam porque elas são questionadas [sobre isso]”, comenta.     

Para ela, estar em espaços institucionais que usam a pauta antirracista como marketing também é uma forma de questionar as estruturas. “Eu vou nesses lugares e tenciono: ‘quantas pessoas negras estão na coordenação?’. Entre um texto e outro a gente joga a sementinha de dizer [que] precisamos mudar”. 

Elizandra no lançamento do livro ‘Filha do Fogo’, que aconteceu na Ação Educativa, em 2020. (Foto: arquivo pessoal)

“Às vezes você está numa empresa dando palestra e tem um jovem aprendiz negro que te ouviu, possa ser que esse jovem [vire] um coordenador e ele ouviu aquela palestra, então ele sabe que precisa de mudanças estruturais. Só que [isso se dá a] longo prazo, porque é mudança de pensamento”, explica a escritora.

Fora o mês de novembro, Elizandra conta que por também tratar de assuntos de gênero, tem algumas datas em que as demandas de trabalho melhoram, como em março pelo Dia Internacional das Mulheres, e em julho, devido ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

“Tem a [situação da] pessoa te convidar e achar que porque está te pagando, está te comprando. É essa neocolonização, o ciclo que se repete de outras formas, [mas] de sempre achar que você é uma mercadoria.”

Elizandra Souza, jornalista, escritora e fundadora da editora Mjiba.

Ao analisar problemáticas relacionadas às condições em que determinados convites são feitos, a escritora comenta que escreveu o texto ‘Chegou novembro, cuidado com os convites’, publicado em 2022, no qual ela dá dicas sobre o que as pessoas devem considerar quando forem chamar uma artista negra para trabalhar.

Segundo ela, a principal situação enfrentada por pessoas negras, com relação aos serviços prestados em novembro, está vinculada à falta de noção de que o trabalho precisa ser remunerado, o que relaciona ao racismo estrutural. “[É] a escravização do conhecimento essa coisa de achar que a gente tem que trabalhar de graça ou por ser um conhecimento imaterial, que ele não precisa ser remunerado”, aponta.

Antirracismo

Desconsiderar que pessoas negras podem ser especialistas e capazes de falar sobre qualquer temática além de racismo é um erro que por vezes ocorre. No entanto, pessoalmente para Elizandra isso não é um problema. “A gente pode falar de qualquer tema, mas o meu tema sempre vai trazer a questão racial e de gênero. Porque eu acho que é tudo sobre isso, [inclusive] a desigualdade do mundo”.

Mês da Consciência Negra
Feira do livro da Câmara Periférica do Livro (CPL), uma rede de editoras e selos independentes. (Foto: arquivo pessoal)

Bibliotecas, ONGs, escolas, coletivos e instituições culturais são os espaços que mais procuram pelos serviços da escritora. Ela diz que palestras, formação de professores e apresentações com o Sarau das Pretas, coletividade da qual ela participa, são as principais atividades realizadas. 

Ações voluntárias não são descartadas pela escritora. Ela menciona que as contrapartidas podem ser negociadas a depender de onde e para quem ela irá prestar o serviço. Elizandra ressalta que não pode sair de casa e ter custos para ir trabalhar, que em cada espaço avalia os combinados. Trocas com crianças e adolescentes a partir de ONGs e comunidades do território também a fazem reconsiderar as questões de custos. “Dialogar com a juventude para mim é uma das coisas que eu não quero deixar de fazer por conta de grana”, afirma.

Posse da Academia Estudantil de Letras (AEL) na qual Elizandra foi homenageada, em novembro de 2024. (Foto: arquivo pessoal)

A escritora ainda pontua que é importante ter pessoas brancas aliadas, mas que elas não devem ser as protagonistas. “Às vezes eu fico preocupada com a coisa do antirracismo, porque as pessoas brancas que pesquisam a questão racial continuam no palco. Como o racismo é estrutural, quando uma pessoa branca se especializa na temática racial ela é muito mais convidada [para palestras] do que eu, porque vão ouvir os seus iguais. Porque eu vou falar de racismo, de machismo e [isso] é indigesto”, analisa.

Elizandra ressalta que ações pontuais não são capazes de resolver o racismo. Para ela, não dá para pensar no letramento racial sem que as pessoas negras estejam inseridas nesse processo e para isso acontecer é necessário que haja escuta e troca. 

Embora as pessoas negras tenham conquistado muitos progressos, ela salienta que ainda há muito a ser melhorado e recomenda, quando possível, “aceite os convites que celebrem a potência artística que você é”, finaliza.

Educação através do skate na Cidade Tiradentes

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O Simpósio teve como tema “Das Ruas à Educação: Das Práticas que Temos ao Mundo Queremos” e buscou reunir e conectar pessoas interessadas no skate como prática esportiva, social e educativa. 

Foi um dia com diferentes atividades, com conferências, palestras, relatos de atuação, minicursos, rodas de conversas e muito mais onde o skate é o meio para a transformação. Uma oportunidade única de fomentar a discussão sobre os impactos necessários para o mundo que queremos e como esse caminho vem sendo construído em suas mais diversas formas. O Coletivo Cultural Love CT, em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura, idealizaram e foram os realizadores do Simpósio. 

O Coletivo surgiu em 2005, quando um conjunto de jovens skatistas moradores começou a dar rolês de skate por Cidade Tiradentes. Pela falta de equipamentos de lazer e cultura em Cidade Tiradentes, os skatistas não só demandaram e, seguem demandando ao poder público a construção e manutenção de equipamentos públicos em seus bairros, mas produzindo seus próprios picos e áreas skatáveis, gerando novos usos e possibilidades de sociabilidade no espaço público urbano.

Em 2011, o Coletivo criou o projeto social “Love CT: Inclusão e Resgate Skateboarding” pelo qual passou a promover aulas de skate gratuitas na praça e na pista de skate ao redor do CEU Inácio Monteiro para crianças e jovens moradoras da Cidade Tiradentes. O intuito era fortalecer uma memória territorial e periférica de apropriação do espaço através do skate que se propaga e renova pela juventude.

O surgimento do Coletivo e do projeto social é reconhecido por seus integrantes dentro do contexto de efervescência da organização em coletivos culturais nas periferias de São Paulo, e da produção artística em resposta aos inúmeros dilemas que atravessam as “Sujeitas e Sujeitos Periféricos” e os territórios periféricos. Segundo o sociólogo Tiaraju D’Andrea (2022):

“Foram cinco os principais motivadores do aumento do número desses coletivos [culturais]: a produção artística como forma de pacificar um contexto violento; a produção artística como forma de sobrevivência econômica; a produção artística como forma de participação política; a produção artística como forma de valorizar o bairro e; a produção artística como emancipação humana”.

Tiaraju D’Andrea, sociólogo. A formação das Sujeitas e dos Sujeitos Periféricos: cultura e política na periferia de São Paulo. Editora Dandara.

Ao longo dos mais de dez anos de realização do projeto, fica evidente como skate se realiza como prática educativa, cultural e política produzida por “Sujeitas e Sujeitos Periféricos” e fortalecida pelo seu lugar de referência, Cidade Tiradentes. 

Durante as aulas, os educadores do projeto social ministram o que consideram “bases do skate”, que inclui desde o reconhecimento do espaço, do skate e do próprio corpo com a proposição de exercícios. 

Entretanto, as instruções não se limitam aos ensinamentos técnicos, pelo contrário, estão acompanhadas de discursos sobre a importância da preparação mental e física e permeadas de valores de disciplina, persistência, resistência, respeito, escuta e partilha do espaço. 

As bases do skate reconhecem as crianças e adolescentes que participam do projeto social como criadoras de repertórios de manobras e estilos autorais e, por isso, as estimulam a criar e imaginar manobras e movimentos a partir das condições da pista e da rua. Os educadores também as incentivam a praticar o skate para além do momento da aula ou da participação no projeto social, mas que sobre as rodinhas explorem e se apropriem da cidade.

As novas possibilidades de sociabilidade no espaço público urbano periférico propiciadas pelo skate como prática esportiva, social e educativa permitem a realização do encontro no espaço público urbano periférico. 

No Love CT Skate, o encontro é tanto uma prática espacial relacionada com a efetivação do direito à cidade, conforme teoria elaborada pelo filósofo francês Henri Lefebvre (1999), quanto um ato político de apropriação do espaço para a constituição de lugares.

Henri Lefebvre, ao tratar do “Direito à cidade” no livro intitulado “A Revolução Urbana” (1999), defende a importância do encontro e das festividades na cidade em espaços públicos enquanto direitos, que se incluem nos direitos humanos e nos direitos dos cidadãos. 

O autor acredita que o encontro é fundamental para a vida na cidade, pois “os signos do urbano são os signos da reunião”. Propiciar a reunião e o encontro na cidade confere as possibilidades de trocas simbólicas e significativas entre as pessoas que constituem parte dos direitos e componentes do “Direito à cidade” de Lefebvre. 

Assim, o skate como prática esportiva, social e educativa visto como possibilidade de encontro na cidade pode ser entendido como parte das ações e direitos culturais que melhoram a nossa condição cidadã. 

Em um contexto em que pode-se caracterizar nossa cidadania como incompleta ou “mutilada”, nos termos do geógrafo brasileiro Milton Santos. Para o autor, “cada pessoa vale pelo lugar onde está. E o seu valor como cidadão depende de sua localização no território”. Ou seja, a depender de nossa localização no território nacional, ou até dentro de uma mesma cidade, é possível notar que variam as nossas possibilidades de acessos aos bens e equipamentos imprescindíveis à vida, o que caracteriza as desigualdades de oportunidades de acesso, mutilando a nossa cidadania. 

Nesse sentido, é possível reconhecer a importância do Coletivo Cultural Love CT ao proporcionar possibilidades de acessos aos bens e equipamentos esportivos, culturais e educacionais na periferia.  

O skate como prática esportiva, social e educativa organizado pelo Coletivo Cultural Love CT visto como possibilidade de encontro na cidade e entendido como parte das ações e direitos que compõem e melhoram a nossa condição cidadã se insere naquilo que a geógrafa brasileira Sílvia Lopes Raimundo (2017) menciona ao falar dos sujeitos e integrantes dos coletivos de cultura que desenvolvem suas atividades artísticas em diferentes linguagens associadas às lutas políticas em um contexto reivindicatório, apontando que a linguagem e a estética das artes tornam-se veículos para a exposição de críticas à ordem contra racionalidade. 

Arte e cultura criam espaços de liberdade de expressão e trocas de saberes, urdindo condições para a construção de outros olhares sobre a cidade. 

Criam constantemente projetos éticos, estéticos e comprometidos com a periferia, onde São Paulo, vista pelos empreendedores imobiliários, latifundiários urbanos e Estado como espaço do capital, toma outra dimensão. Uma cultura de caráter democrático confere à cidade uma estética política. Para a autora:

“Arte vista como uma expressão que pode dar sentido e significado a nossa existência, funciona como uma linguagem privilegiada para expressar uma infinidade de reflexões. Que por provocar certa angústia, nos encoraja conhecer não somente o nosso lugar, mas os lugares dos outros também, fazer pesquisa e criar um repertório sobre o território da cidade. Então, a arte abre o olhar, amplia os horizontes geográficos. E é do fazer Arte [a estética] e das experiências individuais e coletivas que surgem os projetos de maior escala, os mais políticos e éticos. A arte e a estética entrelaçadas, criando experiências estéticas e abrindo caminhos como prática política”.

Silvia Lopes Raimundo, geógrafa.

Nesse movimento, os sujeitos dos coletivos culturais de periferia estabelecem um projeto cultural para as periferias que supera o lugar de consumidor e avança para a conquista do lugar de criação, não somente no campo da produção cultural, como também de políticas públicas, especialmente aquelas que garantam, no âmbito dos Direitos Humanos, o pleno gozo do Direito à Cultura.

Essas práticas políticas, produções e expressões culturais, criam, segundo a autora, “condições favoráveis para o surgimento de novas formas de conceber políticas públicas, consolidando, dentro da ordem democrática, uma cultura política que potencializa o sentido e as condições de exercer a cidadania”.

O 1º Simpósio de Educação pelo Skate LOVE CT “Das Ruas à Educação: Das Práticas que Temos ao Mundo Queremos”, é mais um capítulo importante na longa trajetória do Coletivo, do projeto social e de Cidade Tiradentes que propiciou a união do amor pelo skate e a educação em um só lugar.

O Simpósio foi um evento para reflexão, diálogo e, principalmente, encontro entre as políticas públicas de educação, cultura e esporte no urbano. O encontro entre projetos sociais, educadores e professores. O encontro de sonhos e projetos de futuro para as cidades e para as periferias.

Vithoria Sampaio Romão e Thiago Andrade Gonçalves são geógrafos pelo Instituto das Cidades Campus Zona Leste da UNIFESP e pesquisadores de pautas culturais e educacionais periféricas.

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