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“Somos matáveis”: abolicionismo penal revela presença da escravidão dentro do sistema prisional brasileiro

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Entrevista realizada pelo Desenrola com Fábio Pereira Campos, abolicionista e integrante do movimento social Amparar, mostra como o tratamento desumano dado aos escravos durante mais de 300 anos no Brasil continua mais vivo do que nunca, só que agora, acontece também dentro dos presídios brasileiros.

Fábio Pereira Campos, 44 anos, abolicionista e integrante da Associação Amparar. Foto: Arquivo Pessoal.

Como o Abolicionismo Penal poderia transformar a vida da população negra brasileira, moradora das periferias e favelas que passa pelo processo de encarceramento? Essa é a pergunta que norteia a entrevista especial realizada com Fábio Pereira, 44, estudante de Serviço Social na Universidade Federal de São Paulo, que apresenta uma série de argumentos sólidos que questionam se o dia 13 de maio é de fato uma data para celebrar a Abolição da Escravatura no Brasil.

“A gente tem dificuldade de elaborar história e memória. Enquanto a gente não conseguir fazer isso de uma forma mais sistematizada, a história vai ser sempre contada pelo outro (pessoas brancas). E pelo outro ficou tudo legalzinho, a princesa assinou a Lei Áurea, e ficou tudo certo”, ironiza o estudante de serviço social.

Desde 2015, Pereira atua como militante no movimento social Amparar, atendendo pessoas e famílias afetadas pelas marcas do sistema prisional brasileiro, em busca de garantir acesso à informação e a direitos fundamentais, que possam reduzir o sofrimento destes sujeitos, que em sua maioria são negros e moradores das periferias e favelas.

“As famílias que estão sofrendo processos de vulnerabilidade social”

Na Amparar, Fábio Pereira realiza atendimento de famílias afetadas pelas desigualdades sociais causadas pelo sistema prisional brasileiro.

Fábio participou de um intercâmbio em fevereiro de 2022, onde conheceu organizações de lutas antiprisionais na Argentina. Foto: Arquivo Pessoal.

 Além deste trabalho, ele utiliza a sua vivência dentro da universidade para desenvolver uma pesquisa sobre o Abolicionismo Penal, que de acordo com suas descobertas, se trata da continuidade da escravidão, através de uma série de fatos que mostram claramente que o tratamento dado aos escravos durante mais de 300 anos no Brasil continua mais vivo do que nunca, só que agora, acontece dentro dos presídios brasileiros.

Esse estudo tem o objetivo de entender como os assistentes sociais atuam para ajudar as famílias de pessoas presas, e quais são os retornos que esses profissionais recebem diante de todo esse trabalho.

“As famílias que estão sofrendo processos de vulnerabilidade social, tem todo um processo do aumento da pobreza, porque elas têm que dar conta de suas casas, e tem que dar conta para manter uma pessoa que está presa”, argumenta.

Segundo o estudo de Pereira, a sociedade enxerga o Abolicionismo Penal de forma limitada, e que é preciso desmistificar o que as pessoas entendem, pois essa não é uma ação com finalidade de acabar com as cadeias ou colocar todo mundo na rua.

“A ideia do abolicionismo penal é abolir a pena , e dessa forma a prisão perderia a sua suposta função social, que é maquiar o controle e as torturas de determinados corpos racializados através de uma falsa ideia de justiça”, , explica Pereira.

Outro propósito do Abolicionismo Penal é  garantir que essas pessoas encarceradas e suas famílias sejam acolhidas e auxiliadas diante de suas realidades, sem precisarem passar pela malha do judiciário. “É preciso pensar políticas públicas que alcancem uma dimensão que não determine outro processo de isolar aquelas pessoas e acharem que os problemas estão sendo resolvidos a partir do isolamento, sendo que essa pessoa tem que sair em um determinado momento e ela precisa de alguma forma ser restabelecida na sua cidadania”, explica Pereira.

Sobreviventes: marcas da escravidão 

Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional, publicados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 66,3% da população carcerária no Brasil se autodeclara preta ou parda. Ou seja, dos 759 mil presos, 397 mil são afro-brasileiros e 195 mil são brancos.

“Você vai ficar 3 anos e 5 meses sendo torturado, de vez em quando vai chegar uma comida estragada e tudo bem, você vai tomar banho frio, e tudo bem se você tiver tuberculose e qualquer coisa”

Fábio Pereira é estudante de Serviço Social e pesquisador do Abolicionismo Penal.

Presença da Associação Amparar na Marcha da Maconha em 2019. Foto: Arquivo Pessoal.

Para Pereira, entre as marcas ainda presentes da escravidão nos dias de hoje diante da periferia, está o tratamento diferente para pessoas negras e brancas dentro das penitenciárias, o descaso com os encarcerados, a falta de políticas públicas para as famílias, e as condições dos serviços de saúde, alimentação e moradia dentro dos presídios.

“Ele [o juiz] não fala pra você: olha você vai ser preso, vai ficar 3 anos e 5 meses sendo torturado, de vez em quando vai chegar uma comida estragada e tudo bem, você vai tomar banho frio, e tudo bem se você tiver tuberculose e qualquer coisa, porque você vai ter que aguentar isso, porque você cometeu um crime”, argumenta Pereira.

No seu ponto de vista abolicionista, as cadeias foram construídas já pensando nos povos mais vulneráveis, e mesmo tendo pessoas brancas nesse espaço, esse local de cadeia, de aprisionamento, foi e sempre será mantido para pessoas pretas, isso simboliza um marco da escravidão e que afeta até hoje a realidade dos povos das periferias.

“As pessoas estão morrendo de fome na cadeia, tem alguma coisa muito errada com a nossa humanidade. Só que é a mesma humanidade que construiu esse processo escravista, porque as pessoas que frequentam ou são levadas para dentro do sistema prisional, elas têm as mesmas características dos nossos ancestrais”, afirma.

“Essas pessoas não são egressas, são sobreviventes do sistema prisional”

Desde 2015, Fábio Pereira trabalha na Amparar, organização social que promove ações para garantir os direitos sociais de pessoas encarceradas e suas famílias.

Fábio Pereira, abolicionista, estudante de Serviço Social e criado na favela do Jabaquara, Americanópolis. Foto: Arquivo Pessoal. 

De acordo com o Anuário de Segurança Pública de 2021, 250 presos morreram no sistema prisional do Estado de São Paulo em 2020. O Rio de Janeiro ficou em segundo lugar, com 154 óbitos. O suicídio está entre as principais causas das mortes de presos, segundo o estudo.

Pereira considera que as pessoas que conseguem sair do sistema prisional no Brasil não são egressas, como aponta a Lei de Execução Penal (LEP), mas sim, sobreviventes. Esses sobreviventes são vistos como mercadorias, e sempre colocadas de escanteio, principalmente quando seus perfis se tratam de pessoas pretas, periféricas, a falta de auxílio dentro das cadeias para esses que são tratados como minoria, é presente e visível.

“A pessoa não é confundida, ela é identificada”

Fábio Pereira atua como assistente social, dialogando diretamente com pessoas que sobreviveram ao sistema prisional brasileiro.

“Uma pessoa presa, o Estado vive dizendo que ela custa de 3 a 4 mil, e a gente sabe que essa não é a grana pra manutenção da vida dessas pessoas. Esses lugares de confinamento, esses calabouços que se institui as prisões no Brasil, e no mundo”, diz.

Na Bahia, onde 81,1% da população se autodeclara preta ou parda, o estado diz que gasta 3.273 reais por cada preso dentro do sistema prisional. Em Tocantins, esse valor aumenta ainda mais. O estado gasta por mês 4.200 reais por preso. Em São Paulo, o governo gasta 1.373 reais com cada preso, um valor que reforça a tese de Pereira, de ser um valor insuficiente para manter uma pessoa vivendo com dignidade dentro do sistema prisional. 

O formato de encarceramento no país 

Mas para além desta realidade, está o fato de que a construção de um sujeito criminoso ainda precisa ser debatido, pois foi estruturada no pensamento de que “bandido bom é bandido morto”, e é a partir deste pensamento que o sistema penal do país começa a colocar em prática seus formatos de encarceramento.

“A pessoa não é confundida, ela é identificada, ela tem uma identidade racializada enquanto sujeito criminoso, porque ela tá dentro desse bojo da construção desse sujeito”, enfatiza o abolicionista.

O estudante e pesquisador entende o sistema penal como um espaço de castigo, no qual as pessoas são tratadas como material descartável, e que ninguém faz nada para mudar, por isso, ele ressalta a importância de lutar e pontuar o que realmente acontece dentro desses locais, e que isso já não é mais um sistema, isso é um crime.

“A gente precisa reivindicar esse lugar, a gente precisa apontar o que as prisões têm feito no mundo também é um crime de lesa-humanidade, e ninguém se importa. Porque são pessoas que são descartáveis”, afirma o abolicionista.

O estudante de serviço social também diz que o tratamento praticado diante de pessoas em estado de encarceramento é sempre baseado em sua etnia, do solo de onde veio, e que isso sempre aconteceu, pois, segundo ele, a ideia era que pessoas negras fossem totalmente arrancadas da sociedade, reforçando também o fato de que os povos pretos são sobreviventes no país.

“Cadeia não reabilita ninguém, é simplesmente um lugar de castigo, de vingança social, são as pessoas que sobreviveram ao processo de embranquecimento no Brasil que vão passar por esses lugares. Porque a ideia é que não existisse mais negros em 2022”, finaliza.

Artistas e coletivos de reggae, moda e funk ocupam as Fábricas de Cultura em maio

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As unidades da Brasilândia, Diadema, Jardim São Luís e Capão Redondo contam com programação gratuita e variada ao longo do mês de maio.  

Dub Lova Experimental Sounds

 Neste sábado (14) de maio, a unidade da Fábricas de Cultura do Jardim São Luís, localizada na zona sul de São Paulo, vai celebrar o Dia Nacional do Reggae (11 de maio) com o Festival Reggae: a Vida com Amor, que começa às 15h, é reunirá artistas como a cantora e compositora Marietta, a operadora de som Selectah Tuti, e o coletivo Dub Lova Sound System System, que trata um repertório musical que inclui instrumentais clássicos da música jamaicana e suas vertentes. Entre um show e outro, a DJ Jazz irá discotecar ao longo do evento.

Além da programação musical, a unidade do Jardim São Luís terá espaço para o teatro. No dia 18 de maio, às 10h, a Cia Arte Raiz apresenta a peça O Homem que Queria Enganar a Morte. Com tradução simultânea em Libras, a peça traz a história de um homem que, para salvar o filho, pede à morte que o leve no lugar do menino. A morte aceita e diz que daqui sete anos vem buscá-lo. Quando chega o dia, ele decide armar um plano para enganá-la.

Outra programação aberta ao público é a Instalação Trono Cadeira Realeza Periférica, intervenção artística que acontece na Fábricas de Cultura de Diadema até 31 de maio. Criada por jERONa RuyCe, artista plástico e arte educador, a obra propõe a reflexão sobre as questões territoriais, e lugares que são destinados para a existência da população preta e periférica que anseia ser Reis, Rainhas, Príncipes e Princesas do seu existir.

No dia 19 de maio será a vez do cinema ocupar a unidade Diadema, que exibe às 19h o web documentário “Somos Plurais, Vidas Trans Importam!”, que conta com relatos de experiências de vida e luta das pessoas trans em seu cotidiano, seguido de falas contra o combate a homofobia e finalizado com uma apresentação cultural. A atividade faz homenagem ao Dia Internacional contra a Homofobia (17/5).

Já no dia 20, às 19h30, ocorre a Batalha das Minas, evento que ocupa a unidade Brasilândia, na zona norte de São Paulo, com o intuito de enfatizar o empoderamento feminino e valorizar cada vez mais a participação das mulheres no universo das batalhas.

A programação do mês será finalizada com duas atividades ligadas ao funk na Fábrica de Cultura Capão Redondo. No dia 24 de maio, às 15h, a unidade realizará um bate-papo com a pesquisadora e funkeira Renata Prado e a estilista e fotógrafa Fernanda Souza sobre “A Moda da Ostentação: A economia criativa do funk e seu impacto no universo fashionista”.

E no dia 26, às 14h30, acontece o workshop “Academia do Funk: da teoria à prática”, também com Renata Prado. A funkeira trará uma vivência corporal para ensinar técnicas de rebolar, além de trazer conhecimento histórico e corporal sobre a dança do funk como prática artística a partir da corporeidade periférica.

Para entrada nos prédios das Fábricas de Cultura é obrigatório a apresentação do comprovante de vacinação contra covid-19, com duas doses ou dose única e as unidades do programa recomendam o uso da máscara de proteção nos ambientes internos. A programação completa pode ser acessada no site das Fábricas de Cultura.

Serviço 

Fábrica de Cultura Jardim São Luís

FESTIVAL REGGAE, A VIDA COM AMOR

Com: Dub Lova, Dj Jazz, Marietta & Selectah Tuti

14/5 – Sábado – 15h

Atividade Livre – Lotação: 40

Local: Rua Antônio Ramos Rosa, 651 – Parque Santo Antônio – São Paulo/SP

O HOMEM QUE QUERIA ENGANAR A MORTE

Com: Cia Arte Raíz | Coordenação: Equipe de Biblioteca

Atividade com tradução simultânea em Libras

18/5 – Quarta-feira – 10h

Atividade Livre – Lotação: 15

Local: Rua Antônio Ramos Rosa, 651 – Parque Santo Antônio – São Paulo/SP

Fábrica de Cultura Diadema

INSTALAÇÃO: TRONO CADEIRA REALEZA PERIFÉRICA EM DIADEMA

Artista: jERONa RuyCe

De 3 a 31 de maio

Visitação: de segundas a sexta das 9h às 21h, e aos sábados 9h às 17h.

Atividade Livre – Lotação: 40

Local: Rua Vereador Gustavo Sonnewend Netto, 135 – Centro – Diadema/SP

WEB DOCUMENTÁRIO: SOMOS PLURAIS, VIDAS TRANS IMPORTAM!

19/5 – Quinta-feira – 19h

Atividade Livre – Lotação: 40

Local: Rua Vereador Gustavo Sonnewend Netto, 135 – Centro – Diadema/SP

Fábrica de Cultura Brasilândia

BATALHA DAS MINAS

20/5 – Sexta-feira – 19h30

Atividade Livre – Lotação: 40

Local: Av. General Penha Brasil, 2508 – Vila Nova Cachoeirinha – São Paulo/SP

Fábrica de Cultura Capão Redondo

A MODA DA OSTENTAÇÃO: A ECONOMIA CRIATIVA DO FUNK E SEU IMPACTO NO UNIVERSO FASHIONISTA

24/5 – Terça-feira – 15h

Classificação Indicativa: maiores de 14 anos – Lotação: 40

Local: Rua Bacia de São Francisco, s/n – Conjunto Habitacional Jardim São Bento – São Paulo/SP

ACADEMIA DO FUNK: DA TEORIA À PRÁTICA COM RENATA PRADO

26/5 – Quinta-feira – 14h30

Atividade Livre – Lotação: 40

Local: Rua Bacia de São Francisco, s/n – Conjunto Habitacional Jardim São Bento – São Paulo/SP

Mulheres transformam as periferias em centro de moto clubes femininos

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Iniciativa está criando uma rede de apoio para mulheres que trabalham, locomovem e se divertem em duas rodas na região metropolitana de São Paulo.

Encontro de moto clubes femininos em Guarulhos reúne mulheres de todos os cantos do estado. Foto: Wagner Germano

Com camisetas estilizadas e capacetes personalizados, um grupo de cerca de 100 mulheres pilotam motos e chamam a atenção nas ruas da cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo. Fazendo barulho com escapamentos e um coral de buzinas, elas distribuem sorrisos e acenos por onde passam.

Juntas elas integram cinco moto clubes femininos paulistas: Equipe Iluminadas do Asfalto, Apaixonadas por Duas Rodas, Comboio das Gatas, Rainhas do Toque e Equipe Motogirls 013, que, durante uma motociata realizada no domingo (13), desfilaram pelos bairros de Pimentas, Cumbica, Nova Cumbica, Parque Jurema e Centenário, com uma organização de segurança reforçada para evitar acidentes.

O perfil das participantes é diverso: mães, estudantes, trabalhadoras, entre 18 e 45 anos, e que moram em diferentes cantos da área metropolitana do estado, principalmente nas periferias. O evento foi mais um dos encontros promovidos por elas para se conhecerem, organizarem ações sociais e trocar experiências sobre como tem sido transitar nas cidades sob duas rodas.

Segundo o Detran de São Paulo, houve um crescimento de 8% no número de mulheres habilitadas para condução de motocicletas entre 2019 e 2021. O número saltou de 2,2 milhões para quase 2,5 milhões e, com isso, elas passaram a representar 25% do número total de motociclistas no estado.

Há 14 anos pilotando, Jéssica Pereira Lima, 29, criadora da Equipe Iluminadas do Asfalto, e responsável por organizar o encontro deste domingo em celebração ao Dia da Mulher, diz que ainda se espanta com a quantidade de mulheres que ocupam as ruas e avenidas com suas motos.

“Quando comecei a andar eu trabalhava com entregas, e na época nem tinham esses aplicativos, e o GPS quase ninguém usava. Dá até saudade disso. E hoje em dia, olho grupo e são muitas meninas pilotando. Comparando com antigamente não dá nem para acreditar”

Jéssica Pereira Lima, 29, criadora da Equipe Iluminadas do Asfalto

Membros do Iluminadas do Asfalto e Apaixonadas por Duas Rodas que fizeram o encontro acontecer: Foto Patricia Santos.

Pandemia em duas rodas 

Na análise do Detran-SP, o aumento de mulheres habilitadas para motocicletas foi provocado pela pandemia, uma vez que muitas mulheres estavam fora do mercado de trabalho e passaram a atuar em aplicativos de delivery para gerar renda.

A agente comunitária de saúde Talita Lessa, 32, moradora do Jardim Dionísio, zona sul de São Paulo, é uma dessas mulheres. Ela trabalha em um equipamento público de saúde durante o dia e, à noite, utiliza sua moto para fazer entregas. A jornada de trabalho também continua nos finais de semana, quando ela ministra aulas para mulheres habilitadas, tanto de moto quanto de carro.

Para Talita, pilotar é uma espécie de terapia. “Às vezes a gente só precisa pilotar para relaxar. Às vezes acontece uma coisa difícil no trabalho, alguém me maltratou naquele dia, então tudo que a gente quer é espairecer, tomar aquele ventinho no rosto, sentindo a sensação gostosa de liberdade. É uma terapia para gente.”

Talita Lessa, administradora do Comboio das Gatas e encontrou seu lugar ao lado de mulheres que pilotam. Foto: Patricia Santos.

Ela é uma das organizadoras do Comboio das Gatas, grupo que reúne cerca de 190 mulheres e tem sede no Jardim Ângela, zona sul da capital. Ele foi criado no ano passado em meio à pandemia da covid-19 e realiza encontros periódicos que são marcados e organizados por meio de um grupo no Whatsapp, além de interações no perfil da iniciativa no Instagram.

Foi nesse grupo que me encontrei. Aqui encontrei amizades verdadeiras, são pessoas que, se precisar, estarão lá para ajudar, ouvir ou só espairecer, tirar um lazer

Talita Lessa, 32, agente comunitária de saúde

Enfrentando o mecânico 

O uso intensivo da moto durante o trabalho de entregas com os aplicativos de delivery fez com que Talita demandasse mais de serviços de mecânica. Como nem sempre é possível pagar pelos consertos ou achar um mecânico ou mecânica confiável, ela passou a buscar soluções de maneira autônoma para os problemas que apareciam repentinamente na Ventania, nome com o qual batizou sua moto.

“Quando precisa, a gente se ajuda, colocando um fio no lugar, trocando o óleo, ajeitando uma mangueira, a corrente que se solta e, até mesmo, trocando um retrovisor quebrado”, conta.

Encontro de mulheres que pilotam reúne cerca de 100 motoqueiras em Guarulhos

O conserto alternativo tem dado tão certo que ela já auxiliou amigas que passaram pelos mesmos problemas. Quando a solução caseira não é o suficiente, Talita sempre tem em mãos o contato de mecânicos que ela considera que têm um atendimento diferenciado para as mulheres.

“Em termos de oficina, tem muitas pessoas que querem cobrar por um serviço que não é justo, querem cobrar mais pelo fato de nós sermos mulheres e não entender muito. Então, toda vez que a gente vai no Jander ele sempre explica: essa peça aqui faz isso, essa faz aquilo, e se eu fizer esse tipo de concerto pode ser que leve um tempo para danificar de novo, ou se a gente trocar uma peça por uma nova, mesmo que seja paralela, vai dar bom’. O ponto é que o Jander não enxerga a gente como sexo frágil”, argumenta.

O mecânico ao qual Talita se refere é Jander Sousa, 29, morador do Jardim Lídia, que tem uma oficina no Jardim Mazza, nas proximidades da Estrada do M´Boi Mirim, na região sul da capital. Segundo ele, cerca de 20% de sua clientela é formada por mulheres, muitas delas, integrantes do Comboio das Gatas. “É inusitado ver mulheres pilotando”, afirma. “Muda bastante a forma de explicar qual é a peça danificada e o que aquela peça vai fazer na moto dela”, diz.

O número de mulheres habilitadas cresceu 8% em dois anos. Foto: Patricia Santos.

“Tem muitas pessoas que tratam as mulheres de uma maneira que não é legal. Só porque elas estão andando de moto acham que elas estão tomando o lugar de certos homens. Tem muitos mecânicos que são assim”

Jander Sousa, 29, mecânico.

Trabalho, afeto e segurança  

Tayná Venturino, 24, moradora do Morro do Índio, bairro da zona sul de São Paulo, foi uma das criadoras do Comboio das Gatas. A motivação, explica ela, se deu porque não queria mais se sentir sozinha. Retornando de um longo período morando no interior do estado, ela queria conhecer mais pessoas que também eram apaixonadas por motos, assim como ela.

Com um grupo de Whatsapp e mensagens no Instagram disparadas para pessoas que ela identificou que eram motociclistas, o Comboio das Gatas foi criado. “No mesmo dia que eu criei o grupo deu a maior repercussão. Nunca imaginei que seria assim”, relembra.

Um dos propósitos da iniciativa é ser uma rede de apoio para suas integrantes, seja pessoal ou profissional. Talita relembra de quando uma das colegas do motoclube teve a casa alagada durante as fortes chuvas em São Paulo na primeira semana de março. Imediatamente ela e outras integrantes iniciaram uma mobilização e arrecadaram doações em dinheiro.

Foram recolhidos R$ 350, com os quais a colega de motoclube comprou alimentos básicos e complementou o pagamento do aluguel da casa onde ela mora atualmente. “Isso foi para dar força a ela e para ela entender que não tá sozinha. E sempre foi assim… quando alguém do grupo precisou de apoio, ela também já ajudou”, conta Talita.

Mulheres vieram do litoral de São Paulo para acompanhar o encontro de moto clubes femininos. Foto: Patricia Santos.

Após um ano de criação do motoclube Comboio das Gatas, Talita afirma que experiências como essa de apoio mútuo às mulheres do grupo transformaram positivamente o estado da sua saúde mental.

“Depois do Comboio das Gatas eu até parei de tomar remédios para depressão. Foi uma fase muito difícil. Chegou uma época em que eu só queria chegar em casa e me isolar literalmente, eu não queria fazer mais nada e foi muito ruim. Ninguém merece viver assim, todo mundo tem que saber o seu lugar e eu encontrei o meu aqui”, comemora. 

Na luta

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Entrar em diversas comunidades de São Paulo para acompanhar e fotografar os times me faz enxergar mais além, daí o nome “Além do jogo”. Não é só apenas uma partida de futebol em um lazer do fim de semana, muita coisa envolve a quebrada no decorrer disso tudo.

Nunca fui de escrever muito, mas dessa vez aceitei rsrs, como um novo desafio pra mim, e cá estou. Ao longo disso esperem por textos bem diversos, onde inclui muito futebol, quebrada e a galera que mora nela, onde faz muita coisa acontecer.

O futebol varzeano me propôs um olhar clínico não só para o futebol em si. Entrar em diversas comunidades de São Paulo para acompanhar e fotografar os times me faz enxergar mais além, daí o nome “Além do jogo”, não é só apenas uma partida de futebol em um lazer do fim de semana, muita coisa envolve a quebrada no decorrer disso tudo.

Muitas pessoas tiram hoje seu sustento do futebol varzeano, o que para muitos pode ser uma informação nova nesse exato momento. Já pensou quando você está na sua quebrada assistindo um jogo no campinho, o quanto de pessoas estão à sua volta trabalhando? Por mais que ali seja um lazer, para muitos também é um dia de trabalho.

Sim, trabalho!

Gosto muito de observar tudo isso quando estou em campo. Sabe aquele senhor ou senhora que está ali pegando e juntando as latinhas que a galera bebeu e colocando em suas humildes sacolinhas? é para completar a sua renda. Ou às vezes, e até pasmem, ou não, porque no país que vivemos já sabemos o que o nosso povo passa, é a única fonte de renda daquela pessoa.

A tia que faz seus gelinhos caseiros e sai na beirada de campo para vendê-los, o bar que fica próximo ao campo que lucra três vezes mais quando se tem partida no campo com o alto movimento de pessoas.

Campo do Maria Eugênia, localizado em Mutinga, Pirituba, SP. Foto: Juh na Várzea

Mas na quebrada o jogo está ficando cada vez moderno, tem fotógrafos, repórteres e todos eles estão ali, pois estão trabalhando e revendendo por isso. Tem também as empresas de artigos esportivos que vendem para cada time da quebrada e é de onde lucram.

E aí, você já percebeu o quanto a quebrada faz gerar renda?

Cada pessoa ali buscando seu sustento, sacrificando seu descanso, sacrificando seus sábados e domingos de lazer com suas famílias para (por ironia do destino) trazer o melhor para a sua família.

Me diz aí, agora quando tu for assistir um jogo na quebrada sua visão vai ser outra né não? Ou quem sabe lendo aqui você se identificou, porque seu pai, sua vó, tia, tio está na luta vendendo na beirada de campo.

Tu vai começar a reparar nessas pessoas que eu te falei nesse texto, pode ser em qualquer comunidade, a história se repete. Nosso povo sofrido atrás do mínimo enquanto a elite só arranca cada vez mais de nós.

Seguimos na luta. O povo da quebrada tem muito a ensinar. Viva ao povo da periferia!!

Caminhos e encruzas

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Um texto introdutório do caderno Conexões Territoriais, publicação gratuita sobre direito à cidade e mobilidade nos bairros de Guaianases, Itaim Paulista e Ermelino Matarazzo, na Zona Leste de São Paulo.

Foto: Yuri Vasquez

O texto que segue é a introdução da publicação Conexões Territoriais publicada no final de 2021 e na qual fiz incidência local e articulação em parceria com a Ciclocidade – Associação dos ciclistas Urbanos de São Paulo e a Fundação Rosa Luxemburgo.

Querendo acessar o material completo basta acessar o link aqui. 

• Quais as potências da minha quebrada?

• Há incentivos pra mobilidade ativa entre as periferias das cidades?

• Porque o asfalto e as calçadas da minha quebrada são diferentes das de outros bairros?

• Quem tem direito pleno a transitar no espaço público?

O ano é 2021. Estas perguntas e várias outras perpassam nossas mentes, nossos corpos, nossas corpas, ao longo dos nossos caminhos.

Há tempos. Há tempos nós, moradores e moradoras de subúrbios, quebradas, periferias, temos tido pouca atenção de governantes e pouca ou quase nenhuma abertura para influenciar no “lado A” do que as cidades apresentam como “nossa história”, nossa relevância na memória das cidades, nossa contribuição material e imaterial sobre o que é público, sobre o que é de “todos” e sobre o que sonhamos ser de todes por lei, por direito.

Pessoas de periferia, comprovadamente, são o grupo que tem menos direito à cidade, pois estas regiões, ao longo de décadas, tiveram acesso restrito a todos os serviços públicos, tem menos infraestrutura no geral, saneamento básico desigual (às vezes inexistente) e são as pessoas que mais pagam pelo transporte público das cidades, que é caro e que tem acessos e confortos “diferenciados”, dependendo de onde você acessa (ou “compra”) este serviço (pra alguns: este produto).

Foto: Yuri Vasquez

Somos nós, pessoas de periferia, que trabalhamos mais horas por dia, e também somos nós que viajamos mais horas pela cidade a trabalho, sendo exploradas por umas poucas famílias endinheiradas. Também somos nós, pessoas de periferia, as maiores pagadoras de impostos e as pessoas mais afetadas por pandemias mundiais.

Em suma, o “Brasil” foi e ainda é fábula para a maioria das pessoas destes territórios, maioria que segue vendo seus direitos negados e que muitas vezes acabam sendo as últimas a saber que o seu futuro foi decidido a portas fechadas por “nobres senhores”.

Por isso, fazemos e fortalecemos nossos corres das e nas quebradas. Por isso, trocamos essas ideias. Merecemos mais.

Oprê! Eu que aqui te escrevo sou uma pessoa preta e de periferia. Sou filho de Roberta, de Minas Gerais, e de Aloisio, da Bahia. Eu nasci no Bexiga e estou na metade da minha vida. Moro na terra dus Guaianás, Guaianases, Zona Leste da periferia de Éssepê. Eu tenho testemunhado, muitas vezes com medo e sempre com indignação, como nos últimos anos há uma tendência perversa de tirar o povo pobre de periferia das instâncias de participação das cidades.

Pra piorar, aqui na cidade de São Paulo, não se considera a participação de conselhos e a criação de Planos Municipais gerados através de participação popular que ocorriam, ainda que timidamente, aqui na cidade de São Paulo.

A dobradinha Dória-Covas tem no currículo o histórico de ter acabado com a Secretaria de Mulheres e a Secretaria da Igualdade Racial no Município. E segue, coerente com sua história, numa toada de exclusão e silenciamento, tendendo à participação de fachada, “gourmet”, ou seja, a participação na qual só participa (ou disputa “mercado”) a classe média não-negra, lobistas e empresas de “compadres e comadres” que em sua maioria já tem informações privilegiadas sobre a administração pública.

E tem mais, e mais grave: durante a pandemia da covid-19, que matou muito em Essepê, em 2020 e 2021, a prefeitura quer porque quer fazer a revisão do Plano Diretor, sem garantir à população pobre e de periferia o acesso para influenciar.

E no Brasil, como estamos?  

A participação popular em Conselhos de Direitos ou em Conselhos de Políticas Públicas tem fundamento na Constituição de 1988 que instituiu, ou ao menos tentou instituir, a cidadania e a participação como elementos-chave para a democracia “brasileira”, havendo menção a isso em vários artigos dela.

A prática geral dos governantes, em sua maioria, é a de se colocar como a primeira e a última palavra no que diz respeito à formulação e acompanhamento de políticas públicas que afetam a todes. 

O resultado é: periferias, negres, povos originários, povo de axé, mulheres, LGBTQIA+, idosos, gordes e PCDs ficam de fora da maioria das formulações de políticas públicas.  

Apesar disso, de tantas mancadas históricas feitas com a gente, as periferias seguem criando linguagens e tecnologias culturais e pensando e repensando sua atuação política. Vêm mandando a real há décadas em fóruns, coletivos, associações e outros diversos espaços, até mesmo nos partidos políticos, com as tensões inerentes a isso.

As periferias vêm sempre se organizando para pautar o que querem e o que não querem nas quebradas. Acho bem importante, inclusive, a possibilidade de transitar com as ideias de uma quebrada pra outra, coisa que é prática de mili anos nas quebradas.

Essa cartilha que você está lendo tem denúncias, propostas e formulações que partem de várias manas e manos que, como dizemos, “não estão de chapéu atolado”. 

Foto: Yuri Vasquez

A Ciclocidade trouxe aqui na minha região uma provocação bacana sobre mobilidade ativa, infraestrutura e um diálogo super potente sobre participação no Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo.

Não o plano apresentado pela prefeitura de Bruno Covas (hoje de Ricardo Nunes), um plano “vilanesco” que quer o povo de fora, mas um outro, um plano em gestação e formulação nas ruas há anos, nas ocupações culturais, nos ilês, nas igrejas, nas associações de comunidades, nas vielas, bares e saraus das perifas da cidade de São Paulo. Um plano que parte da roda, da troca, da escuta.

Há tempos as quebradas sabem a necessidade de se ouvir, promover escambos de saberes sobre questões que nos atravessam diariamente como moradores de periferia. Talvez somente dessa forma poderemos ter um plano utópico e ainda sim possível, no qual nos sintamos parte integrante, como promotores de políticas públicas, não só como destinatáries da metade do que temos direito.

Ao longo de dois Cafés Encontros e um ciclo de formações, proseamos sobre mobilidade dos bairros de Ermelino Matarazzo, Guaianases e Itaim Paulista. Pude ouvir e perceber o quanto as quebradas têm questões urgentes pro transporte, pro meio ambiente, pra convivência. Estamos em busca de um bem viver nos bairros.

➜ Por que as ciclovias não chegam ao meu bairro? Por que os espaços ociosos não são revitalizados, ocupados, vocacionados? Por que o asfalto que chega no fundão das perifas não é o mesmo que o dos bairros ricos e o centro da cidade?

➜ Por que o investimento em infra-estrutura de ruas, praças e espaços públicos é diferente se comparado a outros lugares mais centrais ou “nobres”? Por que não tem incentivo pra circularmos e socializarmos entre as quebradas? 

Por que a polícia nos agride quando estamos nas ruas dos nossos próprios bairros? Por que toda condução leva para o centro?

Ouvir e ler vários relatos nossos, participar dessas conversas me fez enxergar mais pessoas que são diariamente desviadas das suas potencialidades territoriais por culpa do Estado e do “Deus Mercado”, que mimados que são teimam em não ouvir os seus vizinhos.

O que a gente vê por aí é que nossas cidades não são cidades “mal planejadas”, mas são sim cidades planejadas para “outros” que não nós. Privilégio cega e ensurdece. 

Temos vários desafios. Podemos saber disso tudo e deixar de nos inquietar, nos mover, falar pra amigues e familiares? Que potências nossos caminhos e tantas das nossas encruzilhadas tem pra moldar novos caminhos e quereres mais paritários, justos, coletivos?

Os textos, dados e ideias que você verá e lerá por aqui têm muito a ver com as inquietações e lutas históricas das quebradas, que seguem sangrando, lutando e pautando pelos tão óbvios e tão negligenciados direitos sociais.

Espero que você curta ler o conteúdo da Conexões Territoriais, porque ela foi escrita a partir de uma escuta ativa da nossa oralidade plural de periferia.

De certo, não achamos todas as respostas e você pode até se sentir à vontade pra formular novas perguntas. Isso mesmo! Nossa encruza e nossa gira é coletiva.

Bora junto?! Saravá as mudanças!

Querendo acessar o material completo do Caderno Conexões Territoriais basta acessar o link aqui 

Agradeço se comentar o que achou desse texto. Brigado!

Estilista de Itaquera cria coleção de roupas e fortalece autoestima de mulheres das periferias

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 Nascida em um núcleo familiar que tem em sua essência a ligação com a arte da costura, Bárbara Luiza criou sua própria marca com peças sob medida e pensadas para mulheres das periferias.

Ensaio da coleção Cool For The Summer, feito com mulheres das periferias e na antiga casa da avó de Barbara, que é uma de suas inspirações.

A ligação com a costura para Bárbara Luiza, de 21 anos, moradora da quebrada Vila Carmosina, Itaquera, Zona Leste de São Paulo, se originou muito antes dela nascer, pois sua avó sempre foi referência no assunto no lugar onde mora, e isso foi passando de geração em geração.

Após terminar o ensino médio, as dúvidas de qual área seguir começaram para Barbara, tanto que ela chegou a pensar em fazer psicologia ou relações públicas, mas mesmo assim as incertezas continuavam. Até que uma amiga a sugeriu cursar moda.

“Eu nunca tinha parado para pensar, mas sempre foi algo que eu gostava muito de acompanhar, ver roupa das pessoas, desenhar bastante look, eu fazia muito isso quando era mais nova. Só que nunca vi como algo que eu pudesse levar pra frente”, explicou ela.

Babi, apelido como Bárbara é conhecida, começou então a fazer faculdade de moda, mas na metade do curso veio a pandemia, e as coisas se tornaram um pouco mais difíceis para ela.

A princípio, a ideia da marca era só um trabalho da faculdade, isso ainda no início do ano de 2020, mas no decorrer do semestre, as complicações aumentaram, porque ela considerava quase impossível estudar no formato online, sendo que a moda precisava de contato, então Bárbara decidiu trancar o curso.

“Nesse tempo que eu fiquei parada, foi aí que a BZA de fato surgiu. Eu inquieta decidi me jogar de cara nesse mundo de empreender e tudo mais”

pontuou a costureira.

Assim, em 2020, a partir de um trabalho mediado na faculdade, começou a ser projetada a marca de roupa, onde o nome tinha três letras, formando a sigla “BZA”, que abrevia o nome completo da modelista, Bárbara Luiza. 

Bárbara Luiza, 21 anos, moradora da quebrada Vila Carmosina, Itaquera, Zona Leste de São Paulo. Inicio a BZA Company em 2020.

 A BZA Company, como conta Bárbara, tem a intenção de fazer com que as meninas e mulheres da quebrada se sintam bem, se sintam representadas e confortáveis com seu estilo de roupa.

Mesmo chateada por ter trancado o curso de moda, ela continuou se especializando através de cursos livres na área que ela gostaria de seguir, entendendo os tecidos, focando na modelagem e todos os vieses da costura.

“Eu tinha medo de que se eu ficasse parada talvez eu pudesse perder o gosto, então eu continuei tentando e me joguei”, exclamou.

Como era tudo novo e ela precisava de experiência e saber se aquilo iria de fato dar certo, começou a confeccionar ecobags, e foi aí que as pessoas passaram a se interessar, a encomendar e sua produção, que desde então não parou mais. 

Produção sob medida

 Hoje a BZA possui um site oficial de vendas da marca, mas o maior alcance é pelo Instagram, por isso Babi investe muito no conteúdo da rede social, considerando que a grande maioria de suas vendas são feitas por lá.

“Tem o site tudo mais, mas meu público maior é no Instagram, é por lá que eu mais vendo e tenho o maior alcance”, explicou Babi, que ainda não possui uma equipe e cuida sozinha da produção e venda das peças, contando com ajuda do pai em algumas demandas da marca.

A BZA Company possui o alcance de quase 3 mil pessoas no Instagram, e conta com a parceria das influencers de quebrada: MC Luanna e Lua Lopes. 

A produção das peças são realizadas na casa da modelista.

Para Bárbara, a BZA tem originalidade em todos os aspectos, é um trabalho orgânico e voltado diretamente para as mulheres de quebrada, no intuito de resgatar a autoestima de cada uma e vestir uma marca que possa representar sua personalidade de forma totalmente exclusiva.

“Para meninas de quebrada, se sentirem gostosas e também se sentirem bem com seus corpos”, afirma, reforçando o resgate da autoestima de meninas e mulheres de quebrada, ressaltando que apesar do processo ser difícil, existem potências que acreditam nelas.

Cada peça é feita sob medida, sendo que, após realizar a encomenda, Bárbara inicia o processo para tirar as medidas das clientes e produzir cada peça, desde bodys, vestidos e biquínis. 

Aprendizados e construção em família

Bárbara é natural de São Paulo, e sua família paterna, mais especificamente as mulheres, sempre tiveram o contato vivo com a costura e com a moda, mas ela nunca levou em consideração que pudesse de fato seguir esse caminho, pois sentia que esse mundo era distante demais para ela.

“Começou até antes de eu nascer, a família do meu pai sempre mexeu com essa parte de costura, minha avó, minha tia avó, todas as mulheres da família sempre foram referência nessa parte de costura”, pontuou a modelista.

Ela conta que seu pai, juntamente com sua avó e seu avô, vieram de Araripina, município do estado de Pernambuco, nos anos 70, quando ele tinha apenas 6 anos, para tentar construir uma vida e estabilidade financeira em São Paulo.

De início, sua avó trabalhava para algumas confecções ajustando partes específicas de uma roupa e ganhava uma porcentagem baixa por esse serviço. 

“Ela não chegava a costurar uma peça inteira igual eu, ela trabalhava para algumas outras confecções, tipo, fechava uma parte específica da roupa, sabe? Uma alcinha, uma bainha, essas coisas assim. Ela e minha tia avó são referências até hoje”

compartilha Bárbara.

A costureira ainda pontuou o fato de que seu pai sempre foi um grande investidor de seu trabalho, mesmo com o esforço dela, quem sempre apoiou e não deixou ela desistir foi o pai, contribuindo com tecidos para novas coleções, roupas de provas e tudo o que fosse necessário para que a BZA pudesse progredir.

Um marco importante para Bárbara, foi no final do ano de 2021, no dia 1º de dezembro, quando lançou sua coleção Cool For The Summer, onde trouxe a essência do verão com suas peças praianas, com mulheres modelos de corpos totalmente periféricos. Mas para ela, o mais importante foi o ensaio fotográfico dessa coleção, que foi feito na casa antiga de sua avó, que é uma de suas inspirações na família.

“Uma das coisas mais importantes pra mim foi que o ensaio foi na casa que ela morava [avó]. A casa que ela estava ali fechando as costuras nem imaginando que um dia poderia chegar algo assim, foi muito importante pra mim”, disse Babi.

Para o futuro, Barbara acredita que seu trabalho, juntamente com suas parcerias, podem chegar a outras quebradas e mulheres periféricas, dando continuidade ao resgate da autoestima e confiança para cada uma delas.

“Algo que eu levo comigo e com a BZA pra tudo, em Itaquera e todas as quebradas, é dar voz e preferência para as meninas periféricas, que estão no mesmo corre que eu e que estão na luta”, concluiu. 

Agricultura familiar: Cambuci diversifica alimentação dentro de escolas na Ilha do Bororé, zona sul de São Paulo

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A fruta nativa de Mata Atlântica que já foi ameaçada de extinção é comercializada por produtores locais diretamente com escolas da região do Grajaú e Parelheiros 

Em tempos de insegurança alimentar e carestia de frutas e legumes nas feiras livres e supermercados das periferias, o cambuci é servido como suco e alimento para estudantes de escolas públicas na Ilha do Bororé, bairro localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo.

O acesso à fruta nativa de Mata Atlântica que já foi ameaçada de extinção só é possível graças ao trabalho de produtores locais que conseguem comercializar o alimento diretamente com a unidade escolar. 

“A escola é considerada o maior restaurante do mundo. As crianças vão almoçar, então essa articulação é feita para compra direta do município que coloca isso na escola. Você impacta toda uma rede de produtores a vender o ano inteiro”

explica Jai Lara, gestor e coordenador de projetos da Casa Ecoativa e morador da Ilha do Bororé.

Gerida por moradores há mais de 20 anos, a Casa Ecoativa está localizada na Ilha do Bororé, no distrito do Grajaú, zona sul da cidade de São Paulo. O espaço comunitário atua como um centro ecológico e cultural que promove atividades educativas, culturais e socioambientais, para difundir hábitos sustentáveis através da permacultura.

O cambuci é uma árvore frutífera de origem da Mata Atlântica, mais precisamente da Serra do Mar, muito cultivada por grupos de agricultura familiar atuantes no extremo sul de São Paulo, como nos distritos de Parelheiros e Grajaú, que se tornou fonte de renda e alimento para os moradores da região. 

Segundo levantamento realizado em 2019 pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), há 171 agricultores no distrito de Parelheiros, 169 no Grajaú e 88 em Marsilac, distritos da zona sul de São Paulo, onde a agricultura familiar move produtores a cultivar o cambuci.

Um destes produtores é Júnior Magini, 40, morador do Campo Limpo e proprietário do Recanto Magini Frutas Nativas da Mata Atlântica, sítio de agricultura familiar e proteção à biodiversidade da mata, localizado dentro do polo ecoturismo de Parelheiros.

Para Júnior, viver do que a terra produz foi a realização do sonho do falecido pai, Joacir Magini Sobrinho, um homem apaixonado pelo cambuci, mas com uma única árvore plantada no sítio. 

A colheita do Cambuci é feita entre os meses de janeiro e fevereiro. Foto: Divulgação/Redes Socias

“É um sítio que pertence à minha família desde a década de 70. Era um sonho do meu pai fazer esse santuário, mas ele nunca conseguiu realizar esse sonho. Em 2006 ele faleceu e a minha mãe realizou esse sonho”

 comenta Junior.

Após fazer um curso oferecido na região, Maria Elizabeth de Sá, a mãe de Júnior, recebeu mil mudas de cambuci e plantou no sítio, em meados de 2010. Logo no ano seguinte conheceram o Festival Rota do Cambuci que mudaria o rumo de suas vidas.

“Em 2011 tivemos o segundo festival cultural Gastronômico de Cambuci em Parelheiros que é um um coletivo familiar em todo o cinturão verde de São Paulo denominado rota do Cambuci que é gerenciado pelo Instituto AUÁ”, diz.

Como trabalhava dirigindo ônibus no Campo Limpo, Junior pedia folgas aos finais de semana para conhecer de perto as possibilidades que a fruta oferecia. 

“Estávamos com poucas mudas, uma geleia em cada vidro e um licor em garrafa, porque a gente só fazia para os amigos e ainda não vivíamos disso. Eu era motorista de ônibus na época na região do Campo Limpo e de lá eu falei para minha mãe participar”, 

diz o produtor.

Junior Magini e a mãe Maria Elizabeth de Sá durante evento. Foto: Redes Sociais.

A partir daí, mãe e filho viram a oportunidade de viver dos produtos que o cambuci poderia oferecer e criar uma fonte de renda pra família e de quebra realizar o sonho do pai.

“Nas feiras tinham pessoas com produtos maravilhosos que podíamos ver que dava para ser vendido nos mercados. Teve um que até me marcou, que era uma bebida feita de Cambuci tipo uma “Ice” e aquilo me surpreendeu”, relembra o produtor. 

Ancestralidade 

O cambuci já esteve ameaçado de extinção por conta de queimadas e do desmatamento de diversos territórios ricos em Mata Atlântica. Segundo o gestor da Casa Ecoativa, para assegurar que as próximas gerações continuem protegendo e produzindo essa fruta, é preciso valorizar e preservar a oralidade.

“O Bioma da Mata Atlântica está em ataque, em sinal de alerta. Precisamos fazer muito mais do que estamos fazendo hoje, principalmente no âmbito da política pública. Para assegurar o bioma da Mata Atlântica, precisamos da oralidade que vai passando de um para outro, que também está sob risco”

aponta Lara.

Para ele, a cultura da oralidade nas escolas e na comunidade ajuda a manter vivos os antigos costumes que visam garantir a existência das culinárias, da agricultura e a produção básica, evitando o apagamento histórico local.

É com base nessa linha de pensamento e atuação, que os projetos desenvolvidos dentro da Casa Ecoativa promovem atividades dentro de espaços públicos de proteção social e educação, como creches, fundamental I e II, ensino médio, escolas da região, Centro de Juventude e Centro de Crianças e Adolescentes.

“Quando a gente deixa de oferecer isso nas escolas e ambientes comuns essa cultura pode sofrer um apagamento histórico onde a agricultura é silenciada e o agricultor não tem voz e não tem valor na cadeia produtiva da cidade”, acredita Lara.

Colheita e comercialização

A fruta do cambuci tem sua colheita entre janeiro e fevereiro. Cada árvore pode alcançar até 5 metros de altura e seu tronco tem diâmetro de 20 a 30 centímetros. Segundo Júnior, em época de colheita da fruta em seu sítio é possível produzir cerca de 500 kg da fruta.

O quilo pode ser vendido por aproximadamente R$ 15 em alguns lugares da cidade.

Em 2019, ano considerado bom por ele, o produtor chegou a colher 800 kg. A comercialização das frutas é feita em parceria com coletivos de produtores de diferentes regiões da cidade

“A comercialização das frutas do cambuci são feitas em feiras culturais de bairro, no Sesc Interlagos, na Cidade Dutra, em feiras da Rota do Cambuci, e nas feiras de economia solidária do Butantã, promovida pelas mulheres do Butantã, que é uma feira agroecológica”, finaliza. 

“Atuar na periferia me trouxe a consciência de desmistificar que terapia é coisa de bacana”, diz Monica Miranda

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Como a maioria da juventude periférica, Mônica Miranda enfrentou uma série de desafios para se formar como psicóloga na universidade. Hoje, além do próprio negócio, ela realiza projetos sociais que promovem o cuidado da saúde mental da mulher nas periferias. 

A trajetória da terapeuta Mônica Miranda,36, moradora do Jardim São Luís, na Zona Sul de São Paulo, é marcada por uma luta incansável em busca de qualificação profissional e construção da própria clínica de terapia. Ao se especializar em terapia psicossomática e desenvolvimento feminino, ela também criou o “Círculo de Amor “, projeto no qual atua como mediadora do grupo de terapia comunitária para mulheres.

“O Bem Me Quero é um projeto onde me reúno com alguns parceiros, algumas colegas e nós levamos pra dentro da comunidade as práticas integrativas, com o objetivo de fomentar ainda mais a importância da saúde mental, a fim de fomentar a importância de rodas de conversa, palestras de saúde de forma geral e transtornos mentais”, afirma Mônica.

A luta pelo direito de levar a saúde mental para dentro das periferias ainda está acontecendo. Mas atender as mulheres periféricas e priorizar esse público faz parte do propósito de Monica. “As mulheres ainda continuam sendo a maioria na busca por autoconhecimento. O esgotamento físico, emocional e mental ainda alimentado pelo nosso sistema patriarcal e machista levou muitas delas a procurarem ajuda. Desde questões ligadas a relacionamentos abusivos à novas perspectivas de vida e posição social”, concluiu Mônica.

A psicóloga atua em iniciativas sociais desde que se formou, mas conta que sempre foi interessada nessas práticas e tenta sempre estar inserida e levar essas possibilidades para quem é periférico.

Segundo Mônica, 80% dos pacientes da sua clínica são de origem periférica, e que ela juntamente com algumas colegas, fazem doações de horas gratuitas e uma cota de atendimento com valor social.

“Atuar e manter uma clínica na região da periferia me trouxe uma consciência maior sobre a importância de desmistificar a ideia de que terapia precisa ser cara e que é coisa de ‘bacana'”, explica a psicóloga. 

Foto: Acervo pessoal

A luta pela qualificação

Mônica revela que enfrentou alguns obstáculos durante sua formação profissional. Um dos principais problemas foi a falta de renda, situação na qual, a levou a tomar a difícil decisão de escolher entre comer ou garantir o dinheiro da mensalidade da universidade.

“Os desafios que eu encontrei durante a formação, penso que não foram diferentes para a maioria de nós que nascemos em família pobre na comunidade. Falta de grana para pagar mensalidade, escolher entre comer o lanche no intervalo ou imprimir os artigos da aula seguinte, se adaptar à rotina maçante de trabalhar oito horas por dia e ir para faculdade depois de um trajeto de duas horas de trânsito”, relembra a terapeuta.

Mesmo com todo o apreço pela área, Mônica não soube dizer o porquê de ter escolhido a psicologia para estudar, tanto que com seus 12 anos já falava com clareza que iria ser psicóloga, mesmo sem entender ao certo o porquê dessa certeza.

Ela acredita que essa vontade pode estar ligada à sua família, que sempre esteve presente em ações sociais. A psicóloga sempre teve a certeza de que se formando nessa área, poderia contribuir ativamente e andar junto com seus irmãos, que são ativistas.

Foto: Acervo pessoal

“Sempre foi uma vontade, não sei de onde. Eu sempre digo que foi a psicologia que me escolheu, não foi eu que escolhi. Mas eu cresci nesse ambiente, de acolher, de apoiar, de compartilhar, de se preocupar com o outro, talvez tenha vindo daí”

disse Mônica.

 A terapeuta diz que começou sua faculdade tarde, pois era difícil começar numa universidade assim que terminasse a escola, para isso precisaria de uma renda, então seu primeiro pensamento no final do ensino médio, além de estudar, era de arrumar um emprego.

Aos 14 anos, começou a trabalhar como vendedora numa loja de semijóias, onde se manteve por aproximadamente seis anos, chegando até o cargo de gerente de vendas. E aos 20 anos resolveu se desligar, pois não iria ter como estudar trabalhando entre 12 e 14 horas por dia.

“Entrei no mundo do empreendedorismo, fiz muitas coisas. Fui vender MaryKay, de porta em porta, sabe? Fiz uns cursos na área da beleza, eu ia fazer escova na mulherada da comunidade, comecei a trabalhar como cabeleireira, cheguei a vender bijuteria. Então eu fui fazendo várias coisinhas assim”, recorda a terapeuta.

Isso foi uma escolha de Mônica para que tivesse um pouco do seu tempo livre, para conseguir se dedicar de fato aos estudos, foi aí que ela decidiu ingressar na faculdade, ressaltando que a ajuda de sua irmã foi de grande importância na época, pois não tinha o dinheiro completo para pagar a matrícula e a mensalidade de uma vez.

“Às vezes eu estava com fome, mas eu precisava tirar a xerox dos artigos para a aula do outro dia, e eu pensava: ou compro o lanche, como uma coxinha, ou eu imprimo os artigos” conta a terapeuta.

Mônica se formou, e após a graduação se especializou em terapia psicossomática, depois disso conseguiu um trabalho numa clínica de atendimento para convênio de saúde, de modo terceirizado, contratada como pessoa jurídica. Ela ficou trabalhando neste local por um ano e atendia quase 100 pacientes no total, e mesmo sendo corrido e muito cansativo, foi um trabalho que trouxe muita experiência para ela, principalmente porque atendia muitas pessoas em situações totalmente diferentes, isso gerou experiência em diversos casos.

“Me trouxe muita experiência, mas era um trabalho escravo, era um negócio ‘desumaníssimo’, na época eu acho que eu ganhava oito reais por atendimento, é o que a maioria das clínicas acabam fazendo. Acho que isso melhorou durante a pandemia, onde entenderam a importância da atuação do psicólogo na saúde”, explica.

A volta por cima

Após passar por essa experiência profissional numa clínica terceirizada, Mônica refletiu sobre o seu futuro e entendeu que aquela rotina estava desgastando sua saúde física e principalmente a saúde mental, e analisando isso, ela decidiu sair desse emprego, e quando isso aconteceu, seus pacientes perceberam a mudança e entraram em contato com ela para saber se os atendimentos poderiam continuar, mesmo que por fora.

“A demanda de trabalho era muito grande, eram 12 horas seguidas sem parar. Por isso decidi sair, como é que eu iria falar de saúde mental ficando doente?”, questiona Mônica.

Logo após esse episódio na vida profissional, um amigo antigo de Mônica cedeu uma parte de um consultório, para ela utilizar num valor de aluguel em conta. A partir deste momento, seus clientes antigos continuaram fazendo o tratamento com ela, indicando os seus trabalhos para outras pessoas, com isso, a terapeuta alcançou uma estabilidade tanto na experiência como psicóloga, quanto na quantidade de clientes que tinham sido fidelizados.

Foto: Acervo pessoal

Mesmo passando a trabalhar no seu próprio negócio, ela optou por atender pacientes com dificuldades socioeconômicas, cobrando um valor social, abaixo do mercado, por cada sessão realizada.

Mônica considera que atuar em territórios de população periférica ensinou e fez com que ela transformasse seus pensamentos dentro da psicologia e de como ela deve chegar até essas pessoas.

Mal educados e sem educação

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A educação pública foi uma luta dos proletários em um processo de reivindicação que estabeleceu a educação de crianças, adolescentes, jovens, e adultos. Hoje esse sistema vive uma grande ameaça, principalmente no que diz respeito à educação para jovens.

Lutas estudantis, 24/08/2018, Av. Ipiranga – SP. Foto: João Victor Santos

Eu nasci na periferia Sul de São Paulo e passei minha vida em instituições do governo, como a creche, o centro de juventude, e a Escola Pública. Posso dizer sem temeridade que eles estiveram mais comigo do que meus pais que, como trabalhadores, tinham pouco tempo para compreender o impacto desse convívio na minha vida e personalidade.

A Educação Pública foi uma luta dos proletários em um processo de reivindicação que estabeleceu a educação de crianças, adolescentes, jovens, e adultos. Hoje esse sistema vive uma grande ameaça, principalmente no que diz respeito à educação para jovens.

Para abrir a discussão, entrevistei a professora Mariana de Brito, de 35 anos, que a 10 anos é professora efetiva da Rede Estadual de Ensino, em uma escola localizada na periferia do extremo sul de SP:

“Quando entrei na educação tinha o sonho de que pudesse de alguma maneira incidir na realidade da escola que estudei por toda a minha formação na educação básica.”

Mariana de Brito

A professora Mariana aponta que a educação nas Escolas Estaduais de São Paulo vem a cada ano se degradando à medida que impõem aos alunos, professores, e toda a comunidade, metodologias que não são pensadas com e a partir das necessidades dos alunos das periferias, visto que a oferta de Ensino Regular Noturno tem sido cada vez mais escassa fazendo com que os alunos que precisam entrar no mercado de trabalho abandonem a escola.

Professora Mariana de Brito, 35 anos, atua há 10 anos como professora efetiva da Rede Estadual de Ensino

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2020, afirma que o Estado de São Paulo registrou queda na taxa de escolarização de jovens entre os anos de 2018 e 2019, que indica crescimento da evasão escolar em várias faixas etárias.

De acordo com os números, a faixa etária que teve a maior queda de comparecimento no Estado foi entre os jovens de 15 a 17 anos, onde o índice passou de 87,4% de jovens que estavam na escola em 2018, mas que no ano de 2019, passaram para 86,2%. Queda de 1,2%, faixa etária que começa a adentrar o mercado de trabalho, seja como Jovem Aprendiz ou em outras modalidades de trabalho.

Outro fator, apontado pela professora, de grande degradação nas escolas é a implantação arbitrária das escolas de Tempo Integral, que são implantadas sem ouvir as necessidades das comunidades, e que em suma não oferecem nem ao menos estrutura física adequada.

Os alunos ficam a maior parte do tempo sentados em cadeiras desconfortáveis, muitas vezes em más condições, as refeições não são de qualidade, há pouquíssima oferta de atividades diferenciadas que envolvem arte, cultura, esporte, e lazer que são direitos constitucionais, além da constante falta de professores, obrigando os alunos a ficarem de aula vaga com inspetores no pátio.

A Educação Integral é uma concepção contemporânea, que compreende que a educação deve garantir o desenvolvimento dos sujeitos em todas as suas dimensões, intelectual, física, emocional, social e cultural, e se constituir como projeto coletivo, compartilhado por crianças, jovens, famílias, educadores, gestores e comunidades locais.

Podemos perceber pelo depoimento da professora Mariana, que sua implantação e desenvolvimento nas periferias está muito longe de seus objetivos e conceitos citados acima. O ensino integral tem agravado o fechamento das salas noturnas que beneficiam os jovens trabalhadores, contribuindo para as taxas de queda da escolarização de adolescentes e jovens.

A escola em período integral também coloca em xeque o futuro dos serviços da Assistência Social como Centro para Criança e o Adolescente (CCA), e o Centro para Juventude (CJ), onde promovem via atendimento direto, ou convênio com organizações sociais, atividades de formação, preparação para o mercado de trabalho, atividades culturais para esse público no contraturno escolar, e colaboram com o monitoramento do direitos das crianças, adolescentes e jovens de forma integrada com o Centro de Referência da Assistência Social – CRAS.

Outra situação que está em pauta é o novo plano de carreira dos professores do Estado, encaminhado pelo Governador de São Paulo, João Dória (PSDB), que elevará o piso salarial da categoria em 73%, e a adesão é facultativa.

Segundo a professora Mariana de Brito, o Governo do Estado lançou o novo Plano de Carreira sob a alegação que está valorizando a categoria docente, no entanto a realidade é outra.

O aumento de salário não gera incorporação no salário base, sendo pago por subsídio, ou seja, a qualquer momento pode ser retirado. A carga horária dos professores, que já é exaustiva, passará para 40 horas semanais, sendo que a nova proposta de salário não é proporcional à carga horária que já se tem hoje.

Em adição, foram retiradas as faltas abonadas dos professores, que muitas vezes era o único momento que eles tinham para se restabelecer da rotina exaustiva, ir ao médico sem ter que passar por perícia médicas em locais distantes.

Na nova proposta do governo, professores só podem ter dois atestados médicos por ano, ou seja, tem que escolher se trabalha doente, ou se tem desconto no salário por não ter condições de saúde para trabalhar.

Professores também não terão mais direito a atrasos, caso cheguem 2 minutos atrasados no trabalho receberão uma falta no dia com desconto integral pela ausência, sem levar em consideração as distâncias que os professores percorrem dentro da São Paulo para chegar à escola.

A professora expressa que não devemos nos deixar levar pelo o que lemos em redes sociais ou mídias televisivas. Há uma realidade enfrentada pela Educação Estadual em São Paulo que não é noticiada. 

Nesse sentido, o genocídio de uma população preta e periférica também passa pela falta de garantia de direitos.

Sabemos que toda e qualquer mudança no sistema educacional impacta diretamente nossas vidas, porém, sabemos também que uma mera adoção de um novo programa de trabalho escolar não vai impactar na melhoria do sistema educacional, mas que na verdade essa estadia integral de estudantes irá ampliar a escola, como espaço de lazer, cultura e alimentação dos adolescentes e jovens.

Questões de gênero, raça e classe que já estão presentes no espaço escolar se tornará uma demanda indispensável, assim como sexualidade e empregabilidade. Com o sucateamento dos equipamentos escolares, a falta de material apropriado e formação dos professores, será possível dar conta de toda essa demanda.

Penso na juventude e como essas mudanças estão impactando em suas escolhas de vida, não é fácil ser um jovem estudante e trabalhador quando se é universitário, imaginem durante seu processo de amadurecimento físico e psíquico.

Como aponta a Professora Mariana de Brito, a Educação está na UTI e pede socorro! Pois a educação se faz com as pessoas e pelas pessoas que habitam esse ambiente e dependem da educação pública para mudar sua história. 

Para subverter esse cenário é necessário que toda sociedade se comprometa com as necessidades dos estudantes, aprender para além do currículo escolar. Para as famílias, a necessidade de um ambiente seguro para o seu filho, enquanto trabalha. Esse é o grande desafio, pois desta forma se coloca a vontade do povo na frente das regras do Estado.

Infelizmente, essa questão tem tomado o caminho que já conhecemos, no qual a grande maioria dos profissionais da educação consideram que os jovens têm a tendência a não ter comprometimento com a educação, ou até mesmo de que não querem aprender, o que leva à educação a mediocridade.

Contudo, isso esconde a crise estrutural existente na educação, que atinge em cheio os alunos que se recusam a ter seu futuro determinado pela educação do Estado, estudantes que discordam que a única educação necessária para a vida é a voltada para o mercado e para a imagem.

O conhecimento é uma ferramenta de poder histórica que organiza a vida em geral, e que tem um grande potencial na luta anticapitalista como um todo.

Com isso, não podemos nos acomodar na luta pela melhoria da educação formal, que funciona em prol do Estado capitalista, e só acomoda a situação política atual e oculta problemáticas como o racismo, o facismo, o machismo, etc.

Também não podemos acreditar na educação liberal estabelecida por fundações e outras instituições conveniadas diretamente ao governo atual, que são financiadas em grande parte pelos próprios capitalistas.

Precisamos fortalecer a educação não formal estabelecida nas ruas, nos coletivos, nas manifestações e nas lutas, uma educação que pode ser como a cultura, que é viva e se transforma cotidianamente, esse é o diálogo que a escola deve traçar com sua comunidade.

Do que estamos falando? Que é necessária a ampliação do debate sobre as necessidades da classe trabalhadora, a autonomia e emancipação do povo, desnaturalizando o capitalismo como organização política, que é quem organiza a educação da atualidade.

A escola é de todes, precisamos retomar esse espaço público e afastar o fantasma da privatização, da terceirização das metodologias e retomar o diálogo com a sociedade sobre a escola que queremos e que lutaremos para conquistar.

Assim não seremos mal educados pelo sistema que só vincula o conhecimento ao mercado de trabalho e não seremos um povo sem educação pública de qualidade.

Os valores do voto

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O questionamento que nos provoca a refletir o futuro do país é: como pensa o povo brasileiro diante dos representantes da disputa eleitoral e os valores defendidos por classe política?

Manifestação da Campanha Fora Bolsonaro, 2 de outubro de 2021, Av. Paulista – São Paulo. Foto: Wellington Lopes.

O ano de 2022 tem imposto uma série de discussões sobre o papel de cada um diante do cenário de crise absoluta instalado nos últimos anos em relação às eleições.

De grosso modo, isso significa um debate intenso dos valores da população brasileira e “o que nos trouxe a essa crise?”.

De modo objetivo, a crise política tem um efeito degradante às instituições democráticas e ao Estado brasileiro como um todo. Ela é o canal por onde passam setores fundamentais da organização social e cotidiana na vida dos cidadãos.

O questionamento que nos provoca a refletir o futuro do país é: como pensa o povo brasileiro diante dos representantes da disputa eleitoral e os valores defendidos pela classe política? Aqui, posso dizer, que o modo como um povo pensa é reflexo do modo como esse povo vive.

Novamente, a grosso modo, trouxe o paralelo entre esses dois dados, porque, na dinâmica que definiu, em 2018, parte do resultado eleitoral entre o Ex-ministro da Educação Fernando Haddad e o atual presidente Jair Bolsonaro, estavam os valores desse grupo e a sua relação íntima e complexa com a realidade como um todo e a sua própria realidade em particular.

Os últimos 20 anos tem representado a intensa e constante mudança na vida econômica dos mais pobres. O que significou mudanças no padrão de vida através do consumo e se revelaria um problema em meados de 2014, para o PT, com aumento do valor de produtos básicos ou essenciais.

É em um contexto de busca por uma figura capaz de reverter essa crise, que se converteu em uma crise de valores (político, institucional e econômico), que o golpe à ex-presidenta Dilma em 2016, traria a tona o esforço populista da extrema direita: da escória militar golpista aos liberais ressentidos com a derrota nas eleições de 2014.

Valores como trabalho, honestidade, família (a cristã em particular), sexualidade, autodefesa (ou o uso da violência, no caso) apareceram como personagens que entregaram a faixa presidencial a quem parecia ser o seu mais legítimo representante no campo de batalha pela mente do povo.

Essa trama revela um atraso ou mesmo uma inoperância política dos campos progressistas e de esquerda (com seus dirigentes brancos) num debate mais complexo. A identidade tem um relacionamento profundo com as interações de grupo; o comportamento; o consciente e o inconsciente coletivo em torno da realidade.

Ao lado esquerdo da força petista, está o medo de contrapor determinados valores e “exige” a busca de personagens como o violento ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

Já do lado do escárnio bolsonarista, está a busca para se manterem representantes dos valores cristãos, e mesmo com o fracasso planejado do governo Bolsonaro, segue com muitos apoiadores.

A vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas diz algo simbólico: o valor do trabalho aparece como um grande guarda-chuva de temas urgentes como a fome e o desemprego. Temas que afetam diretamente como pensa o povo a sua realidade coletiva (como está a sociedade e as instituições) e em particular (a família).

Do outro lado, o crescimento nas pesquisas do candidato à reeleição, também demonstra que há pensamentos ressuscitados diretamente da ditadura (1964-1985) e de que os “valores cristãos” para permanecerem no poder, devem enfraquecer a democracia.

Por último, com a possível vitória do ex-presidente, de que modo pautas impopulares levantadas por movimentos sociais vão protagonizar um novo desenho das relações institucionais do Estado brasileiro com a população negra, as mulheres, os povos indígenas e quilombolas, e sobretudo, com as periferias: a guerra às drogas (ou às favelas), racismos institucionais, aborto, impactos ambientais decorrentes do agronegócio e da mineração e especulação imobiliária, etc., não podem ser secundarizados ou inexistentes!