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“As maiores vítimas têm a mesma cor e mesmo endereço da bala perdida”, afirma Elaine Mineiro sobre danos das enchentes

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Perder móveis e objetos pessoais em uma enchente não é algo novo para Mayara Carla de Lima, 31, auxiliar de limpeza e moradora da Vila Minerva, no distrito de Guaianases, zona leste de São Paulo. Lidar com as consequências das enchentes no território é uma situação que se repete na vida da morada de Guaianases, como ocorrido em fevereiro deste ano.

“Moro aqui a minha vida toda, nesta casa há exatamente 12 anos. A frequência de enchentes aqui é de 3 ou 4 vezes ao ano, principalmente se abrirem as comportas de Ferraz de Vasconcelos [que] alaga tudo por aqui. Pode estar caindo uma garoa, se abrir a comporta lá, aqui enche”, afirma a moradora de Guaianases.

“Já perdi tudo tantas vezes que eu nem sei falar direito. E aqui é nós por nós, ninguém mais ajuda se não for a própria comunidade. Porque na nossa subprefeitura não existe nenhum apoio, e quando vem, é depois que a enchente já passou duas semanas”

Mayara Carla de Lima, 31, moradora da Vila Minerva, no distrito de Guaianases, zona leste de São Paulo.

Mayara conta que mora perto da subprefeitura da sua região, mas quando vai procurar alguém para receber alguma orientação, o processo se torna difícil.

“Você demora três horas esperando a boa vontade de alguém de procurar um assessor, um responsável para te dar uma resposta. Quando vem, a resposta é ligar no 156 e esperar, mas esperar o quê? Morrer alguém? A casa cair? Outra enchente? Nossos governantes de município não ouvem a comunidade”, afirma Mayara.

“Eu estou falando porque eu vivi isso, eu vivo isso. Eu pedi socorro, suporte para o estado e não tive. Eu saí com meu bebe de colo sendo carregada pelo pai dele, porque eu não sei nadar. Eu liguei para os bombeiros, mas ninguém apareceu. Estou até hoje esperando o resgate deles. Se não fosse a população, a comunidade nem estaria aqui hoje”, aponta Mayara ao relembrar a situação que viveu no começo deste ano.

O cenário relatado por Mayara, não é diferente para Tania Aparecida, 52, cozinheira, moradora do bairro Jardim Lourdes, no distrito de Lajeado, na zona leste de São Paulo. Tania é uma das moradoras que sofre todo ano com o impacto das enchentes no seu território e analisa que a primeira ação do poder público deveria ser mapear quem precisa de apoio.

“Dinheiro, aparatos para ajudar a gente o poder público tem, só não existe um interesse mesmo. Todo ano é a mesma coisa, todo ano isso acontece e eles sabem disso, sabem que vai acontecer, mas ninguém faz absolutamente nada”

Tania Aparecida, 52, moradora do bairro Jardim Lourdes, no distrito de Lajeado, na zona leste de São Paulo.

A moradora do distrito de Lajeado, reflete sobre a necessidade de ações para evitar as ocorrências que seguem acontecendo no território.

“Olhar para os territórios e enxergar quem está precisando de um respaldo e depois ter divulgação de uma própria educação para que as pessoas saibam o que fazer com o próprio lixo, incentivar as pessoas a discutirem sobre o que estão vivenciando”, reflete Tania.

“Todo ano isso acontece e eles sabem disso, sabem que vai acontecer, mas ninguém faz absolutamente nada”

Tania Aparecida, 52, moradora do bairro Jardim Lourdes, no distrito de Lajeado, na zona leste de São Paulo.

Dados insuficientes sobre as periferias

Diante das situações de perdas que afetam os territórios periféricos como resultado das enchentes, a mandata coletiva de vereadores de São Paulo, Quilombo Periférico, lançou um mapeamento para registrar enchentes e alagamentos nas periferias da cidade com o intuito de comparar com os dados oficiais e catalogar essas ocorrências para acompanhar como a Prefeitura de São Paulo está se preparando para prevenir e criar planos de contingenciamento em relação às catástrofes.

A iniciativa surgiu após a mandata constatar divergência entre os relatos e imagens de enchentes dos moradores de territórios periféricos em São Paulo e os registros do CGE (Centro de Gerenciamento em Emergências Climáticas da Prefeitura de São Paulo).

“Desde a segunda quinzena de janeiro recebemos de munícipes de diversas partes da cidade pedidos de ajuda, muitas vezes desesperados por conta de enchentes e alagamentos que atingiram suas residências. Colocamos nossas equipes. para atuar no atendimento emergencial, acionando os bombeiros, a Defesa Civil, Assistência Social e oferecendo suporte jurídico”, relata a vereadora Elaine Mineiro, da mandata coletiva Quilombo Periférico, sobre as primeiras ações executadas pela mandata.

Clique aqui e confira a plataforma

Elaine pontua a necessidade de investigar como essa subnotificação de casos impacta a ausência de políticas públicas efetivas de combate às enchentes, uma vez que o CGE é também o órgão responsável pelo planejamento técnico de ações de combate à essas situações.

“Consultamos registros de enchentes e alagamentos registrados pelo CGE nos últimos três anos. Nesse levantamento descobrimos que o CGE mapeou 500 pontos de alagamentos na região central e no mesmo período nenhum na Cidade Tiradentes. Quando olhamos para outras áreas da cidade como Guaianases, Sapopemba, Jabaquara e M’Boi Mirim, os dados eram muito parecidos e totalmente distantes da realidade dessas regiões”, aponta a vereadora com base nas análises realizadas pela mandata.

A iniciativa também identificou que as subprefeituras de Cidade Tiradentes, Guaianases, Sapopemba e Ermelino Matarazzo não possuem estações meteorológicas em seus territórios. Esses equipamentos são usados para medir, computar e fazer um registro histórico da frequência, intensidade e densidade das chuvas em diferentes pontos da cidade.

“Essas informações são muito importantes para o trabalho de prevenção e contingenciamento de enchentes e alagamentos na cidade e mais uma vez são [em] áreas periféricas, onde vivem a população preta e pobre da cidade, que essa política não é aplicada”, aponta a vereadora que reforça a necessidade de ações contínuas do poder público.

Elaine ressalta que se o órgão responsável por esse acompanhamento não tem em seus registros os casos de alagamentos e enchentes que ocorrem nas periferias, automaticamente essas regiões ficam fora do fluxo de planejamento das políticas públicas.

“Estamos falando aqui de racismo ambiental, quando os maiores prejudicados pelas catástrofes ambientais, pela falta de planejamento e contingenciamento de emergências são a população preta e periférica”

Elaine Mineiro, vereadora na mandata coletiva Quilombo Periférico.

Para registrar ocorrências de enchentes e alagamentos em territórios periféricos, a mandara coletiva Quilombo Periférico orienta o preenchimento do formulário online disponível aqui.

Desigualdade planejada

Para a pesquisadora de Direito a Cidade e espaço público LabCidade FAU USP e Coordenadora de Direito a Cidades Antirracistas do Instituto Peregum, Gisele Brito, as desigualdades vivenciadas pela população, o racismo ambiental e a segregação urbana, são frutos de um planejamento. Um planejamento que sempre buscou manter a população negra e pobre longe da população rica e branca.

“Se a gente não tivesse bem organizado onde mora cada um na cidade, onde moram os pretos, os brancos, os pobres, os ricos, a polícia não poderia sair por aí atirando nas pessoas. Atirar balas que vão achar sem erro nenhum corpos negros e corpos pobres”, aponta a pesquisadora sobre a dinâmica da ocupação dos territórios que define quem sofre mais ou não em um cenário onde a terra é mercadoria.

A coordenadora da área de Direito à Cidades Antirracistas do Instituto Peregum, aponta que existem uma série de políticas públicas pensando a cidade e moradia que foram conquistadas pelos movimentos da reforma urbana nos anos de 1960 e 1970. Segundo ela, esses movimentos conseguiram com que muitos mecanismos de proteção e justiça social fossem colocados nas leis, mas falta racializar os mecanismos para políticas públicas que de fato sejam antirracistas.

“É preciso que a gente pense a produção de uma cidade antirracista e não pode ser só da boca para fora. Precisamos começar a produzir política pública, instrumentos que façam isso, assim como foi quando pensamos na lei de cotas raciais.”

Gisele Brito, pesquisadora do LabCidade FAU USP e Coordenadora de Direito a Cidades Antirracistas do Instituto Peregum.

A pesquisadora ressalta que o racismo ambiental está sendo discutido há muito tempo, desde antes dos anos 1960, quando as quebradas já se organizam em busca de acesso a água, luz e saneamento básico para seus territórios, e mesmo que as pessoas não utilizassem o termo, isso já era um entendimento e uma luta contra a opressão.

“As cidades no Brasil são como são [e] as tragédias acontecem do jeito que acontecem por conta do racismo. As cidades no Brasil foram pensadas para serem um dispositivo de manutenção de uma sociedade racista que queria afastar e matar a população negra e usar a população pobre, então é importante que a gente continue expondo isso e se articulando para ficar mais forte e entender que o problema não é só nosso”, ressalta Gisele Brito.

Poeta Michel Yakini-Iman pede apoio para lançar livro sobre futebol de várzea

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“Futebol não é coisa de menino” vem a campo sem patrocínios ou apoios prévios, por isso, a Editora Campo ou Bola, em parceria com a plataforma Catarse, promove esse financiamento coletivo que fica no ar até 10 de abril. Além disso, a campanha funciona também como pré-venda da obra. Com os recursos provenientes dessa campanha, o livro será editado e impresso.

Se o futebol, dominado pelo universo masculino, não é coisa de menino, de quem é, então? Sem a pretensão de uma resposta simples, o autor Michel Yakini-Iman apresenta textos que contribuem com o imaginário desse jogo de contradições, a partir de uma proposta literária e reflexiva, somando no acervo de literatura de futebol publicado no país, que ainda ocupa o banco de reservas nas pelejas críticas e leitoras da literatura brasileira contemporânea.

“Futebol não é coisa de menino” reúne um time de 22 (vinte e duas) prosas que estão divididas entre 1º Tempo e 2º Tempo. Na primeira parte, o autor narra histórias controversas de meninos que sonham em se tornar profissionais da bola, com enredos nutridos nas beiras de campo da várzea, nas arquibancadas, quadras de futsal e brincadeiras de rua. O 2º Tempo é composto por textos escritos durante a Copa do Mundo de 2022, no Qatar. Essas prosas apresentam a relação entre o futebol e os tabus masculinos, a arte, a política, o racismo, o humor e a mercantilização do jogo, batizada por Yakini-Iman de “Futebol com código de barras”.

Este é o segundo livro do autor dedicado exclusivamente ao futebol. O primeiro a privilegiar o tema foi “Crônicas de um Peladeiro”, publicado em 2014, pelo selo Elo da Corrente Edições. O livro que pensa o futebol de forma provocativa e urgente, tem prefácio do escritor, poeta e cineasta de futebol de várzea Akins Kintê, que assina a direção do filme “Várzea, a bola rolada na beira do coração” (2010).

“O livro vasculha lembranças das épocas de ouro do futebol varzeano, mas também nos alerta sobre o tempo de agora, desse sistema capitalista que cada vez mais torna jogadores robotizados. Vale notar também que Yakini-Iman nos traz temas relevantes sobre a sensibilidade desses jogadores: o choro, a paternidade, a presença das mulheres no futebol varzeano, a relação do escritor com sua filha Yakini, as várias vezes na arquibancadas, tirando onda, se divertindo, os apelidos quase raros hoje em dia, um livro de uma leitura suave, mesmo nos temas desconfortáveis que o escritor toca”, comenta Akins Kintê.

Ao contribuir com a campanha, que oferece várias modalidades de apoio, você garante seu exemplar e apoia os jovens escritores do Brasil, as pequenas editoras e a literatura sobre futebol.

Sobre o escritor

Autor de Pirituba que já teve obras traduzidas para o espanhol, inglês e árabe, Michel Yakini-Iman faz parte do movimento de literatura das periferias de São Paulo. É co-idealizador do Sarau Elo da Corrente (Pirituba), colaborou como colunista no portal Na Galera F.C, dedicado ao futebol de várzea (2021), já participou de atividades literárias na Alemanha, Argentina, Chile, Cuba, Espanha, França, México, Egito e Paraguai e é autor de “Na medula do Verbo” (2021), “Amanhã quero ser vento” (2018), “Crônicas de um Peladeiro” (2014) e “Acorde um Verso” (2012).

Serviço: Campanha de Pré-lançamento do livro “Futebol não é coisa de menino” com Michel Yakini-Iman

Sinopse: Dos sonhos de crianças nos campos de várzea até histórias da Copa do Mundo de 2022, o livro transita pela relação entre o futebol e velhos tabus, arte, política, racismo, humor e a mercantilização do jogo, brindando o imaginário dos leitores com uma obra provocativa e urgente.

Período: até 10 de abril de 2023 (segunda-feira)

Apoie o projeto:  Aqui

Valores da Campanha: a partir de R$ 15,00 com recompensas de acordo com a participação

Desenrola participa de Colóquio de Comunicação no Centro de Pesquisa e Formação SESC

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Na próxima sexta-feira (31), a jornalista Thais Siqueira, co-fundadora do Desenrola, marca presença na primeira edição do Colóquio Comunicação e Tecnologias Sociais nas Periferias, organizado pela produtora Caramuja em parceria com o Centro de Pesquisa e Formação SESC, espaço de produção e difusão de conhecimento, localizado na Bela Vista, centro de São Paulo.

Siqueira participará do debate: Jornalismo Periférico: nos becos da comunicação digital, que acontecerá das 14h às 15h30 e conta com participação de André Fernandes, fundador da Agência de Notícias das Favelas e a Mediação de Maycon Motta, repórter cinegrafista e fundador da produtora Dois Neguin Filmes.O colóquio propõe um espaço de trocas e intercâmbio entre iniciativas sociais ligadas à jornalismo social, articulação de mídias e tecnologia em prol do exercício cidadão, da denúncia e da produção cultural em territórios periféricos

Utilizando ferramentas tecnológicas disponíveis, os participantes do evento irão compartilhar como estão subvertendo e recriando meios de circulação de notícias, informações e valorizando os atores sociais das periferias, os convidados e convidadas tecerão articulações entre mídias, tecnologia, comunicação, educação e arte.

O comunicador popular e cineasta Daniel Fagundes, co-fundador da produtora Caramuja, é responsável pela curadoria do evento, que conta com a participação de jornalistas, podcasters, educomunicadores, cineastas e fotógrafos.

Para assistir e interagir com os convidados e palestrantes do evento, o público interessado deve acessar o site do SESC, para realizar as inscrições que seguem abertas até o dia 30 de março, e custam a partir de R$ 15,00. 

Confira a programação completa do Colóquio de Comunicação.

31/03
10h- Colóquio de abertura “Audiovisual popular, entre o anúncio e a denúncia”
Com Harrison Lopes (Coletivo de comunicação popular Tela Firme) e Janaína Reis (Companhia Bueiro Aberto).
Mediação de Daniel Fagundes (Caramuja/Ibiralab).

11h às 12h30 – Mesa de conversa 1: Mídia e ativismo antes e depois da web
Com Flávio Galvão (Agência Pavio de Jornalismo) e Kátia Passos (Jornalistas Livres).
Mediação de Guilhermo Aderaldo (Ufpel).

14h às 15h30 – Mesa de conversa 2: Jornalismo Periférico: nos becos da comunicação digital
Com Thais Siqueira (Desenrola e Não Me Enrola) e André Fernandes (Agência de Notícias das Favelas). Mediação de Maycon Motta (Dois Neguin Filmes).

16h30 às 18h Mesa de conversa 3: Das ondas de rádio à podosfera: construindo notícias no coletivo
Com Gisele Alexandre (Manda Notícias) e Reginaldo José (Rádio Comunitária Heliópolis).
Mediação de Marcos Vellasco (Quebradacast).

1/4
10h às 11h30 – Mesa de conversa 4: Educação entre a lousa e a tela: desafios e avanços
Com Renato Noguera (Afrosin) e Socorro Lacerda de Lacerda (Prove).
Mediação de Daniel Fagundes (Caramuja/Ibiralab).

11:30h às 12:30h – Deslocamento do Sesc para o Jardim Ibirapuera

12:30h – Almoço na sede do Bloco do Beco

13:30h – Rolê no Bairro Educador

16:30h – Encerramento com Maracatu Baque Atitude

“É um movimento de força feminina”: Coletivo fomenta presença de mulheres no grafite

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Palpites, abusos, desrespeito e comparação são algumas das situações que mulheres enfrentam ao grafitar nas ruas. Situações que atrapalham não só as criações expostas nos muros, mas que também as desestimulam a saírem dos seus locais seguros.

Com o objetivo de promover espaços acolhedores de troca e encontros onde mulheres que fazem todo tipo de arte de rua possam se expressar, surge o Grapixurras das Minas. Em 2017, enquanto Iara Lopes, conhecida como Yaya e Paloma, conhecida como Sujeitas, pintavam um muro, também compartilhavam seus sentimentos sobre a falta de mulheres nos eventos de grafite, e desse papo surge a coletiva.

“Não é apenas para mulheres que já possuem técnicas. É as minas que estão começando e querendo conhecer outras minas. É para promover essa troca de conhecimento, amizade e união entre as mulheres no grafite.”

Iara Lopes (YAYA), 29, geógrafa, moradora de Osasco, região metropolitana de São Paulo e organizadora do Grapixurras das Minas.

O nome da coletiva foi sugerido por Paloma (Sujeitas) e faz referência aos eventos de grafite que já aconteciam e eram organizados majoritariamente por homens. A diferença é que buscaram deixar explícito que a iniciativa é voltada apenas para mulheres. “O ‘das Minas’ é para trazer o recorte e deixar claro que era só para mulheres colarem e pintarem”, diz Iara Lopes (YAYA).

Formado de forma espontânea através das mulheres que colavam para grafitar e procuravam no que poderiam contribuir para agregar na construção da coletiva, atualmente o Grapixurras conta com mais três organizadoras oficiais além da Iara e Paloma: Riane (Sister), Cintia (Bonnie) e Niala (Nica), e apoio de Paula (Bruxa) e Mica (Micaguei).

O primeiro evento oficial do Grapixurras das Minas aconteceu em 2018, onde reuniu cerca de 15 mulheres para grafitar um escadão no Jardim Celeste, região do ABC Paulista. “Foi uma sintonia gostosa, as minas já pegaram a maior amizade. Voltamos todas juntas. O primeiro logo deu a entender que ia dar tudo certo”, afirma Iara Lopes (YAYA), uma das organizadoras do evento.

Camila Coelho, conhecida como Nega, é professora, moradora da região oeste de São Paulo, já participou de várias edições dos encontros e afirma que para além de técnica, elas podem trocar entre si sobre suas vivências.

“Rola troca de tinta, de foto, de sticker, rola troca de arte, de ideias. Quando a gente tá num espaço que se sente livre, a gente se sente mais segura de dividir, colaborar e entregar para as pessoas que estão ao redor o que a gente tem de melhor. Tudo feito com amor.”

Nega, professora, já participou de várias edições do Grapixurras das Minas.

Apoio de políticas públicas

Após 5 anos de existência realizando rateios entre as participantes para subsidiar os eventos, em 2023, o coletivo foi aprovado no Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), lei de incentivo a projetos culturais de São Paulo. A 20ª edição do evento das minas, que aconteceu em janeiro de 2023, foi o primeiro encontro com apoio da política pública e reuniu cerca de 200 grafiteiras, em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo.

Esse foi o primeiro encontro em que o Grapixurras das Minas conseguiu disponibilizar kits com spray para alguns participantes pintarem durante o evento.

“Agora a gente consegue fornecer kits de lata para as primeiras minas [que se inscrevem via formulário] e ver [que] as mina não precisar tirar do próprio bolso para comer um almoço da hora”, aponta Iara Lopes (YAYA), ressaltando que durante o dia também teve a possibilidade de rolar o “churrasco das minas”, que contava com opção vegana e ainda sorteios com artes levadas por algumas participantes.

O pouco apoio e políticas públicas com foco em espaços para essa troca entre as mulheres afeta não apenas a produção dos encontros, mas também inviabiliza a locomoção de muitas mulheres, já que a maioria mora em diferentes territórios periféricos da cidade.

É o caso da rapper e grafiteira Pamela Miranda, 26, conhecida como Miranda, que mora em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, e geralmente precisa pegar dois ônibus, metrô e trem para chegar aos locais do evento: “Eu estando dentro do metrô vou para qualquer lugar, é grana [a questão]”, afirma.

Miranda ficou sabendo do Grapixurras das Minas através de uma conhecida e já chegou a ir em mais de 10 edições dos encontros. Segundo ela, os eventos contribuíram para aumentar a frequência com que coloca sua arte na rua e ainda a possibilidade de pintar para além da sua quebrada.

“Eu não tinha uma frequência tão alta. Pintava mais os mesmos lugares, mas o Grapixurras das Minas tirou esse limite de espaço. Me fez conhecer outras manas e pintar em outros lugares, isso é dahora”, conta Miranda.

Espaço que acolhe e fortalece

Miranda afirma que uma das diferenças entre eventos organizados por homens e o Grapixurras das Minas, é o acolhimento e a importância da sua presença para outras mulheres, as quais ela considera suas irmãs de rua. Ela conta que já chegou a ir para o encontro sem tinta e foi fortalecida por diversas minas no local.

“Aqui você sabe que sua presença é importante para outras pessoas, elas fazem questão da sua presença. Você tá sem tinta? Cola. Tá sem dinheiro? Vou te mandar a condução. É um movimento de força feminina”

Miranda, rapper, moradora de Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo.

Para garantir a presença de grafiteiras que são mães, além da alimentação são realizadas atividades e oficinas com foco nas crianças, para que possam se entreter e dar a possibilidade das mães conseguirem pintar com mais tranquilidade.

Camila Coelho (Nega), 35, é professora, moradora do Butantã, região oeste de São Paulo, e mãe. Ela cola no Grapixurras das Minas desde a 7ª edição e conta que já deixou de participar de eventos por não ter rede de apoio pessoal ou no local.

“Geralmente em rolês organizados por pessoas do sexo masculino eles não pensam na acolhida da criança. Nem sempre os muros são fáceis de administrar, porque é na rua, tem carro passando, a criança quer correr e acaba que você não pinta”, aponta Nega.

“Você fica triste. Ver todo mundo pintando e você limitada de se expressar”, completa, ao citar que levar seu filho junto com ela para grafitar demanda tempo e atenção, assim, não consegue se concentrar para pintar.

Milena, 24, é moradora de Embu das Artes e assina como Ser em seus grafites, conta que conheceu o Grapixurra das Minas através de uma amiga. Ela está participando pela terceira vez do evento e sempre leva sua filha junto, a Gaia. “Trago ela para conhecer a arte de rua e conviver com mulheres. Ela se sente 100% à vontade, pinta e borda”, afirma Ser.

Cintia (Bonnie), 38, é moradora de Mauá, no ABC Paulista, passou a fazer parte do coletivo após participar de algumas edições e afirma que a arte de rua deu a ela e a outras mulheres a chance de expressarem a sua existência.

“Fazemos e vivemos para mostrar que existimos, que estamos aptas desde o ventre para sermos livres, fazer e chegar no lugar que desejamos. Somos resistência e continuaremos resistindo. Os espaços estão sendo retomados por aquelas que um dia foram diminuídas ou mal faladas só porque somos mulheres tomando a frente das nossas próprias vidas”

Cintia (Bonnie), moradora de Mauá, no ABC Paulista e uma das organizadoras do Grapixurras das Minas.

Kinoforum abre inscrições para cinema periférico no 34º Festival de Curtas

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As inscrições para a 34ª edição do Festival Internacional de Curtas de São Paulo – Curta Kinoforum, reconhecido como um dos mais importantes eventos mundiais dedicados ao filme de curta duração, estão abertas até 31 de março. A iniciativa é da Associação Cultural Kinoforum.

Podem participar filmes com até 25 minutos de duração, sem distinção de gênero e que tenham sido finalizados a partir de 1º/01/2022. Visando estimular a maior participação de filmes de realizadores periféricos, negros, indígenas e LGBTQIA+, o evento abriu um canal especifico para as inscrições desta produção pelo e-mail info@kinoforum.org. O festival preza pela diversidade e por isso conta com um comitê de seleção que representa a heterogeneidade da sociedade brasileira.

O festival  também prevê a participação do público na avaliação da produção e abre parcerias que resultam em premiações. Os curtas brasileiros realizados em cursos de graduação do ensino audiovisual são elegíveis ao Prêmio Revelação, que consiste em serviços e equipamentos para a produção de uma nova obra.

Somente serão elegíveis aos prêmios promovidos pelo festival e seus parceiros os títulos brasileiros que possuam Certificado de Produto Brasileiro (CPB) emitido pela Agência Nacional de Cinema (Ancine). O evento aceitará a inscrição de obras que ainda não possuam o CPB; contudo somente poderão concorrer às premiações e destaques as produções que façam prova do processo de registro na Ancine até o dia 20/06.

As produções finalizadas em 2023 têm prazo maior para inscrição: até 28/04. O 34° Festival Internacional de Curtas de São Paulo – Curta Kinoforum tem direção da produtora Zita Carvalhosa e acontece de 29/08 a 3/09.

Para se inscrever: 

As inscrições podem ser acessadas aqui

“Fazemos com que as pessoas entendam a cultura surda”, diz criadora do projeto Libras Na Quebrada

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Com 3 anos de atuação, o Libras Na Quebrada conta com mais de 10 pessoas na equipe, composta por educadores surdos e ouvintes.

Oficina de Libras sendo mediada pela educadora Ananda Castilho, que inclusive foi aluna do projeto. (Foto: Acervo pessoal)

 O projeto Libras na Quebrada iniciou a primeira turma de oficinas gratuitas de língua de sinais de 2023, no primeiro sábado (05) do mês de março. O curso, que tem duração de quatro meses, acontece dentro da Casa de Cultura da Vila Guilherme pelo terceiro ano consecutivo. O espaço cultural, localizado na zona norte de São Paulo, já se tornou a sede fixa do projeto.

“Eu pensei: preciso fazer essa revolução. Porque às vezes na periferia tem o surdo, mas as pessoas chamam de ‘mudinho’, que é errado, ou de ‘doido’. Então a ideia do projeto é essa, a gente ensina libras mas a gente também conscientizar as pessoas, fazemos reflexões e fazemos com que as pessoas entendam a cultura surda”, explica Gyanny Vilanova, criadora do projeto Libras na Quebrada que moradora da Vila Maria, zona norte de São Paulo.

“O surdo é capaz de fazer qualquer coisa, estar em qualquer lugar e entender qualquer coisa”

Gyanny Vilanova, criadora do projeto Libras na Quebrada

O Libras na Quebrada é um projeto que nasceu a partir de um primeiro contato com uma pessoa surda que tinha dificuldades de comunicação, segundo Gyanny , a fundadora. (Foto: Acervo pessoal)

O propósito do Libras na Quebrada ajudou a transformar a vida profissional da enfermeira Fabiana Souza, 46, moradora do Brás, região central de São Paulo. Ela é aluna do projeto desde 2021 e relata como os aprendizados conquistados durante a formação agregaram valor a maneira de atender a população surda nos equipamentos públicos de saúde onde ela trabalha.

“Imagina uma pessoa que está precisando ser socorrida numa unidade de saúde, e a pessoa tenta expressar aquilo que ela está sentindo, uma dor, uma agitação ou qualquer outra coisa que não seja visível e ninguém conseguir entender, se hoje aparecer alguém para fazer os exames, eu consigo aos pouquinhos, conversar e fazer perguntas para uma pessoa surda”, exemplifica Fabiana, citando situações que podem acontecer no dia dia de trabalho.

“Eu consigo aos pouquinhos conversar e fazer perguntas para uma pessoa surda”

Fabiana Souza, enfermeira e aluno do projeto

Para realizar as oficinas e atender os mais de 20 alunos, o projeto conta com o apoio da Ananda Castilho, 2, que também mora na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo. Antes de ser integrante da equipe pedagógica do projeto, ela foi aluna do curso, pois nasceu com uma pequena taxa de surdez, e considera o aprendizado de libras como uma necessidade social e fundamental para todas as pessoas.

“Sinto que minha responsabilidade como professora é desconstruir a cabeça dos meus alunos, mostrar que devemos sempre estar atentos ao nosso redor, ter empatia pelo próximo. Eu sempre falo pra eles que quando você entende o propósito da libras, do porquê você está aprendendo, quando você entende a importância da libras e de repassar esse conhecimento a frente, você se interessa e começa a mudar seus pensamentos”, reflete a educadora.

As oficinas do projeto têm a duração de aproximadamente quatro meses, e contam com o apoio de educadores surdos e ouvintes. (Foto: Acervo pessoal)

Gyanny, que é a criadora da iniciativa, conta que tudo começou em 2009, quando tinha 16 anos. Nesta época, ela trabalhava na Galeria do Rock, no centro de São Paulo, como vendedora. Ao sentir dificuldades para usar libras pela primeira vez para atender um jovem surdo, ela se sentiu curiosa para aprender a usar a língua de sinais e estimular outras pessoas a seguir esse caminho.

“Fiquei um tempo pensando em como elaborar o projeto, qual o foco, a missão e valores. Quando a gente começou era um pouco mais difícil achar curso de libras, era só pago, aí eu pensei em fazer um gratuito sem cobrar nada da galera, e na periferia tem muito espaço legal”, relata a criadora do projeto.

Após o período de idealização e estruturação do curso, as oficinas da primeira turma do Libras Na Quebrada começaram em 2020, no mês de fevereiro, mas, com a chegada da pandemia, todo o cronograma de atividades precisou ser pausado por um tempo indeterminado. 

“No centro já tem curso de libras, então eu quis pensar em ir para lugares que não têm”

Gyanny Vilanova, criadora do projeto Libras na Quebrada

O projeto Libras Na Quebrada não parou mesmo com a chegada da pandemia em 2020, as aulas aconteceram no formato online. (Foto/Reprodução: Acervo pessoal)

“A gente fez um mês de aula, veio a pandemia e tudo que eu estruturei pro presencial, como brincadeiras e dinâmicas foi por água abaixo e a gente teve que se reorganizar no online. Ficamos uns meses sem realizarmos as aulas, depois voltamos para o online”, explica Gyanny.

Entretanto, até hoje, a ideia do projeto é chegar em todas as quebradas, ensinar as linguagens de sinais mais usadas no cotidiano das pessoas. As oficinas duram quatro meses, em sua grande maioria são realizadas em encontros aos sábados, com turmas que tem em média 20 alunos.

“Quando eu iniciei o curso foi por curiosidade, quando eu fui começar a fazer e participar das aulas com professor surdo foi por amor, e depois conhecendo os surdos, eu peguei empatia. Então foi um passinho de cada vez. O surdo é capaz de fazer qualquer coisa, estar em qualquer lugar e entender qualquer coisa”, concluiu Gyanny.

“Eu queria me enxergar nos meus alunos”: professora cria curso de inglês para romper barreiras sociais e raciais

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Em janeiro de 2021, a professora de inglês Karina Santana, 28, moradora da zona leste de São Paulo, criou o curso “Karina, Me Ensina”, para romper com a lógica de mercado da educação que torna o inglês um idioma acessível para pessoas brancas e de classe média, e distante de pessoas negras e periféricas.

Um dos diferenciais do curso tem esse propósito de impacto social: facilitar o acesso de inúmeras pessoas periféricas ao ensino de inglês, principalmente de mulheres negras como ela, que correspondem a 80% dos seus alunos.

“O inglês é elitizado no Brasil. E existe a visão de que quem o domina é superior. Nos sentimos inferiorizados porque achamos que deveríamos ter esse conhecimento, quando não é questão de querer, mas de ter condições financeiras para tal.

Karina Santana, professora de inglês e fundadora do “Karina, Me Ensina”.

Batendo de frente com o racismo

Durante a trajetória profissional, Karina conta que, ao longo dos mais de 8 anos em que trabalhou em escolas bilíngues, pôde perceber de perto a diferença brusca entre a sua vida e a daqueles que frequentavam suas aulas, majoritariamente brancos e de classe média, sendo alvo inúmeras vezes de discriminação de raça e classe.

Ela lembra que a postura dos alunos brancos para promoção do racismo deixou marcas na sua trajetória profissional. “Uma vez eu recebi um sabonete de um aluno que, ao entregá-lo, disse que eu devia me lavar, porque eu era suja. Ao levar a questão para a diretoria, eu fui demitida.”

“O choque de realidade que eu vivenciava nas escolas atuando como professora era gritante”

Karina Santana, moradora da Zona Leste de São Paulo.

“Ninguém dizia abertamente que “inglês era coisa de rico e branco”, mas o choque de realidade que eu vivenciava nas escolas atuando como professora era gritante. Eu era sempre a única professora negra e já passei por várias situações de racismo, do velado ao escrachado”, revela Karina.

Além de enfrentar essas situações de racismo no ambiente de trabalho, a professora de inglês vivenciou outra forma de preconceito, desta vez, o alvo foi o seu filho caçula, que ela tinha acabado de dar luz, e nasceu com a Síndrome de Klippel-Trenaunay, uma doença que causa má formação dos ossos, varizes nas veias, manchas no rosto, entre outras complicações que impedem o bom desenvolvimento da criança.

Ao voltar da licença maternidade e informar à empresa sobre a condição de saúde do filho mais novo, que exige tratamento e acompanhamento contínuo, Karina foi demitida duas semanas após voltar ao trabalho, uma atitude antiética da empresa que vai contra a legislação trabalhista. Tais acontecimentos contribuíram para a professora dar novos rumos para sua vida profissional, adotando o empreendedorismo como uma tentativa de gerar renda.

“Eu não sonhava ser empreendedora, eu me tornei empreendedora por necessidade”.

Karina Santana, criadora do curso Karina, Me Ensina.

Ela sempre amou ser professora, mas o fato de encontrar vários desafios para se manter no mercado de trabalho, a levou a oferecer aulas de inglês por conta própria para um novo perfil de estudantes.

“Diferentemente do público que atendia nas escolas bilíngues, eu queria poder me enxergar nos meus alunos e que eles se enxergassem em mim também. Por isso, sempre tive comigo a ideia de ter um curso acessível, de baixo custo e que aproximasse as pessoas periféricas do inglês”, conta a empreendedora.

Inspirada em Paulo Freire

Karina é pedagoga com especialização em pedagogia freiriana, método criado por Paulo Freire que defende uma aprendizagem coletiva, prezando pela troca entre professor e aluno, a partir das realidades sociais e experiências dos estudantes, de modo que eles consigam enxergar sentido e motivação para aprender.

Desta forma, ela não oferece um curso só com valor acessível, mas com ensino humanizado, que busca entender o motivo real pelo qual as pessoas não conseguem aprender inglês, respeitando o tempo de cada um e fazendo com que tenham autoestima e segurança para se familiarizar com o idioma. 

“A Teacher Karina é acolhedora, divertida e gentil com todos, sempre nos incentivando a perder a vergonha de julgamento sobre a nossa pronúncia, nos deixando livres para responder perguntas em português quando temos dúvidas de como falar algo, tornando assim, as aulas em um espaço seguro em que podemos errar, aprender e evoluir”, explica Bianca Rodrigues, aluna do curso “Karina, Me Ensina”.

Bianca Rodrigues, publicitária e aluna do "Karina, Me Ensina". Foto: Arquivo pessoal.
Bianca Rodrigues, publicitária e aluna do “Karina, Me Ensina”. Foto: Arquivo pessoal.

“Antes das aulas da Teacher Karina, eu dependia totalmente do recurso de tradução do Google para compreender textos em inglês, inclusive no meu trabalho.”

Bianca Rodrigues, aluna do  curso Karina, Me Ensina.

Os conteúdos abordados nas aulas também recebem atenção especial, por possuírem um olhar crítico sobre o inglês e sua relação com a cultura norte-americana. Diferentemente das escolas tradicionais que vendem o idioma como sendo parte do “sonho americano”, ela tenta romper com essa ideia imperialista, focando na questão de oportunidades e acesso a lugares, seja para trabalhar, estudar ou viajar. 

Por isso, a proposta pedagógica não se limita à variação estadunidense e traz o sotaque queniano, indiano, além de trabalhar com música, arte e culturas negras, o que gera identificação com os alunos, fazendo com que se sintam mais à vontade para aprenderem e avançarem no idioma.

A aluna Bianca Rodrigues é formada em publicidade e atua como Social Media. Um dos principais impactos de aprendizagem do curso foi o desenvolvimento do gosto pela leitura de textos em inglês, habilidade fundamental na sua área de trabalho.

“Hoje já faço questão de ler cada texto em inglês e interpretar com calma o que li, partindo para tradução somente em caso de dúvidas específicas. O “Karina, Me Ensina” me incentiva a prestar mais atenção no inglês que está presente no meu dia a dia, a exercitar minha mente com frequência e a me desafiar cada vez mais no idioma”, compartilha Bianca.

Retornos positivos de alunas como a Bianca são comuns nas redes sociais da escola de inglês criada por Karina, com destaque para as publicações em seu perfil no Instagram, @teacher.professora, carro-chefe para atrair clientes, por engajar mais de 10 mil seguidores, fato que contribuiu para atingir a marca de 500 alunos.

“Fiz de tudo para formar minha primeira turma com 15 alunos. Postava todo dia sobre meu curso em grupos de Facebook voltados ao afro empreendedorismo. Mandava mensagem sobre as aulas para todos os contatos do meu WhatsApp e pedia para compartilharem com quem pudessem. Falava muito com todas as pessoas que conhecia. Como sou bastante comunicativa, acredito que isso tenha me ajudado no início”, finaliza Karina.

Padre Jaime, um homem que une a periferia

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No último dia 7 de março de 2023, Padre Jaime faria 78 anos, na verdade fez, porque continuará presente, hoje e sempre. E sua voz continuará ressoando: coragem, menino! coragem menina!

Padre Jaime – Foto: Admilton Martinho

Há homens que lutam um dia e são bons,
Há outros que lutam um ano e são melhores,
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.

Bertolt Brecht

Esse foi justamente o padre Jaime, um ser humano, um altruísta como poucos, que nos deixou no dia 20 de fevereiro de 2023, na Irlanda, sua terra natal, onde estava vivendo com seus familiares.

Padre Jaime viveu no Brasil por mais de 50 anos e aqui fez história por onde passou, caminhando e lutando juntos aos pobres e perseguidos. Sua atuação se deu para além dos muros da igreja católica, tornou-se referência social e política em São Paulo e no país, por suas ações em favor da vida.

Em comunhão com leigos e religiosos progressistas da Igreja Católica, padre Jaime não separava a evangelização da vida concreta do povo, escolheu levar a palavra e o pão para os que mais necessitavam, nem que para isso tivesse que enfrentar políticos, “coronéis” e mesmo religiosos da própria igreja. 

Com seu jeito acolhedor e sorridente, padre Jaime fez da paróquia Santos Mártires um espaço de acolhida e articulação social. Assim, conseguiu unir diferentes denominações religiosas, inúmeras lideranças sociais, o poder público, movimentos sociais, partidos políticos, pessoas anônimas, mães, educadores e pesquisadores. 

Tudo isso na busca de transformar a realidade social do Jardim Ângela, que na década 1990 chegou a ser considerado um dos bairros mais violentos do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Foi no Jardim Ângela que padre Jaime passou a maior parte de sua vida no Brasil, mais de 30 anos. Pode-se dizer que existia um Jardim Ângela antes do padre Jaime e outro depois.

Das lutas encampadas pelo padre Jaime, a esperança se tornou uma chama permanente que fez nascer creches, escolas, espaços de acolhida para crianças, adolescentes e jovens, serviços de assistência às famílias e um centro de defesa e convivência para as mulheres vítimas de violências.

Arte produzida pela Rede Ubuntu Educação Popular em homenagem ao Padre Jaime Crowe

Encampou campanhas e mobilizações por moradias, saúde e mobilidade urbana. A partir de sua atuação também observou-se a diminuição nos índices de violência do bairro.

Poderíamos elencar inúmeras conquistas da nossa região que tiveram a liderança e apoio do padre Jaime, mas vale citar duas de grande importância: o Hospital M’Boi Mirim e as bases de polícia comunitária.

Mas para além de falar das conquistas, é preciso pensar no legado que o padre Jaime nos deixa. Muitas das suas lutas continuam demandando esforços dos movimentos e coletivos.

Infelizmente as dificuldades e problemas em nossas periferias permanecem, as vidas dos nossos jovens continuam sendo ceifadas, a violência contra as mulheres cresce, a falta de médicos é gritante, a moradia continua a ser um privilégio de poucos, e a mobilidade ainda nos impede de andar pela cidade. 

Assim, nossos agradecimentos ao padre Jaime devem ser feitos dando continuidade as suas/nossas lutas. Estou seguro de que é isso que o padre Jaime desejaria.

Ele nunca descansou, sempre esteve em movimento para combater qualquer injustiça cometida a qualquer pessoa, esse era seu exemplo, um homem incansável.

Nos últimos anos estive muito perto do padre Jaime, que era pra mim um guia, um conselheiro, e de tantas coisas que me ensinou, a mais importante foi de não desistir dos sonhos, de acreditar em uma outra sociedade: mais justa, de ter coragem para enfrentar as dificuldades e as lutas.

Também pelo padre Jaime, quero retomar essa coluna e fazer desse espaço memória viva de suas lutas.

No último dia 7 de março de 2023, Jaime faria 78 anos, na verdade fez, porque continuará presente, hoje e sempre! E sua voz continuará ressoando: CORAGEM, MENINO! CORAGEM MENINA!

Intercâmbio musical reúne DJs de Cabo Verde em evento gratuito no Capão Redondo

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Pela primeira vez no país, os DJs Mama Demba e Micáh participam de um intercâmbio musical organizado pelo produtor musical Mario Cezro.
Dj Mario Cezro e os Djs cabo-verdianos Mama Demba e Micáh. Foto: Divulgação.
Nesta quinta-feira (16), o DJ brasileiro e produtor cultural Mario Cezro, realiza um intercâmbio musical. A atividade acontece a partir das 18h na sede do espaço cultural independente Ateliê Nu Capão, localizado no Capão Redondo, zona sul de São Paulo.
O encontro contará com a participação dos DJs nascidos em Cabo Verde e radicados em Portugal, Mama Demba e Micáh. Um dos propósitos do intercâmbio é investigar os desdobramentos da musicalidade presente em Cabo Verde, Portugal e no Brasil.
O organizador do evento, o Dj Mario Cezro, é morador do Jardim São Luís e há décadas pesquisa sonoridades espalhadas pelo mundo e divulga seu trabalho por meio do selo musical Estados Sonidos.

“Há mais semelhanças do que diferenças entre esses dois lugares. A história de Cabo Verde e do Brasil se conectam, e a música é mais uma prova disso”

Dj Mario Cezro

Conheça o Dj Mamba Demba, clique aqui
Conheça o Dj Micáh, clique aqui
Conheça selo musical Estados Sonidos, clique aqui

Serviço

Estados Sonidos apresenta: Conexão Brasil – Cabo Verde – Portugal

Dia: 16 de março
Horário: 18h às 23h
Local: Ateliê NuCapão
Endereço: Rua Maria Blanchard,177 – Capão Redondo, São Paulo (SP).

Grupo de rap fundado no Carandiru promove ações culturais com jovens na quebrada

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Com anos de atuação artística e cultural no território, desde 2020 o grupo Comunidade Carcerária gerencia espaço cultural que promove ações formativas no distrito de Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo.

Washington Pereira Paz e Flaviano Souza estão há mais de 20 anos atuando juntos acolhendo a juventude da periferia e se inspirando em suas próprias histórias. (Foto por: Flávia Santos)

 Em meados de 1996, dentro da antiga casa de detenção localizada na zona norte de São Paulo, o Carandiru, surgiu o grupo de rap Comunidade Carcerária, criado por alguns amigos, entre eles Washington Pereira Paz, conhecido como W.O e Flaviano Souza, conhecido como F.W Guerreiro da Paz.

Na intenção de sobreviverem ao sistema prisional, os amigos iniciaram suas jornadas no mundo musical escrevendo e compartilhando suas vivências sobre um futuro de liberdade que não sabiam se estava próximo ou não de chegar.

“Nos espelhamos muito na gente, nos nossos problemas, no veneno que a gente estava passando ali preso, sem poder sair, ver um amigo, um parente”. Washington Paz, conhecido como W.O, 47, rapper, morador da Vila Missionária, bairro localizado na zona sul de São Paulo.

Washington conta que a ideia de pensar outras possibilidades para se viver surgiu a partir de suas próprias experiências e também na tentativa de tirar o máximo de jovens que conseguissem de um caminho que afirma não ser o melhor para a juventude das periferias. “Tem como você crescer através de um estudo, através de um curso”, afirma.

O músico saiu da casa de detenção em 1999, mas continuou frequentando o local para ensaiar e trabalhar no projeto que não queriam deixar apenas no papel. No início, o grupo era formado por três MC’s, sendo eles o Washington (WO), o Flaviano (FW) e o Jairo, conhecido como MC Jhay, mas apenas Washington e Flaviano seguiram com as atividades do Comunidade Carcerária.

“A gente criou até um centro cultural no presídio na época. A gente viu passar por lá Detentos do Rap, 509-E, o grupo de samba Bola Mais Um. A maioria da galera que saiu de lá e que gravou passaram pelo nosso espaço cultural”

compartilha o rapper sobre as ações culturais que mobilizaram ainda dentro da casa de detenção.

Na época, com o auxílio de um agente penitenciário, conseguiam se encontrar para darem continuidade às produções dentro do complexo. Continuaram com as atividades no local até o ano 2000, período em que os outros integrantes foram transferidos devido ao processo de desativação e implosão de pavilhões do Carandiru, como reflexo do massacre ocorrido em 1992.

 Apoio de políticas públicas

Mesmo com dificuldades, ao longo dos anos o grupo permaneceu na ativa. Em 2006, com Flaviano também fora do sistema prisional, seguiram em busca de possibilidades de existência e formas de seguirem construindo o que começaram anos atrás dentro da casa de detenção.

“Hoje a gente tem [um espaço físico], depois de muitos anos de história, de resistência, através de projetos da Secretaria de Cultura feitos aqui na região”, conta Washington sobre o espaço que conseguiram fundar em 2020, após serem contemplados no Programa de Fomento à Cultura da Periferia, política pública da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. 

“A porta é aberta para você investir no seu sonho, no que você acredita, e através dessa parceria é que a gente conseguiu essa estrutura para os jovens saírem da rua”

afirma Washington.

O grupo de rap Comunidade Carcerária foi fundado em 1996, dentro da Casa de Detenção do Carandiru, e atualmente são linha de frente de um projeto social pensado para a juventude de quebrada. (Foto por: Flávia Santos)

Atualmente, no espaço gerido por Washington e Flaviano, que fica na Vila Missionária, bairro localizado no distrito de Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, são realizadas oficinas semanais, de quarta a domingo. O espaço que se chama GR2C (sigla para Grupo de Rap Comunidade Carcerária), abriga diferentes atividades: vivências de MC’s, aulas de break, grafite, trança, fotografia e também encontros de batalhas de rima.

Além disso, o grupo circula pela cidade realizando visitas a casas de recuperação para debaterem temas como encarceramento, ressocialização e acesso à cultura.

Entre os jovens que colam no espaço GR2C, a maioria já passou pela Fundação Casa, e é exatamente esse um dos maiores focos da iniciativa, que busca criar possibilidades para que esses jovens não precisem ter mais contato com o sistema prisional. Para isso também buscam fortalecer uma rede de apoio e de oportunidades para os jovens.

“Ao invés dele estar na biqueira ou assaltando alguém no farol, ele está no palco com o microfone na mão, fazendo aquilo que ele gosta, pulando, sorrindo e cantando. Então é isso que traz energia e a vontade de continuar”

pontua Washington.

Um dos jovens que frequenta e é impactado pela existência do local, é o Gabriel Lima, 21, conhecido como MC Kazuê, morador da Vila Joaniza, bairro da Cidade Ademar, zona sul de São Paulo. Gabriel é organizador da Batalha do Kaos, que acontece no seu bairro desde 2016. Ele começou a rimar com 14 anos e conta que decidiu sonhar com o rap para sua vida.

“Me senti bem no espaço, me senti importante e me livrou de muitos rolês que não valiam a pena, onde eu só me drogava e ficava mal. Hoje nossa conexão está pesadíssima e estou muito feliz por essa mudança comportamental”, compartilha Gabriel.

Sistema desigual

Atuante no movimento social Amparar, que atende pessoas afetadas pelo sistema prisional para garantir direitos básicos também às famílias, Fabio Pereira, estudante de serviço social, aponta a importância de ações que deem suporte para as pessoas e famílias atravessadas por esse sistema.

“É fundamental que a gente possa reivindicar políticas públicas para pessoas que passaram pelo cárcere e de ações individuais”, afirma Fábio Pereira.

O abolicionista penal também analisa o fato do grupo Comunidade Carcerária ter conseguido um apoio apenas mais de 20 anos depois de sua atuação. Como isso representa a diferenciação entre pessoas a partir de seus corpos e endereços. 

“A maioria das pessoas saem das cadeias sem perspectivas e acabam retornando pra ela porque não se oportuniza outras oportunidades. Se hoje, nesse momento, cair um jovem agonizando em qualquer quebrada, é mais fácil chegar uma viatura do que uma ambulância do samu”

aponta.

W.O e F.W possuem o sonho de alcançarem o maior número de jovens vulneráveis de quebrada que conseguirem, e oportunizar que possam sonhar de novo. (Foto por: Flávia Santos)

Fábio pontua a necessidade de pensar políticas efetivas de seguridade social nas periferias, garantir os direitos básicos dessas pessoas e refletir verdadeiramente sobre o papel das prisões.

“Será que se garantissem tudo isso, essas pessoas estariam no crime? Estariam nessa situação? A prisão funciona muito como uma vingança social. Se a prisão fosse pensada para pessoas ricas ela não seria da forma que ela é”, finaliza Fábio.