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Guaianases sedia XIII Encontro Paulista de Jongueiras e Jongueiros

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“O Tambú bateu tocou meu coração” é o tema do XIII Encontro Paulista de Jongueiras e Jongueiros, que acontece no dia 01 de novembro de 2025, em Guaianases, zona Leste de São Paulo. O encontro terá atividades durante todo o dia, como show de Tião Carvalho, teatro com a Trupe Mitos e Contos, cortejo com o Cordão Carnavalesco Dona Micaela que faz parte da Comunidade do Rosário da Penha, além das tradicionais rodas de Jongo. 

Nessa edição, o encontro será sediado pelo Jongo dos Guaianás, comunidade que neste ano completa 18 anos de existência. A organização prevê a participação de aproximadamente 700 pessoas entre integrantes das comunidades e público geral.

Renato Abaña, integrante da Comunidade Jongo dos Guaianás, conta que sediar essa edição do encontro é muito positivo, principalmente pelo histórico de luta e resistência do território. 

“Somos fruto de muitas lutas travadas pelos que vieram antes de nós, exigindo e reivindicando saúde, igualdade racial, gênero, infância e muitas outras pautas que falam sobre vida digna para o povo periférico. Manifestações como o Jongo são inerentes a essas pautas, lugar e gente. Não poderiam brotar em outro contexto.”

Renato Abaña, integrante da Comunidade Jongo dos Guaianás

O evento, que é realizado anualmente pelas comunidades de Jongo de São Paulo, em 2025, reunirá 11 comunidades de Jongo de diferentes cidades do estado, são elas: Jongo dos Guaianás (Anfitrião – Guaianases); Jongo do Tamandaré (Guaratinguetá); Jongo de Piquete (Piquete); Jongo Mistura da Raça (São José dos Campos); Jongo Caboclo (Lagoinha); Jongo Dito Ribeiro (Campinas); Jongo Filhos da Semente (Indaiatuba); Jongo Embu das Artes (Embu das Artes); Jongo Tiduca (Cananéia); Jongo Crioulo (Taubaté); Jongo Zabelê (Cubatão).

Patrimônio Cultural Imaterial

O Jongo é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial pelo IPHAN. Essa expressão artística da cultura popular tem sua origem nos povos Bantu vindos das regiões Congo-Angola na África. Historicamente, esses povos foram alguns dos primeiros grupos trazidos como escravizados para trabalhar nas fazendas de cana-de-açúcar e café na região Sudeste do Brasil.

A ancestralidade é um elemento central no Jongo, que tem entre seus componentes:

Atualmente, o Jongo contribui na preservação da história, dos saberes e das tradições, mantendo a conexão com o sagrado, a espiritualidade e a celebração da ancestralidade do povo preto.

“É sobretudo trazer encantamento, valorizar a ancestralidade, memória, identidades e estabelecer relações belas e potentes entre o que foi, o que é e o que será das nossas histórias de vida”, finaliza Renato Abaña, integrante da Comunidade Jongo dos Guaianás.

Serviço

Evento: XIII Encontro Paulista de Jongueiras e Jongueiros
Data: 01/11/2025 – às 13h
Local: Casa de Cultura Guaianases – Richard David. Rua Castelo de Leça, s/n – Jardim Soares, São Paulo – SP, 08460-161

Projeto prevê derrubada de 63 mil árvores para ampliação de aterro sanitário e construção de incinerador em São Mateus 

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Implantado em 1992, o Aterro Sanitário Sítio São João, no distrito de São Mateus, marcou o início da destinação de resíduos na zona leste da cidade de São Paulo. Após sua desativação, em 2009, o espaço deu lugar à Central de Tratamento de Resíduos Leste – CTL, operado pela concessionária de limpeza urbana Ecourbis. Intitulado como “Ecoparque”, o centro de tratamento já passou por cinco ampliações. Hoje, o local opera próximo da capacidade máxima. 

Em meio às discussões sobre o futuro da gestão de resíduos na capital, o Projeto de Lei 799/2024 — aprovado em dezembro de 2024 — alterou o Plano Diretor para permitir o corte de 63 mil árvores na região. Entretanto, a proposta não agradou moradores e organizações sociais que acompanham o tema. De acordo com a população de São Mateus, São Rafael e outros bairros vizinhos, o projeto avançou sem transparência adequada e sem garantir a participação popular nos debates sobre suas etapas e impactos ambientais.

“Da minha casa até o aterro são quatro quilômetros, e mesmo assim sinto o cheiro do lixo. Com essa ampliação, a situação irá piorar”, é assim que Silvia Jerônimo, 38, conselheira tutelar e moradora de São Rafael, distrito da zona leste de São Paulo, descreve sua preocupação diante do problema ambiental que atinge ela e outros moradores da região, que enfrentam o risco da expansão de um aterro sanitário. 

Silvia nasceu e vive no bairro Jardim Santo André, no distrito de São Rafael, vizinho ao distrito de São Mateus, onde também participa dos movimentos de luta por moradia. Ela conta que a luta contra a construção do incinerador é uma reivindicação antiga entre os moradores. “Lembro que a gente gritava: ‘Diga não ao incinerador de São Mateus’. Antes, ele ficava perto do Sesc e depois foi desativado. Esse aterro acabou vindo para a nossa região nos anos de 1990”, recorda.

A luta por melhores condições ambientais no distrito de São Mateus é antiga. Desde a década de 1990 a população dos bairros Jardim Santo André, Cidade Tiradentes, São Rafael e adjacências pauta sobre o aterro sanitário construído na região e o impacto na vida dos moradores. Em 1992 o aterro foi instalado e desde 2004 se tornou a Central de Tratamento de Resíduos Leste (CTL Leste), sob administração da Ecourbis. Agora, a discussão é sua ampliação e instalação de incinerador (forno industrial para queima do lixo).

Silvia ressalta que, além das 63 mil árvores que podem ser derrubadas, caso o projeto avance, a instalação de um incinerador agrava problemas ambientais. 

“Com essa ampliação, que é equivalente a sete campos de futebol, haverá ainda mais lixo”, relata Silvia ao reforçar que o problema afeta o bem-estar e a qualidade de vida da população local.

“O povo preto sabe que tem algo errado”: pesquisadora explica impacto do racismo ambiental nas periferias

A moradora aponta a relação entre raça e classe na escolha do local para instalação do incinerador. “Não há outra explicação para isso. A maioria das pessoas que moram em São Mateus e nas regiões ao entorno são pretas, pardas e pobres”, ressalta.

Além de danos para a fauna e flora, há risco de problemas respiratórios, principalmente em mulheres gestantes, idosos e crianças. “Quando está muito calor, sentamos na rua para conversar com os vizinhos, o que faz parte da vida comunitária, e de repente, o cheiro do lixo sobe forte. Sentimos de longe”, compartilha.

Mobilização coletiva

Em 4 de outubro de 2025, moradores e representantes de movimentos populares de São Mateus, Cidade Tiradentes e São Rafael se reuniram para participar da audiência pública acerca do projeto da Ecourbis e reforçar a mobilização da comunidade contra o aterro sanitário. 

“A prefeitura, a subprefeitura e a Ecourbis não chamam a comunidade para participar da discussão. Simplesmente decidem que vai ser construído um incinerador aqui e pronto.” Silvia Jerônimo, conselheira tutelar e moradora do bairro Jardim Santo André, em São Rafael, zona leste de São Paulo. 

“Tentam fazer um trabalho paliativo dizendo que a ampliação do aterro será positiva, sem prejuízos, mas não é assim”, coloca Silvia ao reforçar que os moradores da região são contra a PL 799, que estabelece a ampliação do aterro sanitário. “É muito importante unirmos forças para fazer com que as pessoas tenham consciência de que isso não pode acontecer”, diz.

“Projeto de incinerador de lixo ameaça o meio ambiente e a saúde dos moradores em Perus”

Fátima Magalhães, professora e moradora do Jardim Santo André desde 1968, destaca os prejuízos caso a ampliação do aterro se concretize. A educadora, que chegou na região ainda criança, acompanhou de perto as transformações do território e sua casa fica atrás do aterro São João. 

Um dos caminhos que passa pelo aterro dá acesso ao Pico do Morro do Cruzeiro, o segundo ponto mais alto da cidade. Desde 2013, a Ecourbis prometeu a construção de um centro de referência para gestão ambiental e educação comunitária, que funcionaria como espaço para monitoramento do aterro e participação da comunidade em ações de preservação e reflorestamento ambiental. A previsão de entrega do espaço pela concessionária é para julho de 2026.

A mobilização pela preservação da APA (Área de Proteção Ambiental) do Morro do Cruzeiro reuniu moradores de São Rafael, São Mateus e de outros bairros da Zona Leste, que participaram de diversas ações em defesa do território. Entre as iniciativas, destacou-se a 3ª Caminhada ao Morro do Cruzeiro, realizada em 29 de julho de 2006, organizada para chamar atenção à importância da conservação ambiental.

Em 2007, o livro Memórias do Meu Jardim — produzido pelo projeto Se Este Bairro Fosse Meu e escrito pela professora Rita Arantes — registrou a riqueza de fauna e flora do local e a persistente luta da comunidade pela proteção da área.

Os moradores defendem, historicamente, vigilância permanente para evitar novas agressões ambientais. Apesar disso, Fátima relembra que em 2016, um crime ambiental atingiu o Morro do Cruzeiro, quando 350 árvores foram cortadas com motosserra. Mesmo assim, a própria população se organizou e garantiu a compensação ambiental da área desmatada.

“Apesar de falarem em conquista, na verdade a conquista [de compensação ambiental] aconteceu por parte da própria comunidade”, explica.

O Parque Morro do Cruzeiro, considerado patrimônio imaterial e uma área de preservação ambiental, localizado na mesma região onde ocorre a expansão, também sofre com a ampliação do aterro. Há anos, a comunidade se mobiliza para preservar o local. “Graças à nossa luta, vai se tornar Monumento Natural de São Paulo, sendo o primeiro monumento natural da cidade conquistado por uma mobilização comunitária”.

“No Aterro [São João], não é só o mau cheiro, mas quando esquenta ou esfria, parece que o chão ferve e o ar fica ardido.” Fátima Magalhães, professora e moradora do bairro Jardim Santo André, em São Rafael, zona leste de São Paulo.  

Segundo Fátima, o projeto que prevê a ampliação do aterro e a instalação do incinerador, apresentou números diferentes do inicialmente divulgado pela Ecourbis, junto à subprefeitura de São Mateus. “No início, nos disseram que 10 mil árvores seriam afetadas, mas descobrimos que eram 63 mil. O relatório de impacto estava camuflado. A obra foi paralisada e houve mudanças na lei de zoneamento. Uma audiência popular foi marcada, mas algumas empresas não compareceram”, conta sobre o histórico do projeto. 

“Grupos oprimidos já estão sofrendo as consequências”, apontam articuladores sobre questões climáticas nas periferias

A Frente Popular Contra a Ampliação do Aterro de São Mateus, está mobilizando um abaixo assinado contra o projeto da Ecourbis de ampliação do aterro, a instalação do incinerador e contra o corte de 63 mil árvores na região. No abaixo-assinado, a mobilização exige:

  • Suspensão imediata de qualquer processo de aprovação para ampliação do CTL Leste e para instalação de novo aterro ou incinerador na área do Parque Natural Municipal Cabeceiras do Aricanduva;
  • Publicação e divulgação de estudos técnicos completos, independentes e acessíveis;
  • Realização de audiências públicas no território de São Mateus, com participação efetiva da população, movimentos sociais, universidades, especialistas e órgãos de controle;
  • Apresentação de um plano de gestão de resíduos que contemple: expansão da coleta seletiva e da compostagem descentralizada; fortalecimento de cooperativas de catadores e logística reversa; implantação de centrais de triagem e de biodigestão de orgânicos; metas claras e progressivas de desvio de aterro, com monitoramento público; transparência sobre a situação de exaustão do CTL Leste, seus custos presentes e futuros, e os impactos financeiros, sociais e ambientais de cada alternativa considerada; respeito integral às áreas protegidas, ao Parque Natural Municipal Cabeceiras do Aricanduva e às políticas de enfrentamento à emergência climática.

De acordo com o Mapa da Desigualdade de 2024, distritos da zona leste de São Paulo apresentam níveis elevados de vulnerabilidade social. No ranking, que começa pelos territórios com melhores condições socioeconômicas, São Mateus aparece na 44ª posição, São Rafael em 55ª, Guaianases em 80ª, Sapopemba em 87ª e Itaquera em 89ª.

“Mesmo assim, continuam tentando ampliar o aterro sem compensações ambientais. Existe fauna e flora, mas, porque estamos no fundão, parece que só merecemos lixo e não equipamentos culturais, por exemplo. Nós lutamos por políticas públicas e por compensações ambientais, mas quase nunca somos atendidos”, afirma a professora.

Atuação do poder público

Fátima conta que passaram a se articular a partir de audiências na Câmara Municipal, para dialogar com vereadores comprometidos com a causa. “Foi muito difícil, pois o processo de ampliação, inicialmente, parecia [inviável]”.

Racismo ambiental: Uma luta que não é de hoje

A conselheira tutelar, Silvia, questiona as prioridades do poder público no território ao ressaltar que há 13 anos não foram construídas  novas escolas na região. 

“São Paulo é uma das cidades mais ricas do planeta, mas a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura, e até mesmo o Governo do Estado, não fazem nada pela nossa região. Quais são as saídas tecnológicas que estão sendo buscadas para evitar esse desmatamento e a derrubada de tantas árvores? Existe alguma alternativa? Qual seria a outra alternativa que a gente, da região, poderia ter?”, questiona a conselheira tutelar Silvia Jerônimo.

Ela afirma que, na chamada terceira divisão do Jardim Santo André, não existe nenhuma unidade escolar. “As crianças precisam se deslocar de um território para outro para conseguir estudar. O que fica claro é que o morador de São Mateus só merece lixo e esgoto”.

Segundo ela, o subprefeito, Oziel Souza, não se posiciona sobre o caso. “Ele ignora a ameaça que nossa região enfrenta e, por não se pronunciar, consente com esse ataque. Ao permanecer em silêncio, ele dá aval [para que a ampliação do aterro avance]”, conclui ao ressaltar a falta de diálogo com a população.

Outro lado

Em nota, a empresa Ecourbis Ambiental informa que a Central de Tratamento de Resíduos Leste (CTL), único aterro sanitário municipal de São Paulo, recebe cerca de 7 mil toneladas de resíduos por dia das zonas sul e leste, com segurança ambiental, impermeabilização, captação de biogás e tratamento de chorume, que vira biometano e água de reúso.

Segundo a nota, para garantir a continuidade da gestão de resíduos, a empresa submeteu à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) um Estudo de Impacto Ambiental para ampliar o aterro, com compensações como plantio de árvores, preservação das nascentes dos rios Limoeiro e Aricanduva e respeito ao Parque Natural Municipal Cabeceiras do Aricanduva, onde investiu R$ 34 milhões. 

A concessionária ainda garante que o projeto inclui novas tecnologias de valorização de resíduos: a Unidade de Tratamento Mecânico Biológico (TMB), que tratará 550 mil toneladas por ano, e duas Unidades de Recuperação Energética (UREs), gerando cerca de 30 MW cada. 

Além disso, assegura que tem promovido reuniões com moradores e lideranças para apresentar o projeto e as devidas compensações ambientais.

*Entramos em contato também com a Subprefeitura de São Mateus, mas até a publicação do conteúdo, não obtivemos respostas. 

Projeto de incinerador de lixo ameaça o meio ambiente e a saúde dos moradores em Perus

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A possibilidade de um incinerador de lixo no bairro de Perus, região noroeste da capital de SP – ao lado das terras indígenas do Jaraguá – tem mobilizado os moradores. O projeto é da Loga, concessionária que cuida de resíduos sólidos urbanos, como a coleta domiciliar, e já está em fase de aprovação na CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).

O projeto é nomeado como Unidade de Recuperação Ambiental (URE) Bandeirantes e está sendo divulgado como uma “nova tecnologia” para tratar os resíduos sólidos, mas moradores apontam o fato de ser uma tecnologia criticada em diversos países do mundo. A população ressalta não ter sido consultada para a implementação da iniciativa.

O movimento Incinerador de Lixo em Perus, não – formado por moradores da região e ativistas ambientais que lutam contra políticas predadoras – tem convocado a sociedade para apoiar a luta contra todo e qualquer incinerador na cidade de São Paulo. 

“Os moradores de Perus e região sonham e lutam há anos pelo Território de Interesse da Cultura e da Paisagem Jaraguá-Perus-Anhanguera (TICP-JPA), que pensa uma cidade mais humana. Essa nova tentativa de lixão em Perus é um grande retrocesso. Queremos mais investimentos nas políticas públicas de resíduos sólidos, com a criação de cooperativas e maior incentivo e financiamento no projeto do Cinturão Verde Noroeste e nas iniciativas voltadas que tentam evitar o colapso ambiental.”

aponta o movimento “Incinerador de Lixo em Perus, não.”

O movimento exige e reivindica os seguintes esclarecimentos

  • Consulta pública junto à população local, onde Prefeitura e a concessionária Loga expliquem de maneira transparente seus objetivos;
  • Implantação das metas e objetivos do PGIRS (Plano de gestão Integrada de Resíduos Sólidos) de São Paulo, que não avançaram de maneira consistente e não incluíram a instalação de incineradores. Trazendo iniciativas para instalação de unidades de compostagem e correto recolhimento de materiais recicláveis, considerando o aporte para instalação de Cooperativas de Reciclagem;
  • Atenção da CETESB para a reprovação do empreendimento denominado Unidade de Recuperação Energética – URE Bandeirantes (incinerador de resíduos em Perus), diante de todos os problemas relacionados à saúde pública e ao meio ambiente;

Refúgio de vida silvestre em risco

Em 2025, Perus concentra um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica de São Paulo, sendo o Anhanguera o segundo maior parque municipal da capital, com cerca de 9,5 milhões de m².

No parque, está a maior unidade de conservação da cidade: o Refúgio de Vida Silvestre (RVS), que protege tanto a fauna quanto a flora local, espécies ameaçadas de extinção, como aponta a Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente.

“Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela Loga mostra que a área de influência do incinerador pode afetar indiretamente o Refúgio da Vida Silvestre e todo o bairro de Perus, que pode sofrer principalmente pela poluição do ar”, aponta a engenheira e moradora do bairro, Sirlei Bertolini Soares, também membro do Conselho Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de São Paulo (CADES) e do Conselho da RVS Anhanguera.

Além disso, a população alerta que a área onde se pretende implementar a iniciativa é historicamente contaminada por gases tóxicos – principalmente metano e dióxido de carbono, o que representa alto risco ambiental.

“Construir um incinerador sobre ou próximo a um local com presença de gás inflamável como um aterro sanitário que ainda gera biogás metano — que é altamente inflamável e ainda pode estar acumulado no subsolo — é uma atividade potencialmente perigosa, criando riscos de explosão e incêndio em grande escala. Só poderia ser reutilizado com base em estudos técnicos que monitorem a qualidade da água e do solo”, alerta a química e moradora Thaís Santos,  também cofundadora da Comunidade Cultural Quilombaque e conselheira da WWF-Brasil.

Risco de câncer e doenças crônicas

O movimento ressalta que a exposição contínua a emissões de incineradores está cientificamente associada a diversos riscos à saúde, tanto para os moradores do entorno, quanto para os trabalhadores das instalações, principalmente para faixas etárias vulneráveis, como crianças e idosos.

“A liberação de poluentes tóxicos no ar, como dioxinas, furanos, metais pesados e partículas finas, têm alto potencial bioacumulativo, capazes de se acumular nos tecidos biológicos e causar efeitos crônicos. Óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e compostos orgânicos são associadas a doenças respiratórias, como asma, bronquite crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica e infecções respiratórias recorrentes.” 

Thaís Santos, química, cofundadora da Comunidade Cultural Quilombaque e conselheira da WWF-Brasil

Segundo a química, os metais pesados como mercúrio, chumbo e cádmio são associados a doenças neurológicas e cognitivas, como déficits de atenção, aprendizado e desenvolvimento neurológico e risco aumentado de doenças neurodegenerativas como parkinson e alzheimer.

“As dioxinas e furanos, altamente cancerígenos, são subprodutos da queima de resíduos, principalmente plásticos e materiais clorados. Essas substâncias se acumulam no tecido adiposo humano e são de longa persistência no ambiente sendo associados ao câncer de pulmão, câncer de fígado, câncer de mama, leucemias e linfomas”, alerta Thaís.

Terras indígenas em perigo

As Terras Indígenas do Jaraguá, dos povos Guarani-Mbya, estão a aproximadamente 7km de distância de onde se pretende construir o incinerador. A população indígena, no entanto, não foi consultada.

De acordo com o IBAMA, a depender da localização da atividade ou empreendimento, outros órgãos, como a FUNAI, devem ser envolvidos no processo de licenciamento ambiental federal.

“Funai [deve ser envolvida] quando a atividade ou o empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em terra indígena ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na terra indígena”, aponta resolução no site do Ibama.

Reciclagem e educação ambiental como solução

Além de Perus, há projetos de instalações de incineradores de lixo em outros dois pontos na cidade, sendo um deles em São Mateus, na zona Leste, e outro na zona sul da capital paulista. Em São Mateus, o projeto de implantação de incinerador é pela empresa Ecourbis, e envolve a derrubada de cerca de 63 mil árvores, a população também vem se organizando na Frente Popular Contra Ampliação do Aterro de São Mateus. O Ministério Público pediu que a justiça impedisse a ampliação do aterro sanitário em São Mateus.

Segundo a química Thaís Santos, o modelo de incinerador não é circular nem sustentável e, a longo prazo, compromete a hierarquia de gestão de resíduos, que prioriza a redução, reutilização e reciclagem.

“A dependência da incineração para viabilizar energeticamente essas instalações pode perpetuar a geração contínua de resíduos e dificultar a transição para uma economia circular mais sustentável. Incineradores precisam de resíduos com alto poder calorífico para funcionar bem (plásticos, papel, borracha, etc.) justamente os materiais mais recicláveis. Um retrocesso que desestimula alternativas mais sustentáveis, como reciclagem e compostagem, estagnando políticas nacionais de economia circular e de redução de resíduos sólidos”, aponta.

O movimento também ressalta que a Prefeitura de São Paulo recicla menos de 3% dos resíduos domiciliares. Porcentagem que aumenta quando se inclui o serviço realizado por catadores de materiais recicláveis, profissionais que não recebem o devido pagamento pelo seu trabalho. 

“A atual gestão não fez a lição de casa para reduzir a quantidade de resíduos encaminhados aos aterros sanitários. A cidade já estaria desviando mais de 70% se tivesse cumprido as metas de reciclagem e compostagem previstas no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, instituído em 2014”, afirma a socióloga Elisabeth Grimberg, fundadora do Instituto Pólis, que atua desde 1989 em prol do reaproveitamento integral de resíduos, por meio da compostagem/biodigestão e reciclagem com integração socioeconômica das catadoras e catadores.

A próxima reunião do movimento “Incinerador de Lixo em Perus, não”, será no dia 08/11, na Comunidade Cultural Quilombaque, localizado na Travessa Cambaratiba, 05, ao lado da estação de trem de Perus, em São Paulo.

Pesquisadora defende protagonismo periférico contra a violência estética das redes sociais

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Tendência, trend, modinha ou hype, seja lá qual for o nome, todos refletem o mesmo fenômeno: a cultura digital, que conecta e influencia, na mesma velocidade em que pode desacelerar reflexões. Conteúdos virais e em alta têm gerado padrões de consumo e comportamento, especialmente entre jovens e adolescentes. Alguns chegam a esconder mensagens racistas e estereotipadas que afetam a percepção do que é estilo, beleza e identidade para pessoas periféricas, e em especial, negras.

Uma pesquisa realizada em abril pelo Porto Digital em parceria com a Offerwise, mostrou que 90% dos adultos com acesso à internet acreditam que os adolescentes não têm apoio social ou emocional suficiente para lidar com o mundo digital. O estudo, inspirado na repercussão da Adolescência, transmitida pela Netflix e que abordou os impactos da vida online na vida dos adolescentes, apontou que os maiores desafios para os jovens são a depressão e a ansiedade (48%) e a pressão estética (32%).

‘‘As mídias sempre determinaram quem iria performar determinado padrão [de consumo ou comportamento], e até mesmo pessoas historicamente marginalizadas, ao ganhar visibilidade, em alguma medida, acabam reproduzindo estes padrões. Ao mesmo tempo, marcas e mídias se apropriam da estética e linguagem da quebrada, mas sem reconhecimento’’, explica Lidiane da Silva, pesquisadora e mestre em semiótica.

Tendências e racismo

Conteúdos sobre a estética “clean girl”, o look do dia, tratamentos capilares, rotina de skincare, bolsas, acessórios e centenas de produtos de luxo, se encontram com o vídeo da unha da semana, a nova tendência do modelo de calça, do procedimento estético bombástico do momento, segundo Lidiane, são exemplos que refletem padrões de consumo, estética e identidade. 

No pano de fundo dessas tendências, um dos debates é sobre o que é considerado bonito, descolado, que também se conecta com o que a mídia e as plataformas ditam como o que é desejável e valorizado. As pessoas compram e se apropriam desses estilos conforme o que é exibido. No entanto, o problema existe bem antes da chegada da internet, cita a pesquisadora, que tem se dedicado a estudar economia criativa e os modos de consumo e expressão no contexto das periferias.

“Inclusive, até falar sobre isso geralmente expõe que a pauta é levada a sério apenas quando vem de um influenciador ou influenciadora branco(a), privilegiado(a), ou quando os meios de comunicação replicam algo que o movimento negro já denuncia há anos. O movimento sempre apontou como a mídia forma padrões de beleza e estética baseados em corpos brancos, magros e ricos”, reforça Lidiane ao detalhar o perfil dos influenciadores que continuam ditando padrões e tendo mais alcance entre o grande público.

Relatório publicado em agosto de 2025, mostra que nomes como Virgínia Fonseca (26%), Nathalia Arcuri (3%), Bianca Andrade (2%), Anitta (1%) e Juliette (1%) lideram entre as mulheres, enquanto Felca (12%), Carlinhos Maia (9%), Whindersson Nunes (5%), Felipe Neto (3%) e Rodrigo Góes (2%) aparecem como os perfis masculinos mais lembrados entre os influenciadores brasileiros, segundo a pesquisa “Influenciadores Digitais 2025”, realizada pela Opinion Box em parceria com a Influency.me.

Segundo a pesquisadora, os padrões de beleza e referências culturais foram construídos para excluir corpos e culturas periféricas, e essa herança ainda influencia a forma como os sujeitos periféricos se percebem e são lidos socialmente. 

“A discussão estética para nós, pessoas negras, foi necessária, pois o racismo começou pelos brancos, [também pela] da via da [aparência]. Mas os avanços na mídia foram frágeis: as marcas só abraçaram a diversidade por lucro, não por compromisso real. A sensação de progresso é ilusória, e muitas vezes seguimos padrões explorados pela mídia.” Lidiane da Silva, pesquisadora e mestre em semiótica.

Ela observa que estilos da periferia são usados para afirmar status social, mas que esses espaços continuam violentos para a população negra e periférica. “Achamos que vencemos [ao encontramos] diversidade de corpos, tons de pele, gente preta e periférica. Mas, na real, as marcas nunca acreditaram nisso. Só viram [possibilidade de retorno financeiro] e tornaram disto tendência”.

Desigualdade de oportunidades para criadores periféricos

De acordo com a pesquisadora, embora criadores periféricos consigam gerar visibilidade e estabelecer novas referências, ainda enfrentam desigualdade de oportunidades, além de pressões sobre o que produzem e compartilham. 

“Criadores mais privilegiados, por exemplo, conseguem viver de seu conteúdo e mostrar uma vida que nem sempre é verdadeira. Já nas quebradas, a pessoa precisa trabalhar, dar conta de outras mil coisas, e ainda se esforçar para produzir conteúdo’’, afirma.

Criadores de conteúdos contam como é trabalhar com as redes sociais sendo periféricos

O impacto das redes, mesmo quando imperceptíveis, se estende especialmente aos adolescentes, que usam diariamente as plataformas digitais pertencentes às Big Techs (como TikTok e Instagram) não apenas como consumidores, mas também como personagens num espaço de construção de identidade e valores, controlado por algoritmos, ressalta. 

Nesse sentido, segundo Lidiane, as telas cumprem uma dupla função. ‘‘É comum ouvir que os pais precisam controlar o tempo de uso, mas, na prática, a realidade das famílias é outra. Muitas mães, sozinhas, acabam recorrendo às telas para manter os filhos seguros. O celular se torna uma espécie de babá eletrônica’’, esclarece, ao analisar os desafios que envolvem o uso excessivo para além da influência dos padrões de consumo e destaca a necessidade de compreender a responsabilidade das plataformas.

Protagonismo periférico

A pesquisadora destaca ainda que pesquisar academicamente, para si, está conectado ao seu próprio processo de autoafirmação, fruto da vivência na quebrada. Nascida e criada na comunidade do Parque dos Camargos, bairro localizado na cidade de Barueri, região metropolitana de São Paulo.

Filha de mãe diarista, que criou sozinha ela e seus irmãos, o estudo foi apresentado como uma forma de transformação da realidade. “Venho de uma família que não experimentou o acesso à educação formal, uma família [de maioria] não alfabetizada. Essa ausência me fez acreditar que, por meio dos estudos, eu poderia mudar a minha vida. Eu me agarrei muito a essa ideia, desde cedo’’, divide.

Esse movimento a levou a assumir sua pesquisa de mestrado e iniciou um processo de compreensão sobre sua posição enquanto sujeita periférica na universidade e no mundo. ‘‘Passei então a citar autores que colocam a quebrada no centro da discussão, como Tiaraju Pablo D’Andrea, Neuza Santos Souza, Vilma Ribeiro, entre outros”, conta sobre o processo de construção de referências.

Ao defender que o processo de construção de referência seja protagonizado pelas pessoas dos territórios, Lidiane reforça a importância de potencializar o trabalho de quem mora na quebrada, incluindo os próprios influenciadores que vivem nelas.

”As marcas seduzem, e a gente precisa delas para viver, ter visibilidade e construir identidade [no mundo]. Porém, no fundo, isso mantém um sistema capitalista e cruel. A questão é: como potencializar nossas próprias marcas? Precisamos colocar a quebrada no centro, sem depender de um sistema que nos oprime”, afirma.

“A quebrada é tecnológica, criativa e detentora de saberes próprios. Precisamos nos apropriar disso.” Lidiane da Silva, pesquisadora e mestre em semiótica.

Lidiane ressalta que o poder define conceitos de beleza e pertencimento, e que tem muitas pessoas falando de temas importantes: “Porém, são pessoas nadando contra a corrente.”

“No fim, para nós, a sensação de avanço é sempre muito sensível. A gente acha que conquistou muito, mas esses avanços são lentos, frágeis e sempre em disputa”, conclui.

A casa: recriações de pertencimento e o reencontro de si

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Oprê ! Vinte anos pra achar a casa e oito anos tentando entender a casa que me achou. Nesses anos confusos, vi o tempo voltar, quando o “útero-roncó” me sugou e me cuspiu de volta, zerando todo o tempo que eu achava que já tinha por aqui. 

A casa é uma experiência coletiva que é replicada e reinventada em respeito aos nossos mais velhos e mais velhas. A casa não é de aluguel, não foi comprada e não é minha.

Na porta de fora dela a gente roda água sobre a cabeça e pede que nosso ori se esfrie das andanças por aí nessa eira do mundão. Entramos! Omi tutu ! 

Batemos forte na segunda porta… Toc, toc, toc! O dono dos caminhos ouve e nos recebe sorrindo. Agora sim podemos (re)entrar mais fundo na casa. Laroyê!

Mais uns passos e o dono das folhas ouve nosso chamado ao saldar as plantas e nos avisa que o banho está pronto. Suas folhas nos lambem e nós, mesmo sem esperar por surpresas, quando olhamos pro lado já estamos em outro lugar. Um lugar que ainda assim é ali onde lembrávamos que queríamos chegar. 

A dona da casa nos avista e nos conta um causo, um saber ou uma história. Algo que nos parece aleatório e que vamos refletir melhor só daqui dois meses ou sete anos. Passado o tempo que for, será a hora de agradecer a ela pelo ensinamento. Essa senhora negra, que é nossa mãe, nos aponta algo e nos pede o que sabe que podemos e saberemos fazer, senão pelo tempo que temos na casa, pelo tanto que nos permitimos aprender com ela.

Na mesa da casa, os búzios trazem vários versos e números, que chegam a nós vindos da boca da nossa mãe maior. Chegam os versos, mas não chegam só aos ouvidos, eles vem pra abraçar o nosso coração e nossa alma. Nada, simplesmente nada é simples, portanto tudo o é. Parece confuso, e é. 

Sentamos no chão da casa e aprendemos a comer com a mão, ouvir o silêncio e a dançar por dentro e por fora, vibrando e movimentando o nosso axé. Olhamos à volta e vemos que na casa há um espaço medido em metros e outro que é imensurável, que não pode ser medido. 

O chão da casa é metáfora pra terra, o teto da casa, cheio de bandeirinhas, é metáfora pro infinito, pro indizível, saberes ancestrais que chegam até a gente por meio de palavras, de cantos, de arrepios e até mesmo de sussurros soprados pelo vento por alguém que já flutuou ou flutua por ali.

No chão da casa nós dançamos, nos deitamos, embalamos nossas crianças internas e botamos nossas cabeças curvadas em devoção. Nesse mesmo chão aterramos nossas corpas e firmamos nossa busca por paciência. Nossos pés se comunicam de forma fluída com o chão, numa língua que não sabemos e que não queremos traduzir, mas que tem significados. 

Nessa casa o espelho fica do lado de dentro da gente, o ouro não vale o que valia e as matriarcas se afirmam e se combinam entrosadas. O mundo de fora, tão Ocidente e decadente, é repelido mesmo que insista muito em entrar, porque na casa cabe só aquele ou aquela que mereceu estar. A casa então não é pra todo mundo, embora esteja aberta a quem venha de coração puro. 

Foto: Aloysio Letra

Na casa temos os pés descobertos, o ori protegido e a consciência desafiada dia a dia. Saber que não se sabe nada, renascer, não tem preço, mesmo que às vezes custe muito desapego. Não é fácil aprender a dar mais do que receber. Não é pouco se dedicar sem esperar algo de volta e, por não esperar, aí sim receber.

Não há um caminho lento ou rápido pra adentrar a casa. Há caminhos múltiplos de afetos, convites e de saberes que vem da escuta e da observação. Um dia a casa simplesmente chega na gente, mesmo que a gente esteja distante dela. E quando ela chega a gente cabe nela do tamanho que somos, basta engolir o orgulho e saber mais ouvir do que falar.

Dia menos dia a nossa casa, aquela que a gente mesmo escolheu, alugou ou comprou, acaba também entrando na casa, na casa ancestral, na casa que teremos ligação mesmo depois de passar por aqui.

Na casa eu não me entendo, eu me relaciono. Na casa, irmão mais velho pode ser irmão mais novo e podemos ter quinze pais, vinte mães e ter a companhia dos nossos avós, que estarão por aqui, nos aconselhando de noite enquanto os tambores ressoam. 

A casa que é de mais de uma família é ao mesmo tempo de uma família só. Pra partilhar, colher amor e muita fé, a casa se firma como inzo, terreiro, roça ou ilê axé. É nessa casa e em tantas outras que pedimos licença pra entrar e pra sair. Mojuba ô !

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Como as desigualdades habitacionais afetam as pessoas e os territórios? #37 

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Você sabe o que é viver com o medo constante de um dia para o outro não ter mais onde morar? De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Municipal de Habitação, em 2023, haviam mais de 115 mil famílias vivendo em 567 ocupações na cidade de São Paulo. Ou seja, se considerarmos a média de cinco pessoas por família, seriam 575 mil pessoas vivendo em ocupações na cidade. 

Esse é o caso da Ocupação dos Queixadas, localizada em Cajamar, desde 2019. A ocupação reúne 100 famílias em um terreno de 10 mil metros quadrados. De forma autogestionada, os moradores cuidam de uma horta comunitária, galpão para assembleias, biblioteca e brinquedoteca. Porém, desde o início a ocupação sofre com ordem de reintegração de posse.

A partir da Ocupação dos Queixadas e da atuação do Movimento Luta Popular, que nessa semana falamos sobre moradia. Para esse papo, conversamos com Viviane Mendonça, moradora da Ocupação dos Queixadas e militante do Luta Popular, além da antropóloga Amanda Amparo.

Amanda ressalta a importância de olhar do ponto de vista racial para os territórios, pois são áreas compostas em 72,9% por pessoas negras, de acordo com dados do Censo 2022, que apresenta um recorte para as favelas do país. Segundo a antropóloga, a relação entre vulnerabilidade e remoção é um processo que vem desde o pós-escravidão.  

“Quando [pensamos] as ocupações, as favelas, os territórios mais empobrecidos, [percebemos] que esses são territórios compostos de corporeidade negra. Então, essa relação de remoção com essa relação de vulnerabilidade, com a agressão, isso não é de agora. Esse é um processo que se dá lá no pós-escravidão, em que as pessoas negras não sendo mais escravizadas, a contrapartida disso é que elas passam a não ter onde viver”, afirma a especialista.

Dia dos Professores: “Para nós, existe um compromisso moral em continuar acreditando e apostando na educação pública”

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“Acredito que é pela educação que a gente pode transformar, pelo menos, uma parte da nossa vida social”, é assim que João Nakacima descreve sua vivência na educação pública. Professor de Artes no EJA (Educação de Jovens e Adultos), no CIEJA (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos), no distrito do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, ele começou a carreira na rede estadual, deu aulas a alunos do ensino fundamental e médio e, desde 2019, atua exclusivamente com jovens e adultos que desejam retomar os estudos.

Seu exemplo vem de casa. João é filho de uma educadora da rede pública, Emiko Nakacima Amendola, que o levava para algumas aulas quando não tinha com quem deixar o filho. Ainda criança, ele ficava ali, sentado, absorvendo as atividades. Antes, enquanto ela cursava a faculdade de história, grávida, ele também já a acompanhava ainda na barriga. “Desde muito cedo, tive esse contato com a vida acadêmica e com o ambiente da educação pública”, divide.

O grupo para o qual o professor dedica sua vida profissional, possui 2,4 milhões de estudantes no Brasil, de acordo com o Censo Escolar 2024.

Diante de vários contextos, histórias, e de diferentes motivos que fizeram muitas pessoas interromperem o ciclo dos estudos, o professor destaca que acompanhar os alunos do EJA expõe camadas que dão ainda mais sentido ao seu trabalho. 

“O que me motiva e me mantém na EJA é ver como, apesar de todas as dificuldades, essas pessoas voltam à escola com vontade de aprender, de recuperar o tempo perdido. Muitos têm o sonho de concluir os estudos, outros querem simplesmente aprender a ler e escrever.” João Nakacima é professor de Artes no CIEJA Campo Limpo, zona sul de São Paulo.

Retornar aos estudos, segundo ele, é como um ato de coragem. “Há também estudantes com deficiências múltiplas — físicas, intelectuais — que, por muito tempo, foram tratados como invisíveis [pela educação formal]. Ver essas pessoas hoje incluídas, aprendendo coletivamente, sendo respeitadas, é muito bonito”, conta.

João lembra que os professores enfrentam inúmeros motivos para desacreditar do ensino, já que os índices educacionais revelam grandes desafios, somados ao adoecimento psíquico, à sobrecarga e às precárias condições de trabalho. Mas mantêm o otimismo diante dos desafios.

“Eu acredito que, enquanto docentes, existe um lugar de otimismo moral que precisamos preservar. Não é um otimismo cego, descontextualizado, mas um otimismo que reconhece os desafios e, mesmo assim, escolhe enfrentá-los.” João Nakacima é professor de Artes no CIEJA Campo Limpo, zona sul de São Paulo.

A base que sustenta essa sua esperança na educação pública de qualidade é, sobretudo, a potência humana. “É sobre o quanto nós, enquanto indivíduos, somos ricos nas nossas nuances, nas nossas particularidades. A educação é justamente essa ponte, essa troca constante entre quem ensina e quem aprende”, compartilha.

O aprendizado construído de forma conjunta é uma das descobertas desse caminho. “Quando a gente se permite enxergar o outro, e também a nós mesmos, dentro desse processo, percebemos o quanto há de potência em cada pessoa: a capacidade de aprender, de se experimentar, de se transformar”, reflete.

Esperançar o futuro

Na Escola Estadual Júlia de Castro Carneiro, localizada em Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo, a professora de história, Joelma Moraes, também tem apostado na educação como ferramenta de transformação de sujeitos e contextos. 

Nascida em São Roque e criada em Mairinque, ambas cidades localizadas no interior de São Paulo, ela conta que foi lá que nasceu a paixão e admiração pelos seus próprios professores. “Sempre estudei em escola pública, e como minha cidade era pequena, todo mundo se conhecia, inclusive os professores, que moravam perto das nossas casas. Para mim, isso fez toda a diferença”, lembra.

Antes de se tornar professora, Joelma trabalhou no comércio. A maternidade e o desejo de ficar mais próxima do filho a levaram a mudar para a região metropolitana de São Paulo, onde encontrou oportunidades na educação. Desde 2020, leciona História para alunos do ensino médio e diz: “Ser professora é uma responsabilidade enorme, pois sempre respeitei meus próprios professores, que mostraram que a educação transforma e abre portas e janelas, muito além [daquilo que já conhecemos].”

“Atuar na educação pública é você saber que ensinar não é apenas conteúdo escolar. A gente se envolve profundamente com histórias de vida, [exerce] cuidado, atenção. Muitas vezes, o professor acaba sendo um psicólogo e até visto como uma figura materna/paterna para muitos.” Joelma Moraes é professora de história na E.E. Júlia de Castro Carneiro, em Itapecerica da Serra, SP.

Essa realidade relatada pela educadora reflete o panorama educacional do país. O Brasil registra hoje a maior população jovem da sua história, com cerca de 51 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos (IBGE 2022), muitas delas em situação de vulnerabilidade e com menos acesso à educação e ao trabalho formal. 

Segundo o Censo Escolar da Educação Básica, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2024, o Brasil tinha 47,1 milhões de matrículas na educação básica, uma leve queda de 0,5% em relação a 2023. A rede pública caiu para 37,6 milhões de matrículas, enquanto a privada cresceu para 9,5 milhões. No ensino fundamental, foram 26 milhões de matrículas, com maior queda nos anos finais (3,6%) do que nos iniciais (2%). No ensino médio, 7,8 milhões de alunos estavam matriculados, com 83,1% na rede estadual e 13,2% na privada, representando um aumento de 1,5% em relação a 2023.

Outro levantamento do Inep mostra que, na educação superior, 33% dos concluintes do ensino médio em 2023 se matricularam em 2024. Por tipo de rede, a proporção foi de 64% na federal, 27% na estadual e 60% na privada. No total, o Brasil contabilizou 10 milhões de estudantes no ensino superior. 

A professora conta que muitos de seus alunos vivem em contextos marcados por violência e vulnerabilidade social, o que afeta a autoestima e a crença no próprio potencial. “Quando chegam à sala de aula, procuro mostrar a eles que [mesmo o caminho não sendo igual para todos] podem transformar essa realidade. […] Podem se tornar bons profissionais e com isso garantir uma vida digna, criar uma família, conquistar sua casa. Nem todo mundo vai ficar rico, mas podem se orgulhar de ser bom naquilo que fazem.”

Ela reforça que sua própria história se entrelaça com a de muitos de seus alunos. “A gente que vem do interior, não tem essa ideia de projetar a vida para o futuro. Cresci em uma realidade mais prática, fazia o que era possível. Minha mãe, empregada doméstica, dizia que eu não poderia seguir o mesmo caminho. Então, o máximo com que sonhava era em ser uma secretária administrativa. Só depois descobri minha verdadeira vocação: ensinar”, diz.

“Eu poderia ter seguido outro caminho, mas escolhi e sigo escolhendo ser professora. Acreditei que, por meio da educação, poderia transformar vidas e ajudar a construir uma comunidade melhor”, finaliza Joelma.

A criança interior resgata a leveza que merecemos ter hoje

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No dia 27 de setembro comemora-se o Dia dos Ibejis, no dia 12 de outubro foi Dia das Crianças, qual a importância dessas datas? Será que temos que procurar por nossa criança interior? Sigo nessa sessão com reflexões relacionadas ao resgate ancestral e com o tema que propõe a celebração das crianças.

Refletir sobre a força simbólica e afetiva que é muito profunda relacionado a elas, unindo memória, psicologia, espiritualidade e ancestralidade. O que senti foi costurar lembranças da infância, a força das crianças nos terreiros, a simbologia dos Ibejis e a importância psicológica de reencontrar essa alegria.

A alegria das crianças, dos recomeços e dos desejos que buscamos realizar, pedir e conquistar, nos convida a lembrar da certeza de que existe uma criança dentro de nós — e também fora, nos pequenos que nos rodeiam e que, com sua presença, nos rejuvenescem. Eles nos trazem esperança, alegria e a possibilidade de olhar a vida com mais leveza.

Memória da infância

Quando penso na ciranda, na brincadeira de roda da ciranda cirandinha, recordo os tempos em que brincávamos na rua. Havia alegria, inocência e uma liberdade que hoje parecem ter sido esquecidas pelo estilo cheio de limitações da vida adulta.

Lembro da correria nas ruas de terra, dos bosques, das comidinhas e doces improvisados. Mesmo sem brinquedos, roupas ou sapatos, a diversão não deixava de existir. As faltas não pareciam pesar. O que preenchia a infância era a liberdade, a felicidade e a leveza.

A criança interior

Na festa dos erês, reencontramos tudo isso: cores, doces, brinquedos, correria e bagunça. O que para o adulto pode parecer exagero, para as crianças é a expressão mais pura da felicidade. E talvez essa seja a pergunta: a felicidade se perdeu no tempo ou podemos buscá-la novamente em cada abraço, em cada olhar, em cada gesto de cuidado pelas nossas crianças e por nós mesmos?

Com frequência escrevo sobre ancestrais, orixás, sentidos e sentimentos. Mas percebi que pouco falo sobre a alegria — e do quanto ela pode nos transformar. O adulto, muitas vezes, tenta apagar a criança que carrega dentro de si. E, nesse apagamento, perde o contato com sua essência pura e divinizada.

A criança interior é a força que nos lembra que a vida pode ser leve, brilhante, afetiva e cheia de encantamento. Permitir que ela se manifeste é reencontrar uma fonte de rejuvenescimento e esperança.

Ibejis: a alegria que renasce

Na tradição afro-brasileira, essa alegria é celebrada nas festas dos Ibejis — gêmeos associados à dualidade e ao princípio do recomeço. Ligados à infância, representam o brotar da vida: a nascente de um rio, o nascimento humano, o germinar das plantas.

A grande celebração acontece em 27 de setembro, Dia de Ibejis, quando doces, caruru, vatapá e bolinhos são oferecidos às crianças e aos frequentadores dos terreiros. Os Ibejis são a divindade da brincadeira, da alegria e da infância.

Um convite

Talvez possamos incorporar esse olhar para dentro nas festas e comemorações anuais. A criança pode ser o princípio de recomeço e de flexibilidade da mente. Mas, distantes dessa essência, deixamos que a rotina e as obrigações tornem a vida cinza, pesada, sem graça.

Com este artigo, desejo convidar você a reservar alguns minutos do seu dia para rir, brincar, se alegrar consigo mesmo. Busque sua felicidade. Faça algo que te divirta. Permita-se não levar a vida tão a sério — hoje!

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Direito ao brincar: a criatividade que desafia a falta de espaços

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Mês de outubro chegou e já pensamos logo no Dia das Crianças, aquelas resenhas, festividades, brinquedos e distribuição de presentes que sempre rola na quebrada. Você sabe quais espaços de lazer realmente existem na comunidade para que essas crianças possam se divertir para além desse dia único?

Enquanto bairros centrais de São Paulo concentram praças bem cuidadas, áreas verdes e equipamentos de lazer, na comunidade a realidade é outra, ruas estreitas, poucos espaços públicos e quase nenhuma estrutura voltada para a infância.

Para muitas crianças a rua, a quadra e o campinho acabam sendo os únicos cenários possíveis para brincar. O campinho de terra, ainda que sem alambrado, se transforma em estádio, um ponto de encontro onde a molecada se diverte.

Segundo dados da Prefeitura de São Paulo, a cidade conta com um pouco mais de mil praças públicas distribuídas nos 96 distritos. A concentração, no entanto, é desigual, enquanto bairros centrais e de classe média recebem mais manutenção e investimentos, distritos periféricos convivem com praças abandonadas, sem iluminação ou brinquedos sem condições de uso. Há comunidades inteiras sem nenhum espaço de lazer formal. Isso no dia a dia afeta diretamente a qualidade de vida dessas crianças.

O brincar, que deveria ser garantido, acaba sendo um exercício de resistência, com muita criatividade elas fazem ruas vazias virar pista de carrinho de rolimã, a calçada se transforma em tabuleiro de amarelinha riscado com giz improvisado, os campinhos viram grandes estádios onde rolam as melhores disputas entre meninos e meninas, onde o objetivo é ganhar o grande prêmio, que é um refrigerante de dois litros. Nessa simplicidade e com poucos recursos, as crianças inventam mundos inteiros através da imaginação.

Foto: Juh Na Várzea

Ainda assim, na quebrada vemos essas crianças florescer em risos, invenções e brincadeiras que surgem da forte arma que a infância periférica tem : A criatividade. Um lembrete de que é nessa força inventiva que a periferia mantém viva a essência do ser criança. Que 12 de outubro seja, em muitas quebradas, um dia para aproveitarem e se divertir com esses eventos destinados a elas, Mas, que nós, nos dediquemos para que essa felicidade possa permanecer também nos outros dias.


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“Proteger crianças LGBTs é dever coletivo”: Em Sapopemba, grupo atua por garantia dos direitos de crianças e adolescentes LGBTQIAPN+

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“Sapopemba [onde estamos], é um território de muita luta social. Queremos resgatar quem foram as pessoas, especialmente, as crianças LGBTQIA+ que construíram a história do bairro. É sobre disputar a narrativa e o imaginário”. É assim que Lígia Gimenes, psicóloga e coordenadora do Coletivo Enu Itan, explica sobre o trabalho que o grupo desenvolve, desde 2023, em defesa das infâncias LGBTs, no distrito de Sapopemba, localizado na zona leste de São Paulo.

Pensar em cada criança como um indivíduo repleto de sonhos e particularidades é uma das características da iniciativa. No coletivo, os próprios jovens planejam e conduzem atividades,  como a produção de um podcast — da roteirização à edição final —, aulas de capoeira angola e momentos de pintura. Cada proposta busca valorizar e fortalecer as singularidades das crianças e adolescentes, com propostas que respeitem seu tempo, interesses e diferentes formas de aprender e de se expressar. 

O Enu Itan promove diversas atividades socioculturais —  fixas e rotativas —, pensadas para estimular o protagonismo das crianças e adolescentes de 11 a 19 anos, como oficinas de Vogue, rodas de conversa e outras vivências culturais, no CEDECA (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) Sapopemba. Entre as ações do grupo, recentemente, os educandos participaram da produção de um documentário e tiveram a oportunidade de dialogar com pessoas LGBTs mais velhas, com o intuito de promover troca intergeracional. 

Geralmente, o público chega ao coletivo a partir de pontes criadas no território, como escolas, serviços sociais, ações comunitárias ou pelo próprio CEDECA.

No final de 2022, as fundadoras do coletivo buscaram financiamento para consolidar a atuação. Nesse processo, Lígia diz que passaram a refletir sobre a importância da memória como ferramenta de disputa política e social, o que desdobrou-se na ideia do documentário.

“Não é novidade que as histórias que se contam sobre pessoas LGBTs geralmente são muito tristes. Então a gente começa a pensar na necessidade de recuperar histórias, de fazer o processo de resgate de memória. Um processo que foi apagado”, ressalta Lígia ao contar sobre as diferentes frentes de atuação.

Em Sapopemba, o bairro Fazenda da Juta foi um dos territórios historicamente construídos pelas mãos dos próprios moradores, mas há poucos registros da contribuição das pessoas LGBTQIA+ que passaram por ali, é o que afirma a psicóloga. “Recuperar essas memórias é uma forma de [retomada], de disputar politicamente o lugar das narrativas e do imaginário.” 

Demanda territorial

Foi através da articulação da Lígia e de outras quatro trabalhadoras do CEDECA (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente), todas moradoras da região, que o Enu Itan foi criado. O trabalho do grupo começou a partir do acompanhamento do caso de uma jovem trans, moradora de Sapopemba que, aos 14 anos, iniciou seu processo de transição de gênero. 

Inicialmente perceberam que a adolescente estava sofrendo uma série de violações de direitos, como transfobia, em diferentes espaços, como na escola, em suas casas e nas ruas. Lígia, que já trabalhava em um serviço de proteção à vítima de violência, foi acionada para oferecer cuidados a esta adolescente. “Passamos cerca de um ano e meio acompanhando de perto a situação, identificando diversas situações de violência e precariedade no acesso à educação, à saúde, em seu convívio familiar e comunitário”, compartilha sobre a jovem que atualmente tem 18 anos e segue recebendo assistência.

A realidade da adolescente atendida pelo Enu Itan reflete a experiência compartilhada por inúmeros membros da comunidade ainda nesta fase da vida.

A Pesquisa Diversidade Espro 2024 ouviu 3.257 jovens entre 14 e 23 anos, sendo 36% LGBTIs, e revelou que 53% deles deixaram de frequentar o ambiente familiar e 60% evitaram públicos por preconceito. Além disso, 36% se afastaram da escola, 41% de espaços religiosos e 20% do trabalho.

Lígia conta que foi identificada a ausência de políticas públicas mais amplas voltadas para crianças e adolescentes trans e para jovens LGBTs de modo geral. Neste contexto, a dificuldade dos serviços institucionais em acolher esses jovens foi um dos desafios. “Temos uma atuação mais local, porém também está aberto a acolher jovens de outros territórios. Estamos na zona leste, mas temos conosco jovens que vêm da zona sul, por exemplo”, conta.

Protagonismo das infâncias 

Ela explica que as atividades são construídas em diálogo com as crianças, valorizando seus saberes e seguindo a educação popular. Ela afirma que o papel da equipe é orientar de forma conjunta. Em audiência pública recente sobre direitos das crianças e adolescentes, mostraram grande protagonismo, marca da metodologia do CEBEC. Na ocasião, relataram tanto experiências positivas, como espaços de convivência e aprendizagem que cultivam no território, quanto desafios e violações que enfrentam, como negligência e falta de acesso a direitos básicos (saúde, educação, lazer, etc).

“Para pensar as nossas práticas, bebemos muito da fonte dos movimentos sociais. Inclusive, o nome ‘Enu Itan’, que em iorubá significa ‘boca da história’, foi uma escolha inspirada no campo epistemológico das matrizes africanas, nos saberes de preservação de uma tradição, para refletir sobre o que significa ser LGBT enquanto parte de um processo de continuidade”, descreve Lígia, que reafirma a importância de potencializar a existência de pessoas LGBTs.

“Pessoas trans, lésbicas, gays, bissexuais não nascem e nem começam sua trajetória de identidade aos 18 anos. Todas têm uma infância que merece ser reconhecida e respeitada.” 

Lígia Gimenes, psicóloga e uma das fundadoras do Coletivo Enu Itan, em Sapopemba, zona leste de SP. 

Ao mesmo tempo, lembra que os desafios não se restringem à identidade. “Quando falamos [desta população], não podemos reduzir o cuidado apenas ao respeito ao nome social ou ao acesso à hormonioterapia. Crianças LGBT+ também vivem em casas que alagam, em favelas sem saneamento, em contextos de violência doméstica, etc. É preciso lembrar que são sujeitos sociais como todos os outros, atravessados por raça, classe e território.”, reforça. 

Ela reconhece que há diferenças no cuidado, mas ressalta que existem mais pontos em comum quando se olha para desigualdades estruturais. “Principalmente quando olhamos para classe, território e raça”. Para ela, o cuidado oferecido a crianças das periferias é muito distinto daquele destinado a crianças brancas de escolas particulares, com acesso a médicos e outros recursos.

Marcos legais

A psicóloga destaca que, para além da dimensão afetiva e emocional, a atuação do Enu Itan se respalda em marcos legais, sobretudo no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Constituição Federal. Nesse sentido, as estratégias de cuidado são pensadas com base nos dispositivos legais que já existem.

Lígia explica que, mesmo sem citar de forma direta as crianças LGBTQIAPN+, o artigo 5º da Constituição Federal garante que nenhuma criança ou adolescente pode sofrer qualquer tipo de opressão. Isso, segundo ela, oferece uma base sólida para a defesa dos direitos dos jovens LGBTQIAPN+, mesmo que a legislação não mencione explicitamente “crianças dissidentes de gênero e sexualidade”, o entendimento jurídico é de que elas também estão protegidas.

“[Da mesma forma], o ECA prevê que é papel da sociedade proteger as crianças e os adolescentes. Portanto, também é papel da sociedade proteger crianças lésbicas, gays, bissexuais e trans.”

Lígia Gimenes, psicóloga e uma das fundadoras do Coletivo Enu Itan.

“Se olharmos para a política do Sistema Único de Saúde (SUS), seus três princípios — equidade, universalidade e integralidade — já temos respaldo suficiente para que todos os trabalhadores do SUS desenvolvam trabalhos referentes à criança e ao adolescente”, diz acerca dos processos moralistas e inconstitucionais que vulnerabilizam crianças e adolescentes travestis e transexuais.

Ela reforça que o Enu Itan aposta em um viés educacional sobre aspectos dos direitos humanos e cidadania. “Os jovens e suas famílias buscam ajuda na rede ou em outros espaços. A gente realiza muitas formações sobre como lidar com as famílias, como auxiliar [no processo de afirmação de identidade], como pensar frente ao judiciário, à comunidade escolar e à educação infantojuvenil”, destaca.

Articulação de eventos em unidades CÉUs, em Fábricas de Cultura e outros espaços são algumas das ações do grupo, que mesmo não encontrando aprovação em todos os espaços, ainda assim tem muita adesão e compreensão.

 “O que vemos é que os trabalhadores expressam um desejo real de instrumentalização, de conseguir dar conta e produzir cuidado [de forma qualificada].”

Lígia Gimenes é psicóloga e uma das fundadoras do Coletivo Enu Itan.

“O campo de defesa da infância e adolescência é consolidado há muitos anos. O campo de defesa de direitos LGBTs também. Mas nós, enquanto movimento LGBT, muitas vezes não nos arriscamos a falar sobre. Elas existem. No Enu Itan, a gente vem fazendo essa reflexão: precisamos pensar e falar para além da discussão adultocêntrica que dita ‘com que idade uma criança pode ser quem é’”, finaliza.