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Drag queer relata os desafios da cultura drag nas periferias

Durante a 2ª temporada do Favela Drag 2023,  projeto cultural, que aconteceu, no último sábado, 19, na Casa de Cultura Vila Guilherme – Casarão, zona norte de São Paulo, Vitória Rosendo, aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, entrevistou Júpter, 28,  drag queer,  com três anos de atuação no cenário cultural. 

A cultura drag queen é um estilo artístico que envolve diversidade de raça, etnia e identidade de gênero, um exemplo, é a arte drag queer, que possui uma estética não-binária. Ela também abrange uma ampla gama de estilos e abordagens artísticas, desde arte conceitual a performance política. 

Júpter e Vitória Resendo durante o Favela Drag 2023. Foto: Jéssica Zuza, aluna do Você Repórter da Periferia/Agosto 2023.

Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, Júpter relata que sua primeira referência nas formas de se vestir foi sua mãe.  Sempre com roupas elegantes e saltos impecáveis, mesmo nas atividades do dia a dia, como uma ida à padaria. Com o passar dos anos, outras referências passaram a fazer parte das suas inspirações, entre elas, David Bowie. Ela também compartilha os desafios de se viver da arte drag nas periferias e como essa forma de expressão impacta positivamente sua vida e aqueles ao seu redor.

Você Repórter da Periferia: Qual a importância da cultura drag para os territórios periféricos?

Júpter: Eu acho que é importante as pessoas se expressarem do jeito que elas quiserem. A realidade de uma pessoa periférica é totalmente diferente de outros ambientes. Trazer isso para nossa visão Drag Brasil é muito importante, porque a gente tem aquela coisa do Rupaul’s, né? Daquela coisa da drag refinada, as drags que têm muito acesso financeiro e aos espaços. Então, quando a gente pega essa realidade das pessoas que vêm dos extremos da cidade, o modo de se fazer arte é bem diferente, é uma arte muito cara.

Você Repórter da Periferia: Quais são os principais desafios de se viver da arte Drag Queen na periferia?

Júpter: Comprar uma maquiagem, os produtos são caríssimos, mas é um papo de acesso mesmo […] o acesso a espaços também é uma coisa que limita, não é somente o acesso econômico no sentido de comprar maquiagens, muitas vezes os espaços, não querem pagar o que a gente precisa, né? E essa é a maior problemática, porque eles querem que a gente vá, que a gente seja bonita, mostre tudo que a gente tem para mostrar. Só que eles não dão condições para isso, nenhuma ajuda de custo, na verdade pouco importa a pessoa por trás da drag, né? Só importa o que está ali, se ela tá impecável, se ela tem a melhor maquiagem, se ela tem o melhor look e a drag ela vem muito antes, né? É toda essa construção de dores do lugar de onde a gente veio, do que a gente quer. Existe certa misoginia quando uma mulher queer se colocar nesse lugar de drag.

Você Repórter da Periferia: Como você enxerga o seu trabalho nos dias atuais e qual o seu impacto?

Júpter: Estou tentando enxergar o meu trabalho de uma forma assim, mais gentil comigo mesmo. Eu acho que até essa coisa do impostor é uma coisa muito de uma vivência feminina, né? Porque a gente nunca é boa o suficiente, você nunca é bom se sente nada, então a gente fica tentando se provar. O que eu tô fazendo tem um valor, né? Eu estou conseguindo alcançar alguém? Também acho que é importante lembrar que as pessoas que estão nesses lugares, elas não tiveram as mesmas oportunidades que você teve, também tem essas questões, né?

Você Repórter da Periferia: Qual é a sua maior motivação?

Júpter: […] acho que a minha motivação é a liberdade de ser quem eu quiser, e eu gostaria muito de poder viver disso óbvio, é difícil,  estou trabalhando em outros espaços, não só como Júpter, mas como a Isis que também existe, a pessoa por trás disso. Tô tentando voltar para o teatro. Então eu acho que a motivação é essa, tipo: ser quem eu quiser, porque a arte me permite isso, e tô querendo viver disso, se a drag vai me proporcionar isso? Eu não sei. Vou entender daqui um, dois anos, eu espero estar fazendo isso em condições melhores, né? Em espaços que me apoiam com mais suporte financeiro e emocional, né?

O direito à vida da população preta e periférica #15

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Nesse episódio a conversa é sobre como a política de segurança pública atravessa corpos pretos e periféricos, e a atuação de movimentos que lutam pela garantia do direito à vida na quebrada.

O papo é com a Marcia Gazza, coordenadora do movimento Mães da Leste, e com a Edijane Alves, da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira 
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa
Fotografia: Sérgio Silva

“Eles foram soterrando nascentes”: educadora ambiental passou mais de 20 anos lutando contra poluição de rios nas periferias do pé da Serra da Cantareira

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“Eu falo que cada periférico é um sem-terra também, [pois] ele não tem um grande latifúndio, não tem dinheiro e nem riqueza acumulada. Ele é um sem-terra, entendeu?”. Essa fala é de Maria Alves, 70, uma militante, que transita, há tempos, entre o campo e a periferia usando a educação como ferramenta de mudança e luta em defesa do meio ambiente.

Maria Alves é nordestina e cresceu na divisa do Pernambuco com a Paraíba. “A minha família era como se fosse uma aldeia, todo mundo no entorno da minha vó, Conceição, que era uma mulher comunitária. Então, a gente aprendeu no berço de famílias de agricultores que não tinham terras, mas que trabalhavam muito nesse país.”

Parque e rio do Canivete, no Jardim Damasceno (foto: Viviane Lima)

Em 1975, Maria vem para São Paulo com o marido, após morar 10 anos no Paraná trabalhando como agricultora. Eles se mudam para o Jardim Damasceno, região da Brasilândia, na zona norte da cidade.

“Como toda pessoa que não tem uma formação acadêmica, que viveu sempre trabalhando na roça e na agricultura, a gente chega na cidade de São Paulo e vai conseguir o subemprego, aquele emprego que mal dá para você passar o mês e pagar suas contas. E a gente vem morar no pé da Serra da Cantareira em uma periferia bem abandonada”, relembra a agricultora.

Ela comprou um terreno a prestações e construiu a casa na base do mutirão com a família. Depois o foco de Maria passou a ser melhorias para o bairro. Ela conciliava isso com o trabalho e a educação dos filhos.

“A gente foi lutar por qualidade no bairro, qualidade de vida, transporte, questão de saúde, educação, saneamento, essas coisas que a necessidade faz, você acaba virando uma militante urbana, que eu nem sabia que eu era. Eu sabia que tinha que fazer a luta, eu fiquei 27 anos morando ali. Depois eu integrei ao movimento sem-terra”

Maria Alves, agricultora e educadora ambiental

Educação ambiental em defesa dos rios

Maria conta que quando chegou à Brasilândia ainda era possível lavar roupa e tomar banho de rio na região. “E aí a gente vê logo em seguida toneladas e toneladas de lixo e entulho sendo jogado nesses rios”, conta.

Extensão do córrego Canivete, localizado próximo a Av. Dep. Cantidio Sampaio  (foto: Viviane Lima)

Em 1996, quando o rio Cabuçu, foi canalizado com o investimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e, em contrapartida, o banco pedia um trabalho de educação ambiental no bairro. Maria estava entre as lideranças locais que participaram do projeto, que foi implementado pelo instituto Ecoar.

Com o fim do projeto, as lideranças comunitárias envolvidas e a Associação Cantareira resolveram dar continuidade ao trabalho nas salas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), na qual Maria era monitora.

“A gente tinha o tema constante [de preservação ambiental] e aí a gente falava das sacolas de lixo que eram jogadas no rio. Mas a gente tinha algo pior, que são as empresas que jogam lixo. Lá no bairro tinha até uma tabela de cobrança, um homem que cobrava pelo lixo jogado”, recorda.

Descarte inadequado de lixo no bairro Jardim Damasceno (foto: Viviane Lima)

“Eles foram soterrando nascentes, fazendo uma devassa e a gente também foi brigando. Nós tivemos 20 anos, com um processo contra um chiqueirão clandestino, esse processo caducou, as autoridades não tomaram nenhuma providência e a gente ainda foi ameaçada de morte, porque a gente estava lutando contra esses lixões”, conta a educadora ambiental. Isso provocava inundações, que até hoje atingem os moradores.

Mesmo com as adversidades, Maria junto com a associação de moradores seguiam com as reivindicações, que com tempo surtiram efeitos, e investindo na educação como principal ferramenta de mudança. Ela foi uma das fundadoras do projeto Arte na Rua, que atendia 80 crianças de 7 a 18 anos, fazendo o trabalho de arte, educação e práticas esportivas.

 “Assumi dois projetos também ligados à Associação Cantareira, que foi de Agentes Comunitários, com 40 alunos e Monitores Ambientais, com 30 alunos, na faixa etária dos 15 e 16 anos, para acessar o primeiro emprego e se capacitar”, conta a educadora sobre sua trajetória.

Maria fala que se orgulha de todo trabalho dedicado à região. “Hoje eu tenho uma alegria de ter sido essa moradora urbana, militante que me envolvi e mergulhei de cabeça numa coisa de pensar a Juventude”, finaliza Maria.

Nós por nós

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Com meu trabalho no futebol de várzea eu costumo olhar para além das quatros linhas do campo, por isso o nome da coluna “Além do jogo”. O sentimento que carrega uma quebrada que pode ser representada por um time é muito intenso e significante. 

Envolve afeto, família, emoções, liberdade de expressão, dentre tantas coisas. União que move toda uma comunidade. Engloba, abraça. 

Nas fotos, registros da ação do time A Cúpula, da zona norte de São Paulo. A ação foi realizada em julho de 2023, a partir da união de times para um jogo beneficente, e após o jogo realizaram a entrega das cestas para alguns moradores do território.

Um time de quebrada faz mais que muitos políticos. Ele olha para a carência dos seus, da comunidade, fazendo, assim, muitas vezes ações beneficentes, se juntando e movendo ações para conseguir trazer uma cesta básica para aquela galera da comunidade onde o time foi criado. 

Não é só futebol, isso é uma visão dos nossos, que sabem da necessidade de unir e fortalecer.

Sabemos da carência da nossa comunidade, sabemos da correria do povo que nela vivem, do dia-a-dia. Em diversas quebradas os times também se unem para realizar ações no dia das crianças, natal, etc. 

O futebol de várzea vai muito além daquilo que vemos só em campo. E o dahora é que a galera da quebrada tenta se ajudar da melhor forma possível.

Espaço cultural de combate ao encarceramento da população LGBTQIA+ pede ajuda para não fechar

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Desde 2020, o espaço cultural independente Casa F.Ú.R.I.A (Frente Unificada de Resistência Interseccional Abolicionista), localizada na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo, combate o encarceramento da população LGBTQIA+, aproximando estas pessoas de projetos de arte e cultura, para geração de trabalho, renda e promoção da liberdade de expressão.

A iniciativa é da Cia. dxs Terroristas, coletivo de terrorismo poético, que assume esse nome a partir do momento que são chamados de ‘Terroristas’ por um pastor evangélico que gerenciava um Centro de Educação Unificado (CEU) na região da zona norte de São Paulo.

“A zona norte é o território mais conservador da cidade de São Paulo. Aqui, a gente morre ou a gente apanha. Então, a gente começou a pensar formas de criar outras possibilidades de se expressar e a arte é um lugar comum para todas nós”

Murilo Gaulês, 36, morador da Vila Guilherme e fundador da Casa F.Ú.R.I.A.

Uma das pessoas que atuam no projeto e reforça a importância da permanência do espaço cultural independente é Carla Mendes, mulher trans, de 33 anos, nascida no Estado do Amapá, mas que desde os 17 anos mora em São Paulo. Ela frequenta a Casa F.U.R.I.A há dois anos.

“Desde que eu conheci esse projeto, há dois ano, estou trabalhando com eles, e isso me tirou da prostituição, e hoje pago meu aluguel com isso, foi uma luz no final do túnel”

Carla Mendes conquistou autonomia financeira com o apoio da Casa Furia.(Foto: Diego Nascimento)

Política pública de cultura

Em 2020, o espaço cultural conquistou o edital da Lei de Fomento à Cultura das Periferia, política publicada de apoio financeiro a grupos culturais gerida pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, que possibilita a manutenção e criação de espaços culturais independentes, localizados em territórios periféricos.

O projeto consiste no desenvolvimento de uma série de produções culturais feitas por mulheres trans, como livros, podcasts e curtas-metragens, pautando denúncias sobre o descaso do sistema penal com a população LGBTQIA+.

“A Casa me ajudou a atuar. A minha presença de palco hoje eu vejo que é bem melhor. Eu precisava do trabalho e isso me sustentou. Aqui aprendi coisas que vou levar pro resto da vida”

Ema Alves, 26, artista, moradora do bairro Jardim Hebrom

Encerramento de atividades

Antes da Casa da F.Ú.R.I.A existir com um espaço físico, as atividades da Cia dxs Terroristas eram realizadas na casa do Murilo, mas após ganharem o edital da Prefeitura de São Paulo, o coletivo conseguiu construir uma estrutura melhor, que resultou na construção de um espaço cultural independente. Mas o local está com sérios riscos de ser fechado, devido à falta de recursos financeiros e renda do próprio coletivo, para manter o espaço e o emprego de quem atua no projeto.

“A gente não tem mais condições, só temos dinheiro pra pagar o aluguel dos próximos dois meses e não tem como resolver. Esse trabalho que fazemos de retomada de consciência, construção de comunidade, produção em rede, não precisa da casa para existir, a gente depois arranja outro lugar. Isso me mantém de pé”, argumenta o fundador do projeto.

No primeiro semestre de 2023, a Cia. dxs Terroristas lançou no espaço cultural a peça teatral “Anjos de Cara Suja: o sol é, ou deveria, ser para todas”, intervenção artística que visa refletir como seria o mundo sem prisões.

O espetáculo ganhou reconhecimento internacional e a equipe recebeu um convite para fazer um intercâmbio cultural nos Estados Unidos, mas como algumas pessoas que atuam no coletivo estão respondendo por processos criminais na justiça brasileira, essa oportunidade corre o risco de não se concretizar para o grupo, fato que representa o impacto negativo do sistema prisional na vida da população LGBTQIA+, mesmo quando estas pessoas estão reconstruindo suas vidas.

“Eu tô sempre olhando pra esse lado de dizer: sim, é uma pena que a casa vai fechar, mas o trabalho vai continuar, a gente vai manter a esperança no peito. Pra mim o que mata o sonho não é a casa fechar, o problema é a estrutura do Estado que vai fazendo a gente fracassar”, conclui o criador do projeto. 

 

Enfermeira narra a luta de mulheres pelo direito ao saneamento básico na zona sul de SP

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Vinda de uma família de imigrantes portugueses, a enfermeira e líder comunitária Neide de Fátima Martins Abati, 84, mais conhecida como Neide Abadi, cresceu na periferia de São Paulo, num contexto de racismo escancarado na sociedade, e aprendeu com seu pai, João Martins, um líder comunitário, a ser uma pessoa antirracista, valorizando a diversidade de raças, etnias e religiões.

Com mais de 50 anos dedicados a participar ativamente de espaços de participação social nas periferias. Abadi é co-fundadora da União Popular de Mulheres do Campo Limpo, movimento social liderado por moradoras da zona sul que desde a década de 1960 se organizam para combater desigualdades sociais, fortalecer a organização popular e o desenvolvimento local. A iniciativa se mantém atuante até hoje.

A luta contra o racismo ambiental

Durante a década de 1970, a luta pela água, saneamento básico e educação sanitária fizeram parte da trajetória de vida da enfermeira e líder comunitária. Não existia água potável encanada e saneamento básico para tratamento de esgoto nas periferias da zona sul de São Paulo. A ausência deste direito fundamental afetava as famílias da região, devido ao processo de contaminação dos poços artesianos e lençóis freáticos, pelo fato dos moradores utilizarem fossas que não eram sépticas.

Este problema fez com que moradores desenvolvessem uma série de problemas de saúde, causados pela contaminação da água e do solo. Dona Neide relembra que nesta época, as casas eram construídas próximas a córregos, devido ao fato de não existirem terras com preços acessíveis, essas construções se tornaram o meio de moradia mais acessível e se multiplicaram, gerando inúmeros problemas de saúde e discriminação geográfica.

“O governo não tinha interesse em cuidar da saúde do povo e pelo fato de muitas famílias morarem em um lugar sem saneamento básico, muitos foram afetados, principalmente as crianças que foram contaminadas com verminose”

relata Neide, apontando para um período histórico das periferias, onde a sua atuação junto a outras mulheres da União Popular de Mulheres do Campo Limpo, foi fundamental para cobrar políticas públicas dos governantes.
Dona Neide Abadi com as mulheres da União Popular de Mulheres do Campo Limpo. Foto: Pedro Oliveira/Julho 2023.

Naquela época, dona Neide já realizava um trabalho de educação sanitária com as famílias do Campo Limpo, formando grupos nos bairros para orientar as mães sobre higiene e os riscos de ingerir água contaminada, executando o papel de uma política pública que ainda não existia, os Agentes Comunitários de Saúde, instituída e regulamentada anos depois.

“Nós passávamos de casa em casa, mas era muito difícil. Como essas mães poderiam ferver a água se não tinham dinheiro para comprar o gás? Como iriam colocar cloro na água, se não tinham dinheiro pra comprar? Saúde, de que jeito? Sem higiene, sem banheiro e sem água”

desabafa Dona Neide que atuava como uma agente comunitária de saúde antes mesmo da profissão existir.

A atuação de dona Neide não foi isolada, ela participou ativamente da juventude da Igreja Católica e se envolveu em movimentos que reivindicavam direitos básicos para os territórios periféricos. Com a união de outras lideranças comunitárias, como Aurélio Peres, líder operário e deputado federal, e outros movimentos de moradores e juventude, em 1982, com cerca de 17 ônibus, com mais de 500 moradores, seguiram rumo a Sabesp, em Pinheiros, para exigir o direito a redes de esgoto nos distritos do Campo Limpo, Capão Redondo e M’Boi Mirim, com objetivo de garantir água potável e colocar fim às mortes de crianças por hepatite, verminose e desidratação. 

Mata Atlântica no Capão Redondo

Parque Santo Dias no Capão Redondo. Arquivo prefeitura de São Paulo.

Entre direitos violados, lutas e conquistas, Dona Neide também esteve junto aos movimentos em prol da criação de um espaço verde no território do Capão Redondo, com a desapropriação da fazenda adventista em 1990, para manter preservado uma área de mata atlântica rica em biodiversidade e recursos hídricos.

Dois anos depois, em 1992, essa conquista se materializou com a inauguração do Parque Santo Dias, uma homenagem, segundo ela, merecida a Santo Dias, um operário e líder comunitário, morto pela polícia na porta de uma fábrica no período da ditadura militar, em 1979.

“Ali é nosso pulmão. Essa luta foi uma luta que não teve dono, era uma reivindicação nossa. A conquista do parque também foi em homenagem ao Santo Dias. Quanta gente melhorou de saúde por causa de fazer exercício e estar no ambiente limpo. E lá dentro é bonito, né?”

diz a líder comunitária.
Neide Abadi. Foto: Pedro Oliveira/Julho 2023.

A história de Dona Neide junto aos movimentos de luta por direitos humanos nas periferias da zona sul de São Paulo representa uma inspiração para quem continua lutando por um mundo mais justo e sustentável para todos. “Hoje eu sou brava. Eu tenho indignação de não ver as coisas resolvidas.

 “Eu choro às vezes de ver isso. Muita coisa podia ter nesse Brasil que tem tudo”

Finaliza, Neide Abadi.

Uma longa história: A luta pela duplicação da Estrada do M’Boi Mirim e pelo metrô Jardim Ângela

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Cansados de promessas, do trânsito, do descaso, moradores da região do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, promoveram mais uma manifestação pela duplicação da Estrada do M’Boi Mirim e pela expansão do metrô Capão Redondo até o distrito de Jardim Ângela. Há mais de uma década, os movimentos sociais da região reivindicam essas obras, infelizmente sem sucesso. 

Todo mundo que mora na zona sul da cidade de São Paulo já ouviu alguma história sobre a estrada do M’Boi Mirim. Quem mora no fundão da zona sul, desde Jardim Ângela até o Horizonte Azul ou Vila Calu, já viveu algum momento desagradável no trajeto, como horas no trânsito, acidentes e assaltos. 

Moradores de Itapecerica da Serra ou de Embu-Guaçu também conhecem bem os perrengues dessa estrada. Na verdade, muito mais pessoas acompanham os problemas enfrentados pelos moradores dessa região, pois constantemente são noticiadas nas mídias.

A estrada do M’Boi Mirim é uma das principais e mais extensa via da zona sul de São Paulo, com cerca de 16 km de extensão, ligando os moradores dos distritos de Jardim Ângela e do São Luís, de Itapecerica da Serra e de Embu Guaçu ao centro e a outras partes da cidade de São Paulo.

Diariamente passam por essa estrada dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras com destino ao trabalho, às compras, ou às tantas outras demandas da vida, que não podem ser resolvidas nesta região, dado a escassez de equipamentos públicos, de cultura, lazer, saúde ou financeiro.

Esse percurso não seria tão ruim, se esses cidadãos e cidadãs não tivessem que enfrentar horas de trânsito, incertezas constantes do tempo de duração da viagem, seja em seu veículo particular ou no precário transporte público. 

As pessoas já saem de casa esperando que alguma questão possa travar a circulação da estrada do M’Boi. 

Muitas são as vezes que as pessoas que moram no “fundão da M’Boi” são obrigadas a caminhar por quilômetros para irem ao trabalho ou voltarem para casa por não suportarem o trânsito e o ônibus lotado. 

Todas essas experiências negativas eu vivi na pele, nasci em Itapecerica da Serra e diariamente percorri até a região de Santo Amaro, por anos, para trabalhar e estudar. 

Em 2010 comecei a trabalhar no Jardim Ângela, na EMEF Prof. Mário Marques de Oliveira e inúmeras vezes caminhei do “Menininha” até o “Jardim Capela” ou até o “Vila Calu”, cerca de 5 km, para pegar outro ônibus até em casa. 

Nos últimos anos, trabalhando a noite em uma EMEF no fundão da M’Boi, no bairro Vera Cruz, presenciei muitos estudantes trabalhadores chegando atrasados devido ao trânsito da M’Boi. 

A situação só não é pior porque há décadas moradores da região, organizados em movimentos e coletivos, vem se mobilizando e lutando por melhorias nessa via. 

Muitas dessas lutas foram incentivadas pelo nosso querido padre Jaime, que nos deixou em fevereiro de 2023. No dia 11 de agosto de 2023, promoveram mais uma mobilização. Centenas de trabalhadores da região caminharam do Jardim Capela até o Jardim Ângela com carro de som, faixas e cartazes cobrando dos governantes o início das obras.

As obras de duplicação da estrada do M’Boi Mirim e a extensão da linha de metrô do Capão Redondo até o Jardim Ângela foram prometidas em 2012 e 2011, respectivamente, mas uma década depois ainda não se concretizaram. 

Em vários momentos nesse período governadores e prefeitos divulgaram que as obras seriam realizadas, mas ficaram apenas na promessa.

Ano passado, poucos meses antes das eleições, o governador de São Paulo e o prefeito Ricardo Nunes fizeram o lançamento do início das obras de duplicação, mas assim que terminaram as eleições as obras foram paralisadas e não há nem sinal de ser retomada. Isso é um absurdo!

Transporte coletivo de qualidade e mobilidade urbana são direitos de todo cidadão. 

Já passou da hora do governador do estado e o prefeito da cidade de São Paulo ouvirem as manifestações da população da região do M’Boi que há décadas vem clamando por seus direitos. 

Palhaçaria negra: o humor como tecnologia de combate e celebração #14

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Quando você pensa na imagem de um palhaço, como ele é? Nesse episódio, falamos sobre o riso como instrumento para a reprodução de estereótipos, e também para a criação de novas formas de se fazer humor que contemplem as várias possibilidades de ser e existir.

O papo da vez foi com Valmir Sant’anna, ator, palhaço e integrante da Cia Trupe Liuds, e com Vanessa Rosa, artista do riso, educadora e criadora do Terreiros do Riso.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

População do M’Boi Mirim se mobiliza em ato pela duplicação da Estrada e extensão do metrô

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Estrada M'Boi Mirim - Foto: Imagens aéreas Drone@eng_etc_e_tal
Estrada M’Boi Mirim – Foto: Imagens aéreas Drone@eng_etc_e_tal

No próximo dia 11 de agosto, a população do M’Boi Mirim e territórios vizinhos se unirá em um ato histórico em defesa de duas importantes melhorias de transporte há muito prometidas, mas que ainda não se concretizaram: a duplicação da Estrada do M’Boi Mirim e a extensão da Linha 5 Lilás do Metrô até o Jardim Ângela.

Há mais de uma década, os moradores da região lutam pela duplicação da Estrada do M’Boi Mirim, uma promessa feita em 2011, pela gestão Kassab (PSD), que já se estendeu por anos sem qualquer avanço significativo. 

A licitação para a obra foi realizada pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER/SP) em 08 de junho de 2022, mas desde então, poucos progressos foram notados, deixando os cidadãos frustrados com a demora e a falta de ação concreta. 

O que os munícipes viram até o momento foi somente faixas de agradecimento para coisa nenhuma.

Outro ponto crucial é a extensão da Linha 5 Lilás do metrô, que deveria ter chegado ao Jardim Ângela após seis anos de promessa feita em 2011, na então gestão José Serra (PSDB). No entanto, o tempo passou e já se completaram 12 anos sem que a tão esperada expansão se materializasse. 

A população local, cansada da falta de investimentos e melhorias no transporte público, está se organizando por meio do movimento SOS Transportes, em conjunto com outros movimentos sociais da região para cobrar o poder público pela falta de comprometimento com a pauta da mobilidade urbana no território.

O movimento está convocando todos os moradores do M’Boi Mirim e, especialmente, os moradores do chamado FUNDÃO, abrangendo bairros como Parque do Lago, Jardim Aracati, Vila Gilda, Jardim Capela, Jardim Vera Cruz, Jardim Jacira, entre outros, a participarem do ato em defesa destas obras, que afetam a qualidade de vida da população local.

A concentração está marcada para às 6 horas da manhã, em frente à Igreja Nossa Senhora do Guadalupe, localizada na Estrada do M’Boi Mirim, n° 10.080, ao lado da garagem do Ônibus Metrópole Paulista.

Além de cobrar ações imediatas das autoridades competentes, o movimento visa sensibilizar a opinião pública e destacar a importância da duplicação da Estrada do M’Boi Mirim e da extensão do Metrô para aliviar o congestionamento nas vias, melhorar a mobilidade e o acesso a locais essenciais, bem como promover um transporte público mais eficiente e sustentável para todos.

A população está determinada a fazer sua voz ser ouvida e garantir que essas demandas fundamentais finalmente se tornem realidade. 

Com a união dos cidadãos em prol dessas importantes melhorias de infraestrutura, a expectativa é de que as autoridades ajam de forma efetiva e ágil para atender às necessidades da comunidade local.

Morador cuida de horta comunitária que alimenta 200 famílias na zona leste de SP

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“Nunca faltou alimento por conta da terra”. É assim que João Tavares Maciel, conhecido no território como Seu João, 62, responsável pela horta orgânica do Cine Quebrada na Cohab Juscelino, na zona leste de São Paulo, lembra da infância em Pernambuco, estado onde nasceu.

Todos os dias, Seu João cuida da horta orgânica que fica na ocupação cultural Cine Quebrada. O plantio começou em 2020, para diminuir os impactos alimentares da pandemia de covid-19 na região. Atualmente, o corre do Cine Quebrada e do Seu João contribui na alimentação de 200 famílias da região.

Esse cuidado com a terra não é algo novo para Seu João. Ele recorda que, aos 10 anos, começou a ajudar o pai com o trabalho na roça, em Caruaru. “Ele dizia que não tinha nada para dar que iria agradar a não ser serviço e fartura de alimento”, relembra.

“Tinha tudo que você pode imaginar. Mandioca, batata, feijão, café, banana. Tudo isso a gente tirava da própria terra. Além de comer, também fazíamos doaçãoes”. Começava ali sua relação com a terra, enquanto ainda morava na região nordeste do país.

Vindo para São Paulo, na década de 1980, Seu João sentiu o impacto da diferença socioambiental entre as regiões. “Quando cheguei na capital foi um pouco difícil porque sempre trabalhei na roça, aqui [em São Paulo] fui trabalhar numa fábrica. Até para respirar o ar é diferente”, conta.

Após alguns anos de trabalho, Seu João conseguiu comprar uma casa no extremo leste da capital paulista, local onde buscou criar caminhos para se reaproximar da terra. Para isso, recebeu ajuda de um antigo chefe que pagou o terreno à vista, para que pudesse pagar parcelado.

“Planejei meu terreno para conseguir plantar. Tenho seriguela hoje de uma muda que plantei lá naquela época, por volta dos anos 1990. [Tem] 30 anos que tenho ela.”

Seu João, aposentado e cuidador da horta orgânica do Cine Quebrada

Quando chegou na Cohab Juscelino, em 1988, estava em curso a expansão habitacional na periferia da zona leste. As primeiras quebradas tomavam forma ali no território. Pai de três filhos, Seu João viu de perto as mudanças estruturais no bairro. 

“Antigamente a gente podia plantar bem em frente à nossa casa. Hoje em dia não tem tanto espaço, porém, muitas pessoas conseguiram moradia, isso é muito bom por um lado”

Seu João, aposentado e cuidador da horta orgânica do Cine Quebrada

Relação com a terra

Já em São Paulo, Seu João começou a cuidar das praças que haviam próximas da sua casa. Cuidados que mantém até hoje em dia. Varre, recolhe entulho e coloca placas para alertar sobre o despejo ilegal de lixos. Desde que chegou na capital paulista, a preservação do ambiente no entorno é algo comum para Seu João.

“Quando cuidamos dessas praças melhoramos o oxigênio. Isso é bom para o próprio morador. Pode estar 30 graus, perto de árvore você não sente calor. Isso é bom para o meio ambiente. Em Pernambuco, isso era 10 vezes melhor.”

Seu João, aposentado e cuidador da horta orgânica do Cine Quebrada

Os alimentos da horta do Cine Quebrada compõem diversas cestas básicas que o coletivo entrega para famílias do bairro. Doações financeiras e outros alimentos ajudam no complemento da cesta. Mutirões e trabalhos voluntários são feitos para organização e distribuição dos alimentos.

O espaço é administrado por moradores de forma coletiva, com algumas pessoas à frente das articulações. Além dos alimentos, o Cine Quebrada também promove diversas atividades culturais, como grupo de dança, disponibilização de biblioteca e exibição de filmes para crianças.

O acesso à alimentação a partir da horta, que fornece alimentos para a população no território, é um dos exemplos de mobilizações coletivas que atuam diretamente em demandas ligadas aos direitos humanos. Ações que também lidam com as mudanças climáticas, que, entre outros impactos, refletem no acesso e produção dos alimentos em territórios vulnerabilizados.

Uma das principais referências culturais na quebrada, o movimento tomou forma quando passou a ocupar uma escola estadual que foi abandonada pelo governo do estado. O local é tido como símbolo de resistência e luta na região.

Incomodado com o descaso do poder público com as demandas da região, seu João abraçou a ideia da ocupação. Ele é conhecido no Cine Quebrada pelo seu conhecimento com o plantio e a vontade de fazer diferença no território, onde se dispôs a cultivar no espaço.

Desde então eu cuido, varro, coloco placa avisando que não pode jogar lixo. Me sinto muito orgulhoso por cuidar da terra. Sinto felicidade por acordar cedo e ter disposição pra [cuidar da] natureza”, conta Seu João.

De segunda à sexta-feira a horta é cuidada por seu João. Pontualmente, às 7 horas da manhã começa o trabalho. Colhe os frutos maduros, planta outras mudas e limpa a horta. Ao longo da semana ele recebe ajuda de diversas pessoas que também se articulam para a continuidade das ações.

Racismo ambiental e mobilização territorial

Seu João destaca que ainda há problemas ambientais na quebrada, como uma pedreira ativa que fica no mesmo bairro e causa tremores nas casas. Além de enchentes na região.

“Quando alagou encheu a padaria, os apartamentos do térreo dos prédios, casas desabaram. Ali é terra, quando chove essa terra cai no rio. Se a terra cai para o rio, o que acontece? Impede o curso da água”, ele completa: “Isso por conta da prefeitura, eles nunca limparam. Vieram cuidar agora [depois das enchentes]. Quando cheguei na quebrada esse rio já existia”, aponta.

Seu João conta que, se pudesse, mandaria um recado sobre a questão ambiental no território. “Sr. Prefeito, precisamos melhorar o ar, o tempo, as praças públicas, precisamos cuidar das terras peladas que não tem um pé de árvore”, alerta.

Essa reportagem foi contemplada pelo edital Bolsas de Reportagem Justiça Climática – AJOR e iCS: Justiça Climática e o Enfrentamento ao Racismo Ambiental no Brasil”, promovido pela Ajor, Associação de Jornalismo Digital e o iCS, Instituto Clima e Sociedade, no âmbito do The Climate Justice Pilot Project.