Com programação que inclui mesas de debate, shows e graffitis ao vivo, o festival reúne artistas e comunicadores em quatro dias de atividades gratuitas.
A primeira edição do Festival CultCom, evento que promove o encontro entre a cultura e a comunicação produzida nas periferias da zona sul de São Paulo, acontece nos dias 01, 05, 07 e 08 de outubro. Entre os artistas confirmados estão o cantor Lino Krizz e o rapper Gaspar Z’Áfrika, além das comunicadoras populares Aline Rodrigues e Thais Siqueira. As atividades são gratuitas e acontecem no Sesc Campo Limpo e no espaço de arte independente NuCapão.
“A zona sul é um território cultural potente e pulsante. Temos aqui feira de livros, mostras culturais, circuitos de saraus e muitos outros eventos que promovem a nossa identidade cultural. Mas não havia ainda um evento que tivesse a comunicação periférica como protagonista.”
Gisele Alexandre, jornalista e idealizadora do evento.
Comunicação nas periferias
O Festival CultCom tem como proposta reunir cultura e comunicação periférica em um mesmo espaço, para promover diálogos que fortaleçam as produções culturais, potencializando as narrativas dos comunicadores e comunicadoras locais que atuam na promoção da cultura produzida nas periferias.
“Sem a comunicação local, dificilmente os artistas independentes seriam consumidos pelo público de periferia. Somos nós que divulgamos e promovemos as iniciativas que acontecem nos territórios periféricos, essas notícias poucas vezes estão nos meios de comunicação tradicionais. Por isso, faz muito sentido essa conexão entre a cultura e a comunicação de quebrada, porque um fortalece o outro e, juntos, fortalecemos a nossa identidade.”
Gisele Alexandre, jornalista e idealizadora do evento.
O Festival CultCom é realizado pela Pauta Periférica, que é uma produtora de conteúdo multimídia popular e periférica do Capão Redondo e que tem o propósito de democratizar as técnicas de comunicação. Além do evento, a produtora também é responsável pelo Manda Notícias, veículo de mídia independente, e pelo Clube de Criadores EduCapão, programa de formação midiática, que permite que jovens periféricos possam aprender técnicas de jornalismo cultural, produção multimídia e tendências de distribuição de conteúdo.
Serviço
Abertura – dia 01/10 (domingo)
Local: Sesc Campo Limpo – R. Nossa Sra. do Bom Conselho, 120 – Vila Prel, São Paulo – SP.
13h às 14h – Gravação ao vivo do podcast “Manda Notícias”, com a participação das artistas Kelly Neriah e Thalia Abdon.
Apresentação das jornalistas Gisele Alexandre e Bia Monteiro.
14h30 às 16h – Bate papo com Lino Krizz e Gaspar Z’Áfrika sobre a história dos 40 anos do hip hop no Brasil.
Mediação de Leonardo Almeida, do Espaço do Povo.
17h às 19h – Show “Hip Hop Sul”, com Fino du Rap, Kelly Neriah e convidados.
Dia 05/10 (quinta)
Local: NuCapão – R. Maria Blanchard, 177 – Capão Redondo, São Paulo – SP
15h às 18h – Graffiti ao vivo com Amanda Monte, Bicho Ruim, Beto Silva, Frenesi, Mirage e convidados.
Além de exposição de arte de Crica Monteiro, Frenesi, Jotta EstiloLivreCrew, Mirage e Zizi Grafitti.
15h às 18h – Brechó com Avulsa.
15h às 18h – Flash Tatto com Lango e Snoop.
Tatuagens a partir de R$150
15h às 23h – Discotecagem
Com J Alleh, DJ John, Android, Du Black, Catatau e Meg Pacheco.
19h às 20h – Pocket show de Harley
21h – Pocket show de Gaspar Z’Áfrika e Jonnas Rosa.
23h – Show “Clássicos do Rap”, com Fino Du Rap e Cocão Avoz.
Dia 07/10 (sábado)
Local: Sesc Campo Limpo – R. Nossa Sra. do Bom Conselho, 120 – Vila Prel, São Paulo – SP.
11h às 12h30 – Gravação ao vivo do podcast “Manda Notícias”, com a participação das artistas Rose Dorea e Gabriela Garça.
Apresentação das jornalistas Gisele Alexandre e Bia Monteiro.
12h às 17h – Feira Literária e Feira de Artesanato
13h30 às 15h – Bate-papo com os escritores Varneci Nascimento e Jéssica Campos.
Mediação de Aline Rodrigues.
15h às 16h40 – Sarau dos Sarau – Encontro de poetas com Dan Mart, Helô Ribeiro, Arlete Mendes, Nivaldo Brito, Josy Asca, Afropaty e Letícia Oliveira.
Encerramento: Dia 08/10 (domingo)
Local: Sesc Campo Limpo – R. Nossa Sra. do Bom Conselho, 120 – Vila Prel, São Paulo – SP.
12h às 17h – Feira Literária e Feira de Artesanato
11h às 12h30 – Gravação ao vivo do podcast “Manda Notícias”, com a participação dos artistas Davi Aplik e Robson Novaez.
Apresentação das jornalistas Gisele Alexandre e Bia Monteiro.
14h30 às 16h – Bate papo com os comunicadores Bia Monteiro e Diko Lopes.
Mediação de Thais Siqueira.
17h às 19h – show de encerramento com Luiz Celestino e convidados
Em entrevista ao Desenrola Aí a assistente social, Verônica Lima, explica como a educação em sexualidade pode auxiliar no combate a violência sexual contra crianças e adolescentes. Dados divulgados em julho deste ano pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apontam o crescimento dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, em 2022, o número de estupros subiu 15,3% e de exploração sexual, 16,4%, totalizando mais de 74 mil estupros no Brasil registrados na história.
Para a profissional, a educação em sexualidade é a principal ferramenta para o combate da violência sexual e a exploração sexual de crianças e adolescentes.
“Primeiramente, a criança passa a reconhecer o seu corpo, reconhece onde ela pode ser tocada. Ela reconhece onde não pode ser tocada e nem que peçam para que ela toque outra pessoa. A criança e adolescente passam a entender a importância que tem um adulto de confiança na sua vida.
Verônica Lima, Assistente Social.
Assistente Social, Verônica Lima e a jornalista, Thais Siqueira durante a gravação do programa Desenrola Aí. Foto: Pedro Oliveira/Agosto 2023.
Sobre o Desenrola Aí
O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa segunda temporada vamos abordar sobre Descontruir Tabus: corpo e sexualidade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.
Por meio das primeiras gerações de moradores e os seus arquivos físicos, como fotos, documentos e lembranças guardadas pelos mais velhos apenas na memória, o Centro de Memória Queixadas Sebastião Silva de Souza, localizado em Perus, zona noroeste de São Paulo, carrega registros da maior greve da história sindical brasileira, que resultou numa luta incansável por melhores condições de trabalho.
Confira a vídeorreportagem produzida pelos alunos da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, para evidenciar a importância da preservação e memória histórica da luta dos moradores da região.
Nos últimos anos, criadores de conteúdos online têm ganhado visibilidade como mercado de atuação profissional. Para um criador de conteúdo de um território periférico, influenciar e usar as redes sociais como seu espaço de trabalho passa por lugares diferentes, como conta Glaydson Nunes, morador do Jardim Aracati, bairro localizado no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo e que produz conteúdos para a internet há mais de 10 anos.
“Meu conteúdo é tudo e qualquer coisa que me torne real, que mostre meus sentimentos e a verdade de quem eu sou”, conta Glaydson, que começou a trabalhar com as redes a partir do Snapchat, onde postava seu dia a dia.
As publicações de Glaydson estão concentradas em redes como Instagram, Youtube e TikTok. Ele conta que o intuito dos seus conteúdos é mostrar sua rotina de forma dinâmica e animada. Além disso, ele também se dedica à escrita de músicas, e inclusive irá lançar sua primeira faixa, chamada Recºmeço, ainda este mês. “Tudo e qualquer coisa que mostre meus sentimentos e a verdade de quem eu sou e de tudo que eu vivo é um conteúdo”, coloca Glaydson.
Glaydson (na foto de regata preta), além de trabalhar com a internet. possui o sonho de viver da música, que é uma, senão a maior de suas paixões. (Foto: Acervo Pessoal)
Ygonna Amaro, mulher trans de 22 anos, trancista, moradora do bairro Jardim Elisa Maria, região da Brasilândia, zona norte de São Paulo, teve seu primeiro contato com a criação de conteúdos online no início de 2020, quando foi convidada para participar de um ensaio fotográfico.
“Meu público me dá bastante retorno, o que é muito difícil para uma mulher na minha condição. As pessoas se inspiram, eu sinto que sou uma motivação para quem está atrás da tela”, comenta.
Ygonna publica conteúdos sobre beleza, moda, lifestyle e cabelo. Ela conta que a partir dos conteúdos que produz, busca falar sobre o que gosta e não o que as pessoas querem ouvir. “é muito difícil encontrar uma mulher trans, que trabalhe com o que gosta e bem sucedida hoje em dia”, relatou.
Ygonna é influenciadora e atualmente trabalha com as redes sociais, fazendo divulgações, parcerias como modelo e também atua como trancista. (Foto: Acervo Pessoal)
Para Larissa Look, 23 anos, psicóloga, moradora do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, a internet é um espaço de troca e ensinamentos para os criadores de conteúdo.
“Quando iniciei com o Instagram eu não me reconhecia como uma mulher gorda, eles [seguidores] viram todo o processo, pois eu tentava seguir um padrão inalcançável, e foi lindo me libertar, foi o que eu precisei”, contou a psicóloga sobre como sua presença nas redes sociais também contribui na sua vida pessoal.
Larissa Look contou suas perspectivas em trabalhar com a internet, e conta que apesar do grande desafio, existem também muitos seguidores que a apoaim. (Foto: Acervo Pessoal)
Influenciador de quebrada
Glaydson conta que utiliza as redes sociais para criar também uma comunidade de trocas. Ygonna entende que mulheres são seu maior público, e Larissa busca abordar pautas sobre a autoestima de mulheres gordas e cabelo. Cada um com sua característica, mas todos com uma meta: serem reconhecidos por serem de onde são.
“A diferença de um influenciador rico e um pobre são as possibilidades. É poder ganhar 1 mil reais com publicidade e guardar, investir, ao invés de pagar conta. Isso nos atravessa. E quanto aos ricos, não há problema, porque eles têm dinheiro”
Larissa Look.
As vivências do cotidiano fazem parte dos conteúdos de Glaydson, que já usou suas redes para compartilhar como criar uma luz elétrica com cano PVC. “O periférico não pode pensar em investir num cenário, equipamento e um ambiente adequado de trabalho por falta de oportunidades. A dificuldade é dar conta, por ter que pensar em tudo: no antes, no depois e no que pode vir”, conta o influenciador.
O fato de ser periférico não é o único fator que impacta na busca de relevância online, segundo Ygonna, que costuma publicar suas produções principalmente no Instagram, a própria plataforma costuma ser um impasse no processo de criação e distribuição.
“Ser periférica e ser influenciadora é uma via de mão dupla. É legal a gente ver que as pessoas se inspiram, mas por outro lado é muito julgamento. Querendo ou não existe muito preconceito com isso”
coloca Ygonna, que além de criadora de conteúdo é trancista.
Larissa, que além de criadora de conteúdo é psicóloga, conta que tem a meta de viver somente do retorno que as redes sociais possibilitam e usufruir das mesmas coisas que grandes blogueiras podem, mesmo sendo da quebrada.
“Se não tem oportunidade, como você é olhada? Sei que meu trabalho é bom, sei que sou boa no que faço, mas eu não sou vista. Para ser influenciador basta ser você”, diz Larissa.
A busca de Glaydson, Ygonna e Larissa, se cruzam: trabalhar com o que gosta tendo renda suficiente para viver, e fazer com que o mercado de influenciadores periféricos seja de fato possível.
“Tem muita marca grande que poderia olhar para a periferia como um lugar de potência. Tem muita gente incrível que quer criar, quer espaço para falar, expressar sua arte e viver do que gosta”, finaliza Glaydson.
É consenso em toda sociedade que a educação é um direito. A maioria da população brasileira acredita que o acesso ao ensino superior, em especial para os pobres, é uma forma de ascensão social, cultural e econômica. A procura de jovens por cursinhos pré-vestibulares é um grande indicador de que a população quer acessar o ensino superior.
Entretanto, o acesso à universidade ainda é um direito negado a muitos, sobretudo a classe trabalhadora periférica. O número de vagas em universidades públicas é MUITO menor que o número de interessados.
A título de exemplo: em 2022, a USP (Universidade de São Paulo), principal universidade pública do Brasil, ofereceu 8.211 vagas em seu vestibular, a FUVEST, que teve mais de 110 mil inscritos. O ENEM, principal porta de acesso ao ensino superior no Brasil, teve em 2022, o total de 3,4 milhões de inscritos que disputaram apenas 228 mil vagas pelo ProUni* e 226 mil vagas pelo SISU**.
Aos moradores das periferias do Brasil o acesso ao ensino superior tem ainda mais um obstáculo: à mobilidade. As universidades em sua maioria, para não dizer todas, estão distantes das periferias, de modo que aqueles periféricos que ousam cursar o ensino superior precisam gastar horas se deslocando, em um transporte público precário e no trânsito caótico como o de São Paulo. Algo que desanima ou mesmo impede que eles consigam permanecer no curso.
Para além da universidade enquanto um direito à educação, já é provado que uma universidade contribuiu em muito com desenvolvimento econômico, social, cultural, local e regional, portanto é também um instrumento de melhoria de vida da população da região onde é instalada e funciona.
Portanto, a existência de universidades em diferentes lugares por esse Brasil afora é essencial, mas sobretudo nas periferias, onde se encontra a maior massa da população brasileira.
Deveria ser política de Estado a criação e manutenção de universidades por todas as periferias existentes, especialmente nas periferias que têm a dimensão de uma cidade ou ainda maior, como é o caso da zona sul de São Paulo.
Considerando apenas uma parte da zona sul de São Paulo, a saber, os distritos da zona sul conhecidos como da “ponte pra cá” (Campo Limpo, Capão Redondo, Vila Andrade, Jardim Ângela, Jardim São Luís, Grajaú, Socorro, Cidade Dutra, Parelheiros e Marsilac), têm mais de 2 milhões de pessoas, cerca de 2,4 milhões de habitantes. A Zona Sul inteira tem cerca de 3,4 milhões de habitantes e o município de São Paulo tem cerca de 11,4 milhões de habitantes, de acordo com os dados mais recentes do IBGE.
Se essa periferia fosse considerada um município, seria a quarta cidade mais populosa do Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, tendo essa última cerca de 2,8 milhões de habitantes. Seria do tamanho de duas capitais brasileiras, Fortaleza e Salvador, ambas com 2,4 milhões de habitantes.
Portanto, essa periferia da “ponte pra cá” é maior que a maioria das capitais brasileiras, como Belo Horizonte (2,3 milhões), Manaus (2 milhões), Curitiba (1,7 milhão), Recife ((1,5 milhão), e maior que importantes municípios do estado de São Paulo, como Guarulhos (1,3 milhão), Campinas (1,1 milhão), e de todo região do ABC (1,7 milhão).
Em todos os municípios citados acima temos universidades públicas, na maioria deles mais de uma, aliás, além de uma pública federal, uma pública estadual, algumas contam também com instituto federal.
Assim, cabem algumas perguntas: por que nessa periferia de São Paulo não temos uma universidade pública ou um instituto federal? Para essa parcela da população o ensino superior não é um direito? A população periférica existe apenas para ser mão de obra braçal ou técnica para o restante da cidade de São Paulo?
Na verdade, não sabemos bem ao certo qual é a resposta. O que sabemos é que os movimentos populares dessa região estão se organizando para conseguir uma universidade pública popular para essa enorme periferia.
Vários movimentos sociais e coletivos estão se organizando em torno do Fórum em Defesa da Vida para cobrar dos órgãos públicos a instalação de uma universidade ou um instituto público na região. E quem conhece as lutas e mobilizações deste fórum sabe que essa luta só vai parar com a vitória.
A reivindicação é que a universidade seja construída próximo ao terminal de ônibus do Jardim Ângela e da futura estação de metrô, um local de fácil acesso na região, para que os futuros estudantes não tenham que ficar horas dentro de um transporte coletivo, como é a realidade hoje. Os movimentos também advogam que nessa universidade seja oferecido cursos que contribuam com desenvolvimento local e de interesse da população jovem.
Alguns passos dessa luta já foram dados, como a coleta milhares de assinaturas, visitas às escolas públicas, rodas de conversa com cursinhos populares, além da adesão e apoio de dezenas de movimentos, associações e coletivos.
No dia 16 de setembro de 2023, foi organizado um encontro com professores e estudantes da zona sul de São Paulo. Foto: Alan Francisco.
No dia 16 de setembro de 2023, foi organizado um encontro com professores e estudantes da região. O evento contou com a presença de diversos movimentos sociais, coletivos culturais e políticos, cursinhos populares (Carolina de Jesus e Cursinho Popular do Capão), parlamentares do campo progressista e com o frei Davi, um dos grandes lutadores pela educação superior, criador do movimento Educafro.
Os próximos passos são: aumentar o número de assinaturas do abaixo assinado chegando a 10 mil, e uma AUDIÊNCIA PÚBLICA POPULAR, que será realizada no dia 21 de outubro de 2023, no Jardim Ângela.
Para essa audiência os movimentos estão convocando o prefeito de São Paulo, o ministro da Educação, o ministro dos Direitos Humanos e outras autoridades, e esperam mobilizar centenas de moradores da região, em especial aqueles que acreditam na educação como instrumento de transformação da vida e da sociedade.
Vale dizer que essa luta nasce também dos sonhos e do legado do padre Jaime. Há anos ele manifestava publicamente a necessidade de termos aqui em nossa periferia, uma universidade pública que formasse os profissionais da educação, da assistência e da saúde, mais consciente e sensíveis a nossas demandas, porque como ele sempre dizia “a cabeça pensa onde os pés pisam”.
*ProUni (Programa Universidade Para Todos promove o acesso às universidades particulares brasileiras para estudantes de baixa renda)
**SISU (Sistema de Seleção Unificada para universidades públicas)
Este é um conteúdo opinativo e não é produzido pelo Desenrola e Não Me Enrola.
Em entrevista a Rebeca Ramos, aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, Bruno Maranho, relata como o projeto “Bora Jogar Perus” desenvolvido em parceria com a sua esposa Fernanda Maranho, ocorre mensalmente na Biblioteca Padre José de Anchieta, em Perus, zona noroeste de São Paulo, proporcionando para os moradores do território, experiências enriquecedoras e interações saudáveis por meio de jogos de tabuleiro modernos.
Para Bruno, os jogos de tabuleiro, representam uma ferramenta importante para estimular habilidades como o raciocínio lógico, comunicação, atenção e a concentração. Com um olhar voltado para o bairro, ele acredita que a maneira como os jogos são desenvolvidos pode ter um impacto significativo na vida dos moradores de Perus, priorizando um ambiente livre de competitividade, onde os participantes dos jogos de tabuleiro possam estabelecer relações positivas.
Moradores durante a competição do projeto “Bora Jogar Perus” na Biblioteca Padre José de Anchieta. Foto: Hellen Novais, aluna do Você Repórter da Periferia/Setembro 2023.
Bruno também compartilha sua trajetória na criação de seu próprio jogo de tabuleiro, batizado de “Orgânica”. Esse jogo coloca os participantes no papel de cultivadores de hortaliças orgânicas, desafiando-os a cultivar e colher suas hortaliças no menor tempo possível. Ele explica que a inspiração do jogo surgiu a partir de um momento especial, compartilhado com suas filhas, e reflete sua profunda vontade de contribuir ativamente para o desenvolvimento do território de Perus.
Bruno Maranho do projeto “Bora Jogar Perus” e Rebeca Ramos durante a entrevista na Biblioteca Padre José de Anchieta. Foto: Hellen Novais, aluna do Você Repórter da Periferia/Setembro 2023.
Você Repórter da Periferia: Por que o território de Perus?
Bruno: Sou morador de Perus e os jogos de tabuleiros modernos, tem a ideia de trazer essa vivência de jogos que não é tão difundida nessa região, da zona noroeste, oeste, aqui de São Paulo. Então a ideia é trazer acesso pra essa região, para as pessoas poderem ter essa vivência nesse mundo de jogos de tabuleiros modernos, com o intuito de trazer uma interação, um convívio entre as pessoas, uma interação entre as pessoas de uma forma saudável e proporcionar uma forma de divertimento saudável para as pessoas dessa nossa região aqui.
Você Repórter da Periferia: O que você acha que o jogo pode desenvolver nas pessoas?
Bruno: Os jogos conseguem desenvolver várias áreas nas pessoas e na sociedade em como um todo. O jogo de tabuleiro moderno, vai desde a matemática, os jogos podem ter vários temas. Inclusive, nós estamos crescendo cada vez mais na parte de designers de jogos nacionais, onde o Brasil está começando a aumentar cada vez mais o número de designers e cada vez mais desenvolvedores nacionais e com projetos de iniciativas com temáticas nacionais, temáticas até culturais. Então você desenvolve a comunicação, a interpretação, o convívio, ajuda inclusive na interação para os tímidos, também ajuda bastante na interação.
Você Repórter da Periferia: Você pretende expandir assim esse projeto?
Bruno: Inicialmente a ideia do projeto é de ser itinerante em Perus. A gente ainda está estudando essa possibilidade. Então a biblioteca foi o primeiro lugar que a gente conseguiu essa parceria, que abriu as portas para nós. Isso foi bem legal, porque mostra o quanto o público não é só para a gente “usar”, mas a gente pode ajudar de forma ativa ao que é público. É nosso não sopra gente utilizar, mas para que a gente também possa desenvolver projetos, desenvolver iniciativas pessoais, particulares, que afetam outras pessoas de forma positiva. A ideia também é de conversar com outros locais de cultura de Perus, como a Ocupação Canhoba, Quilombaque, e outras localidades culturais de Perus.
Você Repórter da Periferia: Por que você escolheu a biblioteca?
Pela admiração que eu e a Fernanda temos pela biblioteca, a gente participa sempre pegando livros para nossas filhas, a gente vê que a biblioteca não é um lugar somente para leitura, abriga muitos outros projetos e muitas outras iniciativas e ações. E a gente sentiu que podia ter essa abertura e ela foi dada, a gente agradece também a toda administração da biblioteca de Perus por nos permitir executar esse projeto e assim a gente está tocando aqui.
Nesse episódio falamos sobre o brincar como um direito das infâncias, mas também a relação com outras instâncias para além dos cuidadores das crianças.
O papo é com a Minéia Oliveira, pedagoga, arte educadora e integrante do Brincando na Kebrada, e também com a Bianca Pereira, que é psicóloga, educadora popular e atua com as infâncias e o brincar nas periferias a partir do Brincantes Urbanas.
O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.
As tardes de terças-feiras são animadas para um grupo de comunicadores populares que se reúne semanalmente em um casarão antigo na região central de Porto Alegre (RS). É lá que ocorrem as reuniões de pauta do Boca de Rua, jornal que é produzido e vendido por pessoas em situação de rua da capital gaúcha desde 2001. Com periodicidade trimestral, o jornal conta com entrevistas e reportagens realizadas pelos próprios comunicadores, por meio da Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (ALICE).
No meio da pandemia de Covid-19, quando a população de rua ainda não era considerada como grupo prioritário para a vacinação, os Bocas, como são chamados os comunicadores do jornal, utilizaram as páginas do impresso para questionar as autoridades, como um espaço para exercer a cidadania e buscar seus direitos.
Léster (nome fictício), há 10 anos no Boca, recorda: “numa lista de uma escala de quem ia ser vacinado, a gente nem aparecia. Depois da gente reivindicar e protestar contra eles, liberaram uma verba, para uma cota dessas vacinas, só para a população de rua”. A pressão jornalística foi direcionada aos governantes, conta Léster, “pra mostrar que a gente, da rua, não era um povo invisível”.
Comunicadores transformam cotidiano da população de rua de Porto Alegre em narrativas jornalísticas. (Foto: Anna Ortega/Nonada Jornalismo)
De máscara e tentando cumprir as recomendações da Organização Mundial de Saúde como podiam, eles publicaram logo no início da pandemia de Covid-19, em abril de 2020, uma edição que alertava sobre as dificuldades do grupo para se proteger da doença: “Mesmo não tendo casa nem água para fazerem o que mandam os médicos, muitos moradores de rua estão tentando colaborar e se engajando na campanha para conscientizar a galera. O poder público, ao contrário, reduziu o atendimento e até fechou o abrigo Bom Jesus. O coronavírus serve como máscara para fazerem o que já queriam fazer”, cobrava o texto de apresentação da edição nº75 do Boca de Rua.
Oito meses depois, em dezembro, o governo Federal anunciou seu Plano Nacional de Imunização. O relatório “Desigualdade no acesso a vacinas contra a Covid-19 no Brasil, publicado em novembro de 2022 pela Oxfam Brasil, lembra que diversos especialistas criticaram, ainda em 2020, a ausência de determinados grupos sociais nas primeiras versões do plano de vacinação, como os quilombolas, indígenas não aldeados e a população de rua.
Em entrevista ao relatório, Fernando Pigatto, Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), lembra da resolução nº 73 do CNS, que propôs a inclusão de pessoas em condição de rua, com deficiência, cuidadores de pessoas idosas e indígenas não aldeados no plano. “Se as recomendações do CNS tivessem sido seguidas, a pandemia jamais teria alcançado a dimensão que teve no Brasil. Não ter levado em conta as recomendações existentes só agrava a responsabilidade das autoridades”, avaliou.
Durante a pandemia de Covid-19, moradores de rua se informaram sobre a vacina contra a Covid-19, por meio das matérias publicadas no jornal Boca de Rua. (Foto: Anna Ortega/Nonada Jornalismo)
Foi apenas em julho de 2021, após pressão dos movimentos sociais e dos especialistas, que as pessoas em situação de rua, junto com outros grupos, foram incluídas como prioritárias na vacinação. A essa altura, o negacionismo e a falta de informações corretas sobre a vacina já pairavam em diversas parcelas da população, inclusive entre as pessoas em situação de rua.
Felipe Rodrigues, que passou a integrar o Boca de Rua este ano, conta que tomou apenas uma dose da vacina da Covid-19. O restante? “Não tomei, primeiro porque não fui encontrado. Não vi essas campanhas, não tenho televisão, estou em situação de rua. E quando eu passava nos lugares, era uma fila enorme de gente, e geralmente não me interessei, não achei necessário tomar”.
Outro obstáculo passa pelo modo como eles são vistos e atendidos pelo sistema de saúde. “A população de rua é discriminada e estigmatizada. Eu vejo há muitos anos, muito antes da Covid”, diz Felipe. “E quando a gente chega a gente é mal atendido, porque a gente tá mal vestido, porque algumas vezes a gente não tem acesso a banho, não tá cheirando bem, tá despenteado, porque não pode dormir no albergue ou foi expulso”.
O Jornal Boca de Rua também é uma ferramenta de fiscalização de políticas públicas para a população em situação de rua na cidade de Porto Alegre. (Foto: Anna Ortega/Nonada Jornalismo)
Anderson Joaquim Corrêa, conhecido como Tutti, integrante do Boca há quase 20 anos, tomou cinco doses da vacina da Covid-19. Acredita na eficácia da imunização, mas reforça que se vacinou por recomendação médica, pois faz tratamento de saúde. “A doutora que me trata pediu as vacinas e eu tive que fazer. Eu tenho a minha carteirinha de vacina completa, bem dizer. Mas o problema é que o seguinte: tem várias portas que te fecham, se eu já não fizesse as vacinas, o médico também já não ia querer me atender mais, entendeu?”, reflete. “As pessoas vão pensar que tu não tá nem te interessando mais pela tua vida, né?”.
Na luta pela sobrevivência diária, muitas pessoas com vivência de rua acabam deixando o cuidado com a saúde em segundo plano. “Pra tu querer os teus bens, tu já procura te proteger, né? E a pessoa que tá morando na rua já não tem muito esse interesse de não pegar [o vírus] para proteger alguém. Se pegou, pegou, se não pegou…”, pensa Tutti.
Apagão de dados dificulta criação de políticas
Dados do relatório da Oxfam Brasil apontam que, no Rio Grande do Sul, foram vacinadas 82,7% das pessoas do gênero masculino e 86,5%, do feminino, entre janeiro de 2021 e outubro de 2022. Quanto à raça/cor da pele, a pesquisa revela que o percentual de vacinados no estado foi de 0,19% para a população indígena, 1,82% amarela, 3,11% parda e 74,83% branca, no mesmo período.
No entanto, a proporção está incompleta, já que o dado de 15,82% da população vacinada no estado não foi informado, tornando indefinida a análise da desigualdade racial no acesso à vacina contra a covid-19. Mesmo sendo obrigatória a inserção racial nos formulários dos Sistemas de Informação em Saúde, ainda há percalços para que esses dados sejam recolhidos e divulgados em sua completude.
No Brasil, país considerado o quarto do mundo com o maior número de vacinas do vírus aplicadas, também é o país que tem significativo apagamento sistemático de dados das pessoas que vivem nas ruas – mais de 281,4 mil indivíduos – que, por não terem acesso a vários direitos, sofrem mais com os impactos da ausência de políticas públicas eficientes na saúde.
Capa do Jornal Boca de Rua. (Reprodução Internet)
Em Porto Alegre, são subestimados os dados sobre a quantidade de pessoas que estão nas ruas, mais ainda quantos casos e óbitos da Covid-19 e quantas doses de imunizantes foram distribuídas para esse grupo. “Historicamente, existe uma sistemática de organização de serviços de saúde e uma logística de distribuição de insumos, que é o caso da vacina, que desconsidera determinados grupos populacionais”, afirma Alcides Miranda, pesquisador e professor de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O professor lembra que a população de rua, por ser itinerante, não tem um endereço fixo e, por isso, não é identificada nos serviços de vacina. A desigualdade em saúde esbarra logo na insuficiência de dados para que sejam elaboradas políticas públicas. “Nós não dispomos de informações de registros que nos dê conta para dimensionar realmente o alcance e a abrangência desse problema”, preocupa-se, e relaciona a menor cobertura vacinal com a ausência de condições para monitorar a situação de vulnerabilidade populacional.
Para Alcides, os Consultórios na Rua – política federal da atenção básica em saúde a partir da busca ativa à população em situação de rua, visando ampliar o acesso aos serviços de saúde – são insuficientes, pois na maioria das vezes não cobrem as áreas de abrangência e circulação dessas populações. “Se essas pessoas têm mais vulnerabilidade e maior risco, elas precisam de linhas de cuidados específicos, e isso não foi encaminhado”, aponta.
Durante a pandemia, o Jornal mobilizou debates importantes para a população em situação de rua ser enxergada como público para receber a vacina contra a Covid-19. Anna Ortega/Nonada Jornalismo)
Essa negligência reforça o desmonte de políticas públicas e violações de direitos ocasionadas durante a gestão da pandemia no Governo de Jair Bolsonaro (2019 – 2022), com ações e omissões governamentais que envolviam planejamento, compra e distribuição de vacinas contra o coronavírus. “No caso do Governo Federal, a gente pode falar até de necropolítica, uma intencionalidade letal”, denuncia Alcides.
O desafio para atenuar as dificuldades do acesso à saúde, pondera Alcides, passa por investir cada vez mais na atenção primária. “Essa cobertura tem que aumentar consideravelmente, e as equipes não podem ficar sendo gerenciadas pela lógica da iniciativa privada, de terceiros”.
Ao ser questionado se sentiu medo durante a pandemia, Tutti reconhece: “o medo, ele sempre tá com a gente, né? Eu pelo menos tenho. [Ao] sair para trabalhar a gente já sai pensando, ‘será que vai voltar?’ Ninguém sabe”. Léster completa: “Na pandemia, uma coisa que eu aprendi foi a trabalhar os meus medos, na verdade, porque todo dia era um desafio”.
Hoje, já sem a necessidade de usar máscara, os Bocas seguem cobrando pelo acesso à saúde, educação, moradia e cultura. Eles acabam de lançar sua campanha de financiamento coletivo, para que essa história que já dura 22 anos continue.
Conhecida no cenário cultural, principalmente na zona sul de São Paulo, como a Suzi do Sarau do Binho ou da Felizs, para quem convive com ela de perto, Suzi Soares, 57, é conhecida também por ser uma boa cozinheira. “Eu tenho essa preocupação de estar alimentando as pessoas”, comenta a produtora ao contar que herdou esse hábito dos pais.
Suzi é produtora cultural e co-fundadora, junto com seu companheiro Binho, do Sarau do Binho. O coletivo literário foi um dos primeiros movimentos culturais do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, e existe oficialmente desde 2004. Território que faz parte da história do sarau e também da Suzi.
“Eu nasci, cresci eestudei aqui [Campo Limpo]. A gente já fez sarau na escola onde eu estudei, eu e o Binho estudamos na mesma escola. A gente se conhece há 40 anos [e desde então] a gente está junto“
Suzi Soares, moradora do Campo Limpo, produtora cultural e cofundadora do Sarau do Binho.
Suzi e Binho, na Praça do campo Limpo com o grupo Candearte. (foto Sheila Signário)
As primeiras articulações em que Suzi passou a atuar começaram em 1993, ano no qual ela e o companheiro Binho montaram o primeiro bar, que funcionou por 10 anos, em frente à Escola Presidente Kennedy, onde os dois estudavam, no bairro Vila Pirajussara, distrito do Campo Limpo, São Paulo.
Depois, eles abriram outro bar, no bairro Jd. Campo Limpo, também no Campo Limpo. “Ficamos ali mais nove anos, e a gente começou a fazer o sarau. Começamos esse movimento na zona sul, conhecemos muita gente da literatura e de outras artes através do bar”, conta Suzi.
“O bar não tinha nome, mas como o Binho era a pessoa do bar, ficou o Bar do Binho, aí por ser o bar do Binho, ficou Sarau do Binho”, relata Suzi sobre a criação do nome do coletivo que tem origem da época em que realizavam atividades no bar. Desde 2012, o Sarau do Binho acontece sempre às segundas-feiras, na segunda semana do mês, no espaço Clariô, em Taboão da Serra.
Suzi com a equipe do Sarau do Binho, durante a Felizs de 2022, no espaço Clariô (foto: Viviane Lima)
Mesmo sendo uma das responsáveis pela construção do sarau, que se tornou inspiração no cenário da literatura, Suzi não se identificava como uma referência.“Quando o sarau começou a ficar um pouco conhecido, às vezes as pessoas queriam me entrevistar, e eu sempre passava para o Binho, né!? Não considerava o meu lugar de fala”, menciona Suzi.
“De um tempo para cá algumas pessoas têm falado isso: Sarau do Binho, Sarau da Suzi. Eu passei a tomar a frente também, porque quando algumas pessoas me ligavam para saber do Sarau, às vezes o Binho não podia atender. Então, as pessoas acabam vindo falar comigo. Aí eu pensei: ‘isso tudo que você está perguntando eu sei, porque que eu não vou responder, né?’. E aí eu comecei a protagonizar um pouco mais.”
Antes de ser produtora cultural, Suzi trabalhou 20 anos como cozinheira e também já foi professora de inglês na rede estadual de São Paulo.
Foi com o fechamento do segundo bar, em 2010, que Suzi passou a se reconhecer como produtora cultural. “Quando o bar fechou eu tive que me mexer para ganhar algum dinheiro, porque a gente não tinha outra fonte de renda. Então, a partir disso eu me tornei uma produtora cultural. Não fiz cursos, fui aprendendo na raça, mal sabia mexer no computador. Eu tive que aprender por necessidade”, conta.
Ela menciona que a rede de profissionais que trabalham com arte e cultura, que se formou através dos encontros que aconteciam no bar, foi fundamental no desenvolvimento de sua profissão como produtora cultural. Suzi também conta que as dificuldades para viver de arte na periferia, era e ainda é uma questão para grande parte dos artistas.
“Eu via que as pessoas que frequentavam o sarau não conseguiam vender os seus trabalhos. Não conseguiam chegar nos espaços culturais e serem remunerados. Não conseguiam acessar os editais. A gente não tinha muito acesso a essas informações. Eu acho importante que o sarau conectou pessoas que foram trocando informações para que conseguissem chegar nesses lugares”, comenta Suzi sobre algumas das conquistas nesses anos de coletividade.
Entre as conquistas, nesses anos de vivência e atuação no cenário cultural, está a articulação com novas gerações que passam a atuar no meio cultural, principalmente entre mulheres.
“A Nicole estudava numa escola que a gente fazia sarau. Hoje, ela trabalha com a gente na produção da Felizs. E as meninas das escolas [em que nos apresentamos] são tietes da Nicole”, comenta Suzi com um exemplo de jovens que passaram a vivenciar o cenário cultural a partir do encontro com o Sarau do Binho.
Suzi também aponta que a participação de mulheres em saraus cresceu nos últimos anos, apesar de ainda não haver uma equivalência. “É importante ter as mulheres [em saraus], principalmente essas meninas mais novas, para tentar influenciar positivamente as outras”, destaca.
Suzi não se considera uma artista, mas gosta de fazer trabalhos manuais em seu tempo livre. (foto: arquivo pessoal)
Sobre os planos atuais e futuros, Suzi conta que deseja ter mais tempo livre para aproveitar a vida, viajar, cozinhar, cuidar de suas plantas, fazer e presentear pessoas com cachecóis, que é o que ela gosta de fazer. Profissionalmente, a meta é manter a qualidade dos projetos que já realiza.
Entre esses projetos está a Feira Literária da Zona Sul (Felizs), realizada pelo Sarau do Binho, que, em 2023, acontecerá entre os dias 18 a 23 de setembro. Este ano a temática da feira é Arte, Educação, Travessias e Outras Margens. “A gente vai homenagear duas mulheres educadoras aqui do nosso território que é a Solange Amorim e a Marilu Cardoso”, conta Suzi.
Suzi durante a Felizs de 2022, na Praça do Campo Limpo (foto: arquivo pessoal)
Durante a Felizs o coletivo circula em espaços culturais e educacionais com atividades, conversas, encontros com autores, contação de histórias e encerra com um evento na Praça do Campo Limpo. “Um evento grande com shows, espetáculos e venda de livros”, finaliza Suzi, deixando o convite para a próxima Felizs.
Entre os dias 18 e 23 de setembro, São Paulo receberá a 9ª edição da Feira Literária da Zona Sul (FELIZS). As atividades serão realizadas em espaços educacionais e culturais nas regiões de Campo Limpo, Jardim São Luís e Capão Redondo. A entrada é gratuita. Este ano, o evento tem como tema “Arte e educação – travessias e outras margens”.
“Nosso objetivo é evidenciar a potência do encontro entre expressões artísticas e a educação escolar, para além da visão tradicional de formação de público. Reconhecer as subjetividades que estão lá, no cotidiano, pode ser uma via para transformar a escola em lugar de encontro com a diversidade ”
Thania Rocha, atriz, terapeuta e integrante da produção da FELIZS.
Feira Literária da Zona Sul na Praça do Campo Limpo. Foto: Will/Setembro 2022.
Entre os princípios que a feira pretende debater, está a necessidade de as escolas e outros espaços educativos periféricos abrirem portões e quebrarem muros (literal ou metaforicamente) para seu entorno, e considerar os fazedores de cultura como parceiros e aliados na promoção de uma escuta dos sujeitos que lá estão presentes. “Isso envolve conhecer o território e suas expressões, investigar as mestras e mestres presentes na comunidade escolar, incentivar as manifestações de crianças, jovens e adultos e posicionar-se contra o racismo, o machismo, a LGBTQIA+fobia e outras opressões estruturais que aparecem na escola por estarem difundidas na sociedade”, ressalta Thania.
Feira Literária da Zona Sul na Praça do Campo Limpo. Foto: Will/Setembro 2022.
Entre os destaques da programação está a feira literária que reunirá mais de 60 editoras independentes de todo o Brasil no dia 23 de setembro, na Praça do Campo Limpo, em um dia com várias atrações para todos os públicos, da música ao teatro, distribuição e troca de livros, e participação das escolas.
As escolas que levarem seus estudantes à Praça receberão a “moeda literária”, um crédito para que os alunos comprem livros dos autores que estarão na Feira. Além disso, as atrações da FELIZS acontecerão durante toda a semana, em espaços culturais e educacionais, como escolas, Centros de Educação Infantil, bibliotecas comunitárias etc. A expectativa da organização é receber um público de 10 mil pessoas durante a semana.
Em sua 9ª edição, a FELIZS é uma das feiras pioneiras na valorização de autores da periferia. Para Silvia Tavares, que integra a equipe de produção e também é educadora na Zona Sul, a aposta nas linguagens artísticas, e especialmente na literatura periférica, acena com a possibilidade de transformação do currículo escolar em direção à consideração da diversidade.
“Quando começamos a trazer os saraus, slams e literaturas periféricas para as vivências com crianças e jovens, vemos os cabelos mais livres, os corpos mais altivos e o interesse por leitura e escrita se torna voraz, pois é da vida delas e deles que passamos a falar. Isso provoca inclusive os educadores e educadoras a também terem contato com a expressão poética, e muda a qualidade da experiência de ser educador/a”.
Silvia Tavares, produtora da feira e educadora na Zona Sul
“Mulheragem” homenagem às educadoras Marilu Cardoso e Solange Amorim
Marilu Carsoso e Solange Amorim. Foto: Arquivo Pessoal
Este ano, a FELIZS irá homenagear duas personalidades da Zona Sul, as educadoras Marilu Cardoso e Solange Amorim. As educadoras farão parte de um mini-documentário sobre suas vidas e conduzirão uma conversa literária no encerramento da Feira, na Praça do Campo Limpo, dia 23 de setembro.
A Feira contará ainda com a participação de educadores em todas as conversas literárias e de convidados como o ativista e influenciador digital Thiago Torres, conhecido como Chavoso da USP, falando sobre arte e saúde mental na educação no SESC Campo Limpo (dia 19, às 19h).
Outros temas, como a linguagem poética, a pedagogia dos saraus e slams e a literatura para bebês e crianças farão parte do roteiro temático da semana, com a presença de autores e projetos premiados em eventos como o Prêmio Jabuti e Prêmio Paulo Freire. No dia 22, a líder guarani Jerá e o pesquisador e professor Salloma Salomão debaterão no CEU Feitiço da Vila o papel da arte periférica nos vinte anos da lei que instituiu o ensino de história e cultura africana, afrobrasileira e indígena no currículo.