A formação online é aberta para jovens de todo o país e as inscrições acontecem até 03 de setembro. Para participar, é necessário ter conhecimentos de design e programação.
Como forma de impulssionar a presença de jovens negros, indígenas e de periferias do Brasil na área da tecnologia, os coletivos GatoMídia e TALES estão com inscrições gratuitas abertas para o LAB Afro-ameríndio Narrativas Gamificadas. Voltado para o aprendizado e criação de jogos eletrônicos, o projeto é voltado para pessoas entre 15 e 29 anos, que atuam com design, audiovisual, artes visuais, mídias digitais ou que tenham conhecimento básico de programação. As inscrições vão até o dia 3 de setembro, através do formulário online (acesse aqui).
“É importante combater a ideia de que a produção de tecnologia deva ser privilégio ou prerrogativa de uma elite social ou econômica. Acreditamos que a raiz de toda tecnologia está intrinsecamente ligada à cultura e a saberes ancestrais. Por isso, alcançar o universo da tecnologia e da criação de games será mais uma consequência desse protagonismo”. João Araió, coordenador pedagógico do GatoMídia
LAB com inscrições para oficinas de criação de games para jovens
O LAB terá início em 12 de setembro, com duração de três meses e será dividido em quatro ciclos criativos, que abordarão desde a teoria até a criação real de um jogo. Neste período, o participante terá acesso a oficinas e mentoria de desenvolvimento de games baseados em narrativas orais e cosmologias de culturas indígenas e afro-brasileiras. Todo o curso será online, pelo aplicativo Zoom.
A partir do primeiro ciclo, os participantes vão se dividir em times e começar a trabalhar no seu jogo. Durante o LAB, os processos criativos serão divididos em linguagens: storytelling, design e programação. Ao fim, serão realizadas apresentações e mentoria com profissionais da área e estúdios de games que vão ajudar na elaboração do protótipo digital de cada produto.
O LAB será conduzido por profissionais engajados com a luta antirracista. Entre eles, a pesquisadora de literatura indígena Trudruá Dorrico, do povo Macuxi; o roteirista e escritor Renato Noguera; a designer gráfica, ilustradora e grafiteira Auá Mendes, do povo Mura; a artista carioca e “sampleadora visual” Amora Moreira; e o diretor de tecnologia e cofundador da startup HIT Jonas Alves. A equipe da Aoca Game Lab, de Salvador (BA), que desenvolveu o jogo Árida, também está entre os colaboradores.
A GatoMídia é uma rede de aprendizagem em mídia e tecnologia voltada para jovens negros e indígenas, moradores de favelas e periferias do Brasil, e tem esses territórios como metodologia e principal referência em produção de conhecimento, tecnologia e inventividade.
Serviço
LAB Afro-ameríndio Narrativas Gamificadas Inscrições até 03/09/23 por este link Início: 12 de setembro Podem participar jovens negres e indígenas entre 15 e 29 anos que atuam nas áreas de design, audiovisual, artes visuais, mídias digitais ou que tenham um conhecimento básico de programação.
Para além dos resultados obtidos com a bola em campo, a Copa do Mundo Feminina, 2023, explicitou as diferentes e acentuadas dificuldades e desigualdades que os times femininos, ainda hoje, enfrentam. “O futebol feminino profissional quanto a investimento, não está nem 1% comparado com o masculino”, afirma Maria Amorim, 38.
Apaixonada por futebol, Maria é uma mulher preta, cearense, periférica, mãe do Lucas, de 18 anos, da Ana, de 13, e companheira do Beto. Ela é moradora de Parelheiros, extremo sul de São Paulo, joga futebol desde criança e como educadora social viabiliza que meninas e mulheres da periferia pratiquem esse esporte, que frequentemente é dito como masculino.
Moradora de Parelheiros, além de jogadora, Maria também é ativista em defesa do futebol feminino (foto: arquivo pessoal)
“Eu diria que [sou] ativista da modalidade feminina, sempre buscando ocupar lugares majoritariamente masculinizados, que nunca sonhou em ser jogadora profissional, mas que sempre teve dentro de si a luta pela modalidade, que decidiu brigar por esses espaços, que não é só meu, mas de todas as mulheres que querem jogar e praticar futebol independente de se profissionalizar ou não”.
Maria Amorim. educadora social de Parelheiros.
O futebol de várzea, predominante nas periferias, é a principal área de atuação de Maria. Ela é fundadora, junto com seu companheiro Beto, do time Apache Feminino e da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros, que reúne 110 equipes. Maria também é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos. Em 2019, ela criou e hoje conduz o projeto FutVida, que insere crianças de 6 a 15 anos no esporte.
As treinadoras, Maria Amorim e Cecília Bringel, e as crianças do projeto FutVida (foto: arquivo pessoal)
Futebol de base: peneira e investimento
No entanto, Maria também contribui com perspectivas sobre o futebol feminino profissional, somando com as visões e as realidades que há nas periferias. “O futebol feminino hoje, falando desde o profissional, que respinga no amador, eu acho que tem muito uma [questão de] reparação [histórica], né? A gente ficou 40 anos sem jogar futebol, 40 anos proibidas de jogar.” a educadora traz um contexto histórico e desdobramentos atuais sobre o assunto.
“A Federação [Paulista de Futebol], recentemente, criou a peneira sub 17. Isso é muito bom, porque na minha época não tinha peneira. Uma peneira sub 17 da Federação oportuniza as meninas a participarem e [serem visibilizadas e analisadas pelos] responsáveis de clubes. Só que tinha uma questão muito forte, que era o atestado médico”, menciona a treinadora.
Maria também relata sobre uma constatação que ela expôs em uma reunião, que ocorreu na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), solicitada pela Deputada Leci Brandão, em defesa do futebol feminino, que reuniu integrantes do futebol de várzea, do profissional e a ex-coordenadora da Federação Paulista de Futebol, Thais Picarte, em 2022.
“Na minha fala, eu trouxe que entendo totalmente que o atestado médico seja necessário, mas a forma como ele é pedido é muito burocrático. Uma mãe de Parelheiros não vai faltar um dia de trabalho, para levar a menina ao médico, para conseguir um atestado.”
Maria Amorim, fundadora da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros.
Ela ressalta que a demora para ter atendimento é outro problema que surge ao levar meninas ao médico, no SUS, para conseguir o atestado médico. “Para ter esse atestado, o médico vai pedir exames. Então, estava tendo menos meninas pretas nas peneiras. E aí, eu trouxe essa reflexão: onde é que estão as meninas pretas? Na periferia, esse caminho para a menina chegar até à peneira é muito longo.” complementa.
Maria acrescentou também, nesta reunião, que uma realidade recorrente nas periferias é a situação das mães solos, que não podem arriscar a fonte de renda da família, faltando ao trabalho, para acompanhar as filhas nesses processos. Ela destacou e reivindicou que, “as instituições, a confederação têm que achar um caminho”.
Reunião na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) realizada em 2022, em defesa do futebol feminino. (foto: arquivo pessoal)
As colocações da educadora social trouxeram resultados. “Esse ano de 2023, na própria peneira, eles colocaram um médico à disposição, então a menina podia ir sem um atestado médico, lá passava pelo médico da Federação e fazia o atestado na hora. Então, já foi uma possibilidade que encurtou muito o caminho das meninas”, conta Maria.
Apesar da conquista, iniciativas e dos demais feitos realizados, a educadora social diz que se preocupa muito com o cenário do futebol feminino devido à falta de valorização. “Na periferia tem muita menina boa de bola. Então, qual seria o futuro ideal para o futebol feminino? Clubes grandes, instituições como a Federação, olhar para o futebol feminino e implantar projetos, fazer parcerias com projetos já existentes”, sugere Maria. Ela menciona que o ideal é ter investimento e suporte para que no futuro essas meninas sejam selecionadas para jogar profissionalmente.
“Hoje, cada clube profissional só tem um time feminino, porque é obrigatório, ou seja, se vai participar de uma Libertadores, se o clube tá dentro da Conmebol, ele precisa ter um time feminino. Por isso que os grandes clubes têm, porque senão, não tinha”
Maria Amorim é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos.
Em contrapartida, a educadora social, através do projeto FutVida, busca aproximar e tornar possível o acesso de meninas e adolescentes, dos bairros Jd. São Norberto e Nova América, na zona sul de São Paulo, ao futebol. “A gente que é de periferia, quando decide montar um projeto e trazer as meninas para o esporte, a gente tem que buscar estratégias para que ela continue praticando, juntamente com a família”, argumenta a educadora, mencionando que é preciso fortalecer os vínculos com os pais como um caminho para tornar esses processos colaborativos, a fim de criar redes de apoio para as meninas que sonham em jogar futebol.
“Tem um ditado africano que a gente leva muito pra vida [que diz], ‘que é necessário toda uma aldeia para cuidar e educar uma criança’. E é isso que a gente faz com os nossos movimentos. A gente precisa estar junto. A gente precisa fazer essa construção coletiva”, conclui Maria.
O lançamento reúne MPB dos anos 80 e 2000, e mistura influências das tradições negras do candomblé, com participações de Luedji Luna e François Muleka.
O novo projeto do cantor e músico Aloysio Letra é guiado por temas como saúde mental, luto e fé, retratados a partir das subjetividades da sua realidade como homem negro e periférico. O artista realizará uma série de apresentações para compartilhar seu novo repertório. O EP já está disponível em plataformas como o Youtube e streamings de música.
“Tento responder como é a sensibilidade de pessoas pretas sobreviventes do genocídio da população negra. Falo de ‘futuridades’. Reflito sobre como lidar com as perdas e, sobretudo, como buscar forças para prosseguir. Este é um acalanto musical afetivo e intimista.” Aloysio Letra, cantor e compositor
Ancestralidade
Composto por 4 faixas autorais, a sonoridade de “Depois” dialoga diretamente com a MPB dos anos 80 e 2000, misturando influências das tradições negras do candomblé, das atmosferas musicais de Salif Keita, do pop de Sade Adu, da própria música popular brasileira e da instrumentação de orquestra de câmara.
“Aqui homenageio o grande amigo e parceiro na cultura, que perdi em 2017, Daniel Marques Sundiata. Foi esse registro que me abraçou em tempos que, para mim, foram muito difíceis”, compartilha o artista.
O ator e dramaturgo Jé Oliveira, está entre as participações especiais do projeto, na faixa-título. Ao lado dele, na mesma composição, o pianista Fábio Leandro, do Aláfia. A faixa “Áfrika”, conta com a participação da cantora e preparadora vocal Estela Paixão, também integrante do Aláfia. Nesta mesma música, François Muleka traz suas texturas e linhas de contrabaixo. Ainda no time que compõe a canção está a cantora Luedji Luna.
“É importante se vestir de ternura para enfrentar as lutas. Ter amor em si, afetos diversos que podem ser celebrados. Celebrar as lutas de outres, torcer pelo bem viver coletivo da população preta periférica. Desejo passar um legado coletivo de sobrevivência, porque apesar de ser um trabalho solo, há uma preocupação de pluri-protagonismo, ou seja, de transmitir que para um trabalho como esse ser possível e partir das periferias para o mundo, os trabalhos de várias pessoas foram necessários ao longo da construção. Esse é um trabalho de uma pessoa que é ‘cria’ dos saraus das periferias e dos movimentos de cultura das periferias das últimas duas décadas”.
Aloysio Letra, cantor e compositor.
Novo ep de Aloysio Letra tem lançamento em espaços culturais das periferias de São Paulo.
Nos próximos meses, Aloysio Letra realiza uma série de shows pela cidade de São Paulo. Confira a agenda dos lançamentos:
Serviço
29/08/23 – Lançamento do EP e audição Ocupação Cultural Mateus Santos, às 19h Av. Paranaguá, 1633 – Jardim Belém, São Paulo – SP, 03809-170 Duração 1h30
17/09/23 – Centro de Culturas Negras do Jabaquara Mãe Sylvia de Oxalá – CCN Jabaquara, às 18h R. Arsênio Tavolieri, 45 – Jabaquara, São Paulo – SP, 04321-030 Duração 1h20
29/09/23 – Centro Cultural Tendal da Lapa, às 20h R. Guaicurus, 1100 – Água Branca, São Paulo – SP, 05033-002 Duração 1h20
01/10/23 – Centro Cultural da Penha, às 19h Largo do Rosário, 20 – Penha de França, São Paulo – SP, 03634-020 Duração 1h20
Durante a 2ª temporada do Favela Drag 2023, projeto cultural, que aconteceu, no último sábado, 19, na Casa de Cultura Vila Guilherme – Casarão, zona norte de São Paulo, Vitória Rosendo, aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, entrevistou Júpter, 28, drag queer, com três anos de atuação no cenário cultural.
A cultura drag queen é um estilo artístico que envolve diversidade de raça, etnia e identidade de gênero, um exemplo, é a arte drag queer, que possui uma estética não-binária.Ela também abrange uma ampla gama de estilos e abordagens artísticas, desde arte conceitual a performance política.
Júpter e Vitória Resendo durante o Favela Drag 2023. Foto: Jéssica Zuza, aluna do Você Repórter da Periferia/Agosto 2023.
Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, Júpter relata que sua primeira referência nas formas de se vestir foi sua mãe. Sempre com roupas elegantes e saltos impecáveis, mesmo nas atividades do dia a dia, como uma ida à padaria. Com o passar dos anos, outras referências passaram a fazer parte das suas inspirações, entre elas, David Bowie. Ela também compartilha os desafios de se viver da arte drag nas periferias e como essa forma de expressão impacta positivamente sua vida e aqueles ao seu redor.
Você Repórter da Periferia: Qual a importância da cultura drag para os territórios periféricos?
Júpter: Eu acho que é importante as pessoas se expressarem do jeito que elas quiserem. A realidade de uma pessoa periférica é totalmente diferente de outros ambientes. Trazer isso para nossa visão Drag Brasil é muito importante, porque a gente tem aquela coisa do Rupaul’s, né? Daquela coisa da drag refinada, as drags que têm muito acesso financeiro e aos espaços. Então, quando a gente pega essa realidade das pessoas que vêm dos extremos da cidade, o modo de se fazer arte é bem diferente, é uma arte muito cara.
Você Repórter da Periferia: Quais são os principais desafios de se viver da arte Drag Queen na periferia?
Júpter: Comprar uma maquiagem, os produtos são caríssimos, mas é um papo de acesso mesmo […] o acesso a espaços também é uma coisa que limita, não é somente o acesso econômico no sentido de comprar maquiagens, muitas vezes os espaços, não querem pagar o que a gente precisa, né? E essa é a maior problemática, porque eles querem que a gente vá, que a gente seja bonita, mostre tudo que a gente tem para mostrar. Só que eles não dão condições para isso, nenhuma ajuda de custo, na verdade pouco importa a pessoa por trás da drag, né? Só importa o que está ali, se ela tá impecável, se ela tem a melhor maquiagem, se ela tem o melhor look e a drag ela vem muito antes, né? É toda essa construção de dores do lugar de onde a gente veio, do que a gente quer. Existe certa misoginia quando uma mulher queer se colocar nesse lugar de drag.
Você Repórter da Periferia: Como você enxerga o seu trabalho nos dias atuais e qual o seu impacto?
Júpter: Estou tentando enxergar o meu trabalho de uma forma assim, mais gentil comigo mesmo. Eu acho que até essa coisa do impostor é uma coisa muito de uma vivência feminina, né? Porque a gente nunca é boa o suficiente, você nunca é bom se sente nada, então a gente fica tentando se provar. O que eu tô fazendo tem um valor, né? Eu estou conseguindo alcançar alguém? Também acho que é importante lembrar que as pessoas que estão nesses lugares, elas não tiveram as mesmas oportunidades que você teve, também tem essas questões, né?
Você Repórter da Periferia: Qual é a sua maior motivação?
Júpter: […] acho que a minha motivação é a liberdade de ser quem eu quiser, e eu gostaria muito de poder viver disso óbvio, é difícil, estou trabalhando em outros espaços, não só como Júpter, mas como a Isis que também existe, a pessoa por trás disso. Tô tentando voltar para o teatro. Então eu acho que a motivação é essa, tipo: ser quem eu quiser, porque a arte me permite isso, e tô querendo viver disso, se a drag vai me proporcionar isso? Eu não sei. Vou entender daqui um, dois anos, eu espero estar fazendo isso em condições melhores, né? Em espaços que me apoiam com mais suporte financeiro e emocional, né?
Nesse episódio a conversa é sobre como a política de segurança pública atravessa corpos pretos e periféricos, e a atuação de movimentos que lutam pela garantia do direito à vida na quebrada.
O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.
Ficha técnica: Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira Produção audiovisual – Pedro Oliveira Identidade visual – Flávia Lopes Vinheta e edição – Jonnas Rosa Fotografia: Sérgio Silva
“Eu falo que cada periférico é um sem-terra também, [pois] ele não tem um grande latifúndio, não tem dinheiro e nem riqueza acumulada. Ele é um sem-terra, entendeu?”. Essa fala é de Maria Alves, 70, uma militante, que transita, há tempos, entre o campo e a periferia usando a educação como ferramenta de mudança e luta em defesa do meio ambiente.
Maria Alves é nordestina e cresceu na divisa do Pernambuco com a Paraíba. “A minha família era como se fosse uma aldeia, todo mundo no entorno da minha vó, Conceição, que era uma mulher comunitária. Então, a gente aprendeu no berço de famílias de agricultores que não tinham terras, mas que trabalhavam muito nesse país.”
Parque e rio do Canivete, no Jardim Damasceno (foto: Viviane Lima)
Em 1975, Maria vem para São Paulo com o marido, após morar 10 anos no Paraná trabalhando como agricultora. Eles se mudam para o Jardim Damasceno, região da Brasilândia, na zona norte da cidade.
“Como toda pessoa que não tem uma formação acadêmica, que viveu sempre trabalhando na roça e na agricultura, a gente chega na cidade de São Paulo e vai conseguir o subemprego, aquele emprego que mal dá para você passar o mês e pagar suas contas. E a gente vem morar no pé da Serra da Cantareira em uma periferia bem abandonada”, relembra a agricultora.
Ela comprou um terreno a prestações e construiu a casa na base do mutirão com a família. Depois o foco de Maria passou a ser melhorias para o bairro. Ela conciliava isso com o trabalho e a educação dos filhos.
“A gente foi lutar por qualidade no bairro, qualidade de vida, transporte, questão de saúde, educação, saneamento, essas coisas que a necessidade faz, você acaba virando uma militante urbana, que eu nem sabia que eu era. Eu sabia que tinha que fazer a luta, eu fiquei 27 anos morando ali. Depois eu integrei ao movimento sem-terra”
Maria Alves, agricultora e educadora ambiental
Educação ambiental em defesa dos rios
Maria conta que quando chegou à Brasilândia ainda era possível lavar roupa e tomar banho de rio na região. “E aí a gente vê logo em seguida toneladas e toneladas de lixo e entulho sendo jogado nesses rios”, conta.
Extensão do córrego Canivete, localizado próximo a Av. Dep. Cantidio Sampaio (foto: Viviane Lima)
Em 1996, quando o rio Cabuçu, foi canalizado com o investimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e, em contrapartida, o banco pedia um trabalho de educação ambiental no bairro. Maria estava entre as lideranças locais que participaram do projeto, que foi implementado pelo instituto Ecoar.
Com o fim do projeto, as lideranças comunitárias envolvidas e a Associação Cantareira resolveram dar continuidade ao trabalho nas salas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), na qual Maria era monitora.
“A gente tinha o tema constante [de preservação ambiental] e aí a gente falava das sacolas de lixo que eram jogadas no rio. Mas a gente tinha algo pior, que são as empresas que jogam lixo. Lá no bairro tinha até uma tabela de cobrança, um homem que cobrava pelo lixo jogado”, recorda.
Descarte inadequado de lixo no bairro Jardim Damasceno (foto: Viviane Lima)
“Eles foram soterrando nascentes, fazendo uma devassa e a gente também foi brigando. Nós tivemos 20 anos, com um processo contra um chiqueirão clandestino, esse processo caducou, as autoridades não tomaram nenhuma providência e a gente ainda foi ameaçada de morte, porque a gente estava lutando contra esses lixões”, conta a educadora ambiental. Isso provocava inundações, que até hoje atingem os moradores.
Mesmo com as adversidades, Maria junto com a associação de moradores seguiam com as reivindicações, que com tempo surtiram efeitos, e investindo na educação como principal ferramenta de mudança. Ela foi uma das fundadoras do projeto Arte na Rua, que atendia 80 crianças de 7 a 18 anos, fazendo o trabalho de arte, educação e práticas esportivas.
“Assumi dois projetos também ligados à Associação Cantareira, que foi de Agentes Comunitários, com 40 alunos e Monitores Ambientais, com 30 alunos, na faixa etária dos 15 e 16 anos, para acessar o primeiro emprego e se capacitar”, conta a educadora sobre sua trajetória.
Maria fala que se orgulha de todo trabalho dedicado à região. “Hoje eu tenho uma alegria de ter sido essa moradora urbana, militante que me envolvi e mergulhei de cabeça numa coisa de pensar a Juventude”, finaliza Maria.
Com meu trabalho no futebol de várzea eu costumo olhar para além das quatros linhas do campo, por isso o nome da coluna “Além do jogo”. O sentimento que carrega uma quebrada que pode ser representada por um time é muito intenso e significante.
Envolve afeto, família, emoções, liberdade de expressão, dentre tantas coisas. União que move toda uma comunidade. Engloba, abraça.
Nas fotos, registros da ação do time A Cúpula, da zona norte de São Paulo. A ação foi realizada em julho de 2023, a partir da união de times para um jogo beneficente, e após o jogo realizaram a entrega das cestas para alguns moradores do território.
Foto: Juh na VárzeaFoto: Juh na Várzea
Um time de quebrada faz mais que muitos políticos. Ele olha para a carência dos seus, da comunidade, fazendo, assim, muitas vezes ações beneficentes, se juntando e movendo ações para conseguir trazer uma cesta básica para aquela galera da comunidade onde o time foi criado.
Não é só futebol, isso é uma visão dos nossos, que sabem da necessidade de unir e fortalecer.
Sabemos da carência da nossa comunidade, sabemos da correria do povo que nela vivem, do dia-a-dia. Em diversas quebradas os times também se unem para realizar ações no dia das crianças, natal, etc.
O futebol de várzea vai muito além daquilo que vemos só em campo. E o dahora é que a galera da quebrada tenta se ajudar da melhor forma possível.
Desde 2020, o espaço cultural independente Casa F.Ú.R.I.A (Frente Unificada de Resistência Interseccional Abolicionista), localizada na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo, combate o encarceramento da população LGBTQIA+, aproximando estas pessoas de projetos de arte e cultura, para geração de trabalho, renda e promoção da liberdade de expressão.
A iniciativa é da Cia. dxs Terroristas, coletivo de terrorismo poético, que assume esse nome a partir do momento que são chamados de ‘Terroristas’ por um pastor evangélico que gerenciava um Centro de Educação Unificado (CEU) na região da zona norte de São Paulo.
“A zona norte é o território mais conservador da cidade de São Paulo. Aqui, a gente morre ou a gente apanha. Então, a gente começou a pensar formas de criar outras possibilidades de se expressar e a arte é um lugar comum para todas nós”
Murilo Gaulês, 36, morador da Vila Guilherme e fundador da Casa F.Ú.R.I.A.
Uma das pessoas que atuam no projeto e reforça a importância da permanência do espaço cultural independente é Carla Mendes, mulher trans, de 33 anos, nascida no Estado do Amapá, mas que desde os 17 anos mora em São Paulo. Ela frequenta a Casa F.U.R.I.A há dois anos.
“Desde que eu conheci esse projeto, há dois ano, estou trabalhando com eles, e isso me tirou da prostituição, e hoje pago meu aluguel com isso, foi uma luz no final do túnel”
Carla Mendes conquistou autonomia financeira com o apoio da Casa Furia.(Foto: Diego Nascimento)
Política pública de cultura
Em 2020, o espaço cultural conquistou o edital da Lei de Fomento à Cultura das Periferia, política publicada de apoio financeiro a grupos culturais gerida pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, que possibilita a manutenção e criação de espaços culturais independentes, localizados em territórios periféricos.
O projeto consiste no desenvolvimento de uma série de produções culturais feitas por mulheres trans, como livros, podcasts e curtas-metragens, pautando denúncias sobre o descaso do sistema penal com a população LGBTQIA+.
“A Casa me ajudou a atuar. A minha presença de palco hoje eu vejo que é bem melhor. Eu precisava do trabalho e isso me sustentou. Aqui aprendi coisas que vou levar pro resto da vida”
Ema Alves, 26, artista, moradora do bairro Jardim Hebrom
Encerramento de atividades
Antes da Casa da F.Ú.R.I.A existir com um espaço físico, as atividades da Cia dxs Terroristas eram realizadas na casa do Murilo, mas após ganharem o edital da Prefeitura de São Paulo, o coletivo conseguiu construir uma estrutura melhor, que resultou na construção de um espaço cultural independente. Mas o local está com sérios riscos de ser fechado, devido à falta de recursos financeiros e renda do próprio coletivo, para manter o espaço e o emprego de quem atua no projeto.
“A gente não tem mais condições, só temos dinheiro pra pagar o aluguel dos próximos dois meses e não tem como resolver. Esse trabalho que fazemos de retomada de consciência, construção de comunidade, produção em rede, não precisa da casa para existir, a gente depois arranja outro lugar. Isso me mantém de pé”, argumenta o fundador do projeto.
No primeiro semestre de 2023, a Cia. dxs Terroristas lançou no espaço cultural a peça teatral “Anjos de Cara Suja: o sol é, ou deveria, ser para todas”, intervenção artística que visa refletir como seria o mundo sem prisões.
O espetáculo ganhou reconhecimento internacional e a equipe recebeu um convite para fazer um intercâmbio cultural nos Estados Unidos, mas como algumas pessoas que atuam no coletivo estão respondendo por processos criminais na justiça brasileira, essa oportunidade corre o risco de não se concretizar para o grupo, fato que representa o impacto negativo do sistema prisional na vida da população LGBTQIA+, mesmo quando estas pessoas estão reconstruindo suas vidas.
“Eu tô sempre olhando pra esse lado de dizer: sim, é uma pena que a casa vai fechar, mas o trabalho vai continuar, a gente vai manter a esperança no peito. Pra mim o que mata o sonho não é a casa fechar, o problema é a estrutura do Estado que vai fazendo a gente fracassar”, conclui o criador do projeto.
Vinda de uma família de imigrantes portugueses, a enfermeira e líder comunitária Neide de Fátima Martins Abati, 84, mais conhecida como Neide Abadi, cresceu na periferia de São Paulo, num contexto de racismo escancarado na sociedade, e aprendeu com seu pai, João Martins, um líder comunitário, a ser uma pessoa antirracista, valorizando a diversidade de raças, etnias e religiões.
Com mais de 50 anos dedicados a participar ativamente de espaços de participação social nas periferias. Abadi é co-fundadora da União Popular de Mulheres do Campo Limpo, movimento social liderado por moradoras da zona sul que desde a década de 1960 se organizam para combater desigualdades sociais, fortalecer a organização popular e o desenvolvimento local. A iniciativa se mantém atuante até hoje.
A luta contra o racismo ambiental
Durante a década de 1970, a luta pela água, saneamento básico e educação sanitária fizeram parte da trajetória de vida da enfermeira e líder comunitária.Não existia água potável encanada e saneamento básico para tratamento de esgoto nas periferias da zona sul de São Paulo. A ausência deste direito fundamental afetava as famílias da região, devido ao processo de contaminação dos poços artesianos e lençóis freáticos, pelo fato dos moradores utilizarem fossas que não eram sépticas.
Este problema fez com que moradores desenvolvessem uma série de problemas de saúde, causados pela contaminação da água e do solo. Dona Neide relembra que nesta época, as casas eram construídas próximas a córregos, devido ao fato de não existirem terras com preços acessíveis, essas construções se tornaram o meio de moradia mais acessível e se multiplicaram, gerando inúmeros problemas de saúde e discriminação geográfica.
“O governo não tinha interesse em cuidar da saúde do povo e pelo fato de muitas famílias morarem em um lugar sem saneamento básico, muitos foram afetados, principalmente as crianças que foram contaminadas com verminose”
relata Neide, apontando para um período histórico das periferias, onde a sua atuação junto a outras mulheres da União Popular de Mulheres do Campo Limpo, foi fundamental para cobrar políticas públicas dos governantes.
Dona Neide Abadi com as mulheres da União Popular de Mulheres do Campo Limpo. Foto: Pedro Oliveira/Julho 2023.
Naquela época, dona Neide já realizava um trabalho de educação sanitária com as famílias do Campo Limpo, formando grupos nos bairros para orientar as mães sobre higiene e os riscos de ingerir água contaminada, executando o papel de uma política pública que ainda não existia, os Agentes Comunitários de Saúde, instituída e regulamentada anos depois.
“Nós passávamos de casa em casa, mas era muito difícil. Como essas mães poderiam ferver a água se não tinham dinheiro para comprar o gás? Como iriam colocar cloro na água, se não tinham dinheiro pra comprar? Saúde, de que jeito? Sem higiene, sem banheiro e sem água”
desabafa Dona Neide que atuava como uma agente comunitária de saúde antes mesmo da profissão existir.
Parque Santo Dias no Capão Redondo. Arquivo prefeitura de São Paulo.
Entre direitos violados, lutas e conquistas, Dona Neide também esteve junto aos movimentos em prol da criação de um espaço verde no território do Capão Redondo, com a desapropriação da fazenda adventista em 1990, para manter preservado uma área de mata atlântica rica em biodiversidade e recursos hídricos.
Dois anos depois, em 1992, essa conquista se materializou com a inauguração do Parque Santo Dias, uma homenagem, segundo ela, merecida a Santo Dias, um operário e líder comunitário, morto pela polícia na porta de uma fábrica no período da ditadura militar, em 1979.
“Ali é nosso pulmão. Essa luta foi uma luta que não teve dono, era uma reivindicação nossa. A conquista do parque também foi em homenagem ao Santo Dias. Quanta gente melhorou de saúde por causa de fazer exercício e estar no ambiente limpo. E lá dentro é bonito, né?”
diz a líder comunitária.
Neide Abadi. Foto: Pedro Oliveira/Julho 2023.
A história de Dona Neide junto aos movimentos de luta por direitos humanos nas periferias da zona sul de São Paulo representa uma inspiração para quem continua lutando por um mundo mais justo e sustentável para todos. “Hoje eu sou brava. Eu tenho indignação de não ver as coisas resolvidas.
“Eu choro às vezes de ver isso. Muita coisa podia ter nesse Brasil que tem tudo”
Cansados de promessas, do trânsito, do descaso, moradores da região do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, promoveram mais uma manifestação pela duplicação da Estrada do M’Boi Mirim e pela expansão do metrô Capão Redondo até o distrito de Jardim Ângela. Há mais de uma década, os movimentos sociais da região reivindicam essas obras, infelizmente sem sucesso.
Todo mundo que mora na zona sul da cidade de São Paulo já ouviu alguma história sobre a estrada do M’Boi Mirim. Quem mora no fundão da zona sul, desde Jardim Ângela até o Horizonte Azul ou Vila Calu, já viveu algum momento desagradável no trajeto, como horas no trânsito, acidentes e assaltos.
Moradores de Itapecerica da Serra ou de Embu-Guaçu também conhecem bem os perrengues dessa estrada. Na verdade, muito mais pessoas acompanham os problemas enfrentados pelos moradores dessa região, pois constantemente são noticiadas nas mídias.
A estrada do M’Boi Mirim é uma das principais e mais extensa via da zona sul de São Paulo, com cerca de 16 km de extensão, ligando os moradores dos distritos de Jardim Ângela e do São Luís, de Itapecerica da Serra e de Embu Guaçu ao centro e a outras partes da cidade de São Paulo.
Diariamente passam por essa estrada dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras com destino ao trabalho, às compras, ou às tantas outras demandas da vida, que não podem ser resolvidas nesta região, dado a escassez de equipamentos públicos, de cultura, lazer, saúde ou financeiro.
Esse percurso não seria tão ruim, se esses cidadãos e cidadãs não tivessem que enfrentar horas de trânsito, incertezas constantes do tempo de duração da viagem, seja em seu veículo particular ou no precário transporte público.
As pessoas já saem de casa esperando que alguma questão possa travar a circulação da estrada do M’Boi.
Muitas são as vezes que as pessoas que moram no “fundão da M’Boi” são obrigadas a caminhar por quilômetros para irem ao trabalho ou voltarem para casa por não suportarem o trânsito e o ônibus lotado.
Todas essas experiências negativas eu vivi na pele, nasci em Itapecerica da Serra e diariamente percorri até a região de Santo Amaro, por anos, para trabalhar e estudar.
Em 2010 comecei a trabalhar no Jardim Ângela, na EMEF Prof. Mário Marques de Oliveira e inúmeras vezes caminhei do “Menininha” até o “Jardim Capela” ou até o “Vila Calu”, cerca de 5 km, para pegar outro ônibus até em casa.
Nos últimos anos, trabalhando a noite em uma EMEF no fundão da M’Boi, no bairro Vera Cruz, presenciei muitos estudantes trabalhadores chegando atrasados devido ao trânsito da M’Boi.
A situação só não é pior porque há décadas moradores da região, organizados em movimentos e coletivos, vem se mobilizando e lutando por melhorias nessa via.
Muitas dessas lutas foram incentivadas pelo nosso querido padre Jaime, que nos deixou em fevereiro de 2023. No dia 11 de agosto de 2023, promoveram mais uma mobilização. Centenas de trabalhadores da região caminharam do Jardim Capela até o Jardim Ângela com carro de som, faixas e cartazes cobrando dos governantes o início das obras.
As obras de duplicação da estrada do M’Boi Mirim e a extensão da linha de metrô do Capão Redondo até o Jardim Ângela foram prometidas em 2012 e 2011, respectivamente, mas uma década depois ainda não se concretizaram.
Em vários momentos nesse período governadores e prefeitos divulgaram que as obras seriam realizadas, mas ficaram apenas na promessa.
Ano passado, poucos meses antes das eleições, o governador de São Paulo e o prefeito Ricardo Nunes fizeram o lançamento do início das obras de duplicação, mas assim que terminaram as eleições as obras foram paralisadas e não há nem sinal de ser retomada. Isso é um absurdo!
Transporte coletivo de qualidade e mobilidade urbana são direitos de todo cidadão.
Já passou da hora do governador do estado e o prefeito da cidade de São Paulo ouvirem as manifestações da população da região do M’Boi que há décadas vem clamando por seus direitos.