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Corre Coletivo usa história em quadrinhos para transformar educação de jovens nas periferias

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O Corre Coletivo, grupo localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo, está transformando processos pedagógicos para educar jovens nas periferias, por meio da introdução de história em quadrinhos para promover letramento crítico e social. A iniciativa também aposta na criação de uma comunidade voltada para o acolhimento e troca de artistas iniciantes na área de arte educação.

“Nós temos uma enorme possibilidade de utilizar quadrinhos como uma linguagem pedagógica, porque ela é acessível para a juventude”, explica Wesley Silva, coordenador pedagógico do O Corre Coletivo.

Segundo Silva, quadrinhos como a Turma da Mônica ajudaram a alfabetizar muita gente, fora os clássicos, como Ziraldo, mas o universo digital possibilita outras abordagens de impacto nos leitores. “Além deles, têm os quadrinhos digitais que chegaram com muita força, principalmente as webtiras”, afirma.

Wesley Silva, o Lelo, como é conhecido nas periferias do Grajaú, é formado em artes visuais, pós-graduando em Arte educação: Teoria e Prática na ECA-USP e atua em rede com outros coletivos de arte educação nas periferias do Grajaú, um território com grande diversidade de saberes territoriais.

Cofundador do Corre Coletivo, Lelo foi o idealizador do projeto que deu vida à HQ Inimigo Invisível. Foto: Ana Pra Rua

Combate à desinformação

Em 2020, no auge da segunda onda de Covid-19, O Corre Coletivo, em parceria com o SESC Interlagos, criou o projeto ‘Inimigo Invisível’, iniciativa no começou como uma reunião de artistas para criação de desenhos para colorir, distribuídos para crianças, mas durante o avanço da pandemia de Covid-19, tornou-se uma HQ com super heróis que explica os riscos, traz dados e apresenta métodos de segurança para prevenção de contágio com o vírus.

“Para além de ser um quadrinho, ele ainda é muito educativo. Eu trago a política nas coisas que eu faço, para fazer com que as pessoas reflitam. Só que ao mesmo tempo, eu to ligado que a galera gosta de consumir comédia, besteirol. Eu quero criar coisas assim, que as pessoas achem da hora, só que ao mesmo tempo elas se vejam, porque no geral a gente não se vê, não são feitas por nós, nem para nós”, conta Ciano Buzz, educador e artista visual que participou da criação do Inimigo Invisível.

Ilustrador desde a infância, Ciano atua como educador de desenho e quadrinhos desde os 16 anos. Foto: Corre Coletivo

O artista visual Ciano, morador da Cidade Líder, zona leste de São Paulo, se define como um “griô do futuro” e busca trazer para dentro de processos educativos em escolas públicas uma visão multisciplinar em relação a arte e ao contexto de ancestralidade da população negra e periférica.

A HQ teve tanto sucesso que recebeu o chamado Oscar dos Quadrinhos, o troféu HQ Mix, na categoria Projeto Especial na Pandemia. Com isso, abriu espaço para o coletivo incentivar novas ações que não somente educassem crianças e jovens por meio dos quadrinhos, mas também abrisse um espaço de diálogo para que eles também pudessem contar suas histórias por meio das HQs, ampliando a representatividade nesta mídia.

Selo Lajota

A Base Nacional Comum Curricular, o BNCC, documento que define os direitos de aprendizagem de todos os alunos das escolas brasileiras, aponta que as HQs podem ser utilizadas, do 1º ao 5º ano do ensino fundamental para “Construir o sentido de histórias em quadrinhos e tirinhas, relacionando imagens e palavras e interpretando recursos gráficos (tipos de balões, de letras, onomatopeias)”.

Foi assim que nasceu, em 2023, o selo Lajota, espaço dedicado a ser uma comunidade de acolhimento para jovens que produzem histórias em quadrinhos nas periferias e que possuem o desejo de contar suas próprias histórias por meio dessas revistinhas. Além disso, é uma iniciativa editorial que democratiza o acesso por meio das webcomics, HQs online acessadas gratuitamente por meio do aplicativo Funktoon.

“O momento que eu juntei ciência na arte foi no quadrinho que eu estou produzindo agora [no selo Lajota], uma webcomic chamada ‘Mizu’, que é sobre uma menina gamer que retrata que a sua quebrada está passando por uma grande seca”, conta o biólogo e ilustrador, Lucas Andrade, o Lukera, um dos criadores da HQ Inimigo Invisível.

“Eu tento fazer isso no sentido da periferia se apropriar da pauta ambiental, porque eu acredito que é para ontem isso. Quando acontecem secas, somos os mais afetados por rajadas de vento, alagamentos”, contextualiza Andrade.

De forma pedagógica, cuidadosa e sensível, o Corre Coletivo busca construir diálogos com jovens estudantes de escolas públicas nas periferias, partindo de elementos culturais presente na construção da identidade cultural dos jovens.

“A gente procura chegar em uma zona próxima para falar de coisas importantes. Quando a gente fala do Miles Morales, um homem aranha negro caribenho, a gente consegue falar sobre esse recorte de ser uma criança preta na adolescência que gosta de grafiti e hip hop e está em descoberta, se sente abandonado e sozinho, e dialoga muito com o que a juventude vive”, explica Lelo.

A premissa de abordar um contexto cultural e social vivenciado pelos jovens moradores das periferias também é apontada pela a quadrinista Marília Marz, criadora da HQ curta “Zebra”, que fez parte da 8ᵃ edição da revista Ragu, vencedora do prêmio HQ MIX 2022 na categoria “Projeto Editorial”.

Para ela “pessoas negras, periféricas, indígenas e lgbtqiap+ , estão acostumadas a se verem representadas nas mídias pelo olhar, muitas vezes enviesado. A história em quadrinhos é um recurso muito importante para que as pessoas possam se enxergar, possam enxergar as próprias histórias e as próprias vidas”, conclui.

O que a nossa alimentação tem a ver com a emergência climática? #19

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Nesse episódio falamos sobre como o plantio do alimento impacta os processos ambientais, e de que forma iniciativas de mulheres que trabalham a partir da agroecologia atuam nesse contexto.

O papo é com a Luzia Souza, agricultora e integrante da ⁠Rede de Agricultoras Paulistanas Periféricas Agroecológicas⁠ e com a ⁠Helen Souza⁠, geógrafa, e atua com áreas protegidas, povos e comunidades tradicionais através da agricultura e meio ambiente.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

*Este conteúdo faz parte da campanha Planeta Território, uma iniciativa do Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS)
Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira 
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

Casa Ilera promove culinária afro-brasileira em Guaianases

Durante a Vivência Caruru promovida pela Casa Ilera no sábado, (07) de outubro, em Guaianases, zona leste de São Paulo, os moradores e artistas participaram dos processos de preparo do prato ancestral e celebração a vida.

O Você Repórter da Periferia acompanhou todo o processo que conecta mulheres, jovens e crianças do território na celebração ancestral, por meio da comida que carrega consigo os saberes e resgate da cultura afro-brasileira e a culinária afroindígena.

De menino à fase adulta: como os homens descobrem a sexualidade?

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A predominância do machismo influencia e molda as percepções da sexualidade masculina e as atitudes dos homens dentro do tecido social? Quais os cuidados em relação à educação com meninos até a fase adulta e como os homens descobrem a sexualidade? 

Em entrevista ao Desenrola Aí, Rafael Cristiano, dramaturgo, ator, educador e co-criador do coletivo Masculinidade Quebrada, que desde 2018 promove rodas de masculinidade para meninos e homens periféricos, explica como essa construção de domínio da heteronormatividade se estabelece e os caminhos para pensar novas possibilidades. 

A ideia de que esse menino é um menino e que ele precisa ser protegido, que ele precisa ter os direitos garantidos, essa ideia precisa ser defendida. A gente não pode compactuar com a ideia racista de que esse menino precisa responder como um homem adulto, que esse menino já é um homem que tem responsabilidades de homem. Ele é um menino e precisa ser tratado como menino. E pra ser tratado como menino, ele precisa ser educado. A minha grande questão para os homens é como estamos educando os nossos meninos? Como nós homens estamos educando os nossos meninos? Ou a gente ainda está jogando essa responsabilidade nas nossas mulheres? Como estamos sendo bons exemplos? […] Eu acho que essa é a grande questão

Rafael Cristiano, dramaturgo, ator, educador e co-criador do coletivo Masculinidade Quebrada.
Rafael Cristiano e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí. Foto: Maxuel Mello/Agosto 2023.

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa segunda  temporada vamos abordar sobre Descontruir Tabus: corpo e sexualidade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.

Conheça a luta, o território sagrado e as tradições indígenas no Jaraguá

Conhecer a cultura dos Guarani Mbya, um dos povos indígenas do Brasil, é essencial para reconhecer a importância de seu conhecimento ancestral e valorizar a influência desse saber para toda a sociedade. O Você Repórter da Periferia veio até a aldeia Tekoá Yvy Porã, território indígena localizado no Jaraguá, zona noroeste de São Paulo, para conhecer de perto a cultura e a luta pelo direito ancestral à terra dos povos originários.  

Confira a vídeorreportagem produzida pelos alunos da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, que destaca os saberes e a luta dos povos originários na busca por dialogo com os não indígenas, chamados de juruás, para inspirar novos modos de vida, que estão em sintonia com o meio ambiente.  

“Tudo é passado de geração para geração”, conta Lucas Kuaray sobre grafismos indígenas

As culturas indígenas, com suas diversas tradições e manifestações artísticas, desempenham um papel fundamental na identidade e na preservação das raízes culturais do país. Em entrevista a Hellen Novais, aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola, o jovem Lucas Kuaray, 18, estudante do 3° ano do Ensino Médio, conta sobre a importância do grafismo nas tradições dos povos indígenas.

Lucas Kuaray é morador da Tekoá Yvy Porã, localizada na Vila Jaraguá, zona noroeste de São Paulo, e afirma que os grafismos indígenas vão além de desenhos ou símbolos artísticos, que estão relacionados à proteção dos povos. 

O jovem se dedica a manter viva essa herança, a partir do grafismo, como uma ponte entre os não-indígenas e seu próprio povo, para repassar seu conhecimento. 

Lucas fala sobre o grafismo como forma de preservação da ancestralidade e cultura do povo Guarani Mbya. Confira:

Hellen – Você Repórter da Periferia: O que os grafismos representam?

Lucas Kuaray: A pintura para nós já tem muito tempo.Tudo é passado de geração para geração. Cada etnia tem suas pinturas, os grafismos e seus artesanatos, então a pintura para nós é uma forma de símbolo também de etnias para reconhecer de qual povo é. Tudo isso é através da pintura.

Hellen – Você Repórter da Periferia: Quando você começou a fazer os grafismos?

Lucas Kuaray: Desde criança eu sempre vejo as pinturas, porque é sempre comum na nossa comunidade. Por exemplo, quando vamos nas lutas do movimento a gente sempre faz pinturas. Não tem símbolos que representam alguma coisa, mas temos pinturas nossas, dos Guaranis e outros povos também têm os deles.

Hellen – Você Repórter da Periferia: Qual o significado para o seu povo?

Lucas Kuaray: Para a gente, ela serve para proteção da floresta, para o nosso espírito. São espíritos maus e não queremos que eles fiquem de olho na gente. A pintura é feita quando o menino ou a menina muda de criança para adolescente. É uma coisa especial e para eles é uma pintura específica.

Hellen – Você Repórter da Periferia: Você enxerga o grafismo como forma de expressão artística?

Lucas Kuaray:  Para mim o grafismo indígena é uma arte, é uma cultura. Ainda mais hoje em dia que dá para fazer várias coisas com grafismo indígena, então é uma arte. A tinta preta que a gente usa é sempre jenipapo com carvão, aí a gente extrai o líquido dele e mistura com carvão.

Hellen – Você Repórter da Periferia: A pintura é uma forma de levar as tradições daqui a diante?

Lucas Kuaray: Sim, tanto a pintura, os costumes, e principalmente, nossa língua tradicional, que não se perdeu ainda e vamos passando de geração para geração. O nosso lema é sempre levar isso para frente. Para as nossas crianças que são mais jovens e nossos estudantes, procuramos sempre fortalecer a nossa cultura.

“Temos uma sociedade que não gosta de crianças”, afirma pesquisadora sobre o acolhimento de crianças em espaços públicos

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Garantir o acesso ao que é regulamentado por lei, no que diz respeito às crianças, é dever não apenas dos pais ou responsáveis, mas também do Poder Público e de toda sociedade, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Crianças são pessoas com direitos, e isso inclui direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, à liberdade, à convivência comunitária, entre outros.

No entanto, Priscila Obaci, 39, que é artista, professora de teatro e mãe solo do Melik Rudá, 7, e do Bakari Mairê, 5, traz perspectivas diferentes sobre como a sociedade lida com crianças. “Durante muito tempo eu fiquei sem frequentar os lugares, porque não tem uma preocupação com as crianças. Acho que com os bebês [a questão] é mais forte ainda, [porque] não tem um trocador, não tem um lugar que você consiga sentar para amamentar”, coloca a educadora.

Priscila Obaci e suas crianças
Priscila Obaci é artista, professora de teatro e mãe solo do Melik Rudá, 7, e do Bakari Mairê, 5. (foto: arquivo pessoal)

Priscila é moradora do Guarapiranga, um bairro do distrito Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo. Como arte-educadora, ela realiza atividades que estimulam e envolvem a maternidade, bebês e crianças, através de saberes de matriz africana.

“A gente assimilou um aspecto eurocêntrico de como lidar com as crianças que não tem a ver com as nossas práticas tanto africanas, quanto indígenas, de filosofia e de sociedade, que colocam a criança como centro, a criança como uma continuidade dessa comunidade e por isso ela deve ser respeitada, tendo os limites de ser uma criança, mas tendo essa relação de equidade.”

Priscila Obaci, artista e professora de teatro.
Atualmente, cerca de 11 milhões de mães brasileiras criam filhos sozinhas, segundo a pesquisa realizada pelo Instituto de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). O estudo também mostra que 90% dessas mulheres são negras.

Luana Oliveira, 41, também moradora do Jardim São Luís, é educadora popular, mestranda em sociologia e pesquisa sobre maternidade solo com um recorte para moradoras das periferias da zona sul de São Paulo. Para ela, uma sociedade que exclui crianças, também exclui as mães.

Luana Oliveira, pesquisadora e educadora popular, e seu filho Murilo, 12, e suas filhas Mar, 15, e Manuela, de 2 anos. (foto: arquivo pessoal)

“A gente tem uma sociedade que não gosta de crianças, que não é preparada para acolher as crianças. Inclusive, a gente tem um processo de construção de sociedade que exclui as crianças de todos os espaços. E isso faz com que as mães também sejam excluídas, especialmente as mães solo.”

Luana Oliveira é mestranda do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Unicamp.

A exclusão de crianças também exclui as mães

A falta do senso de coletividade no cuidado com os pequenos é uma questão em diversos espaços e que também sobrecarrega as mães. “As pessoas de um modo geral, inclusive as mulheres, as feministas, elas não se implicam nesse processo de cuidado com as crianças. É como se só a mãe tivesse obrigação de tomar conta daquela criança”, menciona Luana.

Priscila aponta a necessidade desse cuidado com as crianças, em qualquer espaço, acontecer de forma coletiva, pois “é um peso muito grande que a gente carrega de ser a única representante desse cuidado e não ter acolhimento”, coloca a arte-educadora.

“As mães sempre se veem coagidas a manter a criança sob controle. Você é expulso dos espaços, não de uma forma direta, mas é um segurança que te persegue, é um pessoal que te olha de lado, isso acontece com as mães o tempo todo. Se a sua criança chorar, rir, correr, se ela se expressar, alguém já olha para você e indica nesse olhar que a sua criança está incomodando.”

Luana Oliveira, educadora no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular.

Priscila também considera as particularidades que envolvem essa questão nas periferias. “A classe média alta acessa as coisas antes da gente. E tem muito mais possibilidade de pensar lazer e acolhimento do que a gente que está pensando na sobrevivência o tempo inteiro”, cita a arte-educadora, que também conta que sua rede de apoio, que é constituída por mulheres e a escola, é fundamental. 

A artista relata que através de suas falas e movimentações foi “educando a sua comunidade” e criando possibilidades para que ela pudesse viver as experiências culturais com suas crianças. 

 Priscila Obaci tocando no carnaval, com o Bloco Afro ÉdiSanto. (foto: arquivo pessoal)

“No último carnaval eu toquei e eles ficaram circulando pelo cuidado de várias pessoas, que me conhecem e conhecem eles. Eu acho que ainda não é o mundo ideal, mas tem se movido de alguma forma”, comenta.

Segundo Luana, que além de pesquisadora, também é mãe solo de três crianças: Mar, 15, Murilo, 12, e Manuela, 2, apesar de todos os espaços e eventos culturais terem um discurso politicamente correto com relação à presença de crianças, são poucos os que se organizam para recebê-las.

“Como essas crianças são bem-vindas se eu não ofereço minimamente uma infraestrutura? Você não ter um trocador, você fumar e jogar fumaça na cara da criança. Falar que a criança é bem-vinda não é o suficiente, é preciso criar condições para que a criança seja efetivamente bem-vinda”, salienta a pesquisadora.

Espaços culturais e o olhar para as crianças

A Casa de Iaiá, localizada no município de Taboão da Serra, no bairro Parque Jacarandá, São Paulo, é um espaço cultural com diversas linguagens artísticas, que mesmo com programações que não são voltadas especificamente para crianças, se propõe a ser um local de acolhimento para mães e crianças que frequentam a casa. Isso ocorre através de ações que pensam a estrutura do espaço, como a disponibilidade de trocador, balanço, rede e espaço ao ar livre para as crianças brincarem.

Casa de Iaiá é um espaço cultural, localizado no município de Taboão da Serra, no bairro Parque Jacarandá, adaptado para receber crianças. (foto: arquivo pessoal)

Os responsáveis pelo local são Ângela e Tadeu, que é mais conhecido como Tatu. A ideia dos dois, que são educadores, amigos e sócios, era ter um espaço aconchegante semelhante a uma casa, como o nome do lugar sugere, e com um grande quintal. “E aí a gente entra nessa ideia das crianças, porque um quintal sem criança é um quintal sem graça”, Tatu, 41, produtor cultural.

Apesar de boa parte do ambiente ser ao ar livre, a casa tem um lugar específico para quem fuma. “Tem a tabacaria aqui, tem narguile, mas a gente sempre fala pra galera ter essa sensibilidade de entender quando tem criança, pra respeitar. Então tem um espaço para isso, para não ter esse tipo de constrangimento de alguém que está com uma criança se sentir incomodada”, comenta Tatu.

Luana Oliveira, mestranda em sociologia e pesquisadora sobre maternidade solo, na foto estão seu filho Murilo e sua filha Mar (foto: arquivo pessoal)

Luana aponta sobre a importância das crianças terem acesso aos espaços culturais, tendo como parâmetro os próprios filhos. “É importante que eles entendam que todos os espaços são para eles. E [aprendam] criar estratégias de reivindicar condições para que eles estejam nesses espaços. Acho importante que os meus filhos entendam os espaços culturais como espaços de resistência e de estratégias de luta das pessoas da periferia e por isso eles estão comigo em todos os lugares”, conta.

Tatu também menciona como a presença das crianças é importante na Casa de Iaia. “A criança traz uma energia, uma atmosfera para o lugar que a gente não vai conseguir de nenhuma [outra] forma”. Segundo Tatu, a Casa de Iaia é também um lugar de memória afetiva, com referências de ancestralidade, reforçando aspectos como identidade e pertencimento ao território à medida que essas crianças têm a possibilidade de ter acesso e conhecer artistas locais e suas obras.

Priscila ainda coloca aspectos que demonstram como a não inclusão de crianças em espaços é um problema estrutural e social. “O racismo foi muito potente em eliminar a gente. A gente morre de bala e morre também dessas crianças não se sentirem pertencentes a uma comunidade, não poder se olhar enquanto igual, não se identificar, não ter um processo de representatividade. Quando uma criança é apartada desse convívio, a gente está matando as possibilidades dela ser quem ela é”, finaliza a arte-educadora.

“Muitas vezes isso não vai chegar na periferia”, diz cineasta sobre projeto de lei que regulamenta exibição de filmes nacionais

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A renovação da cota de tela, através do Projeto de Lei (PL) 3696/2023, faz parte das políticas públicas de retomada do setor audiovisual brasileiro. “Lutar pelas cotas de tela é entender que muitas vezes isso não vai chegar na periferia, mas se não tiver essa cota de tela para o cinema nacional, pode ser muito pior”, afirma Daniel Fagundes, 37, cineasta, coordenador do IbiraLab, uma escola de cinema na quebrada, e morador do bairro Jardim Primavera, zona sul de São Paulo.

A cota de tela é uma lei que busca garantir um espaço mínimo para o cinema nacional em diferentes meios de exibição. Atualmente, a lei foi regulamentada apenas para os canais pagos de TV. A situação dos cinemas e das plataformas de streaming ainda não foi definida, sendo que o setor do cinema está com a renovação da lei vencida desde 2021.
Thais Scabio trabalhando na direção do Filme Barco de Papel. (foto: Crioula Oliveira)

“Mesmo com a cota a gente tem pouco acesso aos filmes que são produzidos no Brasil. Essa cota não tem uma preocupação também com ações afirmativas”, coloca Thais Scabio, 46, moradora do bairro Cidade Júlia, no distrito Cidade Ademar, São Paulo, que há 20 anos trabalha na área do audiovisual, com direção e produção de filmes.

“Quando você não trabalha dentro dessa cota uma questão de ação afirmativa tanto regional, quanto representativa de gênero, de raça, você também não vê essa diversidade na tela do cinema, nos canais fechados e streamings. Então, são as mesmas distribuidoras que acabam circulando os mesmos filmes, dos mesmos diretores.”

Thais Scabio é fundadora da produtora Cavalo Marinho Audiovisual, da plataforma de streaming Todesplay e moradora do bairro Cidade Júlia, no distrito Cidade Ademar, em São Paulo.

O cineasta Daniel Fagundes aponta que mesmo com uma baixa porcentagem, o conteúdo nacional alcançou mudanças significativas de exibição quando a lei estava sendo aplicada.

“Antes da cota de tela a gente tinha um montante que representava praticamente 1,5% das telas com produção de cinema nacional, isso nas redes de TV fechadas. A gente tem, na última pesquisa de 2021, um avanço de quase 10%. A gente saiu de 1,5% para 14%”, aponta Daniel em referência ao levantamento feito pela Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), através de dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e do Ministério da Cultura.

“A cota de tela é uma prática que acontece no mundo inteiro para garantir que os filmes nacionais circulem”, aponta Thais. Mesmo assim, existem barreiras para a regulamentação no Brasil, como coloca Daniel. “Tem muitos desses grandes conglomerados de distribuidores e exibidores [que] acham sempre brecha na lei para tirar a produção independente, para tirar a produção do curta-metragem desses espaços”, afirma.

Produção e distribuição no audiovisual independente e periférico

Apesar de existirem políticas públicas de incentivo à cultura que incluem também o audiovisual, como a Lei de Fomento à Cultura da Periferia, o Programa de Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), nem sempre esses investimentos são suficientes para acolher uma quantidade maior de ações.

“A gente simplesmente não está mais procurando nada [nesse sentido de editais, fomentos]. Da mesma forma que o mercado de trabalho fechou as portas pra gente, a gente chegava em um edital e encontrava 30, 20 páginas de burocracias e regras”, esse relato é do Bruno Maciel, 26, morador da Vila Missionária, zona sul de São Paulo. Bruno é diretor e um dos fundadores do Tomada Periférica, um coletivo que desde 2020 produz cinema nas periferias.

Bruno Maciel, cineasta, morador da Vila Missionária, zona sul de São Paulo, durante a gravação da série Romeu e Juliete, produzida pelo coletivo Tomada Periférica. (foto: arquivo do coletivo Tomada Periferica) 

Bruno conta sobre as dificuldades que o coletivo encontrou ao tentar acessar algumas políticas públicas. “Até então todo mundo do Tomada trabalha, não dá para ficar virando a noite fazendo editais etc. A gente até tentou se inscrever, mas desistiu, porque os resultados eram frustrantes”, comenta.

Ainda assim, em 2021, o Tomada Periférica, através de contatos e da repercussão do filme na internet, conseguiu furar parte do bloqueio da distribuição e fizeram uma sessão de exibição do filme “Dois Conto – a continuação barata de Dez Conto”, em uma sala comercial de cinema, em Santo Amaro, distrito da região sul de São Paulo.

Bruno Maciel na ponta esquerda e o elenco do filme “Dois Conto – a continuação barata de Dez Conto”, no dia da exibição no cinema, em 2021. (foto: arquivo do coletivo Tomada Periferica)

“Eu tô há 20 anos dentro desse universo do audiovisual e a primeira vez que eu consegui distribuir um filme meu foi ano passado [2022]”, conta Daniel. Segundo os cineastas entrevistados, em muitos casos, a justificativa que é dada pelos cinemas e streaming aos produtores periféricos, é de que os filmes não têm um determinado “padrão de exibição” para ocuparem esses espaços.

“A real é que existe um mercado muito fechado e determinado já para os herdeiros dessas grandes produtoras, que se isso não fosse verdade, qualquer um de nós, que cumprisse todos os requisitos que eles [grandes conglomerados de distribuição e exibição de filmes] querem, estava com o filme lá na Netflix, na Globoplay.”

Daniel Fagundes, fundador do coletivo Caramuja de Pesquisa, Memória e Audiovisual.

Sob a perspectiva de gênero, o audiovisual também tem suas barreiras, principalmente quando se trata dos cargos de liderança, como aponta Thais. “Pensando no nível nacional, teve aquela pesquisa [de 2016] da Ancine [que explicitou] que não teve nenhuma mulher negra na sala de cinema [como diretora ou roteirista], nas últimas décadas”, coloca a cineastas.

O nós por nós no cinema produzido nas periferias

Entre dificuldades e obstáculos, cineastas que atuam a partir das periferias desenvolvem soluções e se articulam para criar melhorias. “Na periferia, a gente acabou resolvendo a distribuição entre nós. Os cineclubes são lugares importantes de distribuição que a gente organizou. A maioria dos nossos filmes também estão no YouTube”, coloca Thais. No entanto, ela também aponta que esse modo de distribuição não costuma ser rentável.

Equipe do filme Um Bom Lugar, direção de Rosa Caldeira e Well Amorim, produção de Thais Scabio. (foto: Victoria Marcelino)

“Todos [os nossos filmes] a gente lança na internet, porque a internet está sendo a maior janela que a gente encontrou. O público geral não conhece os festivais, se a gente se limitasse aos festivais poderíamos ganhar um título ou outro, mas isso não é tão consagrado quanto você vê o Juca da padaria falando do seu filme. Tá ligado?”, diz Bruno Maciel.

Thais reforça que o audiovisual desempenha diferentes funções para além do entretenimento, e que ele pode gerar visibilidade para territórios e pessoas terem suas existências reconhecidas e registradas.

“A gente usa o audiovisual também com uma ferramenta de luta, para mostrar que a gente existe e resiste. Eu acho que o audiovisual para a gente é uma forma de sobrevivência, de denúncia, de trazer benefícios para a comunidade.”

Thais Scabio, fundadora da produtora Cavalo Marinho Audiovisual, da plataforma de streaming Todesplay.

Daniel menciona também que o cinema é uma ferramenta para criar novas narrativas. “[Para] que não sejam majoritariamente pessoas brancas em um lugar de poder a gente precisa que o cinema nacional [seja] diverso, [que] não só o cinema nacional das grandes produtoras possam disputar espaço na tela”. Ele ainda ressalta: “A nossa luta é para dizer que a gente existe”.

A relação entre direitos reprodutivos e justiça social #18

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Para entender sobre justiça reprodutiva é preciso falar de justiça social e de gênero. E é sobre a relação entre essas três pautas que a Alice Amorim, estudante de serviço social e educadora do Grupo Curumim, e a Shisleni de Oliveira, cientista social, com mestrado em Estudos Feministas e de Gênero, falam nesse episódio.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Pagode Na Disciplina promove cultura, lazer e educação no Jardim Miriam

Formado por um grupo de amigos apaixonados pela genuína raiz do samba, o Pagode Na Disciplina completa oito anos de atuação, resistência, cultura e lazer. O Você Repórter da Periferia veio até o Jardim Miriam, zona sul de São Paulo, para acompanhar de perto a celebração e relevância de uma das rodas de samba que fazem história nos territórios periféricos da cidade.

Confira a vídeorreportagem produzida pelos alunos da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola –, que revelam que o Pagode Na Disciplina, é mais que uma alternativa de lazer e cultura.