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A população periférica e trabalhadora enquanto sujeitos históricos #25

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Quem tem direito de conhecer a própria história? Conversamos com o José Eduardo do Acervo da Laje, e com o Adriano Sousa, historiador e pesquisador no CPDOC Guaianas, sobre a memória enquanto meio para preservar narrativas e fortalecer identidades.

O episódio aponta a memória como possibilidade de continuidade da vida e o trabalho de iniciativas que documentam e valorizam a história dos territórios periféricos e seus moradores.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Alta dos preços na feira impacta alimentação nas periferias de São Paulo

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O preço da feira aumentou. Essa afirmação é unânime, do feirante ao economista, e também entre quem frequenta a feira ou deixou de frequentar devido à alta nos valores das frutas, legumes e verduras. Cenário que tem afetado o bolso, mas também os hábitos de consumo de moradores das periferias de São Paulo. 

“Muita coisa aumentou, antes era bom, mas agora não tem nada barato, é tudo caro. Então, eu prefiro pegar no sacolão durante a semana”, conta Joana Rodrigues, 60. Ela é aposentada e frequentava a feira do bairro onde mora, no Jardim Santo Eduardo, na cidade de Embu das Artes, desde 1994, quando se mudou para a região.

Joana Rodrigues deixou de frequentar a feira devido à alta dos preços. (Foto: Viviane Lima)

Joana conta que já teve situações em que foi a feira e acabou voltando para casa com o carrinho vazio. “Eu gostava de ir à feira todo domingo, porque as coisas estavam mais em conta e eu via várias pessoas conhecidas, a gente conversava. Eu sinto muita falta da feira”, compartilha a aposentada.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) variou 3.4% no Brasil, entre março de 2023 e o mesmo mês de 2024, segundo o economista Luis Felipe Magalhães. O INPC mede a variação média dos preços de serviços e produtos de consumo das famílias com renda mensal que vai de 1 até 5 salários-mínimos.

“A gente está falando aqui de grupos sociais que são mais sensíveis às variações de preços, pois eles tendem a gastar a maior parte do seu rendimento médio mensal com itens básicos”, menciona Luis, que é professor de economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisa temas relacionados à economia popular, local e territórios periféricos.

Alta nos preços da feira impacta alimentação nas periferias de São Paulo
A macaxeira, que também é conhecida como mandioca, está entre os tubérculos que fazem parte da alimentação nas periferias. (Foto: Pedro Oliveira)

Segundo o economista, dentro dos 3.4% de aumento geral de preços pelo INPC, o item alimentação e bebidas subiu 2.82%, ou seja, estão abaixo da média. “Tubérculos, raízes e legumes tiveram um crescimento de 27,5%, muito acima da média nacional. Itens que entram decisivamente na composição da alimentação doméstica”, aponta.

E essas variações impactam diretamente na vida dos moradores, como na rotina do Alberto Batista, 55, que é torneiro mecânico e mora com a família no bairro Jardim Princesa, no distrito da Brasilândia, região norte de São Paulo. “Várias coisas eu já deixei de comprar por causa do valor. Sempre acontece, [para] um simples proletariado não tem como, né?”, diz o morador que frequenta as feiras localizadas no bairro Vista Alegre, Vila Terezinha e Estrada do Sabão, todas na Brasilândia.

Alberto Batista conta que vai à feira desde criança e que por isso segue esse hábito. (Foto: Viviane Lima)

Alberto menciona que nas feiras que frequenta, no mês de março de 2024, os preços que se destacaram foram do tomate, banana, laranja, cebola e das verduras em geral.

“As hortaliças e verduras cresceram bastante acima da média, o coentro subiu 40%, o repolho subiu 26.2% e o alface subiu 11.9%”, aponta Luís.

Maycon de Jesus, 33, é feirante há 17 anos e conta que vende frutas de todos os tipos. “Maçã, laranja e banana é o que tem muito na mesa dos brasileiros”. Ele é morador do bairro Jardim Marina, em Embu das Artes e atua em diferentes territórios da região com a venda das frutas. 

O valor da banana se destacou no aumento dos preços dos alimentos in natura. (Foto: Pedro Oliveira)

Entre as frutas que comercializa, o feirante aponta que a banana foi a que mais teve elevação de preço, desde o início do ano de 2024. Segundo o feirante, o valor da laranja também aumentou. “Acho que R$10 em uma dúzia de laranja, tá bem alto, quando eu comecei na feira era R$2”, compara Maycon.

Maycon conta que entre os cinco dias que trabalha na feira, o mais movimentado é o domingo. “Todo mundo pede desconto, [o valor] é 10 por R$5 pedem para por 12. Pedem para tirar R$1”. Ele conta que geralmente atende aos pedidos dos clientes e que isso ajuda com que eles voltem.

Mesmo com as altas dos preços, Maycon avalia que a quantidade de pessoas que frequentam as feiras nas regiões em que trabalha, não mudou. 

Ir às compras no horário da xepa, ou seja, próximo as últimas horas do final da feira, também é uma estratégia que alguns consumidores encontram para manter o consumo de alimentos in natura com valores acessíveis. “Só tem um detalhe: dependendo do que você for comprar a qualidade pode ser inferior também”, conta Alberto. 

Impacto na alimentação

“O chuchu, se tá muito caro, você pode substituir por repolho, e é isso que eu faço”, comenta Joana sobre as adaptações que tem feito nas compras devido a variação dos preços. Já o Alberto tem uma dinâmica diferente. “Banana, laranja, alface independente do preço, se você se habituou a comer, você não abre mão”, diz o morador da Brasilândia.

Para Joana alguns alimentos também são insubstituíveis, como a cebola e o alho. “Esses dois pode estar caro do jeito que tiver, mesmo que eu compre [apenas] uma cabeça de alho e uma cebola, tem que ter”. A cebola subiu 36.4% e o alho 19.3%, o que é acima da média conforme o INPC anual apresentado pelo economista Luis.

Joana Rodrigues é moradora do bairro Jardim Santo Eduardo e frequenta os sacolões da região. (Foto: Viviane Lima)

Nem sempre as substituições são feitas de forma adequada, pois algumas famílias vão em busca apenas do que é mais barato e a qualidade alimentar acaba ficando em segundo plano.

“O impacto tende a ser negativo não só do ponto de vista financeiro, mas também nutricional e da saúde das famílias. Isso gera um cenário de mais pressão do SUS. Tudo isso tende a ser agravado com esse crescimento da inflação e de substituição de formas mais orgânicas e saudáveis de alimentação, por formas mais industrializadas e ultra processadas.”

Luis Felipe Magalhães, professor de economia da UFABC e pesquisador de temas relacionados à economia popular e local.

Outro método que Joana e Alberto passaram a utilizar foi diminuir a quantidade de itens comprados. “Quando o tomate está muito caro, eu pego um, dois no máximo, aí quando está mais barato, eu pego 1 kg”, exemplifica Joana.

Ela comenta que essa variação dos preços interfere na alimentação de sua família, pois antes ela comprava os alimentos in natura em maior quantidade. Por outro lado, Alberto diz que esse cenário não afetou a alimentação de sua família. “A gente faz um aperto em outras coisas para nessa questão da alimentação não ser afetado negativamente”, explica.

O valor da banana se destacou no aumento dos preços dos alimentos in natura. (Foto: Pedro Oliveira)

Os feirantes também tiveram que se adaptar às consequências da alta dos preços. “A gente levava 30 [a] 40 caixas de laranja, hoje são 10. Cortamos bastante, até porque não vende”, conta Maycon sobre as consequências também na vida financeira para quem trabalha comercializando os alimentos. 

“O cenário não é nada positivo. Nós temos o crescimento que se abate preferencialmente em itens que têm maior peso no consumo das classes trabalhadoras, [isso] num contexto de baixo crescimento econômico, de dificuldade de geração de emprego e renda, e no elevado endividamento das famílias”, comenta Luis.

O economista também ressalta que as mudanças climáticas, os efeitos da pandemia da covid-19, a manutenção de conflitos internacionais, e as decisões políticas em aderir a uma política fiscal contracionista – que prioriza o controle de gastos, juntos, todos esses elementos interferem de algum modo na economia do Brasil. Diante disso, Luis menciona que é difícil ter uma previsão de mudança desse cenário.

“Muitas vezes as mães se sentem sozinhas, com medo de não dar conta” diz psicóloga, Andrea Arruda

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Assista a entrevista completa em nosso canal no YouTube.

São muitos os desafios, responsabilidades e expectativas, enfrentadas por mães na busca constante pela almejada “maternidade sem culpa”. Em entrevista ao Desenrola Aí, a psicóloga Andrea Arruda destaca como o comportamento social alimenta a idealização da perfeição, desencadeando angústias, depressão pós-parto e culpa materna.

A especialista também destaca que enquanto sociedade é preciso pensar numa corresponsabilidade do cuidado, que não fique atrelado somente às mulheres e, principalmente as mães, que são responsabilizadas por todas as situações que envolve a criação e desenvolvimento do cuidado com os filhos.  

Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que a depressão pós-parto atinge mais de 25% das mães no Brasil. Para a psicóloga, é importante reconhecer que muitas mulheres encaram a gestação e a maternidade sozinhas, uma realidade que se torna ainda mais desafiadora para mães negras e periféricas, devido às condições socioeconômicas, na qual, enfrentam sobrecarga de responsabilidades que deveriam ser compartilhadas de forma coletiva e igualitária.

“A depressão, ela tem várias causas, mas muitas vezes a mulher se sente sozinha, sente muito medo de não dar conta daquela criança que chegou e muitas vezes ela não vai dar mesmo. É um lugar muito dolorido o sentimento de não querer ver a criança, não querer amamentar. Então ela não está falando da criança, está falando dela mesma, de todos os impedimentos que ela tem nesse momento, na psicologia chama de round de contorno de acolhimento. Então,essa mulher está voltada para o seu próprio sofrimento e ela não tem um lugar para despejar isso”.

enfatiza a psicóloga, Andrea Arruda
Psicóloga, Andrea Arruda e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí. Março/2024. Foto: Pedro Oliveira.

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens e conta com o apoio da 8ª edição da Lei de Fomento à Cultura da Periferia.

Especialistas apontam relação entre estética, identidade e autoestima nas periferias

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O crescimento de espaços voltados para o cuidado com cabelos crespos e cacheados nas periferias conectado ao autoconhecimento, tem sido um caminho de proteção para muitos moradores, é o que aponta a trancista Isabela Lopes. “É entender que a gente pode mudar sem maltratar o próprio cabelo, como uma proteção mesmo, porque é uma proteção para o nosso couro cabeludo, para o nosso ori e essa proteção nos traz uma autoestima”, coloca.

“[Alguns clientes] simplesmente vêm aqui falando, ‘eu não aguento mais o meu cabelo’, e [mudar] isso é algo que as tranças proporcionam”, afirma a trancista, sobre a relação entre a autoestima e identidade de jovens periféricos. 

Isabela, que atende seus clientes no Jardim Santo Eduardo, em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, aponta que as tranças trazem uma conexão entre as pessoas negras e periféricas com as suas origens. “Para a gente é algo novo, mas na nossa família está aí há muito tempo”.

Especialistas apontam relação entre estética, identidade e autoestima nas periferias
Isabela Lopes e Evellyn Luz (Foto: Viviane Lima)

Evellyn Luz, 26 anos, mora em Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo, trabalha com marketing, e é cliente da Isabela. Para ela, mudar de cabelo também é um fortalecimento de sua identidade. 

“Ao mudar e saber da história das tranças, como elas surgiram, além da minha autoestima física, fortalece os meus laços de ser uma mulher negra”, comenta Evellyn.

Isabela Lopes e Evellyn Luz (Foto: Viviane Lima)
Realização da trança Box Braid (Foto: Viviane Lima)

Outro espaço também muito popular nas periferias de São Paulo, são as barbearias. Diego de Albuquerque, barbeiro, morador do bairro Jardim Canaã, em Osasco, possui uma barbearia no bairro desde 2017. A partir do contato com seus clientes, ele avalia como um corte de cabelo reflete nessa autoestima. “A vaidade subiu muito e isso põe a autoestima deles [clientes] lá em cima, porque um corte de cabelo muda muito a pessoa”. Ele completa: “[Na barbearia] vêm pessoas falando assim: ‘eu sou feio, mas o corte me ajuda’”, conta o barbeiro. 

Diego de Albuquerque finalizando o corte do Gilmar de Souza. (Foto: Viviane Lima)

Diego aponta que alguns clientes vão à barbearia semanalmente para manter o corte em dia. Entre esses clientes está Gilmar de Souza, 49, que é professor de educação física e também mora no Jardim Canaã. 

“Uma vez por semana eu estou aqui cortando o cabelo. Sempre foi o básico mesmo. Agora [que] comecei a cortar um pouco diferente”, diz Gilmar, que durante a maior parte da vida manteve o cabelo baixinho e atualmente aderiu ao chamado corte quadrado.

“A gente vem cortar mais mesmo pra dar uma mudada um pouquinho no visual e tentar ficar mais bonito”, diz Gilmar. O professor de educação física também menciona que a aparência e a identidade dele enquanto homem, negro e periférico dialoga com a sua personalidade. 

Gilmar de Souza é adepto ao corte quadrado. (Foto: Viviane Lima)

“Padrão de imagem”

Peterson de Souza, 16, mora em Osasco, no bairro Jardim Canaã e frequenta a barbearia do Diego, mas diferente de seu pai, Gilmar, ele prefere o corte americano. 

“Eu não ligo muito [para a] opinião dos outros, mas claro que os outros vão olhar. Ainda mais eu sendo da cor preta, né?”, coloca Peterson. Estudante do ensino médio, o jovem conta que já se sentiu discriminado pela sua aparência. “Já me seguiram em lojas de shopping”, comenta.

Peterson de Souza todo fim de ano, desde 2017, faz a descoloração que é conhecida como ‘nevou’. (Foto: Viviane Lima)

Gilmar aponta que sempre manteve o cuidado com a aparência e que isso influencia principalmente quando se trata de trabalho. “Eu sempre trabalhei por conta, mas hoje como eu trabalho com crianças e tem os pais também, então é sempre bom a gente estar ajeitado”, diz.

Diego avalia que determinados cortes de cabelo atraem abordagens policiais.

“A sociedade julga muito, essa é a verdade. Dependendo do corte de cabelo [que você tenha], você vai tomar enquadro.”

Diego de Albuquerque, barbeiro, morador do bairro Jardim Canaã, em Osasco.

“Da ponte para lá [fora das periferias], as tranças vão ser discriminadas. Eu trabalhei numa empresa que se eu chegasse com trança eu era discriminada, porque o meu chefe era branco”, cita Evellyn. “O que é lindo e belo para eles é o loiro e o liso”, coloca.

Isabela coloca que pessoas pretas e periféricas se sentirem confiantes se torna uma afronta em determinados lugares e contextos. “É um grande empoderamento e a galera [branca] sabe, porque eles se sentem com o ego ferido por não se encontrarem [nessa estética]. Essa galera branca se incomoda com a gente ter o nosso local, não se comparar, porque a gente cansou do olho azul e do cabelo liso”, afirma a trancista.

Tendências

“Eu sempre platinei. No final do ano isso já virou uma coisa minha, se eu não platinar eu não fico bem”, conta Peterson sobre uma das coisas que gosta de mudar no visual ao longo do ano. O jovem comenta que todos os seus amigos, em determinados períodos, também aderem ao platinado, que popularmente é chamado de nevou.

Peterson de Souza e Diego de Albuquerque (Foto: Viviane Lima)

“Final de ano para todo canto é o famoso ‘nevou’. Todo mundo quer passar o final de ano com o cabelo platinado, branquinho”, aponta Diego. Ele cita que essa tendência teve início por volta de 2016, e desde então se mantém nas periferias de São Paulo. 

O barbeiro conta que atualmente os cortes de cabelos que são tendência nas periferias de São Paulo são: Taper Fade, que é mais chamado como corte americano, o corte Dimil, Selado, que é conhecido também como Boyzão, o Surfista e o corte Maraca. 

Isabela comenta que atualmente as tendências nas tranças são: Box Braid, pela versatilidade, que é o modelo em que todas as tranças ficam soltas; as Nagôs, que são enraizadas; e a trança Fulani, que é uma nagô até a metade da cabeça e atrás as tranças são soltas.

Evellyn Luz com as tranças Box Braid finalizadas. (Foto Viviane Lima)

“A gente coloca uma personalidade em cima daquele cabelo”, comenta a trancista sobre os cabelos também representarem um modo de se expressar. “Eu acho que ser visto é algo que queremos”, finaliza.

Direito à saúde: o acesso à políticas públicas de dignidade menstrual nas periferias

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Dignidade menstrual e pobreza menstrual são conceitos que tratam das condições de higiene e saúde de pessoas que menstruam, levando em conta as particularidades e necessidades que o período menstrual requer. Contudo, medidas de cuidado e saúde muitas vezes não são disponibilizadas para pessoas em situações de vulnerabilidade social. 

“A dignidade menstrual é o acesso a cuidados de saúde em geral, para poder cuidar do próprio corpo e [isso inclui ter acesso aos] produtos ligados à menstruação”, explica Shisleni Macedo. Ela é especialista em estudos de gênero e teoria feminista, atua como pesquisadora no Centro de Estudos Periféricos (CEP) da Unifesp e trabalha em projetos ligados a justiça reprodutiva.

“A gente tem relatos de mulheres que durante a menstruação inserem miolo de pão no canal vaginal ou pedaços de colchão, que usam tecidos e nem sempre têm água o suficiente [ou] saneamento básico em suas casas para higienizar”, relata a pesquisadora, que também trabalha em uma organização de direitos sexuais reprodutivos.

“Pobreza menstrual é toda a dificuldade de pessoas que menstruam têm para acessar itens de higiene necessários para esse período, que não são apenas mulheres, adolescentes, meninas, mas também pessoas trans, não-binárias, intersexo, que tenham útero e menstruam. Uma pessoa que não consiga, por exemplo, ter absorventes suficientes para todo o seu período, está numa situação de pobreza menstrual”.

Shisleni, especialista em estudos de gênero e teoria feminista.

Situação pela qual a Taciana Lopes, 21, já passou. “Quando eu era adolescente deixei de ir pra escola por não ter absorvente ou [tinha que] racionar. Eu deixava de usar em casa e quando eu ia para a rua, ia com um pouco que eu tinha. Eu já tive que pedir para uma amiga. Na necessidade, em uma emergência, [são] outras mulheres que me ajudam a ter esse absorvente”, comenta a jovem bolsista do curso de Gestão Financeira, moradora do bairro Jardim Vera Cruz, em São Mateus, zona leste de São Paulo.

Direito à saúde: o acesso à políticas públicas de dignidade menstrual nas periferias
Taciana Lopes, antes do Pograma Dignidade Menstrual, tinha dificuldade de ter acesso suficiente aos absorventes. (Foto: Viviane Lima)
Segundo o relatório “Pobreza menstrual e a educação de meninas”, de 2021, realizado pelo movimento Livre para Menstruar, no Brasil, em torno de 60 milhões de mulheres menstruam, sendo que 15 milhões não têm acesso à água tratada e 1,5 milhão moram em casas sem banheiro. Ou seja, pode-se considerar que essas mulheres estão em situação de vulnerabilidade menstrual.

Políticas públicas

Atualmente, Taciana participa do Programa Dignidade Menstrual, uma política pública lançada em 2023, para viabilizar o acesso gratuito à absorventes para pessoas que menstruam, que tenham baixa renda ou estejam em vulnerabilidade social.

Para participar do programa é necessário ter entre 10 a 49 anos, estar inscrito no CadÚnico, emitir uma autorização pelo aplicativo Meu SUS Digital, ter renda mensal de até R$ 280, ou ser estudante da rede pública e ter baixa renda. Pessoas em situação de rua também têm direito a esse benefício. Os absorventes podem ser retirados em qualquer Farmácia Popular credenciada, mediante a apresentação de um documento de identidade com foto, CPF e a autorização do aplicativo.

“Eu não tenho renda, então ajuda bastante porque o valor de cada [pacote de] absorvente é muito gasto, e eu não tenho esse dinheiro todo mês. [Agora] eu não tenho essa questão de ficar contando os absorventes que eu vou usar para conseguir render para o próximo dia ou para o próximo ciclo”, conta Taciana. A jovem diz que conseguiu cumprir todas as etapas do programa e retirar os absorventes sem dificuldade.

Absorventes distribuídos pelo Programa Dignidade Menstrual. (Foto: Taciana Lopes)

No entanto, Shisleni aponta que essa não é a realidade da maioria das pessoas que precisam do auxílio. “É importante que existam políticas públicas, mas da maneira como está hoje, pela mediação de um aplicativo, elas não atingem as populações extremamente precárias”. A pesquisadora comenta que pessoas em extrema vulnerabilidade não têm acesso à internet ou até mesmo ao celular para realizar os passos necessários que viabilizam a distribuição gratuita pelo programa.

Giselda de Oliveira, 51, é agente comunitária de saúde e aponta que no caso de pessoas em situação de rua, falta até a documentação. Ela mora no bairro de Santo Onofre, e trabalha na UBS (Unidade Básica de Saúde) que tem o mesmo nome do bairro, localizado em Taboão da Serra, São Paulo. 

Giselda de Oliveira é agente de saúde na Unidade Básica de Saúde Santo Onofre, no município de Taboão da Serra. (Foto: Viviane Lima)

“Quando você educa a população eles entendem. A gente tem que ir pra rua, ensinar, ter palestras”, comenta a agente de saúde. Para além de campanhas de informação e conscientização, ela aponta que é necessário realizar ações conjuntas envolvendo diferentes instituições e secretarias para auxiliar na questão da documentação, no acompanhamento e na implementação do programa para torná-lo efetivo e acessível para quem precisa. “A população não está informada sobre isso [o Programa Dignidade Menstrual]”, afirma Giselda.

A agente de saúde menciona que nenhuma informação ou instrução sobre o programa chegou para a UBS Santo Onofre. O fornecimento dos absorventes está acontecendo, mas segundo Giselda, não houve mobilização local para informar as pessoas e auxiliá-las na obtenção desses itens. 

Taciana, Giselda e Shisleni mencionam a importância do programa, mas ressaltam que precisa de ajustes. Shisleni aponta que a situação das pessoas que menstruam que estão em cárcere também deveria ser considerada, para que elas pudessem ter acesso aos direitos básicos de higiene e saúde. A pesquisadora comenta que há muito a ser feito para as pessoas passarem pelo período menstrual de forma adequada. 

“Que a gente consiga pensar políticas públicas de direitos trabalhistas [e] tenha mais licenças de saúde ligadas às questões de menstruação [para] pessoas que têm problemas que fazem com que a menstruação seja incapacitante”, coloca a pesquisadora.

Tabus discutidos por gerações

Sarah Lutosa, 15, é moradora do bairro Jardim Iracema, em Taboão da Serra, e afirma que a menstruação segue sendo um tabu mesmo para a sua geração, e que o acesso à higiene básica nos lugares públicos, como na escola, também é precário. Ela está no primeiro ano do ensino médio e estuda em escola pública. 

“Tem papel higiênico, mas é muito raro ter sabonete e absorvente. Se você quiser um absorvente tem que ir na secretaria pedir e não é sempre que tem”, menciona Sarah.

Ainda segundo o relatório “Pobreza menstrual e a educação de meninas”, o Brasil tem cerca de 7,5 milhões de meninas que menstruam na escola, sendo que 90% delas frequentam a rede pública de ensino. A partir dos dados da Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (PENSE) do IBGE de 2015, o relatório aponta que cerca de 3% das alunas estudam em escolas que não têm banheiro em condições de uso. Essa porcentagem equivale a 213 mil meninas, sendo dessas 65% negras.

A adolescente conta que já passou por uma emergência e teve que pedir absorvente na escola. “Foi horrível. Antes tinham disponibilizado os absorventes no banheiro, só que o pessoal que não tinha condição ia lá e pegava todos. Eles pararam de colocar por conta disso”, comenta.

Sarah Lutosa é estudante do ensino médio e faz uso de fitocosméticos para amenizar os incômodos menstruais. (Foto: Viviane Lima)

“Por ser um tabu, o pessoal tenta esconder que existe, então não tem muito suporte para isso”, aponta Sarah. “Acho que a menstruação tem que ser tratada da forma mais natural possível”, diz a adolescente sobre naturalizar a menstruação como caminho para que a população comece aprender a lidar melhor com o assunto.

Shislene coloca a educação sexual como outro ponto que poderia auxiliar na quebra dos tabus relacionados ao tema.

“Se a gente pudesse conversar nas escolas sobre educação sexual, uma das coisas que a gente iria discutir é sobre o ciclo menstrual. Como funciona, o que significa esse sangramento. Inclusive, para que jovens possam identificar quando tem alguma coisa que não está funcionando bem”.

Shisleni, especialista em estudos de gênero e teoria feminista.

A pesquisadora menciona que esse tipo de abordagem ajuda a ensinar sobre autocuidado, contribui com a identificação e prevenção de doenças, além de ser uma forma de detectar casos de vulnerabilidade social, e assim, auxiliar no combate à pobreza menstrual. 

“[A educação sexual ajudaria a identificar] quando está tendo algum sintoma que não é esperado para aquela idade, para aquela fase do ciclo, e [para que] a gente possa identificar inclusive mais cedo problemas de saúde, por exemplo, ou acessar questões de precariedade mesmo, ligadas a isso”, finaliza a especialista sobre o papel também das escolas nesse processo.

A potência das redes de negócios de pessoas negras #24

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Conversamos com o Mauricio Delfino, criador do negócio ⁠Da Minha Cor⁠ e com a Gabriela Tanabe, coordenadora de comunicação do ⁠Festival Feira Preta⁠ e da ⁠Preta Hub⁠, que falaram sobre o mercado do afroempreendedorismo e como espaços e iniciativas culturais fortalecem o corre de empreendedores negros.

Entre as iniciativas que apoiam o trabalho de empreendedores negros está o Festival Feira Preta, que neste ano conta com uma programação dedicada para os afroempreededores. No dia 03 de maio, o Festival, que acontece no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, terá mesas sobre como fornecer para grandes empresas, finanças para empreendedores, histórias inspiradoras de empreendedoras e muito mais. O Festival Feira Preta (@feirapretaoficial) acontece entre os dias 3 a 5 de maio no Parque do Ibirapuera, em São Paulo – SP.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

“A casa é mais conhecida que eu”, conta Estevão Silva, criador do Castelinho em Paraisópolis

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“Se você chegar lá na Giovanni [avenida em São Paulo], em qualquer lugar e perguntar ‘onde é a casa do Estevão’, pouca gente sabe. A casa é mais conhecida do que eu”, conta Estevão Silva da Conceição, 66, morador de Paraisópolis, bairro localizado na zona sul de São Paulo, que conquistou notoriedade ao transformar sua casa em uma obra de arte. 

O trabalho dedicado no desenvolvimento da casa está conectado a toda sua trajetória, que do cultivo de uma roseira criou o Castelinho, nome pelo qual a casa é conhecida na região. A casa tem aproximadamente 10 metros de altura, é dividida em três andares, e desde 1999 é aberta para visitas.

Estevão nasceu na Bahia, em uma cidade do sertão, chamada Santo Estevão. “A minha infância lá era trabalho. Trabalhei até os 18 anos na roça, além de fazer a roça da gente eu trabalhava na roça dos outros”, relembra.

Estevão Silva mudou-se para São Paulo em busca de emprego e através de sua experiência como pedreiro e jardineiro, transformou sua casa em uma obra de arte. (Foto: Viviane Lima)

Em 1977, se mudou para São Paulo, com um amigo, à procura de emprego. “A maior parte [dos nordestinos] vêm neste destino de conseguir uma vida melhor e ter alguma coisa”, relata.

Ao chegar na capital paulista, o artista começou a trabalhar como servente de obra. “Nesse tempo, toda obra dava alojamento para a gente morar, tinha cantina”, conta sobre os primeiros anos em São Paulo e o período que morou em obras até 1985, quando se desligou da empresa. 

A região de Paraisópolis já era conhecida por Estevão, pois trabalhava perto do bairro e ia se divertir em um forró com os amigos na redondeza. “Foi um amigo meu que falou assim: ‘Estevão já que a gente saiu da firma vamos comprar um barraco lá em Paraisópolis’. Aí eu vim, comprei um barraquinho com o dinheiro que recebi da firma”, conta Estevão sobre sua chegada ao bairro.

“Eu cheguei em Paraisópolis em 1985 e tudo era casa de madeira, não tinha casa de bloco”

Estevão Silva

Na mesma época, Estevão passou a trabalhar com serviços gerais em um prédio, onde ficou por 24 anos. Entre as atividades que ele desempenhava estava a jardinagem, e foi do cultivo de uma roseira em seu terreno, que Estevão deu origem a conhecida “Casa de Pedra” em Paraisópolis, que atualmente é chamada de Castelinho pelos moradores.

Castelinho

Estevão deu início ao projeto arquitetônico assim que comprou sua casa no bairro. “Eu fiz toda essa instalação de ferro que era para a roseira se apoiar em cima”, menciona. A construção do Castelinho começou a ser feita na parte da frente do terreno, que de início também era a moradia da família. Atualmente a parte de trás do espaço abriga o salão de exposição. 

Com o tempo, o foco deixou de ser a criação da roseira e ele passou a fixar diversos objetos nas estruturas da casa, como porcelanas, telefones, xícaras, brinquedos e talheres. 

O artista diz que esse prato de porcelana azul foi o primeiro objeto a ser fixado na estrutura do Castelinho.
O artista diz que esse prato de porcelana azul foi o primeiro objeto a ser fixado na estrutura do Castelinho. (Foto: Viviane Lima)

“Comecei a fazer só para mim mesmo. Por isso que eu fiz baixinho, se eu fosse [pensar] assim: eu quero ser reconhecido como artista, eu tinha feito mais alto, para quando as pessoas altas chegarem não ter trabalho pra entrar”, comenta Estevão.

“Eu me sinto um cara lá em cima, [por] fazer uma obra que foi reconhecida [como semelhante] à obra do Gaudí”.

Estevão Silva
O local tem muitos detalhes, com os diferentes objetos que compõem a estrutura. (Foto: Viviane Lima)

Por volta dos anos 2000, Estevão começou a aparecer na mídia e a ser comparado com o arquiteto Antoni Gaudí. “Eu saí em vários jornais, revistas e tal. [Em] 2001, chegou a oportunidade que me levaram para Espanha. Ligaram para mim [falando] que iam fazer um documentário comigo, porque eu fiz um prédio parecido com o trabalho do Gaudí, sem [eu nem] conhecer”, conta sobre o fato da semelhança entre seu trabalho com o do arquiteto ter se desdobrado no documentário “Gaudí na Favela”.

Reflexos no cotidiano

Estevão conta que a maioria dos visitantes são turistas ou estudantes, e que os moradores do bairro não visitam muito o lugar. “Os daqui de perto viram [que] eu comecei a fazer desde o zero [e já] acostumaram. Bem pouca gente se interessa por conhecer”, diz. Ele comenta também que muitas pessoas passam em frente e não sabem que o Castelinho é um local aberto para visitas.

A entrada do Castelinho fica ao lado e dá acesso a uma das vielas de Paraisópolis. (Foto: Viviane Lima)

“Para mim foi uma [boa] divulgação, por ter tanto esforço de fazer esse trabalho para virar uma obra de arte e [conseguir] ser conhecido mundialmente”, compartilha sobre a repercussão que o Castelinho tomou fora do território.

Ele também menciona que teve oportunidade de estudar apenas até a 4ª série, e que mesmo sem ter concluído esse processo, entende como algo importante. “[Tem que] estudar, apesar que eu não estudei. Estudar e ter a influência de fazer alguma coisa na vida, né?”

Aposentado, Estevão aponta que o valor que recebe como artista não é o suficiente para manter a família financeiramente. “A gente tem uma casinha alugada e assim vai vivendo. Para viver da arte mesmo é muito pouco”, relata.

Estevão Silva trabalhando na finalização de uma obra, em frente ao Castelinho. (Foto: Viviane Lima)

Atualmente, Estevão mora em uma casa ao lado do Castelinho. “Eu gosto [de morar em Paraisópolis], se eu não gostasse não estaria aqui há 39 anos já”. Ele também conta que imagina a casa como um museu. “Isso aqui agora não pode desmanchar mais, os filhos têm que tomar conta, fica como casa museu.”

O espaço é administrado por Estevão e sua família. O filho mais velho, Enrique, cuida do agendamento das visitas e das redes sociais. Edilene, a matriarca do local, organiza e acompanha as visitas e entrevistas. Estevão constrói e faz a manutenção da estrutura.

Fora o valor da entrada para conhecer o local, que custa R$ 30 por pessoa, Estevão também produz quadros, violões ornamentados, esculturas e vasos que estão à venda por preços variados. 

O Castelinho se destaca entre as construções comuns do bairro Paraisópolis. (Foto Viviane Lima)

O Castelinho fica na Rua Herbert Spencer, n° 270, e pode ser visitado, das 10h às 17h, mediante agendamento no número (11) 98385-5771.

E aí, já tirou seu Título de Eleitor?

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Em outubro teremos as eleições municipais. Isso significa que, em todas as cidades do país, a população deverá escolher um representante para o cargo de vereador, e um para o cargo de prefeito. Mas afinal, o quanto isso é importante e o que de fato essas pessoas fazem?

Um vereador ou vereadora é um representante do Poder Legislativo Municipal. Eles ficam na Câmara dos Vereadores e têm como função elaborar novas leis e fiscalizar o que a prefeitura está fazendo.

Ou seja, os vereadores têm que ir atrás de verificar se as escolas estão funcionando corretamente, se os postos de saúde estão com todos os medicamentos, indicar quais melhorias a cidade está precisando, propor novas leis que o município precisa, e outras funções do tipo.

Já o prefeito ou prefeita é o representante do Poder Executivo Municipal. Isso significa que são eles que executam os serviços. 

As prefeituras têm diversas secretarias: de educação, de cultura, de saúde, de esportes, e por aí vai. É a prefeitura que vai autorizar o início de novas obras, destinar os recursos – o famoso dinheiro público, fruto dos nossos impostos – para que os serviços funcionem corretamente, garantir que não estejam faltando insumos nos serviços básicos, etc. Também é o prefeito e sua equipe que vão decidir quais pedidos dos vereadores vão atender, como necessidades de limpeza de ruas, instalação de uma nova creche e outros.

Estes são apenas alguns pequenos exemplos, mas o recado é grande: prefeitos e vereadores são extremamente importantes para administrar e cuidar das nossas cidades, que têm vários problemas. 

E pra quem mora nas periferias sabe que eles são ainda maiores: a gente enfrenta ruas esburacadas, falta de água e de luz com frequência, bairros sem saneamento básico ou iluminação pública, ausência de espaços de cultura, lazer e educação nas quebradas, viagens longas em ônibus caindo aos pedaços e por aí vai.

Para lutar contra essa realidade, é importante tanto que a gente se mobilize reivindicando nossos direitos, quanto que participemos do processo eleitoral. Para se ter uma ideia, nas primeiras eleições que tiveram no Brasil para prefeitos e vereadores, em 1825, apenas podia votar quem tinha mais de 25 anos, se fossem pessoas casadas e comprovassem uma renda mínima. Ou seja, só podia escolher quem ia cuidar dos problemas da cidade quem tinha dinheiro – era o chamado voto censitário. Além disso, os jovens e as mulheres sequer podiam participar do processo eleitoral.

Só em 1988, após o fim da Ditadura Militar e com a nossa nova Constituição Federal, que é a lei maior do país, o voto passou a ser opcional para os jovens entre 16 e 17 anos. Isso significou reconhecer que a partir dos 16 anos o jovem já tinha consciência dos problemas que enfrenta e o direito de escolher quem representá-lo nos espaços políticos de poder. 

E assim, agora em 2024, até dia 08 de maio, você, jovem, a partir dos 16 anos, já pode tirar seu Título de Eleitor.

Mais do que tirar o título, é importante fazer valer esse direito de verdade: não é só chegar no dia da eleição e digitar o número do primeiro papel que você encontrou no chão em frente a sua escola de votação; mas sim pesquisar quem são os candidatos, de onde eles vêm, quais são suas propostas e se eles estão prometendo coisas que realmente podem fazer. 

Se um candidato a vereador está dizendo que vai construir uma creche se eleito, talvez ele não tenha feito a lição de casa direito: ele pode e deve cobrar isso da prefeitura, mas não tem o poder de fazê-lo. 

Nas últimas eleições municipais que foram em 2020, nós tivemos no Estado de São Paulo dentre os prefeitos eleitos apenas 40 pessoas negras, nenhuma índigena, uma amarela e 595 brancas. 

A maioria de homens: foram 571, e apenas 67 mulheres. Em relação à faixa etária, a idade mínima para se candidatar à prefeitura é de 21 anos. Temos 13 prefeitos jovens – entre 21 e 29 anos e 102 prefeitos entre 30 e 39 anos. A grande maioria – 523 deles – tem entre 40 e 89 anos. 

Já entre os vereadores, foram 1.093 mulheres e 5.870 homens eleitos em todo o estado de São Paulo.  5.400 brancos, 29 amarelos, 4 indígenas, 39 não informados, 1.125 pardos e 366 pretos. A idade mínima para se candidatar a vereança é de 18 anos. Dos vereadores eleitos, 470 tinham entre 18 e 29 anos; 1.642 de 30 a 39 anos e 4.851 de 40 a 89. 

O que todos esses números mostram? 

Que a maioria dos representantes das cidades paulistas são homens brancos e com mais de 40 anos. 

Será que esse perfil se parece com as pessoas do lugar onde você mora? Será que essas pessoas, por mais estudadas ou bem intencionadas que sejam, conhecem os problemas enfrentados no cotidiano das nossas quebradas? 

Nós temos o poder de mudar esse perfil e neste ano, eleger mais jovens, mulheres e pessoas negras, que não só tenham essas características, mas que também lutem de verdade por mais políticas públicas para esse público e toda a população. 

Bora fazer parte de uma mudança?

Até dia 08 de maio

Você pode tirar seu primeiro título comparecendo presencialmente no Cartório Eleitoral da sua região, para emitir o documento e cadastrar a biometria. Antes de ir, é possível realizar o agendamento online neste site:

Se você já tem o título e precisa saber sua situação eleitoral, é só buscar por aqui:

E caso você precise regularizar, transferir de lugar ou realizar algum outro serviço, pode fazer online, mas confira antes se sua cidade não está exigindo a biometria, que precisa ser presencial.


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“O mulherismo africana é a quebrada”, afirma pesquisadora sobre a presença do movimento nas periferias

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Segundo Wanessa Yano, pesquisadora de história, artes, estéticas africanas e afrodiaspóricas, o mulherismo africana busca referências plurais do continente africano, e é uma prática que está presente dentro da periferia. “O mulherismo africana vai dizer que a nossa história pode ser diferente [enquanto mulheres negras], mas a nossa luta pela raça, ela é igual independente da condição em que você esteja”, coloca.

Wanessa Yano diz que o mulherismo africana é prática nas periferias.
Wanessa Yano na exposição Brasis, que ocorreu no Sesc Belenzinho. (foto: arquivo pessoal)

A pesquisadora, que também é co-fundadora da editora Ananse, conta que é dentro de uma perspectiva familiar, matriarcal e de comunidade que o movimento se apresenta nos territórios. “Hoje a mulher negra é a sustentação da casa, principalmente na quebrada. No mulherismo africana, uma mulher preta dentro de uma periferia sabe que se ela mudar a própria realidade, vai mudar a realidade de toda a família dela”, coloca Wanessa. 

“Qualquer associação de mulheres dentro de uma quebrada já tem vínculo com o mulherismo africana. Onde as mais velhas trocam e se fortalecem entre elas é uma comunidade de mulherismo africana”

Wanessa Yano, pesquisadora de história, artes, estéticas africanas e afrodiaspórica.

Wanessa afirma que nessa prática a comunidade é um elemento tão fundamental quanto raça. Esse é um ponto central na busca do bem viver e na resolução de conflitos. Dentro desse contexto de comunidade, a prática também engloba questões que envolvem homens negros.

“Por exemplo, se [uma mulherista africana] está dentro de um relacionamento e o cara é machista, ela vai fazer a correção devida desse homem, mas ele também vai precisar entender o que é ser um homem preto, africana, [para ele modificar] as reproduções que ele está tendo do machismo”, exemplifica a pesquisadora, que ressalta a importância de homens africana debaterem sobre suas masculinidades.

“O mulherismo africana já existe dentro da quebrada, ele é a quebrada. Ele é a mãe de vários meninos em situação de cárcere. Ele é a situação das grandes cozinheiras dentro da quebrada. Ele é as mulheres que estão como agentes de saúde que andam o dia inteiro para cuidar de outras pessoas. É sobre o agir e o fazer todos [os] dias por uma comunidade.”

Wanessa Yano, pesquisadora de história, artes, estéticas africanas e afrodiaspórica.

Feminismo e Mulherismo Africana

O termo mulherismo africana, foi criado em 1987, pela autora e acadêmica afro-estadunidense, Clenora Hudson-Weems. No Brasil, o termo chega através da tradução do livro “Mulherisma Africana: uma teoria afrocêntrica”, da escritora afro-estadunidense, Nah Dove. “Clenora fala que não inventou nada, ela deu um nome a algo que já existia, [que é] a insatisfação das mulheres que não se identificavam com o feminismo e que precisavam dar nome àquilo [que viviam]”, comenta Wanessa.

Clenora Hudson-Weems criou o termo mulherismo africana, em 1987. (foto: arquivo pessoal)

Ao citar Clenora como referência, Wanessa coloca que mesmo as vertentes do feminismo que abordam questões raciais, como o feminismo negro e o interseccional, surgiram de um não pertencimento ao feminismo tradicional, e não dão conta das experiências de mulheres negras, pois apresentam uma origem eurocêntrica e ocidental, que por anos desconsiderou até a humanidade de pessoas negras. 

“Olhando para a história do feminismo, que surgiu da luta sufragista das mulheres brancas, em que as mulheres pretas passaram por muitas violências e que [tem] situações de racismo desde a sua formação, não há como [o feminismo] se tornar algo das mulheres pretas. A agenda dessas movimentações vão ser pensadas para mulheres brancas”, pontua Wanessa Yano.

Segundo Wanessa, o movimento também contempla, desde a sua origem, a comunidade LGBTQIAPN+, por entender que ‘mulher’ é uma categoria social, não uma questão biológica. “Dentro do mulherismo africana a forma com que a gente se identifica como mulher tem muitas camadas, é por isso que essa lógica de [ser] mulher [vem] dessa formação e entendimento social”, comenta a pesquisadora. 

Wanessa chama atenção para os contextos de violência ao citar o feminicídio e a violência policial que encarcera e mata homens, adolescentes e jovens negros. Dentro do mulherismo africana, essas demandas também são apontadas.

“Quando um homem ou jovem preto é preso, a mãe não abandona esse filho. A questão é: o feminismo dá conta de justificar que essa mulher está passando por diversas violências e apontar que ela está lutando pelo filho dela, pela comunidade, pela humanidade e recuperação dele?”, questiona. 

A pesquisadora coloca que o movimento pode ser um mecanismo de mudança social, pois ao mesmo tempo que aponta as problemáticas e violências que atravessam pessoas negras, também amplia as perspectivas de mundo, fortalece o potencial das pessoas, o cuidado e a busca do bem viver em comunidade.

Da esquerda para a direita, Alice Hudson (educadora, artista e pesquisadora de ciências sociais), Noxolo Kiviet Ministra da África do Sul, Wanessa Yano. (foto: arquivo pessoal)

“Não é mais a gente sobre o olho do ocidente. É sobre nós e as nossas próprias escrevevivências, as nossas experiências. É poder falar e documentar aquilo que a gente é como ser humano, não mais [como] objeto de estudo”, finaliza a pesquisadora.

Advogado, Ewerton Carvalho explica como as vítimas enfrentam o racismo no Brasil

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O racismo é uma realidade enraizada em nossa sociedade, mas muitas vezes se mostra difícil de ser discutida abertamente. Em entrevista ao Desenrola Aí, o advogado Ewerton Carvalho, explica a diferença entre o crime de racismo e injúria racial, o sistema carcerário e judiciário e, como o famoso ‘mimimi’ invertem os papéis, acolhendo os agressores e culpabilizando as vítimas de racismo que sofrem com os julgamentos, injustiça e falta de empatia ao denunciarem o ocorrido.

“A injúria racial nada mais é do que o racismo em sua forma violenta expressa em palavras. Por isso que hoje a injúria racial está sendo equiparada à questão do racismo no que concerne a inafiançabilidade, apenas está sendo um pouco mais dura agora para a questão da injúria, até porque, para enquadrar no racismo, a gente tem essa dificuldade semântica, jurídica de interpretação e aí dificulta um pouco”.

Advogado Ewerton Carvalho

Segundo o advogado, o sistema de justiça do Brasil reconhece a existência do racismo e incentiva as pessoas a reunirem provas para buscar por justiça. Dados do Anuário de Segurança Pública de 2023 revelam que 83% dos mortos pela polícia no Brasil no ano de 2022 são negros, enquanto quase 70% do total de pessoas presas no mesmo ano também são negras.

No mesmo ano de 2023, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, divulgou um relatório que aponta o racismo sistêmico como um desafio em divrsos países. Ravina Shamdasani, porta-voz da entidade, reconheceu que o Brasil é um dos países onde a situação preocupa, principalmente em relação à violência policial. 

Diante deste cenário, durante a entrevista o advogado Ewerton Carvalho compartilha seu sonho de transformar o sistema de justiça, onde cada erro cometido pelo Estado, resultaria em uma compensação significativa para as vítimas, forçando uma mudança efetiva. 

Ewerton Carvalho, advogado, e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí. Março/2024. Foto: Pedro Oliveira
Ewerton Carvalho, advogado, e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí. Março/2024. Foto: Pedro Oliveira

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens e conta com o apoio da 8ª edição da Lei de Fomento à Cultura da Periferia.