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Direito à saúde: o acesso à políticas públicas de dignidade menstrual nas periferias

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Dignidade menstrual e pobreza menstrual são conceitos que tratam das condições de higiene e saúde de pessoas que menstruam, levando em conta as particularidades e necessidades que o período menstrual requer. Contudo, medidas de cuidado e saúde muitas vezes não são disponibilizadas para pessoas em situações de vulnerabilidade social. 

“A dignidade menstrual é o acesso a cuidados de saúde em geral, para poder cuidar do próprio corpo e [isso inclui ter acesso aos] produtos ligados à menstruação”, explica Shisleni Macedo. Ela é especialista em estudos de gênero e teoria feminista, atua como pesquisadora no Centro de Estudos Periféricos (CEP) da Unifesp e trabalha em projetos ligados a justiça reprodutiva.

“A gente tem relatos de mulheres que durante a menstruação inserem miolo de pão no canal vaginal ou pedaços de colchão, que usam tecidos e nem sempre têm água o suficiente [ou] saneamento básico em suas casas para higienizar”, relata a pesquisadora, que também trabalha em uma organização de direitos sexuais reprodutivos.

“Pobreza menstrual é toda a dificuldade de pessoas que menstruam têm para acessar itens de higiene necessários para esse período, que não são apenas mulheres, adolescentes, meninas, mas também pessoas trans, não-binárias, intersexo, que tenham útero e menstruam. Uma pessoa que não consiga, por exemplo, ter absorventes suficientes para todo o seu período, está numa situação de pobreza menstrual”.

Shisleni, especialista em estudos de gênero e teoria feminista.

Situação pela qual a Taciana Lopes, 21, já passou. “Quando eu era adolescente deixei de ir pra escola por não ter absorvente ou [tinha que] racionar. Eu deixava de usar em casa e quando eu ia para a rua, ia com um pouco que eu tinha. Eu já tive que pedir para uma amiga. Na necessidade, em uma emergência, [são] outras mulheres que me ajudam a ter esse absorvente”, comenta a jovem bolsista do curso de Gestão Financeira, moradora do bairro Jardim Vera Cruz, em São Mateus, zona leste de São Paulo.

Direito à saúde: o acesso à políticas públicas de dignidade menstrual nas periferias
Taciana Lopes, antes do Pograma Dignidade Menstrual, tinha dificuldade de ter acesso suficiente aos absorventes. (Foto: Viviane Lima)
Segundo o relatório “Pobreza menstrual e a educação de meninas”, de 2021, realizado pelo movimento Livre para Menstruar, no Brasil, em torno de 60 milhões de mulheres menstruam, sendo que 15 milhões não têm acesso à água tratada e 1,5 milhão moram em casas sem banheiro. Ou seja, pode-se considerar que essas mulheres estão em situação de vulnerabilidade menstrual.

Políticas públicas

Atualmente, Taciana participa do Programa Dignidade Menstrual, uma política pública lançada em 2023, para viabilizar o acesso gratuito à absorventes para pessoas que menstruam, que tenham baixa renda ou estejam em vulnerabilidade social.

Para participar do programa é necessário ter entre 10 a 49 anos, estar inscrito no CadÚnico, emitir uma autorização pelo aplicativo Meu SUS Digital, ter renda mensal de até R$ 280, ou ser estudante da rede pública e ter baixa renda. Pessoas em situação de rua também têm direito a esse benefício. Os absorventes podem ser retirados em qualquer Farmácia Popular credenciada, mediante a apresentação de um documento de identidade com foto, CPF e a autorização do aplicativo.

“Eu não tenho renda, então ajuda bastante porque o valor de cada [pacote de] absorvente é muito gasto, e eu não tenho esse dinheiro todo mês. [Agora] eu não tenho essa questão de ficar contando os absorventes que eu vou usar para conseguir render para o próximo dia ou para o próximo ciclo”, conta Taciana. A jovem diz que conseguiu cumprir todas as etapas do programa e retirar os absorventes sem dificuldade.

Absorventes distribuídos pelo Programa Dignidade Menstrual. (Foto: Taciana Lopes)

No entanto, Shisleni aponta que essa não é a realidade da maioria das pessoas que precisam do auxílio. “É importante que existam políticas públicas, mas da maneira como está hoje, pela mediação de um aplicativo, elas não atingem as populações extremamente precárias”. A pesquisadora comenta que pessoas em extrema vulnerabilidade não têm acesso à internet ou até mesmo ao celular para realizar os passos necessários que viabilizam a distribuição gratuita pelo programa.

Giselda de Oliveira, 51, é agente comunitária de saúde e aponta que no caso de pessoas em situação de rua, falta até a documentação. Ela mora no bairro de Santo Onofre, e trabalha na UBS (Unidade Básica de Saúde) que tem o mesmo nome do bairro, localizado em Taboão da Serra, São Paulo. 

Giselda de Oliveira é agente de saúde na Unidade Básica de Saúde Santo Onofre, no município de Taboão da Serra. (Foto: Viviane Lima)

“Quando você educa a população eles entendem. A gente tem que ir pra rua, ensinar, ter palestras”, comenta a agente de saúde. Para além de campanhas de informação e conscientização, ela aponta que é necessário realizar ações conjuntas envolvendo diferentes instituições e secretarias para auxiliar na questão da documentação, no acompanhamento e na implementação do programa para torná-lo efetivo e acessível para quem precisa. “A população não está informada sobre isso [o Programa Dignidade Menstrual]”, afirma Giselda.

A agente de saúde menciona que nenhuma informação ou instrução sobre o programa chegou para a UBS Santo Onofre. O fornecimento dos absorventes está acontecendo, mas segundo Giselda, não houve mobilização local para informar as pessoas e auxiliá-las na obtenção desses itens. 

Taciana, Giselda e Shisleni mencionam a importância do programa, mas ressaltam que precisa de ajustes. Shisleni aponta que a situação das pessoas que menstruam que estão em cárcere também deveria ser considerada, para que elas pudessem ter acesso aos direitos básicos de higiene e saúde. A pesquisadora comenta que há muito a ser feito para as pessoas passarem pelo período menstrual de forma adequada. 

“Que a gente consiga pensar políticas públicas de direitos trabalhistas [e] tenha mais licenças de saúde ligadas às questões de menstruação [para] pessoas que têm problemas que fazem com que a menstruação seja incapacitante”, coloca a pesquisadora.

Tabus discutidos por gerações

Sarah Lutosa, 15, é moradora do bairro Jardim Iracema, em Taboão da Serra, e afirma que a menstruação segue sendo um tabu mesmo para a sua geração, e que o acesso à higiene básica nos lugares públicos, como na escola, também é precário. Ela está no primeiro ano do ensino médio e estuda em escola pública. 

“Tem papel higiênico, mas é muito raro ter sabonete e absorvente. Se você quiser um absorvente tem que ir na secretaria pedir e não é sempre que tem”, menciona Sarah.

Ainda segundo o relatório “Pobreza menstrual e a educação de meninas”, o Brasil tem cerca de 7,5 milhões de meninas que menstruam na escola, sendo que 90% delas frequentam a rede pública de ensino. A partir dos dados da Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (PENSE) do IBGE de 2015, o relatório aponta que cerca de 3% das alunas estudam em escolas que não têm banheiro em condições de uso. Essa porcentagem equivale a 213 mil meninas, sendo dessas 65% negras.

A adolescente conta que já passou por uma emergência e teve que pedir absorvente na escola. “Foi horrível. Antes tinham disponibilizado os absorventes no banheiro, só que o pessoal que não tinha condição ia lá e pegava todos. Eles pararam de colocar por conta disso”, comenta.

Sarah Lutosa é estudante do ensino médio e faz uso de fitocosméticos para amenizar os incômodos menstruais. (Foto: Viviane Lima)

“Por ser um tabu, o pessoal tenta esconder que existe, então não tem muito suporte para isso”, aponta Sarah. “Acho que a menstruação tem que ser tratada da forma mais natural possível”, diz a adolescente sobre naturalizar a menstruação como caminho para que a população comece aprender a lidar melhor com o assunto.

Shislene coloca a educação sexual como outro ponto que poderia auxiliar na quebra dos tabus relacionados ao tema.

“Se a gente pudesse conversar nas escolas sobre educação sexual, uma das coisas que a gente iria discutir é sobre o ciclo menstrual. Como funciona, o que significa esse sangramento. Inclusive, para que jovens possam identificar quando tem alguma coisa que não está funcionando bem”.

Shisleni, especialista em estudos de gênero e teoria feminista.

A pesquisadora menciona que esse tipo de abordagem ajuda a ensinar sobre autocuidado, contribui com a identificação e prevenção de doenças, além de ser uma forma de detectar casos de vulnerabilidade social, e assim, auxiliar no combate à pobreza menstrual. 

“[A educação sexual ajudaria a identificar] quando está tendo algum sintoma que não é esperado para aquela idade, para aquela fase do ciclo, e [para que] a gente possa identificar inclusive mais cedo problemas de saúde, por exemplo, ou acessar questões de precariedade mesmo, ligadas a isso”, finaliza a especialista sobre o papel também das escolas nesse processo.

A potência das redes de negócios de pessoas negras #24

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Conversamos com o Mauricio Delfino, criador do negócio ⁠Da Minha Cor⁠ e com a Gabriela Tanabe, coordenadora de comunicação do ⁠Festival Feira Preta⁠ e da ⁠Preta Hub⁠, que falaram sobre o mercado do afroempreendedorismo e como espaços e iniciativas culturais fortalecem o corre de empreendedores negros.

Entre as iniciativas que apoiam o trabalho de empreendedores negros está o Festival Feira Preta, que neste ano conta com uma programação dedicada para os afroempreededores. No dia 03 de maio, o Festival, que acontece no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, terá mesas sobre como fornecer para grandes empresas, finanças para empreendedores, histórias inspiradoras de empreendedoras e muito mais. O Festival Feira Preta (@feirapretaoficial) acontece entre os dias 3 a 5 de maio no Parque do Ibirapuera, em São Paulo – SP.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

“A casa é mais conhecida que eu”, conta Estevão Silva, criador do Castelinho em Paraisópolis

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“Se você chegar lá na Giovanni [avenida em São Paulo], em qualquer lugar e perguntar ‘onde é a casa do Estevão’, pouca gente sabe. A casa é mais conhecida do que eu”, conta Estevão Silva da Conceição, 66, morador de Paraisópolis, bairro localizado na zona sul de São Paulo, que conquistou notoriedade ao transformar sua casa em uma obra de arte. 

O trabalho dedicado no desenvolvimento da casa está conectado a toda sua trajetória, que do cultivo de uma roseira criou o Castelinho, nome pelo qual a casa é conhecida na região. A casa tem aproximadamente 10 metros de altura, é dividida em três andares, e desde 1999 é aberta para visitas.

Estevão nasceu na Bahia, em uma cidade do sertão, chamada Santo Estevão. “A minha infância lá era trabalho. Trabalhei até os 18 anos na roça, além de fazer a roça da gente eu trabalhava na roça dos outros”, relembra.

Estevão Silva mudou-se para São Paulo em busca de emprego e através de sua experiência como pedreiro e jardineiro, transformou sua casa em uma obra de arte. (Foto: Viviane Lima)

Em 1977, se mudou para São Paulo, com um amigo, à procura de emprego. “A maior parte [dos nordestinos] vêm neste destino de conseguir uma vida melhor e ter alguma coisa”, relata.

Ao chegar na capital paulista, o artista começou a trabalhar como servente de obra. “Nesse tempo, toda obra dava alojamento para a gente morar, tinha cantina”, conta sobre os primeiros anos em São Paulo e o período que morou em obras até 1985, quando se desligou da empresa. 

A região de Paraisópolis já era conhecida por Estevão, pois trabalhava perto do bairro e ia se divertir em um forró com os amigos na redondeza. “Foi um amigo meu que falou assim: ‘Estevão já que a gente saiu da firma vamos comprar um barraco lá em Paraisópolis’. Aí eu vim, comprei um barraquinho com o dinheiro que recebi da firma”, conta Estevão sobre sua chegada ao bairro.

“Eu cheguei em Paraisópolis em 1985 e tudo era casa de madeira, não tinha casa de bloco”

Estevão Silva

Na mesma época, Estevão passou a trabalhar com serviços gerais em um prédio, onde ficou por 24 anos. Entre as atividades que ele desempenhava estava a jardinagem, e foi do cultivo de uma roseira em seu terreno, que Estevão deu origem a conhecida “Casa de Pedra” em Paraisópolis, que atualmente é chamada de Castelinho pelos moradores.

Castelinho

Estevão deu início ao projeto arquitetônico assim que comprou sua casa no bairro. “Eu fiz toda essa instalação de ferro que era para a roseira se apoiar em cima”, menciona. A construção do Castelinho começou a ser feita na parte da frente do terreno, que de início também era a moradia da família. Atualmente a parte de trás do espaço abriga o salão de exposição. 

Com o tempo, o foco deixou de ser a criação da roseira e ele passou a fixar diversos objetos nas estruturas da casa, como porcelanas, telefones, xícaras, brinquedos e talheres. 

O artista diz que esse prato de porcelana azul foi o primeiro objeto a ser fixado na estrutura do Castelinho.
O artista diz que esse prato de porcelana azul foi o primeiro objeto a ser fixado na estrutura do Castelinho. (Foto: Viviane Lima)

“Comecei a fazer só para mim mesmo. Por isso que eu fiz baixinho, se eu fosse [pensar] assim: eu quero ser reconhecido como artista, eu tinha feito mais alto, para quando as pessoas altas chegarem não ter trabalho pra entrar”, comenta Estevão.

“Eu me sinto um cara lá em cima, [por] fazer uma obra que foi reconhecida [como semelhante] à obra do Gaudí”.

Estevão Silva
O local tem muitos detalhes, com os diferentes objetos que compõem a estrutura. (Foto: Viviane Lima)

Por volta dos anos 2000, Estevão começou a aparecer na mídia e a ser comparado com o arquiteto Antoni Gaudí. “Eu saí em vários jornais, revistas e tal. [Em] 2001, chegou a oportunidade que me levaram para Espanha. Ligaram para mim [falando] que iam fazer um documentário comigo, porque eu fiz um prédio parecido com o trabalho do Gaudí, sem [eu nem] conhecer”, conta sobre o fato da semelhança entre seu trabalho com o do arquiteto ter se desdobrado no documentário “Gaudí na Favela”.

Reflexos no cotidiano

Estevão conta que a maioria dos visitantes são turistas ou estudantes, e que os moradores do bairro não visitam muito o lugar. “Os daqui de perto viram [que] eu comecei a fazer desde o zero [e já] acostumaram. Bem pouca gente se interessa por conhecer”, diz. Ele comenta também que muitas pessoas passam em frente e não sabem que o Castelinho é um local aberto para visitas.

A entrada do Castelinho fica ao lado e dá acesso a uma das vielas de Paraisópolis. (Foto: Viviane Lima)

“Para mim foi uma [boa] divulgação, por ter tanto esforço de fazer esse trabalho para virar uma obra de arte e [conseguir] ser conhecido mundialmente”, compartilha sobre a repercussão que o Castelinho tomou fora do território.

Ele também menciona que teve oportunidade de estudar apenas até a 4ª série, e que mesmo sem ter concluído esse processo, entende como algo importante. “[Tem que] estudar, apesar que eu não estudei. Estudar e ter a influência de fazer alguma coisa na vida, né?”

Aposentado, Estevão aponta que o valor que recebe como artista não é o suficiente para manter a família financeiramente. “A gente tem uma casinha alugada e assim vai vivendo. Para viver da arte mesmo é muito pouco”, relata.

Estevão Silva trabalhando na finalização de uma obra, em frente ao Castelinho. (Foto: Viviane Lima)

Atualmente, Estevão mora em uma casa ao lado do Castelinho. “Eu gosto [de morar em Paraisópolis], se eu não gostasse não estaria aqui há 39 anos já”. Ele também conta que imagina a casa como um museu. “Isso aqui agora não pode desmanchar mais, os filhos têm que tomar conta, fica como casa museu.”

O espaço é administrado por Estevão e sua família. O filho mais velho, Enrique, cuida do agendamento das visitas e das redes sociais. Edilene, a matriarca do local, organiza e acompanha as visitas e entrevistas. Estevão constrói e faz a manutenção da estrutura.

Fora o valor da entrada para conhecer o local, que custa R$ 30 por pessoa, Estevão também produz quadros, violões ornamentados, esculturas e vasos que estão à venda por preços variados. 

O Castelinho se destaca entre as construções comuns do bairro Paraisópolis. (Foto Viviane Lima)

O Castelinho fica na Rua Herbert Spencer, n° 270, e pode ser visitado, das 10h às 17h, mediante agendamento no número (11) 98385-5771.

E aí, já tirou seu Título de Eleitor?

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Em outubro teremos as eleições municipais. Isso significa que, em todas as cidades do país, a população deverá escolher um representante para o cargo de vereador, e um para o cargo de prefeito. Mas afinal, o quanto isso é importante e o que de fato essas pessoas fazem?

Um vereador ou vereadora é um representante do Poder Legislativo Municipal. Eles ficam na Câmara dos Vereadores e têm como função elaborar novas leis e fiscalizar o que a prefeitura está fazendo.

Ou seja, os vereadores têm que ir atrás de verificar se as escolas estão funcionando corretamente, se os postos de saúde estão com todos os medicamentos, indicar quais melhorias a cidade está precisando, propor novas leis que o município precisa, e outras funções do tipo.

Já o prefeito ou prefeita é o representante do Poder Executivo Municipal. Isso significa que são eles que executam os serviços. 

As prefeituras têm diversas secretarias: de educação, de cultura, de saúde, de esportes, e por aí vai. É a prefeitura que vai autorizar o início de novas obras, destinar os recursos – o famoso dinheiro público, fruto dos nossos impostos – para que os serviços funcionem corretamente, garantir que não estejam faltando insumos nos serviços básicos, etc. Também é o prefeito e sua equipe que vão decidir quais pedidos dos vereadores vão atender, como necessidades de limpeza de ruas, instalação de uma nova creche e outros.

Estes são apenas alguns pequenos exemplos, mas o recado é grande: prefeitos e vereadores são extremamente importantes para administrar e cuidar das nossas cidades, que têm vários problemas. 

E pra quem mora nas periferias sabe que eles são ainda maiores: a gente enfrenta ruas esburacadas, falta de água e de luz com frequência, bairros sem saneamento básico ou iluminação pública, ausência de espaços de cultura, lazer e educação nas quebradas, viagens longas em ônibus caindo aos pedaços e por aí vai.

Para lutar contra essa realidade, é importante tanto que a gente se mobilize reivindicando nossos direitos, quanto que participemos do processo eleitoral. Para se ter uma ideia, nas primeiras eleições que tiveram no Brasil para prefeitos e vereadores, em 1825, apenas podia votar quem tinha mais de 25 anos, se fossem pessoas casadas e comprovassem uma renda mínima. Ou seja, só podia escolher quem ia cuidar dos problemas da cidade quem tinha dinheiro – era o chamado voto censitário. Além disso, os jovens e as mulheres sequer podiam participar do processo eleitoral.

Só em 1988, após o fim da Ditadura Militar e com a nossa nova Constituição Federal, que é a lei maior do país, o voto passou a ser opcional para os jovens entre 16 e 17 anos. Isso significou reconhecer que a partir dos 16 anos o jovem já tinha consciência dos problemas que enfrenta e o direito de escolher quem representá-lo nos espaços políticos de poder. 

E assim, agora em 2024, até dia 08 de maio, você, jovem, a partir dos 16 anos, já pode tirar seu Título de Eleitor.

Mais do que tirar o título, é importante fazer valer esse direito de verdade: não é só chegar no dia da eleição e digitar o número do primeiro papel que você encontrou no chão em frente a sua escola de votação; mas sim pesquisar quem são os candidatos, de onde eles vêm, quais são suas propostas e se eles estão prometendo coisas que realmente podem fazer. 

Se um candidato a vereador está dizendo que vai construir uma creche se eleito, talvez ele não tenha feito a lição de casa direito: ele pode e deve cobrar isso da prefeitura, mas não tem o poder de fazê-lo. 

Nas últimas eleições municipais que foram em 2020, nós tivemos no Estado de São Paulo dentre os prefeitos eleitos apenas 40 pessoas negras, nenhuma índigena, uma amarela e 595 brancas. 

A maioria de homens: foram 571, e apenas 67 mulheres. Em relação à faixa etária, a idade mínima para se candidatar à prefeitura é de 21 anos. Temos 13 prefeitos jovens – entre 21 e 29 anos e 102 prefeitos entre 30 e 39 anos. A grande maioria – 523 deles – tem entre 40 e 89 anos. 

Já entre os vereadores, foram 1.093 mulheres e 5.870 homens eleitos em todo o estado de São Paulo.  5.400 brancos, 29 amarelos, 4 indígenas, 39 não informados, 1.125 pardos e 366 pretos. A idade mínima para se candidatar a vereança é de 18 anos. Dos vereadores eleitos, 470 tinham entre 18 e 29 anos; 1.642 de 30 a 39 anos e 4.851 de 40 a 89. 

O que todos esses números mostram? 

Que a maioria dos representantes das cidades paulistas são homens brancos e com mais de 40 anos. 

Será que esse perfil se parece com as pessoas do lugar onde você mora? Será que essas pessoas, por mais estudadas ou bem intencionadas que sejam, conhecem os problemas enfrentados no cotidiano das nossas quebradas? 

Nós temos o poder de mudar esse perfil e neste ano, eleger mais jovens, mulheres e pessoas negras, que não só tenham essas características, mas que também lutem de verdade por mais políticas públicas para esse público e toda a população. 

Bora fazer parte de uma mudança?

Até dia 08 de maio

Você pode tirar seu primeiro título comparecendo presencialmente no Cartório Eleitoral da sua região, para emitir o documento e cadastrar a biometria. Antes de ir, é possível realizar o agendamento online neste site:

Se você já tem o título e precisa saber sua situação eleitoral, é só buscar por aqui:

E caso você precise regularizar, transferir de lugar ou realizar algum outro serviço, pode fazer online, mas confira antes se sua cidade não está exigindo a biometria, que precisa ser presencial.


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“O mulherismo africana é a quebrada”, afirma pesquisadora sobre a presença do movimento nas periferias

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Segundo Wanessa Yano, pesquisadora de história, artes, estéticas africanas e afrodiaspóricas, o mulherismo africana busca referências plurais do continente africano, e é uma prática que está presente dentro da periferia. “O mulherismo africana vai dizer que a nossa história pode ser diferente [enquanto mulheres negras], mas a nossa luta pela raça, ela é igual independente da condição em que você esteja”, coloca.

Wanessa Yano diz que o mulherismo africana é prática nas periferias.
Wanessa Yano na exposição Brasis, que ocorreu no Sesc Belenzinho. (foto: arquivo pessoal)

A pesquisadora, que também é co-fundadora da editora Ananse, conta que é dentro de uma perspectiva familiar, matriarcal e de comunidade que o movimento se apresenta nos territórios. “Hoje a mulher negra é a sustentação da casa, principalmente na quebrada. No mulherismo africana, uma mulher preta dentro de uma periferia sabe que se ela mudar a própria realidade, vai mudar a realidade de toda a família dela”, coloca Wanessa. 

“Qualquer associação de mulheres dentro de uma quebrada já tem vínculo com o mulherismo africana. Onde as mais velhas trocam e se fortalecem entre elas é uma comunidade de mulherismo africana”

Wanessa Yano, pesquisadora de história, artes, estéticas africanas e afrodiaspórica.

Wanessa afirma que nessa prática a comunidade é um elemento tão fundamental quanto raça. Esse é um ponto central na busca do bem viver e na resolução de conflitos. Dentro desse contexto de comunidade, a prática também engloba questões que envolvem homens negros.

“Por exemplo, se [uma mulherista africana] está dentro de um relacionamento e o cara é machista, ela vai fazer a correção devida desse homem, mas ele também vai precisar entender o que é ser um homem preto, africana, [para ele modificar] as reproduções que ele está tendo do machismo”, exemplifica a pesquisadora, que ressalta a importância de homens africana debaterem sobre suas masculinidades.

“O mulherismo africana já existe dentro da quebrada, ele é a quebrada. Ele é a mãe de vários meninos em situação de cárcere. Ele é a situação das grandes cozinheiras dentro da quebrada. Ele é as mulheres que estão como agentes de saúde que andam o dia inteiro para cuidar de outras pessoas. É sobre o agir e o fazer todos [os] dias por uma comunidade.”

Wanessa Yano, pesquisadora de história, artes, estéticas africanas e afrodiaspórica.

Feminismo e Mulherismo Africana

O termo mulherismo africana, foi criado em 1987, pela autora e acadêmica afro-estadunidense, Clenora Hudson-Weems. No Brasil, o termo chega através da tradução do livro “Mulherisma Africana: uma teoria afrocêntrica”, da escritora afro-estadunidense, Nah Dove. “Clenora fala que não inventou nada, ela deu um nome a algo que já existia, [que é] a insatisfação das mulheres que não se identificavam com o feminismo e que precisavam dar nome àquilo [que viviam]”, comenta Wanessa.

Clenora Hudson-Weems criou o termo mulherismo africana, em 1987. (foto: arquivo pessoal)

Ao citar Clenora como referência, Wanessa coloca que mesmo as vertentes do feminismo que abordam questões raciais, como o feminismo negro e o interseccional, surgiram de um não pertencimento ao feminismo tradicional, e não dão conta das experiências de mulheres negras, pois apresentam uma origem eurocêntrica e ocidental, que por anos desconsiderou até a humanidade de pessoas negras. 

“Olhando para a história do feminismo, que surgiu da luta sufragista das mulheres brancas, em que as mulheres pretas passaram por muitas violências e que [tem] situações de racismo desde a sua formação, não há como [o feminismo] se tornar algo das mulheres pretas. A agenda dessas movimentações vão ser pensadas para mulheres brancas”, pontua Wanessa Yano.

Segundo Wanessa, o movimento também contempla, desde a sua origem, a comunidade LGBTQIAPN+, por entender que ‘mulher’ é uma categoria social, não uma questão biológica. “Dentro do mulherismo africana a forma com que a gente se identifica como mulher tem muitas camadas, é por isso que essa lógica de [ser] mulher [vem] dessa formação e entendimento social”, comenta a pesquisadora. 

Wanessa chama atenção para os contextos de violência ao citar o feminicídio e a violência policial que encarcera e mata homens, adolescentes e jovens negros. Dentro do mulherismo africana, essas demandas também são apontadas.

“Quando um homem ou jovem preto é preso, a mãe não abandona esse filho. A questão é: o feminismo dá conta de justificar que essa mulher está passando por diversas violências e apontar que ela está lutando pelo filho dela, pela comunidade, pela humanidade e recuperação dele?”, questiona. 

A pesquisadora coloca que o movimento pode ser um mecanismo de mudança social, pois ao mesmo tempo que aponta as problemáticas e violências que atravessam pessoas negras, também amplia as perspectivas de mundo, fortalece o potencial das pessoas, o cuidado e a busca do bem viver em comunidade.

Da esquerda para a direita, Alice Hudson (educadora, artista e pesquisadora de ciências sociais), Noxolo Kiviet Ministra da África do Sul, Wanessa Yano. (foto: arquivo pessoal)

“Não é mais a gente sobre o olho do ocidente. É sobre nós e as nossas próprias escrevevivências, as nossas experiências. É poder falar e documentar aquilo que a gente é como ser humano, não mais [como] objeto de estudo”, finaliza a pesquisadora.

Advogado, Ewerton Carvalho explica como as vítimas enfrentam o racismo no Brasil

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O racismo é uma realidade enraizada em nossa sociedade, mas muitas vezes se mostra difícil de ser discutida abertamente. Em entrevista ao Desenrola Aí, o advogado Ewerton Carvalho, explica a diferença entre o crime de racismo e injúria racial, o sistema carcerário e judiciário e, como o famoso ‘mimimi’ invertem os papéis, acolhendo os agressores e culpabilizando as vítimas de racismo que sofrem com os julgamentos, injustiça e falta de empatia ao denunciarem o ocorrido.

“A injúria racial nada mais é do que o racismo em sua forma violenta expressa em palavras. Por isso que hoje a injúria racial está sendo equiparada à questão do racismo no que concerne a inafiançabilidade, apenas está sendo um pouco mais dura agora para a questão da injúria, até porque, para enquadrar no racismo, a gente tem essa dificuldade semântica, jurídica de interpretação e aí dificulta um pouco”.

Advogado Ewerton Carvalho

Segundo o advogado, o sistema de justiça do Brasil reconhece a existência do racismo e incentiva as pessoas a reunirem provas para buscar por justiça. Dados do Anuário de Segurança Pública de 2023 revelam que 83% dos mortos pela polícia no Brasil no ano de 2022 são negros, enquanto quase 70% do total de pessoas presas no mesmo ano também são negras.

No mesmo ano de 2023, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, divulgou um relatório que aponta o racismo sistêmico como um desafio em divrsos países. Ravina Shamdasani, porta-voz da entidade, reconheceu que o Brasil é um dos países onde a situação preocupa, principalmente em relação à violência policial. 

Diante deste cenário, durante a entrevista o advogado Ewerton Carvalho compartilha seu sonho de transformar o sistema de justiça, onde cada erro cometido pelo Estado, resultaria em uma compensação significativa para as vítimas, forçando uma mudança efetiva. 

Ewerton Carvalho, advogado, e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí. Março/2024. Foto: Pedro Oliveira
Ewerton Carvalho, advogado, e a jornalista Thais Siqueira durante a gravação do Desenrola Aí. Março/2024. Foto: Pedro Oliveira

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens e conta com o apoio da 8ª edição da Lei de Fomento à Cultura da Periferia.

Festival Feira Preta promove shows com ingressos populares no Parque do Ibirapuera 

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Com o tema “Felicidade é a nossa revolução”, a Feira Preta assume novo posicionamento como festival e celebra de 3 a 5 de maio o maior evento da cultura negra e economia criativa da América Latina, no Parque do Ibirapuera, zona sul de São Paulo. Com mais de 30 atrações, o evento terá diversas expressões da criatividade negra, com ingressos gratuitos e a preços populares.

Clique aqui e compre o seu ingresso por apenas R$ 21,75.

Em 3 de maio, o festival irá promover uma série de palestras gratuitas focadas na economia criativa, modelo de negócio, acesso ao crédito, desafios de empreender e histórias inspiradoras, priorizando o ecossistema de empreendedores negros e periféricos. Nos dias 4 e 5 de maio, acontecem os shows de Tasha e Tracie, MC Luanna, Luedji Luna, Rincon Sapiência, Batekoo e Marcelo D2, marcam o evento, que promove vivências  desde música e dança até arte e gastronomia.

Além de ser um plataforma de entretenimento que movimenta a economia criativa protagonizada por pessoas negras e periféricas, o festival acolhe toda a família, com atrações não apenas para os adultos, mas também com atividades dedicadas às crianças que terão um área exclusiva dedicada ao brincar no “Espaço Arê”.

De público à expositora 

Carla Nunes durante o Festival Feira Preta em 2022. Foto: Arquivo Pessoal.
Carla Nunes durante o Festival Feira Preta em 2022. Foto: Arquivo Pessoal.

O evento que acolhe a família negra e periférica foi descoberto por Carla Nunes, esteticista e moradora da Vila Constança, zona norte de São Paulo, em 2019. Ela relembra com carinho o primeiro contato e a construção de vínculo afetivo e profissional com o Festival Feira Preta.

“Em minha primeira visita ao Festival Feira Preta, eu amei toda a estrutura e conheci diversos empreendedores pretos, podendo consumir seus produtos com muita consciência de movimentar o Black Money. Em 2022, eu fui convidada a participar como expositora e levei a marca dos meus produtos de Skin Care para pele negra e assim pude aumentar a visibilidade da minha clínica de estética para o público que circulava no festival e foi incrível.”

enfatiza, Carla Nunes.

A esteticista também destaca a importância de levar a família para o festival. Após sua experiência com o evento, Carla convidou sua mãe, Vilma Alves, de 66 anos, e seu filho, Felipe Oliveira, de 15 anos, para desfrutarem juntos dos shows e das diversas atrações oferecidas pelo evento.

Carla Nunes ao lado de seu filho e mãe. Foto: Arquivo Pessoal

“Por ser um espaço amplo, seguro e por ter diversos produtos, serviços e uma gastronomia muito variada, faz com que todas as gerações possam ir, curtir e se divertir tendo um momento em família, onde todos possam estar juntos contemplando a diversidade do povo negro”,

argumenta a empreendedora que prestigia anualmente o Festival Feira Preta.

Desde sua fundação, em 2002, a Feira Preta tem propósito de ser um espaço de promoção de produtos e serviços de empreendedores negros no Brasil. Para a empreendedora e fundadora do evento, Adriana Barbosa, o ano de 2024 marca a implementação de várias mudanças significativas para potencializar ainda mais o evento, como nova data, novo local e maior oferta de atrações e palcos. 

Adriana Barbosa. Foto: reprodução SESC SP.

“Todas as mudanças consistem em dois grandes objetivos: o primeiro é entrar de fato no circuito dos festivais no país, fazendo uso dos códigos que a sociedade associa a estes eventos, mas do nosso jeito. O segundo é ampliar a visibilidade e o movimento de investimentos em iniciativas negras para além de novembro”,

 ressalta a empreendedora.

Ao longo desses 22 anos, mais de 250 mil pessoas, 7 mil artistas e 3 mil empreendedores do Brasil e de outros países da América Latina foram impactados pelo Festival Feira Preta até o presente momento, consolidando sua importância como o maior evento já realizado no Parque do Ibirapuera.

Com base no impacto destes dados, Adriana também relembra que o Festival Feira Preta foi um dos principais movimentos a pautar o mês de novembro e propor para a comunidade negra um espaço seguro, potente e de celebração.

“Em maio, queremos construir outra narrativa para um período onde pouco se fala sobre as potências negras, convocando o mercado a incentivar eventos voltados à comunidade durante todo o ano. Um dos nossos diferenciais também é dialogar com diferentes gerações. Recebendo jovens, suas mães e suas avós. Isso é uma exclusividade muito bonita do Festival”,

finaliza Adriana Barbosa.

A violência da beleza e o espelho invertido

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Hoje resolvi falar sobre um tema que tem crescido muito na vida das pessoas, a ideia de beleza, as redes sociais deram uma grande ênfase nessa temática, de uma forma que cada vez mais cedo as pessoas têm se preocupado com suas estéticas. O bom e belo como faces da mesma moeda, a beleza continua a séculos consciente e inconscientemente criando padrões de confiabilidade, elaborando um mercado de práticas de elaboração de uma estética.

Para nós, população negra, esse tema sempre esteve em voga, pois nossa aparência é a principal ferramenta da violência racial. 

Mesmo que tenha crescido a ideia de Beleza Negra, também se tem criado padrões sobre essa estética, pois assim como tudo na vida, quando identificamos modelos de como ser, se cria um padrão de sucesso.

Faz pouco tempo que parei de pintar o cabelo para deixar a amostra os grisalhos, consegui fazer esse movimento por conta da pandemia do Covid-19, que nos trouxe à tona outras questões importantes na vida para além da dependência de produtos estéticos. Durante o período refleti que estava entrando em um campo bem difícil da vida das mulheres, envelhecer. 

A sociedade estabelece as relações com as mulheres a partir do seu corpo, por meio da menstruação, do parto, mesmo que algumas mulheres consigam travar sua vida com outras referências, essas novas se colocam em oposição às acima citadas, diferenciando reprodução e sexualidade, que modifica as relações modernas, desvinculando a mulher de reprodução da espécie e trazendo ela para o debate do trabalho e econômico. Ainda acompanhamos o domínio do Estado sobre nossos corpos quando se fala de aborto ou transição de gênero. 

Em 2025 mais 90% dos rostos de mulheres na internet serão produzidos por inteligência artificial. Corremos um grande risco de nunca mais nos reconhecer como reais seres humanos

A indústria da beleza se aproveita desses espaços para criar modelos de beleza que garantam a ideia de juventude dando uma ideia de prolongamento da idade reprodutiva.

Com o avanço dos direitos das mulheres e sua emancipação financeira, cada vez tem se tornada mais tardia as questões sobre os direitos reprodutivos da mulher e as consequências da falta de tratamento médico específico, assim como as questões psicológicas e emocionais que isso acarreta, a solidão e o abandono que assola todos os idosos, mas que sem dúvida tem um impacto maior na vida das mulheres com suas interseccionalidades. 

A nossa inclusão nos direitos presentes nessa sociedade, tentando superar as desigualdades e dicotomia, que sinceramente é destrutiva e desigual até para a classe média, se torna um desafio, pois para as desigualdades que eles já estabeleceram, centralizando as riquezas, existem dificuldades específicas criadas para algumas populações nesse sistema e precisamos lutar a favor da equidade social para todes.

Desde muito cedo as crianças experimentam a beleza como um status de aceitação social e moral, nos contos de fadas, onde a bruxa má se apresenta esteticamente feia e nesse sentido a feiura vinculada a velhice, assim como a princesa exerce o padrão de beleza ligado a bondade, levando a uma conexão construída desde o século XIX por diversos filósofos, que o bom e o belo, tem uma conexão direta. 

Essa ideia influenciou a toda a modernidade culturalmente, a reformulação desse mesmo padrão durante nossa história moderna vem tomando novas roupagens, como hoje as redes sociais, mas continuam sendo disseminadas. 

Entre diversas camadas que essa discussão sobre beleza e bondade pode ter, ela constitui uma ideia política em conjunto com as disputas históricas por riqueza e poder, que também foi usada como arma de dominação. 

Quando pequena ouvi a história da menina suja de piche – A Senhora Holle, Irmãos Grimm, nome original do conto – que fala sobre duas filhas, uma trabalhadora que fica coberta de ouro e uma preguiçosa que fica coberta de piche, sendo o desfecho final que “o piche ficou grudado nela e não saiu por toda a sua vida”. Esse foi o conto de fadas mais aterrador que eu já ouvi, como castigo ela fica preta de piche para vida toda.

Conto A Senhora Holle – Irmãos Grimm: A violência da beleza e o espelho invertido

Vestir-se e pentear-se segundo os cânones da moda, roupas assinadas, ideais de beleza propostos pelo consumo comercial. O cinema nos propõe a mulher fatal, o herói do velho oeste, o jovem rebelde, o espertalhão. A indústria da moda nos oferece de sincretismo total, de absoluto e irrefreável politeísmo da beleza. 

Quando foi que construímos a ideia de que a estética periférica é feia e que o belo só existe nos bairros mais abastados? 

Será que é só sobre a qualidade do saneamento básico ou sobre o transporte, ou criamos em nossas mentes uma ideia estética baseada na cerâmica e no concreto e a única saída é tornar tudo padrão Jardim Europa? 

Considero a ideia de estética uma pandemia silenciosa que invade a nossa vida por meio das redes sociais e estabelece padrões de consumo e de poder e até de morte social. 

Um impacto social é a invasão de crianças da classe média a lojas de produtos de beleza importados disseminados nas redes sociais, em contrapartida diminuem os espaços de lazer infantis que não são baseados no consumo. 

Em cada classe essa invasão da ideia do bom e do belo tem se manifestado de forma diferente, mas basta você curtir um reels sobre maquiagem, para perceber quanto tempo as pessoas estão dedicando a indicar produtos da indústria que proporcionam o enquadramento estético.

Para mim isso vai além de simplesmente maquiagem ou vestimentas, mas sobre nossa relação com a natureza e nossos ciclos. 

O poder dado a nós de transformar a natureza em algo que constituímos como útil ou belo, fez com que levássemos a relação de objeto a tudo que vive, e sendo o objeto oferecemos a tudo uma plasticidade. 

Mármore e cerâmica são base dessa sociedade, tudo limpo, liso e brilhante, dos pisos, das paredes e dos rostos humanos. Sem linhas, sem declives, sem sinais ou poeiras. 

O tempo também criador de estéticas vem sendo combatido, como inimigo da humanidade, ao mesmo tempo que transformações são inevitáveis, formas de aplainar essas transformações têm sido buscadas constantes. De forma bem simples podemos dizer que certas influências mudam o jeito de ver o mundo e todas estão atreladas. 

O reino vegetal tem seu ciclo, as folhas brotam e caem adubando a terra para a época de frutos, se retro alimentando de si, quando tudo é tomado pela estética do mármore e do cimento, as folhas não são mais absorvidas pela terra e são chamadas de sujeira e como resultado as pessoas cortam as árvores, a terra que pinta os corpos e se integra ao nosso corpo, também vão sendo considerada sujeira, sendo que o conceito de sujeira é um conceito estético construído e produzido pelos resíduos da sociedade moderna, que criou coisas artificiais que não podem ser absorvidas pelo sistema terrestre. 

Nessa altura do texto, quero dizer que eu aprecio a moda como uma manifestação cultural particular que proporciona aos indivíduos a possibilidade de manifestar sua criatividade e cultura, assim como o continente africano faz a séculos. 

Contudo, tenho um certo receio da beleza-estética e sua ideia de evitar a multiplicidade humana, seu envelhecimento e a manifestação do tempo em nossa vida. 

Todo rosto conta uma história de vida e ancestral, porque isso deve se igualar, porque não podemos ser únicos em nossa estética visual. Me divirto com os filtros das redes sociais, mas também reflito muito nessa necessidade de parecer sempre uma placa de mármore. 

Ser aceito e amado ainda é uma busca e hoje passou do analógico para o digital, ser reconhecido pelo que pensa e fala, pelos seus estudos e pesquisas sempre foi uma busca humana, mas no digital se tornou uma relação direta com a vida eterna, não ser esquecido. 

O legado platônico foi fundamental para o pensamento ocidental a respeito da beleza. O banquete, diálogo de Platão no qual a beleza é apresentada como paradigma de sua Teoria das Ideias. O banquete, a beleza é discutido em estreita conexão com Eros. Amor é sempre amor por alguma coisa. Belo é aquilo a que o Amor é intencionalmente dirigido. Sendo hoje nossa ideia de beleza totalmente contaminada por essa ideia ocidental, toda busca estética é por alcançá-la, uma forma de dominação das nossas mentes e corpos. 

Dentro dessa ideia existe uma xenofobia que combina beleza com relações políticas e a ideia de quem é bom, que beleza reflete a bondade, anjos de olhos azuis, brancos, traços finos e olhares blasé.

Todo esse questionamento não nega toda a estética construída pelos povos do mundo, as pinturas corporais africanas e indianas, suas cores e tecidos, adornos e penteados, até porque quase tudo que esteticamente, vale a pena, foi construído pelo oriente e pela África e movimenta a indústria da estética e da moda no mundo em uma apropriação cultural desmedida e muitas vezes desrespeitosa, produzindo escravização e domínio cultural.

Como essas questões permeiam as periferias são diversas, desde um consumo que promove o empobrecimento material para manter esses padrões, até questões psicológicas sobre nossa beleza, fazendo com que a verdade sobre quem somos, seja substituída pelo que o mercado precisa que a gente consuma. Como disse Emicida “As redes sociais dá o que nóis quê, enquanto rouba o que nóis precisa.” – EP Amarelo.

A binaridade entre o bom e belo que permeia as agências de trabalho, a porta dos restaurantes e shopping center, os comentários nas redes sociais, refletem não só o racismo estrutural, mas valores eurocêntricos de sua filosofia arbitrária, baseadas na ideia de homocentrismo que criou toda a exploração moderna. 

Pensar que somos seres que fazem parte da natureza e com isso, assim como ela somos cíclicos e perenes, é uma ferramenta de libertação de amarras, e mais adiante que a beleza não reflete a bondade, e sim um utilitarismo social dos olhos ocidentais estabelecidos na elite de comando econômico.

A beleza está nos olhos de quem vê, dizia minha mãe, arremato esse ditado popular retomando que ver e enxergar são dois lados da mesma questão, estamos vendo as pessoas ou só enxergando sua existência?

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

Mostra celebra a parceria de Dona Ivone Lara e Nise da Silveira pela saúde mental brasileira

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O projeto acontece em Mogi das Cruzes, São Paulo, entre 13 de abril a 18 de maio e conta com atividades gratuitas em cinco espaços culturais da região.

A mostra “Ivone & Nise: um reencontro” é idealizada pela artista visual Mariana da Matta e a multiartista Pâmella Carmo, com o objetivo de eternizar o legado da cantora e compositora Dona Ivone Lara em sua atuação como enfermeira, assistente social e terapeuta ocupacional, especialmente quando trabalhou na equipe da médica Nise da Silveira, no Hospital Psiquiátrico Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, nos anos 1940. A Mostra está aberta para visitação entre os dias 13 de abril e 18 de maio, na Pinacoteca de Mogi das Cruzes, em São Paulo, com entrada gratuita. 

As datas de abertura e encerramento da Mostra foram escolhidas a partir de dois marcos: em 13 de abril, abertura do evento, Dona Ivone Lara completaria 102 anos. Já o encerramento, em 18 de maio, marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

Pela valorização da obra humanitária de Dona Ivone Lara

A ideia da mostra é dar visibilidade para outras facetas da sambista que foram fundamentais para a história do Brasil. O objetivo também é resgatar memórias que se perderam no tempo e que apontam uma das faces do racismo: a invisibilidade de personagens negras em diversas áreas do conhecimento.

Antes de ser a primeira mulher a fazer parte de uma ala de compositores de escolas de samba e passar a dedicar-se somente à música, a sambista trabalhou por 37 anos no Hospital Engenho de Dentro. Sob a supervisão da psiquiatra Nise da Silveira, a jovem Ivone utilizava a música como estratégia de tratamento na seção de terapia ocupacional.

Além de falar sobre o seu trabalho terapêutico com música no hospital, a proposta da mostra busca contribuir com ações de reparação para reconhecer o importante papel da grande dama do samba na construção de metodologias e práticas de cuidados humanizados pioneiros em sua época e local, como a ressocialização e desinstitucionalização de internos.

Serviço

Mostra “Ivone & Nise: um reencontro” | Instagram @ivone.e.nise
De 13 de abril a 18 de maio de 2024
Local da exposição: Pinacoteca de Mogi das Cruzes – R. Cel. Souza Franco, 993, Centro, Mogi das Cruzes – SP 

Programação 

Exposição 
Pinacoteca de Mogi das Cruzes
Abertura: 13/4, das 16h às 20h, com roda de samba às 18h
Visitação: 16/4 a 18/5/24. Terças a sextas, das 9h às 17h. Sábados, das 9h às 12h.

A exposição conta a história de Dona Ivone Lara e Nise da Silveira na saúde mental brasileira por meio de trabalhos de artes visuais e poesia, além de cenografia temática. É incentivada a participação do público na ação, de forma que possam desenhar ou escrever cartas que interagem com a proposta, em um ateliê integrado à exposição.

Atrações musicais

Pinacoteca (abertura): 13/4, sábado, às 18h
Ateliê Sementeira: 20/4, sábado, às 17h30
Congada Santa Efigênia: 27/7, sábado, às 18h30
Cursinho Popular Maio de 68: 4/5, sábado, às 18h

Rodas de samba e poesia com intervenção artística simultânea. Com participação de Pâmella Carmo, Mariana da Matta, Marlene Santana e Angelina Reis (Pretas Bás),Felipe Nogueira, Henrique Nogueira, Silas Xavier e Fernando Sd.

Oficinas – Inscrições neste link

Tenho Estima
Com Midori Camelo
Dia 9/5, quinta, das 18h às 21h, na Pinacoteca.

Tiê: brinquedo e ilusão
Com Vanessa Oliveira
Dia 20/4, sábado, das 14h30 às 16h30, no Ateliê Sementeira.

Tecendo Travessias
Com Mariana da Matta
Dia 16/5, quinta, das 18h às 21h, na Pinacoteca.

VIVÊNCIAS – Inscrições neste link

Pescar no Inconsciente o Estado do Sonho
Com Mariana da Matta
Dia 18/4, quinta, das 18h às 21h, na Pinacoteca.

O Tambu e o Tempo no espiral
Com Pâmella Carmo
Dia 27/4, sábado, das 14h30 às 17h30, na Congada Santa Efigênia.

Laboratório de Escuta de Imagens
Com Elidayana Alexandrino
Dia 25/4, quinta, das 19h às 21h, na Pinacoteca.

Quem são as mulheres invisíveis? Uma escavação ao passado
Com Larissa da Matta
Dia 8/5, quarta, das 19h às 21h, no Galpão Arthur Netto.

RODA DE CONVERSA
Sankofa e as tecnologias ancestrais para produção de saúde integral
Dia 4/5, sábado, das 15h às 17h30, no Cursinho Popular Maio de 68
Bate-papo sobre a atuação de Dona Ivone Lara na saúde mental e sua parceria com Nise da Silveira, a partir do conceito de Sankofa. Serão discutidas também tecnologias ancestrais e práticas culturais e artísticas como recursos terapêuticos. Com Ana Paula Soares, psicóloga e Domenica Almeida, terapeuta ocupacional.

CORTEJO
Ruas do centro da cidade
Dia 18/5, sábado, das 9h às 13h (concentração às 9h, saída às 10h)
Encerramento da mostra com um cortejo pelas ruas centrais da cidade, composto por artistas e público participante das atividades ocorridas nos espaços parceiros. Aberta à população, a ação afirmativa ocorre no Dia Nacional da Luta Antimanicomial e visa difundir a pesquisa sobre Dona Ivone Lara e Nise da Silveira com arte, cultura e saúde mental, por meio de um coro musical e trabalhos artísticos resultantes das ações formativas da mostra. O cortejo é concluído com chegada à instalação, na Pinacoteca, onde é prevista apresentação de canto dos usuários do CAPS e fala de encerramento.

Locais

Pinacoteca – R. Cel. Souza Franco, 993, Mogi das Cruzes – SPAteliê Sementeira – R. Manoel Inácio Silva Alvarenga, 206, Mogi das Cruzes – SP
Galpão Arthur Netto – R. Rui Barbosa, 248, Mogi das Cruzes – SP
Cursinho Popular Maio de 68 – R. Dr. Paulo Frontin, 365, Mogi das Cruzes – SP

Legalização da maconha pauta debate sobre uso terapêutico e recreativo #23

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Nesse episódio apresentamos algumas perspectivas sobre a maconha, desde seu uso terapêutico ao recreativo. Conversamos com a antropóloga e pesquisadora do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir, Paula Napolião, e com o Flávio Alves, integrante da Associação Coletivo Reparação Sócio-Histórica – Resh, sobre o uso da maconha, legalizada ou não, ser uma realidade, mas com abordagens diferentes a depender da forma que é utilizada.

Falamos sobre a maconha, do uso terapêutico ao recreativo, e como, legalizado ou não, o uso não deixa de acontecer, independente do formato, mas as consequências não são iguais para todo mundo.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa