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Mestre em psicologia discute acesso a saúde mental de atletas das periferias

Em frente ao Centro Educacional Unificado (CEU) Inácio Monteiro, localizado na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, o coletivo Love Skate CT realiza diversas atividades educativas, culturais e sociais que estimulam o desenvolvimento de jovens atletas de skate no território. Uma das iniciativa do projeto é a realização de sessões de psicologia radical, que visa cuidar da saúde mental e emocional de crianças e adolescentes que sonham em ser atletas profissionais.

Dentro do espaço cultural Love CT há uma sala que abriga cerca de 30 crianças e adolescentes numa manhã de sábado. Com olhos e ouvidos atentos, eles participam da palestra de Alberto da Silva Santos, 38 anos, mestre em psicologia pela PUC, conhecido no território como Tobé.

O especialista em psicologia do esporte conversa com os futuros atletas sobre os desafios de manter a concentração, foco nas atividades, controle de emoções em situações difíceis, entre outros assuntos. Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, Santos conta como uniu a psicologia do esporte com o skate para trabalhar com crianças e adolescente no coletivo Love CT.

Alberto da Silva Santos, psicólogo esportivo e Nicolas Santos, repórter do VCRP. Foto: Lucas Patrick, jovem da 8ª edição do Você Repórter da Periferia (VCRP)/Agosto 2024.

VCRP: Como você enxerga o acesso de atletas das periferias ao acompanhamento psicológico?

Alberto da Silva: O pessoal que é atleta e consegue ter suporte psicológico geralmente é quem tá em Clube como cadete, de forma geral, a galera não tem muito (acesso), não que não reconheçam a importância, não tem porque ainda é caro né? Até eu que cobro barato, na verdade é complicado porque já é caro pra realidade daqui, então a galera tem pouco acesso e não é um serviço disponível nos equipamentos públicos, como é algo bem específico de fato, dificilmente consegue por um valor social ou preço mais baixo, então a galera reconhece, alguns conseguem correr atrás de alguma forma, mas nem todo mundo consegue acessar.

VCRP: Você nota mudanças nos atletas que passaram por esse acompanhamento psicológico?

Alberto da Silva: O skate não é uma parada que acontece isolada da sociedade, então, ele fica à mercê também de todos os produtos sociais relacionados ao racismo, exclusão, preconceito e por aí vai, então quando o skatista periférico tá lá naqueles ambientes, aquelas feridas de alguma forma gritam e depois de um trabalho de psicologia do esporte o que eu tenho observado, assim como efeito, é o empoderamento que essa pessoa tá fazendo lá né? Porque a psicologia do esporte não é só uma parada de trabalhar motivação e concentração, às vezes é acolher sentimentos que nunca foram acolhidos como uma tristeza de violência racial ou exclusão. Então quando essas pessoas têm esse espaço para que essas dores e feridas sejam acolhidas e genuinamente reconhecidas é quando elas conseguem tirar um peso das costas, para conseguir estar bem lá e consciente de tudo que tá acontecendo, e entendendo a sua própria história sem medo e sem receio, sendo que são do tamanho que são.

VCRP: Por que ex-atletas também precisam desse acompanhamento psicológico?

Alberto da Silva: A gente vê jogador de futebol que jogou na Itália, mas depois de muitos anos depois de ter se aposentado quando foi ver tá morando no seu carro importado, sem grana nenhuma mais, então é isso que a gente chama de transição de carreira, ela é mais complexa para os atletas que não vem de famílias com posses, que vem de quebrada, então é algo complexo de se trabalhar, e nós estamos falando também de atletas em sua grande maioria pessoas pretas, e aí junta isso vem todos os reflexos do racismo. Tem muita gente que não consegue fazer essa transição de carreira de maneira adequada, primeiro porque a sua vida profissional enquanto atleta não lhe rendeu frutos o suficiente, então essa pessoa ela sempre foi atleta profissional mas teve que se dedicar a alguma outra atividade para se manter.

VCRP: Como a cobrança extrema realizada pela sociedade afeta os atletas negros e periféricos?

Alberto da Silva: Quando a gente fala de atletas negros e periféricos, essa questão da cobrança após uma falha é muito mais pesada. Não se perdoa falha de pessoas brancas como se perdoa a falha de pessoas negras, periféricas, nordestinas ou indígenas, e aí quando a gente fala dessa cobrança, a gente fala dos mesmos contrastes sociais que acontece na sociedade de uma forma geral. Dá para pensar numa cobrança externa e como isso pouco a pouco se torna uma auto cobrança e ao longo do tempo se torna algo interno para o atleta. Hoje em dia, tem muito atleta pedindo desculpa por não conseguir alcançar o quarto lugar, mas como assim? Você está entre os quatro melhores atletas de uma competição! Por que está pedindo desculpas? Essa é uma forma como a nossa sociedade age de modo geral.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

A importância do CAPS e tratamentos adequados para pessoas em sofrimento psíquico #29

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Nesse episódio falamos sobre como pensar o cuidado em saúde mental está relacionado a eliminação de todas as formas de manicômios, o que inclui as comunidades terapêuticas. 

Com a participação da Elaine Vasconcelos e da Claudia Moraes, do Fórum Popular de Saúde Mental da Zona Leste de São Paulo, e também da Rosimeire Bussola, psicóloga, perifanalista e integrante da PerifAnálise, o episódio aponta o que esses espaços representam para população preta e periférica, e como iniciativas das quebradas contribuem para fortalecer políticas públicas de saúde mental e psicossocial.

Capoeira angola: prática é apontada como ferramenta de aprendizagem na primeira infância

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“Quem te ensinou a nadar? Foi o marinheiro. Foi o peixinho do mar”. No embalo da canção “Peixinhos do Mar”, que a Amora, de 5 anos, ao cantar junto de sua mãe, Micheline Farias, demonstra o que a capoeira significa para ela. Desde 2022, Taiane Vitória, que prefere ser chamada de Amora, pratica capoeira, “porque dá para fazer estrelinha”, explica a pequena ao contar sobre seu movimento favorito. 

Embora tenha começado aos 4 anos, Amora já tinha contato com a capoeira. “[Ela] cresceu dentro de um espaço de arte e cultura, e a capoeira é algo que já acontecia dentro desse espaço. Então, desde pequenininha [quando] ela estava engatinhando eu tenho foto dela enquanto o [mestre] Renato fazia as aulas [de capoeira] com as crianças maiores”, conta Micheline Farias, 49, mãe da Amora. 

A família mora no bairro Jardim Colégio, no distrito do Capão Redondo, na zona Sul de São Paulo, e as aulas da Amora acontecem no Núcleo de Acolhimento e Valorização da Educação (NAVE), no bairro Jardim Maracá, no mesmo distrito, com o mestre Renato Nato.

“Quando eu chego, me sento ali na roda. O professor manda a gente pôr o tatame e aí a gente faz estrelinha, ponte, bananeira, martelo”, compartilha Amora. Entre os movimentos da atividade, Amora conta que deseja aprender a fazer bananeira sem colocar a cabeça no chão, apenas com os braços apoiados e com os pés para cima.

Quando o assunto é instrumento, ela diz que o berimbau é o seu favorito e que aprendeu a tocar nas aulas de capoeira. Entre os amigos que fez nas rodas, ela cita o Lorenzo Miguel e a Camila, e diz que para além de brincar, “a gente precisa fazer tudo o que o professor faz primeiro”. 

Através das vivências na capoeira que envolve o contato com instrumentos, brincadeiras e cantigas, Amora diz que também aprende sobre a história do povo negro durante as atividades. “Ele [o mestre Renato] põe filme pra gente assistir de homem preto e fala como é ser preto”, conta.  

Entre os reflexos da prática, Kamila Gomes, iniciada na Capoeira Angola desde 1999, e integrante do Instituto de Capoeira Angola Alagbedé (ICAA), destaca que o trabalho da capoeira também é uma estratégia política. “Uma maneira da gente formar pessoas empoderadas dentro do processo de luta antirracista para que eles também façam seus desdobramentos e isso começa na primeira infância”.

“A primeira infância é o momento do brincar. A criança chega ao mundo e vai aprender através da brincadeira. A gente consegue brincar muito através da capoeira. Tem ferramentas e tecnologias dentro [desse] universo onde a gente consegue criar brincadeiras e momentos de ludicidade.”

Kamila Gomes, iniciada na Capoeira Angola desde 1999, que também é treinela, habilitada para dar aula de capoeira angola e guardiã do saber tradicional.

O brincar e a ludicidade são os principais elementos que conectam a primeira infância e a capoeira. As possibilidades de desenvolvimento para crianças de até 6 anos são muitas. Desde a construção de valores à consciência corporal, como destaca Kamila Gomes e Ricardo de Souza, que atuam com pesquisa e educação infantil a partir das práticas da capoeira angola.

“Capoeira é filosofia de vida, ela tem essa perspectiva de transformar o ser humano para que descubra o que ele é. A capoeira não ensina de fora para dentro, ela faz com que a pessoa externalize o que ela é”, pontua Kamila, que ressalta, conforme o Grupo de Capoeira Angola Pelourinho (GCAP), sobre a origem Bantu da prática, vinda do continente Africano, e que trabalha com o pensar, o sentir e o fazer.

Desenvolvimento motor, cognitivo, psicológico, consciência corporal, percepção de espacialidade, de tempo e de musicalidade são aspectos despertados através do brincar, que junto do aprendizado sobre ancestralidade e a história do povo negro também se conecta com os benefícios que a capoeira angola proporciona para crianças. Principalmente na faixa etária até os 6 anos, fase em que é formado 90% das conexões cerebrais dos seres humanos, conforme mostra o levantamento feito pela plataforma Primeira Infância Primeiro, realizada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Professora na Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), doutoranda e pesquisadora sobre a Capoeira Angola e o Candomblé Congo-Angola na construção de uma educação pluriversal, Kamila menciona os mestres Valmir Damasceno, Moraes, Cobra Mansa, mestra Janja, Fu-Kiau e a Makota Valdina ao citar a capoeira na perspectiva da primeira infância e a relação com a comunidade.

“Dentro da relação comunitária na capoeira, na comunidade de terreiro, tem uma função muito importante que é de adultos cuidarem das crianças. Pensando nessa relação de ancestralidade, solidariedade, circularidade, esses valores civilizatórios afro-brasileiros”, explica a pesquisadora.

Essa é a proposta do projeto Kinsa Kindezi, criado pela Kamila em homenagem a Makota Valdina, onde Kinsa significa cuidar e Kindezi, termo criado pelo filósofo congolês Fu-Kiau, seria a arte de educar. Através da capoeira, a iniciativa ensina sobre os valores africanos, com intuito de construir estratégias para ações antirracistas.

A relação com as crianças e famílias periféricas

Iniciativas independentes fundadas por agentes culturais nos territórios, são formas de aproximar as práticas da capoeira às crianças. Como é o caso do coletivo Quebrando a Cabaça e Espalhando Sementes, criado em 2015, pelo arte-educador Ricardo de Souza, conhecido como Ricardo Pépe, que atua com a capoeira angola voltada para a primeira infância. 

“Quando a gente trabalha a capoeira na primeira infância, a gente coloca que o responsável tem que estar junto [e] traz essa socialização”, menciona o arte-educador. Os projetos do coletivo incentivam a participação familiar como elemento fundamental para o aprendizado da capoeira pelas crianças. 

Embora o arte-educador aponte sobre a importância da participação dos pais nas aulas, ele também reconhece que, nas periferias, por necessidade, as famílias geralmente têm outras prioridades, além de ressaltar que muitas dessas famílias são matriarcais e de mães solo. “Os responsáveis estão muito corridos com seus trabalhos. O nosso trabalho é trazer eles [para] junto”, pontua.

As atividades do Quebrando a Cabaça e Espalhando Sementes acontecem de forma itinerante pelos territórios, mas Ricardo também atua regularmente nos Centros para Crianças e Adolescentes (CCAs) e nos Centros Educacionais Unificados. “São os lugares em que eu trabalho com mais crianças pretas”, comenta o arte-educador, que é morador do bairro Parque Pinheiros, na cidade de Taboão da Serra, em São Paulo.

É em um desses espaços que Ricardo realiza atividades, que o João dos Santos, de 6 anos, pratica capoeira angola desde 2023, no CEU Carrão / Tatuapé – Carolina Maria de Jesus, em São Paulo, junto ao arte-educador. Os pais de João, Juliana Solimeo, 36, e Hamilton Santos, 46, são professores, e colocaram o João na capoeira para que desde pequeno pudesse entender sua identidade. A família mora no bairro Penha de França, no distrito Penha, localizado na zona leste de São Paulo.

“Nós somos um casal interracial, então em que lugar o João vai se encontrar? Ele [tem que] ter claro que a declaração dele ser preto é uma declaração política [e] de resistência. E a capoeira [aproxima] da ancestralidade, da história, da raiz do povo preto escravizado no Brasil, [e isso] acaba fazendo com que ele se conecte com essa raiz negra”, comenta Hamilton, pai de João.

Foi através da Juliana, que admira e pesquisa sobre capoeira, que a família conheceu a vertente. “A capoeira Angola [é] mais lenta, tem a tradição [e] a história, a parte que mais me interessa. Porque infelizmente o Brasil ainda é muito racista e eu encontro na capoeira um espaço que transforma isso”, diz Juliana, mãe de João.

Hamilton conta que atualmente não tem se dedicado à prática, mas desde pequeno convive com a Capoeira Regional por influência do irmão. Por um tempo, já adulto, se envolveu com a capoeira angola. A pesquisadora Kamila afirma que crianças que permanecem na capoeira, geralmente, são aquelas que os cuidadores têm algum vínculo com a questão racial, ou quando tem algum responsável que já conhece a sua importância.

João, de 6 anos, já imagina o futuro a partir das aulas. “Quando eu crescer e tiver do tamanho do meu pai eu vou querer fazer capoeira”, comenta. Ele também conta que brinca muito nas atividades. “O que eu mais presto atenção é pular corda”. 

Além disso, o jogo do reloginho, brincadeira em que o professor gira uma corda no chão e as crianças tentam pular, também é uma das atividades favoritas dele. “[O dia mais legal na capoeira] foi quando o professor fez o reloginho pela primeira vez”, diz João.

Na área da musicalidade, João canta e toca durante as aulas. Seu instrumento favorito é o berimbau, mas ele diz que também gosta do agogô. “Cantando eu não sei tocar, mas comigo só tocando aí eu sei”, diz João, ao contar que deseja aprender a tocar enquanto canta.

Políticas públicas

Segundo Kamila, uma estratégia utilizada para que a capoeira chegue até as crianças das periferias é atuar nas escolas, pois a falta de lugares fixos para a prática é um fator que dificulta a realização das aulas com a primeira infância.

“Eu percebo que quando a gente tem espaços de capoeira estáveis, os pais sentem mais segurança de se relacionar com essa comunidade da capoeira, porque se torna um lugar de referência, [isso] exige um trabalho mais consistente de anos”, destaca Kamila.

Ricardo aponta que o acesso à capoeira para as crianças que vivem nas periferias é uma questão de política pública. Assim como Kamila, que comenta sobre a falta de incentivo e recurso público para os professores da modalidade e a valorização dos mestres.

“[A capoeira nas periferias] é acessível desde que você tenha um mestre que consiga fazer esse trabalho lá dentro, tem mestres que fazem, mas é um trabalho bem difícil trazer a periferia para dentro da capoeira”, comenta o arte-educador.

João encerra a conversa cantando que “na capoeira tem que ter sal, tem que ter tempero”, uma canção do Mestre Liminha. E além de tempero, Kamila e Ricardo pontuam que a capoeira também tem que ter políticas públicas para chegar até as crianças das periferias e garantir o que lhes é de direito, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como o acesso à educação, ao lazer, à cultura, à convivência comunitária, direitos que podem ser alcançados através da capoeira.

Essa reportagem foi contemplada pelo edital Bolsas de Reportagem A Primeira Infância como Pauta Prioritária, promovido pela Ajor, Associação de Jornalismo Digital, e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.

Jovem skatista quer representar a Cidade Tiradentes nas Olimpíadas

Há dois anos, Guilherme Bittencourt, um menino de 12 anos que mora na Cidade Tiradentes, zona Leste de São Paulo, mantém a rotina de acordar às 7h da manhã todos os sábados, para participar das atividades educativas e culturais promovidas pelo projeto Love CT, que atua para aproximar crianças e adolescentes do território do skate como prática esportiva e cultural.

Guilherme Bittencourt, skatista. Foto: Lucas Patrick, jovem da 8ª edição do Você Repórter da Periferia/Agosto 2024.

Incentivado pelo pai e pelos aprendizados obtidos no projeto, Guilherme conta que encontrou no Skate uma paixão que pode mudar o seu futuro. Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, ele afirma que tem o sonho de participar das Olimpíadas e trazer uma medalha para sua quebrada.

Guilherme Bittencourt, skatista e Luau Queiroz, repórter e aluno da 8ª edição VCRP. Foto: Lucas Patrick, jovem da 8ª edição do Você Repórter da Periferia/Agosto 2024.

VCRP: Como surgiu o seu interesse pelo Skate e quando você e quando você?

Guilherme: Foi um amigo que me convidou, porque eu estava no meu prédio de boa, ele chegou e falou: “Ah, vamos ali fazer uma aula”. Falei não mano, é muito chato, skate é para criança. Depois mudei de ideia e no primeiro dia não gostei muito, mas aí o segundo dia eu já achei mais interessante, depois foi aí que meu pai, o tio fotógrafo [educador do projeto], o Celo [fundador do projeto]  e os professores começaram a me incentivar. Ai faz dois anos que estou aqui.

VCRP: Quais são os seus maiores sonhos?

Guilherme: Quero ser um atleta profissional e me preparar para as Olimpíadas e assim trazer uma medalha para o Brasil.

Guilherme Bittencourt, skatista. Foto: Lucas Patrick, jovem da 8ª edição do Você Repórter da Periferia/Agosto 2024.

VCRP: Quais são os desafios que você enfrenta para ser um skatista na Cidade Tiradentes?

Guilherme: As pessoas não ajudam quando ficam passando na única pista que a gente tem para treinar. A gente precisa ter uma pista aqui que dá para treinar tranquilo. Também treino na rua, aí precisa tomar cuidado para não bater nos carros.

VCRP: O que você precisa hoje para se tornar uma atleta?

Guilherme: Eu tenho que ter educação e respeito, preciso respeitar o meu pai e os professores e seguir em frente. Sobre o investimento, o primeiro skate veio daqui do Love CT, e hoje já tenho três, sendo um profissional, mas para ter um bom mesmo preciso ter uns dois mil reais.

VCRP: Se você conseguir ser tornar um atleta, qual será o impacto na sua família?

Guilherme: Meu pai vai ficar muito orgulhoso! Meu pai desde o começo acordava 5 horas da manhã, a gente se arrumava em casa e subia 6 horas para pista, então se eu for para as olimpíadas e trazer uma medalha eu realizarei meu sonho e do meu pai.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

Mulheres negras e cultura geek: quem pode fazer cosplay?

Em julho deste ano, a Fábrica de Cultura de Diadema, localizada na Grande São Paulo, recebeu a 4° edição do Perifacon, evento que traz uma perspectiva periférica para o universo geek, que envolve games, filmes, desenhos e animes. Entre atrações musicais, feira de quadrinhos, mangás e atividades interativas, se destaca a imagem de uma garota, Maria Clara, 15, caracterizada de um personagem conhecido do universo geek, o Ash Ketchum, mestre Pokémon do desenho mundialmente famoso. A jovem que faz cosplay há 6 anos, é moradora de Itaquera, zona leste de São Paulo, e chegou no evento realizado em Diadema, junto à família.

Há um tempo atrás, uma garota negra fazendo cosplay de um personagem masculino e branco poderia ser motivo de controvérsia, mas ao longo do Perifacon é possível perceber que o contexto do evento possibilita essa nova abordagem. 

“Sempre fui nerdzinha, mas só hoje sinto que a cultura geek está mais aberta para ver uma mulher negra fazendo cosplay de qualquer personagem”.

Daniele participou do evento como Princesa Mononoke.

Durante o evento, Maria conhece outra figura que se destaca entre o público, a Daniele, 39, moradora da Vila Maria, zona norte de São Paulo, e que faz cosplay há 3 anos. Para essa edição do Perifacon, Daniele se vestiu de Princesa Mononoke, uma guerreira protetora da floresta de um filme, que leva o mesmo nome, lançado em 1997. 

Essas duas mulheres, de diferentes gerações, se unem através da paixão que compartilham pela cultura geek e refletem sobre suas vivências dentro desse universo, a forma que são vistas nesses espaços e a importância do cosplay na liberdade de expressão de seus corpos.

Vocês se lembram qual foi o primeiro personagem que fizeram cosplay?

Daniele: Meu primeiro cosplay foi a Garnet, do Steven Universo.

Maria Clara: Eu sempre me vesti de Akatsuki, mas primeiro cosplay mesmo foi a Alice da Alice no País das Maravilhas, mas eu sempre gostei de me vestir de personagens.

Ambas escolheram personagens femininas como primeiro cosplay, no caso da Garnet em específico, uma mulher preta com um significado muito forte. Você acredita que essa escolha se deu pela identificação com a personagem ou por achar que enquanto mulher negra você precisava fazer cosplay de uma mulher negra?

Daniele: No começo não tinha tantas personagens negras, a única que tinha era a tempestade, e a Garnet, além de ser uma personagem que tem um humor muito parecido com o meu, ela era parecida comigo e a questão de ser uma mulher negra me ajudou a fazer o cosplay, teve essa identificação.

Você acha que o cosplay influencia na sua liberdade de expressão com seu corpo?

Maria Clara: Geralmente eu não uso roupas curtas e decotadas e eu gosto muito de usar essas roupas, por isso quando faço cosplay sinto a liberdade de usar esse tipo de roupa.

Aqui na Perifacon nós vemos uma diversidade maior de pessoas com diversos cosplays, você acha que em eventos com um contexto não periférico isso também acontece?

Daniele: Hoje eu acho mais comum ver pessoas pretas fazendo cosplays, é mais aceitável, eu por exemplo, fazer cosplay de uma personagem que é branca, me sinto à vontade nos lugares que vou de fazer o cosplay que quero pois já teve uma construção desse espaço.

Você encontra alguma dificuldade por ser uma mulher negra dentro da cultura geek?

Maria Clara: Bastante, por que eu sou geek mesmo, sabe? E é difícil encontrar outras mulheres negras que também sejam, então eu vim pra cá fazer cosplay e aparecer já é uma coisa né? Eu estar fazendo cosplay de um personagem que é um homem branco também é impactante, mas decidi fazer mesmo assim e estou sendo muito feliz.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

“Fui ao cinema uma vez só, quando tinha 17 anos”, diz moradora de 57 anos de José Bonifácio, na Zona Leste de SP

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A 1º Mostra de Cinema Experimental reuniu cineastas e admiradores do cinema independente nas periferias no Centro Educacional Unificado (CEU) São Pedro, localizado no distrito de José Bonifácio, na zona leste de São Paulo. O encontro debateu os desafios para produzir e acessar o cinema nas periferias, uma realidade que não é acessível para todos os moradores.

No mesmo local do evento, a funcionária do (CEU) São Pedro, Dona Nilcéia, 57, que também reside no distrito de José Bonifácio, relata que só foi ao cinema uma vez em toda sua vida, quando tinha 17 anos. Esse contraste social do acesso ao cinema nas periferias reforça a importância de iniciativas como a Mostra de Cinema Experimental para aproximar os moradores do cinema de forma gratuita.

Segundo dados do Datafolha sobre hábitos culturais dos moradores de São Paulo (2017), quanto maior a idade dos entrevistados, menor o indicativo de frequência diante das telonas. Na faixa etária de 45 a 59, 31% dos entrevistados faz uso frequente do cinema. Entre 60 e 79, 15%. E acima dos 80 anos, 11%.

Com um espaço multiuso recém construído que propicia a exibição de filmes, o CEU São Pedro vem atraindo o interesse de integrantes de coletivos que produzem cinema nas periferias de São Paulo de forma independente, para ampliar o debate desta arte nas periferias.

VCRP: Você já foi alguma vez ao cinema, tem o costume de ir?

Fui, mas foi há muito tempo atrás. Fui uma vez só, quando tinha 17 anos. Lá na Avenida São João, num cinema de rua que acho que nem existe mais.

VCRP: A senhora lembra de que filme assistiu?

Não lembro, faz muitos anos. Mas gosto muito de filmes de comédia ou romance quando estou assistindo em casa.

VCRP: O que a senhora acha que falta para acessar o cinema hoje em dia?

Me falta tempo, né? O dia a dia é muito corrido. A gente já tem aquela programação: sai do serviço pra casa e de casa pro serviço.

VCRP: O que a senhora acha que poderia melhorar para as pessoas irem mais para salas públicas de cinema, como essa do CEU São Pedro?

Poderia ter mais divulgação aqui na comunidade, o pessoal ter mais informações, sabe? Porque as pessoas vêm aos CEU´s e não sabem os projetos daqui. Mas a  criançada adora cinema, minhas netas vão sempre.

VCRP: Onde as suas netas vão para ir ao cinema?

No shopping Aricanduva ou Shopping Itaquera. Uma vizinha minha trabalha num cinema e às vezes ela ganha uns convites e distribui pra criançada. Aí vai aquela turma, né?

VCRP: Você já trouxe elas aqui no CEU?

Ainda não porque trabalho aqui não tem nem um ano. Quando entrei, a sala ainda não estava pronta. Falei pra minha filha: “Ó, vai ter cinema no CEU, é legal trazer as meninas pra cá”. Até combinamos de vir quando o cinema estivesse implantado, só que é muito corrido, acaba não dando tempo. Quero aproveitar agora o período de férias e juntar toda a galerinha!


Roteirista fala sobre acesso, oportunidades e barreiras da cultura geek nas periferias

Roteirista de fanzine há 38 anos, Thina Curtis, 49, moradora de Santo André, no Grande ABC, foi uma das expositoras do espaço Beco do Artistas, na 4° edição do Perifacon, realizado na Fábrica de Cultura Diadema, na Grande São Paulo, em julho deste ano. Essa foi a primeira vez que Thina expôs no evento, que busca democratizar e aproximar a cultura geek das periferias. 

Durante o Perifacon, a roteirista apresentou uma de suas produções, o livro “Brazineiras”, que fala sobre o trabalho de mulheres que produzem fanzines. Thina conta das suas experiências, desafios e conquistas no mundo geek enquanto mulher periférica, artista e mãe.

O que você enxerga como diferencial dentro desse mercado comparado com quando você começou? 

Melhorou muito, antes não se via tantas mulheres, lgbtq, não bináries, pessoas negras, que praticamente a gente não via, principalmente no mercado de cultura pop. Eram 10 homens, para 1 mulher e olhe lá, então hoje em dia a gente consegue ter uma voz, fazer algumas coisas, tem muito mais coletivos de mulheres pensando no mercado pop.

O que te motivou a fazer o livro Brazineiras? 

Necessidade! Pensei que quando eu comecei eu não conhecia mulheres que faziam, e ainda hoje quando vou dar palestras, quando eu circulo, as pessoas falam: ‘Nossa eu não sabia que tinham tantas mulheres fazendo tantas coisas’. Mesmo a gente estando em um mundo tecnológico, o impresso é necessário, ele dialoga de uma maneira que é um registro, de saber a história dessas mulheres, porque está sendo apagado. Estamos morrendo, estamos fazendo outras coisas e a trajetória que a gente está fazendo está sumindo.

Quando você entendeu que a arte do fanzine seria o seu trabalho?

Eu entendi em um momento bem complicado. Eu me separei do meu primeiro marido e eu precisava trabalhar, e eu entendi que não gostava de outra coisa. Aí um dia uma ONG me ligou, [falaram] que eles estavam precisando de pessoas para dar oficina de fanzine, nesse período meus filhos estavam na adolescência, eu banquei a casa, estudos, e ali eu percebi que eu tinha virado a chave. Uma oportunidade que era um trabalho sério. Você [sendo] mãe solo, principalmente artista e periférica, a gente tem várias dificuldades que te colocam mais pra baixo da escala.

Como é para você, como mãe, estar ativa nos eventos para divulgar seu trabalho?

É difícil, você tem que começar uma semana antes a se programar, tem que ter uma rede, é a pré-produção para um evento. Arrumar uma mala com roupas, comida, livrinhos, brinquedos, mas eu acho importante inserir a criança, não só eu como artista, mas como mãe eu traria, principalmente aqui, um evento voltado a literatura também, algo que a gente não tem na região.

Como é para você ver esse tipo de evento dentro de um equipamento cultural público?

Eu brigo por isso há anos, inclusive eu sou conselheira setorial geek, aqui em São Bernardo, e a nossa maior briga é política pública. Se a gente não tem o hábito, as pessoas não têm pertencimento, pois elas acham [que] é uma coisa nerd, a biblioteca vive vazia porque acham que não pertencem a esse lugar, então eventos assim não trazem só a multidão, mas plantam a semente.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

Salve Clariô: grupo cria vaquinha para manter espaço cultural ativo em Taboão da Serra

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Na estreita Rua Santa Luzia, número 96, na cidade de Taboão da Serra, em São Paulo, é onde está localizado o espaço Clariô. Criado junto com o Grupo Clariô de Teatro, desde 2005, o local amplia o acesso à arte, educação e cultura no bairro da Vila Santa Luzia. Devido a especulação imobiliária que se instalou na região, junto com a previsão da chegada do metrô Vila Sônia, para não perder o espaço, o grupo lançou a Campanha Salve Clariô.

“O espaço Clariô não é só do Grupo Clariô de Teatro, quando a gente fala dessa importância do espaço continuar é por isso, se o espaço Clariô some, esse [local] de cultura, de entender [e] assistir teatro, shows, ele vai sumir [junto], essa comunidade vai perder, vai ficar desamparada com isso.”

Alexandre Souza, ator e técnico geral do Grupo Clariô e do espaço.

Além de espetáculos e shows, outras atividades acontecem no local, como o Sarau do Binho, o ‘Quinta às Oito’, a Mostra do Teatro do Gueto, oficinas de capoeira, boxe, teatro, dança e percussão. “O espaço Clariô nunca cobrou nada em suas oficinas, apresentações, cursos, palestras, shows, sempre foi de graça, pra todo mundo”, pontua Washington Gabriel, 36, ator e produtor do Grupo Clariô, morador do bairro Parque Rebouças, no distrito do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. 

Apresentação artística de Vitor da Trindade e banda, no ‘Quinta às Oito’, em 2023. (foto: Viviane Lima)

“Por estar na região central de Taboão, [o local] recebe pessoas de Embu das Artes, de Itapecerica, da zona sul de São Paulo, tanto público, quanto os espetáculos”, comenta Washington. As atividade do espaço Clariô se mantêm através de projetos, editais e revertendo parte do valor dos espetáculos, shows e cachês do grupo de teatro para pagar as despesas. 

Alexandre, 43, ator e técnico geral do grupo e do espaço Clariô, mora em Taboão da Serra, no bairro Jardim Pirajussara, e menciona que as atividades que acontecem no Clariô refletem de várias formas nos frequentadores, como no caso da Casa de Iaia, espaço cultural localizado também em Taboão da Serra, que tem como co-fundadora a Ângela, que inaugurou o local a partir da experiência que teve no Clariô.

“A gente acaba fazendo política pública cultural, o Clariô fornece mais cultura para a cidade do que a própria Prefeitura”, menciona Alexandre, que também ressalta a escassez de políticas públicas para a cultura em Taboão da Serra. “[O Clariô] é um dos pouquíssimos espaços culturais da cidade”, afirma Washington.

Frente do espaço Clariô durante evento, há alguns anos, na Rua Santa Luzia, número 96, em Taboão da Serra. (foto: arquivo pessoal)

Especulação imobiliária

O histórico cultural do local é antigo, pois esse mesmo endereço já tinha sido ocupado pelo grupo de teatro Cavalo de Pau. Alexandre conta que parte do espaço foi alugado com a verba arrecadada em um projeto, e com o tempo todo o local foi incorporado pelo Grupo Clariô, e as possibilidades de uso foram expandidas.

Apresentação do espetáculo Hospital da Gente. (foto: arquivo pessoal)

Em 2009, o grupo começou a criar a peça ‘Hospital da gente’, que foi um marco na consolidação da identidade do Clariô ao atuar com teatro para, com e na periferia. Nesse contexto, o movimento cultural no espaço Clariô começou a se fortalecer e se firmou também como uma iniciativa de formação política, construção e formação de pensamento crítico, aponta Washington. 

“A campanha surge no momento em que a existência do espaço Clariô fica ameaçada por conta da especulação imobiliária que existe com essa questão do metrô vindo para próximo”, coloca Alexandre. Ele conta que a instalação do metrô Vila Sônia, que estava prevista para 2014, tem causado o aumento no valor dos imóveis e do custo de vida na região.

“A gente pagava R$ 500 de IPTU na época que [chegamos] aqui [em 2005]. Esse ano [2024], a gente pagou R$ 5.000 de IPTU desse terreno”, relata Alexandre. Ele também comenta que apesar da valorização no valor do imóvel, os moradores da região sofrem com enchentes.

“As famílias daqui em frente estão sempre por aqui. Quando tem enchente, o pessoal da rua deixa de limpar a própria casa e vem primeiro limpar o teatro, depois vai limpar sua casa, de tão importante que é [o espaço].”

Alexandre Souza, ator e técnico geral do grupo e do espaço Clariô.

Washington diz que não se trata de uma expulsão, mas que a proprietária sinalizou que tem interesse em vender o imóvel e deu prioridade para que o grupo possa comprá-lo, assim buscaram se antecipar para conseguir realizar essa compra, sendo que o contrato de aluguel dura até abril de 2025. 

“O Clariô pode existir em outro lugar, mas a relação que a gente criou com essas famílias, com essa rua, com esse endereço é algo que a gente vai demorar muito para criar em outro lugar”, coloca Washington.

Salve Clariô

A campanha SALVE CLARIÔ vai até dezembro de 2024, e a meta é arrecadar R$ 700 mil. Washington comenta que todo valor doado é bem-vindo e que existem outras formas de ajudar, como fortalecer na divulgação e contratar o grupo de teatro para trabalhos. Realizar oficinas e apresentações no próprio espaço cobrando, temporariamente, pelas inscrições ou ingressos, está sendo uma opção para quem deseja contribuir. 

Salve Clariô: grupo cria vaquinha para manter espaço cultural ativo em Taboão da Serra
A Campanha Salve Clariô vai até dezembro de 2024 e pode ser acessada pelos links que estão na reportagem. (foto: Ju Dias)

A venda de rifa é a alternativa que o Sarau do Binho encontrou para ajudar, e estão rifando a realização de uma edição do sarau no valor de R$ 50. “Não vai ser só uma benefice pro Clariô, mas uma escola ou outro espaço vai ganhar um dia de Sarau do Binho”, exemplifica Alexandre.

O tombamento do espaço Clariô como patrimônio cultural da cidade também é uma das movimentações que o grupo tem feito para salvar o espaço. “Dedicar uma verba que [se] recebe como emenda [parlamentar] para o espaço é uma ação do poder público que é muito bem-vinda”, finaliza Washington ressaltando a contribuição do poder público nesse cenário.

“Nossa história foi apagada, estou tentando resgatá-la”, diz Domenica Luciana, confeiteira e empreendedora

Domenica Luciana, 41, moradora de Diadema, na Grande São Paulo, foi uma das empreendedoras que participou da 4° edição do Perifacon, que aconteceu em julho deste ano, na Fábrica de Cultura de Diadema. Domenica é confeiteira e suas produções de trufas e doces são inspirados em elementos que resgatam sabores da culinária africana. 

Entre os doces que produz, tem o Malva Pudding, uma receita de origem sul-africana originalmente feita em uma travessa, mas que vende em forma de trufa. O cardápio do empreendimento de Domenica é repleto de histórias e nomes de origem Iorubá, como Adis Abeba, Melktert e o Quimbé.

Para vendas em espaços relacionados à cultura geek, como o Perifacon, os doces também são nomeados em referência a personagens do mundo nerd, como Pantera Negra, Tempestade e Super choque, que fizeram parte da identidade visual ao longo do evento.

Como iniciou sua trajetória na culinária?

Eu comecei cozinhando para família, todo mundo gostou e as pessoas me perguntavam se eu não queria fazer para vender dentro da própria família, e depois para amigos. Eu fui meio que induzida a vender para outras pessoas.

Qual o motivo do nome da empresa e dos doces?

Chama-se “Dona DÔ’s Doces” porque é dona Dô, de Domenica. E quando a gente participa principalmente da Perifacon, para ter essa comunicação com o público a gente dá para as nossas trufas os nomes de personagens de filmes. Mas a grande sacada da nossa empresa são as trufas inspiradas em sabores africanos, porque a gente quer resgatar sabores e transformar em produtos contemporâneos para que as pessoas conheçam principalmente a confeitaria africana.

Qual foi o ponto de partida para incluir isso no seu empreendimento?

Era pouco participar da Feira Preta só com trufas tradicionais, entendemos que precisávamos encontrar alguma coisa que conversasse com a temática do público. Encontramos o primeiro doce “Doce de Cumbê”. Essa era uma temática que a gente deveria seguir porque ouve-se pouco falar sobre a confeitaria africana.

Qual sua relação com o nome da empresa e sua história?

Todos os brasileiros somos um pouco africanos. Eu busco minha ancestralidade, porque a nossa história foi apagada e é por isso que eu estou tentando resgatar.

Qual é o desafio de ser uma mulher preta, periférica mostrando sua ancestralidade?

As pessoas têm muito preconceito, o Cumbê foi o primeiro doce que a gente desenvolveu. Ele veio com a escravidão, só que ele foi apagado da história, porque ele era um dos consagrados a um orixá, por isso a gente fez esse resgate. As pessoas não conhecem a confeitaria africana, pouco se fala sobre doces de África.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

O bem-estar como direito humano

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Começo aqui resgatando os caminhos sugeridos, que foram apresentados na sessão anterior, de como é possível nos reconectar e elaborar dores a partir da escuta de si, do outro e dos antepassados. Como podemos resgatar laços e tomar consciência de quem somos, nos curar e usar o conhecimento das medicinas tradicionais que são milenares e herança ancestral, e incluir de forma simples o autocuidado na rotina diária para vivenciar seus benefícios na prática, tanto no individual, como no coletivo.

As práticas são variadas e tão possíveis, que podemos até desacreditar ou não entender como isso pode ter tantos benefícios. Um banho de ervas, um escalda pé, uma massagem, conversar com um terapeuta, escrever, dar espaço para ser ouvido,  resgatar memórias e elaborá-las, qual o sentido disso? 

Procure realizar alguns desses cuidados por um profissional, participar de um grupo para acolher e ser acolhido que entenderá com os resultados.

Desenvolver uma rotina, iniciar o autocuidado, entender o que sentimos, o que nos incomoda, o que desejamos, é um movimento que precisamos por em ação, começar ou recomeçar se for necessário. 

O problema é que procrastinamos ou não ouvimos as dores, ignoramos, não acolhemos, somos duros ou frios conosco, deixamos de lado e seguimos nos desumanizando, sem descobrir o que elas estão tentando dizer para nos levar para outro caminho.

A ação e o movimento que precisamos dar é a oportunidade de incluir os cuidados e bem estar como um direito humano e que podemos transformar em hábitos saudáveis para tornar a vida mais leve e feliz. É um direito sim, individual e coletivo.

Aí pergunto: quanto levamos a sério os sentimentos e necessidades? se procuramos entendê-las, ou se não levamos a sério, quanto estamos comprometidos com isso?

É muito fácil não fazer nada, pois tendemos a entrar no negacionismo, e aí perdemos a chance de ter saúde, bem estar e sermos mais felizes em nossa própria companhia.

Definir qual cuidado preciso e saber que isso depende de nós, é um modelo diferente de viver, onde temos a autonomia de irmos em busca daquilo que desejamos e precisamos, porém, quantas limitações são impostas, por nós, ou pelo outro, e digo isso de forma muito genérica, e aí caímos na descrença e nos habituamos com a doença. 


Ao ler bell hooks “Tudo sobre o amor: novas perspectivas”, vejo que não acreditamos mais e levantamos barreiras e dúvidas, e isso nos paralisa, estamos acostumados ao desamor que é o tema da vida contemporânea. Nos desconectamos e deixamos para o outro dizer o que precisamos, esquecemos de dar espaço para quem realmente somos e o que desejamos.

Não nos conhecemos e esquecemos a essência do amor próprio, uma forma de colocar seu ser mais profundo, suas raízes no centro, se fortalecer e amar quem você é ou buscar ser o que realmente gostaria. Se sentir amado e se curar da doença das quais são tão comuns nos dias atuais. 


A leitura deste livro ainda indica caminhos, quanto nossas ações pessoais estão implicadas com uma postura perante a sociedade, que o amor como força para romper o ciclo perpetuado nas dores e violências. 

O amor pode ser uma ferramenta onde a vontade, se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento, através do cuidado, afeição, reconhecimento, respeito, compromisso e confiança, entre outros, como a comunicação sincera, podem ser ações para construir novos sentimentos, trazer curas e soluções para as questões duras que somos submetidos.


Sentir, acolher e entender que temos limites, nos respeitar e sermos mais criativos, alegres, vivos e comprometidos consigo mesmo, pode trazer prazeres e momentos que superam as dores e nos potencializa a viver mais e melhor.

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