“A feira fez de mim uma pessoa melhor”: trabalhadores falam sobre feiras livres como espaço de geração de renda e coletividade

No Dia do Feirante, trabalhadores de diferentes periferias de São Paulo contam sobre a rotina e aprendizados a partir das feiras nas ruas da cidade.

Seja uma parada para comer aquele pastel com caldo de cana ou para comprar as frutas e legumes da semana, a feira livre é um ponto de encontro para muitos moradores das quebradas. Presente em diversos territórios, manter esse funcionamento depende de muitos trabalhadores que acordam cedo para abrir suas barracas e garantir a chegada de alimentos em diferentes casas. Atualmente são mais de 1 mil feiras espalhadas só na capital, o que soma mais de 70 mil empregos diretos, de acordo com a Secretaria Municipal das Subprefeituras.

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Continuidade de um ciclo familiar, a primeira oportunidade de trabalho, o gosto por trabalhar com pessoas, por necessidade ou por escolha. São várias as histórias e motivações dos feirantes que percorrem a cidade com suas caixas de alimentos.

No Dia do Feirante, comemorado em 25 de agosto, trabalhadores destacam os laços criados através das feiras livres, além da geração de renda, que foi mudando ao longo dos anos. Mais atratividade e segurança nas ruas são citadas como fundamentais para que possam continuar atuando. 

Feirante desde os 13 anos, Charles Alves, 43, morador do bairro Jardim Mituzi, trabalha em Taboão da Serra, Região Metropolitana de São Paulo, e conta que a troca com as pessoas é uma experiência contínua de aprendizado e conhecimento. 

“Eu amo essa profissão. Já tentei sair, mas não consigo, me apeguei. Meu filho de 15 anos também trabalha na feira e ele gosta. Meu ex-patrão, que já faleceu, foi sempre muito importante [na minha trajetória]. Foi ele quem me ensinou tudo que sei hoje. Ver meu filho na mesma profissão me traz o sentimento de que estou ensinando a ele o caminho certo”. Charles Alves, trabalha na feira livre do Jardim Mituzi, em Taboão da Serra, São Paulo.

Paulo Shigeru, 42, morador de Taboão da Serra, conta que começou a trabalhar nas feiras de Garça, no interior de São Paulo, quando era mais jovem. Sua família foi uma das primeiras a inaugurar as feiras populares da região. “A gente começou com alguns vendendo frutas, verduras e outros pastéis, mas praticamente toda minha família é de feirante”, compartilha. 

“Na feira sentimos liberdade para trabalhar e lidar com as pessoas. Nossa energia faz toda a diferença na venda. Se chegar cabisbaixo é difícil de vender. Quando possível, é legal também dar um desconto, abaixando um ou dois reais. Tudo isso aproxima a gente dos nossos clientes.” Paulo Shigeru, 42, trabalha na feira livre do Jardim Mituzi, em Taboão da Serra, São Paulo.

Paulo conta que os preços dos alimentos variam dependendo do local. Na feira em que trabalha toda quarta e domingo, tem pessoas que saem de outras regiões até Taboão, por conta do valor. “Sei de duas moças que moram no Morumbi e se deslocam para cá só para comprar porque por lá os preços são bem mais altos. Aqui temos essa pegada de ser algo mais popular”.

“O mercado é muito relativo. Hoje a concorrência é grande, tem mercado, sacolão, até delivery de frutas e verduras. Sinto que é importante abrir espaço para outras oportunidades, diversificando o trabalho e por isso também faço entregas, pensando justamente em uma atuação diversificada, só que isso sem perder a essência [da rua]”. Paulo Shigeru, 42, trabalha na feira livre do Jardim Mituzi, em Taboão da Serra, São Paulo. 

No Jardim São Carlos, distrito de Guaianases, zona leste de São Paulo, a feirante Letícia Batista, que é moradora de Itaim Paulista, trabalha na área há mais de 20 anos e, para ela, um dos pontos de melhoria para os trabalhadores das feiras é com relação à segurança.


“Minha família inteira trabalha na feira, desde os pequenos até os mais velhos. Isso vem desde o ventre mesmo. Fora que os amigos que a gente faz aqui também acabam se tornando família”. Letícia Batista, trabalha na feira do Jardim São Carlos, na zona leste de São Paulo. 

Letícia Batista, vende legumes variados na feira do Jardim São Carlos, zona leste de São Paulo. Foto: João Santos/Desenrola.

Anitta Dourado, 51, feirante no Jardim São Carlos, reforça os desafios atuais. 

“Espero que o cenário melhore, que as coisas abaixem o preço pra gente poder voltar à movimentação que tinha antes. Antes era tão cheio que quase não tinha espaço [para circular]. Não é fácil, a gente pega chuva, pega sol, mas seguimos na luta”. Anitta Dourado, 51, é responsável pela barraca de ovos na feira de Jardim São Carlos.

Também na feira do Jardim São Carlos, a pasteleira Fabia José, 47, fala sobre as dificuldades de garantir qualidade ao consumidor e a diferença de lucro em comparação com alguns anos atrás. 

“A feira já não tem o mesmo rendimento de antes, principalmente depois da pandemia [da covid-19] e com a concorrência dos hortifrutis nos mercados. Ainda assim, eu amo o que faço. A gente passa mais tempo com o pessoal da feira do que com nossa família, criamos laços de carinho no dia a dia”. Fábia José, 47, pasteleira na feira de Jardim São Carlos, zona leste de São Paulo.

Junto dela trabalha Joyce Karin que, orgulhosa, compartilha o que aprendeu na rua.“Hoje sei tratar melhor as pessoas, ouvir, acolher. Tenho um carinho enorme pela comunidade que está sempre presente, chegando para conversar e comer um pastel com caldo de cana”, diz.

“Eu até poderia ter seguido outro caminho, arrumar um serviço diferente, porque concluí os meus estudos, mas escolho estar aqui. A feira me transformou, me ensinou a ser uma pessoa melhor. Eu era muito ignorante, fechada no meu jeito, e com o tempo aprendi a mudar, a crescer como ser humano”. Joyce Karin trabalha na barraca de pastel na feira do Jardim São Carlos, zona leste de São Paulo.

Cerca de 35km separam a feira do Jardim São Carlos, na zona Leste, do bairro Jardim Tiro ao Pombo, no distrito da Brasilândia, zona norte, local em que toda semana está Carlos Eduardo Bueno, 19, na barraca do morango.

“Tenho seis anos de feira, comecei [por influência da família] e desde então aprendi muita coisa. Comecei nas verduras, depois fui para os legumes e hoje estou nas frutas. Sempre tem mercadoria nova, sempre uma novidade. Sou muito grato, porque sem nossos clientes não somos nada”. Carlos Eduardo Bueno, 19, é morador do Jardim Guarani e trabalha na barraca de morango, no bairro Jardim Tiro ao Pombo, na Brasilândia, zona norte de São Paulo.

Coletividade, cooperação e pertencimento são falas e gestos comuns entre os trabalhadores das feiras e, aos fins de semana, espaço de distração para os moradores. É o que conta Gleice Kelly Rocha, que trabalha há 17 anos na feira.  

“Domingo, principalmente, é o dia de tomar aquele caldinho de cana e comer um pastelzinho. É o dia do povo. É o momento de se distrair. Apesar dos desafios do dia a dia [e de passar quase 24 horas juntos] a gente se entende e se respeita muito. Vamos revezando e sempre pensando em não deixar [a barraca] parar.” Gleice Kelly Rocha, moradora do bairro Casa Verde e dona de barraca de caldo de cana na feira do bairro Jardim Maria Luiza, no Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo.

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