Entrevista

Especialista ressalta como crise ambiental agrava desigualdades em territórios periféricos

Desastres ou crimes ambientais? Thaynah Gutierrez explica a relação entre crise climática, crime ambiental e as consequências para as populações vulnerabilizadas.
Edição:
Evelyn Vilhena

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Dias de calor extremo, seguidos por períodos de forte chuva. Esse é um cenário cada vez mais comum ao se falar de mudanças climáticas. Entender as consequências dessa crise apenas como um desastre natural é um erro, é o que afirma Thaynah Gutierrez, especialista em transição energética, direitos humanos e integrante da Rede por Adaptação Antirracista, criada por organizações que se reuniram para pensar a agenda de adaptação climática com um viés antirracista centrado nas pessoas. 

Especialista ressalta como crise ambiental agrava desigualdades em territórios periféricos.
Thaynah Gutierrez cresceu no distrito de Ermelino Matarazzo e faz parte da Rede por Adaptação Antirracista. (foto: arquivo pessoal)

A desigualdade, o sistema capitalista – que se baseia no acúmulo de bens e lucros – e o neoextrativismo, modelo de desenvolvimento econômico que também promove a exploração da natureza e de seus recursos, são apontados por Thaynah como as principais causas da crise climática. 

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“Todos esses desastres, seja por conta das grandes chuvas, das grandes ilhas de calor ou o grande inverno que algumas regiões vão passar, tudo isso decorre das ações humanas e com o passar do tempo vão modificando como o meio ambiente consegue equilibrar a temperatura do planeta”, aponta a especialista, que também faz parte da Rede por Adaptação Antirracista.

Enchente no bairro Jardim Pantanal que aconteceu em fevereiro de 2025. (foto: José Cícero / Agência Pública)

Thaynah explica que a crise ambiental tem elevado a temperatura do planeta, resultando em diversas alterações no meio ambiente, como a intensidade e frequência das chuvas, o aumento de enchentes e erosões em algumas regiões enquanto em outras há secas prolongadas, além do crescimento das queimadas, entre outros desastres.

Em 2023, uma nota técnica divulgada pelo governo federal, identificou 1.942 municípios mais suscetíveis a ocorrências de desastres associados a movimento de massa, alagamentos, enxurradas e inundações, o que representa 34,9% dos municípios brasileiros. Já uma pesquisa realizada pela Organização Meteorológica Mundial, a agência climática da ONU, aponta que 2024 foi o ano mais quente registrado, o primeiro ano a ultrapassar o limite de 1,5°C de aquecimento em relação ao período anterior à Segunda Revolução Industrial.

Embora Thaynah destaque as ações humanas como a origem da crise climática, a especialista coloca que a responsabilidade disso não é do cidadão comum. “Esse efeito, que é culpa dos países mais desenvolvidos, do desenvolvimento desenfreado, da emissão de gases de efeito estufa dos Estados Unidos e da Europa, acomete principalmente os países mais pobres. E dentro dos países mais pobres, as comunidades mais pobres, que não têm resiliência para lidar com esses efeitos”, analisa ao também citar multinacionais e bilionários como responsáveis pela emergência do clima.

Ela relembra sobre diversas tragédias que acontecem e são chamadas de desastres naturais, mas na realidade são crimes ambientais, como no rompimento das barragens de responsabilidade da empresa Vale, nas cidades de Mariana, em 2015, e em Brumadinho, no ano de 2019, ambas em Minas Gerais. Além do gradativo afundamento de Maceió, em Alagoas, causado pela Braskem, através das atividades de mineração.

Enchente no bairro Jardim Pantanal que aconteceu em fevereiro de 2025. (foto: José Cícero / Agência Pública)

“Essas empresas sabem o que estão fazendo. Para elas é mais lucrativo esperar o desastre acontecer e pagar a indenização do que reconstruir ou fazer uma obra decente para que isso não aconteça”, explica Thaynah.

Ao falar sobre prevenção, no Brasil, segundo a especialista, existe uma agenda pública mais voltada para lidar com as emergências do que com essa prevenção. Ela menciona que para o Estado, esperar que um crime ambiental aconteça é mais caro do que se houvesse políticas públicas para precaução.

“É muito custoso, porque qual é o valor de você perder tudo, inclusive o laço comunitário? Não tem como monetizar isso. Não tem como monetizar a vida de um ente querido. Então, quando chega nesse lugar já não tem reparação suficiente, o que você aceita é esmola comparada à destruição que aconteceu.”

Thaynah Gutierrez, integrante da Rede por Adaptação Antirracista.

Como exemplo, cita a enchente que aconteceu na primeira semana de fevereiro de 2025, no bairro Jardim Pantanal, localizado no distrito Jardim Helena, zona leste de São Paulo. “Estudos mostraram que remover as pessoas custaria quase 2 bilhões e construir o dique para prevenir e fazer as obras de contenção para garantir o escoamento da água custaria 1 bilhão”, comenta.

Territórios criminalizados

Thaynah cresceu na região de Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, e tem parentes que moram no Jardim Pantanal, e ressalta que “ninguém escolhe morar num lugar que alaga”, ao falar sobre os julgamentos que surgem quando as pessoas, mesmo com alertas, permanecem em áreas de risco. “As pessoas moram lá porque elas não têm alternativas para morar em regiões mais seguras, com melhor infraestrutura”, pontua.

“O Estado não reconhece essas pessoas como merecedoras de uma agenda de prevenção. Porque no fundo se criminaliza essas pessoas só pelo direito delas de morar. O fato de morarem no Jardim Pantanal e não no Jardim Europa, faz com que elas sejam pouca coisa para o Estado. Se elas morrerem por causa do alagamento, por bala perdida ou por fome, tanto faz na agenda do Estado.” 

Thaynah Gutierrez, integrante da Rede por Adaptação Antirracista.

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A especulação imobiliária, que também faz parte do contexto de moradia nas periferias, é um dos fatores citados por Thaynah pelo qual não são realizadas políticas públicas de prevenção de desastres nesses territórios. “Toda vez que a gente escuta sobre a remoção, acende esse alerta: será que é remoção porque é uma zona de risco ou é remoção para especulação imobiliária? E todas as situações de remoção que a gente acompanhou foi para especulação imobiliária”, analisa.

“O que acontece é que essa população é removida de uma zona de risco para outra, porque com R$50.000 de indenização você vai morar onde? Se dentro da própria periferia o apartamento novo está custando R$ 200.000, com R$ 50.000 você faz o quê?, menciona Thaynah sobre o contexto de indenização que está sendo proposto para os moradores do Jardim Pantanal e que se assemelha a outras situações de remoção.

Chuvas intensas causam enchentes que impactam o cotidiano da população do bairro Jardim Pantanal. (foto: José Cícero / Agência Pública)

Criar formas de garantia alimentar a partir de quintais produtivos, cultivar agroflorestas, garantir água limpa protegendo as nascentes que existem em partes das periferias e coletivizar esses acessos, são algumas possibilidades mencionadas por Thaynah para as pessoas que vivem em periferias conseguirem lidar com o cenário que está posto com autonomia, mas sem deixar de lado a importância de exigir políticas públicas. 

Fortalecer o senso de comunidade também é apontado por ela como essencial para a garantia da sobrevivência de quem vive em situação de vulnerabilidade. “O individualismo que as favelas verticais geram, em que você entra no seu apartamento e esquece o que está acontecendo ao seu redor, vai fazer com que a gente morra primeiro e rápido. A gente precisa da comunidade”, finaliza.

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