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Podcast vira estratégia digital para engajar mulheres nas periferias

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Comunicadoras que atuam nos distritos de Parelheiros e Capão Redondo estão apostando no podcast como uma ferramenta que pode ser mais acessível e democrática para criar um diálogo mais próximo e afetivo com moradoras das quebradas de São Paulo. 

 A Coletiva Subversiva é formada por jovens comunicadoras de Parelheiros, zona sul de São Paulo (Arquivo pessoal)

“Não queremos e não podemos falar pelo território, devemos falar com o território, falar com as mulheres que aqui estão”, afirma Beatriz Klein, 18, moradora nascida e criada em Parelheiros, distrito da zona sul de São Paulo. Ela é integrante da Coletiva Subversiva, um grupo de cinco mulheres comunicadoras da região que criaram o podcast ‘Balbúrdia Coletiva’, com o intuito de subverter o termo e informar principalmente as mulheres do bairro.

Maternidade da mulher negra, autocuidado da mulher periférica, educomunicação e educação sexual foram alguns dos temas que já foram abordados pelo podcast Balbúrdia. Segundo a produtora, os conteúdos servem como pontes entre mulheres, para que elas possam expressar suas subjetividades através da sua voz em um espaço digital. “As convidadas são mulheres que são referência para nós e que nos inspiram, mulheres periféricas que sempre somam com o território de forma positiva e transformadora”, afirma Beatriz.

O podcast é dividido em blocos. O que faz a transição de um bloco para o outro é uma música de autoria das próprias convidadas e de outros artistas do território. O bate papo que dá origem a entrevista é realizado através de uma reunião no Google Meet. “Conseguimos gravar esse bate papo, então a conversa fica mais orgânica e conseguimos interagir muito mais e respeitamos o isolamento”, conta Beatriz, ressaltando a importância de entender o podcast como um processo de diálogo coletivo.

As plataformas mais acessadas pelos podcast são Spotify, Other, Google Podcasts, Anchor e Overcast. A periodicidade dos episódios é quinzenal, porém a maior dificuldade encontrada pelo grupo para produzir não é a elaboração de conteúdo, mas sim a conexão de internet que muitas vezes costuma cair no momento das reuniões online que dão origem as entrevistas. “Na maioria das gravações caímos da reunião em muitos momentos, isso atrapalha porque perdemos a meada da conversa durante a gravação”, relata Beatriz.

Mesmo com as dificuldades para acessar uma internet de qualidade, a coletiva mantém o podcast na ativa, pois elas são inspiradas a todo o momento pela troca de saberes, por meio da comunicação. “Acreditamos na importância de trocar saberes e alimentar o nosso aquilombamento”, ressalta a produtora de conteúdo, afirmando a importância de destacar pessoas negras como referências nos conteúdos que elas produzem. “Buscamos em conjunto racializar nossas pautas e lembrar sempre que antes de qualquer característica ou situação social, o que chega primeiro é a cor da pele”.

Essa referência da coletiva de ‘aquilombamento’ na informação contribui para elas usarem recursos da escuta ativa na produção dos podcats. “Quilombos duraram e resistiram por décadas nesse país, eles se ensinavam e se escutavam, aprenderam a lutar, a plantar, sempre lembro que Tereza de Benguela criou um parlamento dentro do quilombo para que tomassem decisões justas e alinhadas”, finaliza Beatriz. 

 “Minha grande preocupação sempre foi levar informação de qualidade”

A jornalista Gisele Alexandre produz o podcast Manda Notícias em sua casa ( Alex Silva)

“Fiz um lista de distribuição no Whatsapp com 200 números de amigos, colegas e familiares. Essas pessoas me acionavam mais, e mandei o podcast pra eles”, descreve a jornalista Gisele Alexandre, apontando como foi o início dos trabalhos para distribuir o podcast Manda Notícias. A moradora do Parque Munhoz, localizado do distrito Capão Redondo, zona sul de São Paulo, criou um boletim informativo em áudio com as principais notícias sobre os acontecimentos da pandemia de coronavírus.

Tudo começou quando ela começou a se perguntar como iria como iria contribuir para levar informação para o seu bairro. Neste meio tempo, ela começou a receber mensagens no seu Whatsapp de pessoas que estavam com dúvidas sobre o novo coronavírus. “Ai eu pensei: via áudio parece que eu consigo esclarecer as dúvidas e passar isso pra mais gente, aí foi que surgiu a ideia de montar um podcast”, relembra Gisele.

Ela levou uma semana para elaborar a ideia do podcast, começando pelo aprendizado técnica de aprender a usar softwares para edição de áudios, e colocou no ar.

Os retornos de moradores sobre o conteúdo foram surgindo organicamente, e a partir desses feedbacks a jornalista foi entendendo novas possibilidades para ter um maior alcance de distribuição de conteúdo, construindo uma página de divulgação no Facebook e mensagens instantâneas no Whatsapp .

“Minha grande preocupação sempre foi levar informação de qualidade”, afirma Gisele, ao relembrar das suas maiores dificuldades para a produção do podcast na pandemia, que foi a falta de dados públicos para conseguir passar uma informação de qualidade para seus ouvintes.

Para lidar com essa falta de transparência do poder público, a jornalista adotou novas estratégias para captação de dados de forma orgânica e consistente. “Eu me inscrevi em todos os meios de informação oficial, o telegram do governo do estado, ficava no pé da prefeitura, com e-mails diretamente pra prefeitura né, pra secretaria de saúde e foi isso”, detalha.

Além do intuito de democratizar o acesso à informação, a jornalista ressalta a necessidade de potencializar e fazer com que vozes femininas ocupem o espaço na comunicação digital. “O machismo ele existe em todas as relações. E isso não é diferente na comunicação, pelo contrário”, afirma Gisele.

Ela considera que os melhores meios para se ter mais pluralidade de vozes se expressando na comunicação digital é a partir da autoafirmação das mulheres nesses lugares. “O que a gente consegue é entender um pouco mais esse nosso lugar, e se expressar a partir disso”.

Recentemente o episódio do podcast Manda Notícias que traz a pauta de violência contra mulher foi premiado como segundo melhor podcast pelo Instituto Jatobás, organização que vem investindo em projetos de combate às desigualdades sociais nas periferias de São Paulo.

Ela relata que após produzir 60 episódio durante cinco meses com conteúdos exibidos toda segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, foi possível formar uma lista de transmissão com 500 pessoas. Após esses acúmulos, Gisele resolveu encerrar essa temporada para pensar em novas abordagens que tenha mais elementos para uma comunicação eficiente.

“Eu encerrei a primeira fase do Manda Notícias pra pensar em um manda notícias do futuro, é o que eu posso contribuir para essas relações que estabeleci é contribuir dentro do podcast”, finaliza.

Produtor musical ocupa festival de filmes com documentário sobre as origens da música Dub

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O gênero musical jamaicano criado na década de 60 que está enraizado nas periferias devido à atuação dos coletivos de Sound System é tema do documentário “Dub Magnificente”,  dirigido por Mario Cezar Rabello, morador do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo.

Mario Cezar Rabello (diretor), Laylah Arruda (cantora), Wellington Amorim (fotógrafo) durante as gravações do documentário.

O documentário “Dub Magnificente” produzido pelo editor de vídeo e produtor musical Mario Cezar Rabello, em parceria com o coletivo Maloka Filmes, estreia na programação do In-Edit Brasil. O festival de cinema internacional In-Edit é realizado anualmente em São Paulo e promove a visibilidade de filmes documentais sobre o cenário da música e que conta com mais de 60 produções nacionais e internacionais.

O documentário Dub Magnificente resgata as origens do gênero musical criado por engenheiros musicais na Jamaica. Nas periferias, o ritmo está fortemente ligado a cultura dos eventos Sound System, organizados por coletivos e equipes de som da quebrada.

Confira o trailer do filme:

O morador do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, tem uma longa trajetória na produção musical e audiovisual, sendo “Dub Magnificente” seu primeiro trabalho que reúne as suas duas paixões. Dentro da música, o produtor tem aproximação com a cena jamaicana, que assim como o Brasil, tem seus principais ritmos criados pelas periferias.

“Falando especificamente de São Paulo, tivemos uma explosão na quantidade dos chamados Sound System nos últimos 10 anos. E praticamente todo dia em algum lugar da cidade tinha alguma festa de música jamaicana. E o público também aumentou muito. E muito desse público sai das periferias. Não é a toa que muitas das festas acontecem nas periferias, ao ar livre, nas praças, no campinho de futebol, no terreno baldio etc.”

Mario Cezar Rabello

Para o produtor, a música jamaicana sempre teve uma conexão com o povo. “A Jamaica era (ainda é) um país de grande maioria pobre. A música em si não faz distinção de classe, a Música enquanto entidade, mas as pessoas se conectam porque sentem algo ali que se conecta com elas. E acho que essa conexão aconteceu nas bordas da cidade”.

Ocupando espaços 

O In-Edit é um festival internacional de documentário musical criado na Espanha em 2003 e presente em diversos países. Em 2020, o festival completa sua 12ª edição e tem sua programação totalmente online.

“Sou um baita consumidor de música e produzo também, então pra mim já era fato fazer um documentário pra estar no In-Edit. Tanto é que tô guardando ele desde janeiro só pra estrear no festival”, conta Mario, ressaltando a importância deste tipo de evento para a difusão da produção audiovisual independente.

Para assistir a programação no festival é necessário se inscrever. Além disso, o filme ficará disponível entre as 12h do dia 10 de setembro até às 23h59 do dia 20 deste mês. Além disso, após o festival, o produtor pretende liberar o documentário em seu canal no YouTube.

Para assistir o doc no Festival In-Edit, acesse este link.

Websérie retrata a vida de jovens das periferias para alcançar seus sonhos

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 Quatro jovens, com quatro histórias diferentes, em busca de soluções coletivas para mudarem sua história e transformarem a vida na quebrada. Conheça mais sobre a websérie Pense Grande Sua Quebrada!

Jovens das periferias durante as gravações da websérie Pense Grande Sua Quebrada. (Foto: Maxuel Melo)

 O que é ser um empreendedor social? A resposta para essa pergunta muda dependendo das vivências de quem a responde. E foi pensando em trazer a pluralidade desse conceito que nasceu a websérie Pense Grande Sua Quebrada, contada a partir da perspectiva de quatro jovens das periferias de São Paulo.

Cinco coletivos de comunicação, Alma Preta, Desenrola e não me enrola, Embarque no Direito, Periferia em Movimento e Agência Mural uniram forças para montar um roteiro que cumprisse o papel de democratizar a linguagem e o acesso ao universo do empreendedorismo social.

Para que este objetivo fosse cumprido, cada um dos cinco episódios da série foi produzido e dirigido pelos coletivos de maneira colaborativa. Todo o processo de pré-produção, produção e pós-produção foi realizado no ano de 2019 e contou com a participação de 22 jovens durante as gravações.

“Reunimos a proposta do programa Pense Grande da Fundação Telefônica Vivo e pensamos no que fazia sentido para a realidade das periferias. Entendemos que todo o processo seria mais significativo se fosse feito em conjunto com os jovens. Muitos não se definem como empreendedores, mas estão sempre em movimento para criar soluções para sua existência em um cenário que não é favorável”, compartilha Aline Rodrigues, jornalista

Pessoas envolvidas no Pense Grande Sua Quebrada

 

Modelo retirado de: Pense Grande Sua Quebrada INFO
Modelo retirado de: Pense Grande Sua Quebrada INFO

Sinopse  

Felipe, Carla, Vitória e Ícaro são jovens negros e moradores da periferia da Favela da Tula Pilar. A negritude e o lugar onde moram são apenas um dos fatores que os conectam, já que todos passam por diferentes dificuldades e problemas pessoais que vão sendo trabalhados, individualmente, ao longo dos episódios. Obstáculos para ingressar no mercado de trabalho, desafios na infraestrutura familiar e acesso à educação, dúvidas sobre o futuro… Tudo isso é levado em conta quando Vitória enxerga a possibilidade de trazer propósito para os jovens de sua quebrada por meio de uma Batalha de Rima. E o que começou como uma simples ideia, acaba por inspirar as juventudes da periferia a expressar suas vozes. 

Conheça os personagens da websérie Pense Grande Sua Quebrada 

Personagens: Felipe (Josiel do Espírito Santo), Carla (Gabrieli Santos Rocha), Vitória (Tamires Rodrigues) e Ícaro (Luiz Lucas). (Foto: Maxuel Melo)

Para driblar as dificuldades financeiras, Vitória (Tamires Rodrigrues) encontrou um jeito de empreender para se virar. Criou um brechó online, onde divulga peças de roupa e faz a entrega pessoalmente para seus clientes. Aos 18 anos, se vê enfrentando um mercado de trabalho que pede por experiências incompatíveis com a realidade da maior parte dos jovens brasileiros de sua idade. Mesmo com essa frustração, busca participar de cursos e estudar bastante com os recursos à sua disposição, sempre enxergando uma nova possibilidade de fazer diferente.

Felipe (Josiel do Espírito Santo) é um artista. Seu sonho é um dia trabalhar apenas com a música, tornando-se um rapper bem sucedido. Mas a realidade é diferente para ele, que casou muito cedo e trabalha vendendo balas em cruzamentos de farol na cidade para sustentar seus sonhos e a responsabilidade de uma vida a dois. Isso faz com que sobre pouco tempo e recursos para investir na carreira que tanto almeja, deixando em segundo plano seu objetivo de dedicar-se integralmente à arte.

 Apesar de seu enorme talento para a matemática e o raciocínio lógico, Ícaro (Luiz Lucas) não reconhece seu potencial. O jovem mora com a mãe e perdeu seu pai muito cedo. Ainda sem espaço no mercado de trabalho, Ícaro sente-se inseguro em relação às outras pessoas que encontrará por lá, que julga serem mais talentosas do que ele. Não importa o quanto as pessoas ao seu redor continuem insistindo para que ele olhe para suas qualidades, o jovem encontra dificuldade em traçar seus objetivos de vida.

Carla (Gabrieli Santos Rocha) é apaixonada por tecnologia e seu sonho é trabalhar desenvolvendo sistemas e sites. Ela mora com a sua avó materna e trabalha em um comércio para ajudar nas despesas do aluguel da casa. A falta de oportunidade de estudo e as desigualdades racial e de gênero, ainda muito presentes na área de tecnologia, contribuem para ampliar a distância entre seus sonhos e a realidade. Ainda assim, a jovem não perde uma chance de se aprofundar no assunto com os meios que tem, estudando e pesquisando por conta própria.

 Coletividade como potência

Para desenhar os personagens e a linguagem da série foram levados em consideração os anseios, as dúvidas e os sonhos dos jovens, pensando o empreendedorismo a partir de suas perspectivas. Até o roteiro de falas foi escrito a muitas mãos, contando com mudanças feitas pelo próprio elenco na hora das gravações.

“As nomenclaturas na série não são tão importantes. A linguagem é a que o jovem usa no dia a dia na periferia. O roteiro é muito original porque é produto dos próprios atores, que fizeram mudanças importantes para que eles e outros jovens se reconhecessem naquelas falas”, conta Maxuell Mello, 24, produtor de conteúdo audiovisual e encarregado pela direção e edição do material.

Para ele, a interação e a união da equipe foi o grande diferencial. “A gente montou um time de produção muito unido e humano. Isso fez com que a série andasse. O convívio era muito bom, pudemos fortalecer a conexão que já tínhamos com os amigos e também conhecer outros jovens da quebrada que dividem a vontade de produzir conteúdo e arte. O que fica é esse carinho e admiração”, conta Max.

Thaís Siqueira, jornalista do Desenrola e Não Me Enrola, e Rebeca Motta, produtora cultural e jornalista do Embarque no Direito, concordam que a união das potencialidades e vivências de cada um determinou o tom da série.

“Foi muito interessante ver como toda a equipe estava empenhada em fazer o projeto acontecer. A comunidade tem muito disso: fazer um pelo outro. A gente era mesmo uma grande família”, conta Rebeca.

Já Thaís, acrescenta: “O ponteiro do relógio de um jovem morador da periferia vive atrasado há muito tempo, e não é fácil tentar colocá-lo nos mesmos minutos e segundos de um jovem que não vive a mesma realidade. Mas a juventude periférica tem muito talento e ousadia naquilo que faz, o que falta é mais oportunidades e acesso a espaços que são negados a ela”.

(Des)construindo narrativas 

 “A série vem quebrar o imaginário que as narrativas constroem sobre o jovem da quebrada. Empreendedorismo na periferia vem da sobrevivência e é na busca de meios para contornar essas dificuldades que a gente soluciona os problemas”, diz Thamires Rodrigues, 23, jornalista do coletivo Desenrola e Não me Enrola e também a atriz que interpreta Vitória.

Quando descreve a personagem, Thamires diz que poderia descrever a si mesma. “Ela é uma garota muito pra frente. Tá sempre circulando pela quebrada, tentando arrumar uma solução para os problemas, além de agitar a galera pra pensar junto com ela”, diz.

Luís Lucas, 23, também se identifica com o personagem que interpreta. Apesar de nunca ter atuado antes, o jovem jornalista do Jardim Ângela diz ter se sentido muito acolhido, o que ajudou a tornar a experiência mais natural. “Assim como o Ícaro, eu também perdi meu pai muito novo e passei por um momento de dúvidas em relação ao meu futuro. Ele é um personagem muito inteligente, mas ainda não descobriu que caminho seguir”, descreve.

Cada personagem enfrenta desafios particulares e não há suporte externo que possa impulsioná-los na direção daquilo que acreditam. É na coletividade, e entre os amigos, que encontram a oportunidade de imprimir suas vozes e narrativas no mundo. “É isso que a batalha de rima representa na série: a juventude se reunindo para expressar a cultura periférica e relembrar que, ali, já existe um potencial de mudança”, conclui Luís.

Confira na íntegra os episódios da websérie Pense Grande Sua Quebrada! 

Memória do transporte público no Jardim João XXIII vira documentário

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O longa metragem “Até onde a gente vai?”, produzido pelo Coletivo da Quebrada registra as memórias de moradores que utilizam o ônibus 7545-10 que sai do João XXIII e faz final na Praça Ramos de Azevedo. A linha foi criada na década de 70 para conectar o território com a região central de São Paulo. 

Diego Peralta entrevistando Lilia e Pedro Fernandes gravando dentro do ônibus 7545 (Foto: Leticia Lakatos)

João XXIII é um bairro localizado no distrito de Raposo Tavares, na zona oeste da cidade de São Paulo. O território nasce por volta dos anos 50 com suas primeiras ocupações, nele transita a linha de ônibus municipal, 7545-10, João XXIII – Praça Ramos de Azevedo é a linha que conecta o extremo da zona oeste, ao centro histórico de São Paulo. Partindo na Rua Nazir Miguel, 562 e terminando na rua R. Cel. Xavier De Toledo, 254 percorrendo mais de 20 km e fazendo 46 paradas.

Ficar mais de uma hora no ônibus lotado, enfrentando trânsito, lotação, desconforto, passagens que só aumentam e ainda sim, criando laços, memórias é o que muitos trabalhadores que moram em regiões mais afastadas do centro e necessitam do transporte vivenciam no seu cotidiano.

No João XXIII, não é diferente, a linha 7545-10 que tem seus primeiros registros na década de 1970, é uma das primeiras conexões do bairro com o centro da cidade, atravessando gerações com seus percursos que são palcos de cochilos, laços de amizades, raiva e muita memória. É a partir deste cenário urbano e periférico que nasce o documentário “Até onde a gente vai?”, criado pelo Coletivo da Quebrada.

“Muita coisa mudou na cidade de São Paulo. Durante o século XX, a cidade se expandiu demais com a migração massiva de outros cantos do país. A nossa região do Jardim João XXIII foi ocupada nos anos 1950 e 1960, com a construção dos primeiros bairros. Na minha pesquisa de mestrado consegui rastrear a origem da linha 7545 pelo menos até 1970. Muitas gerações pegaram essa linha e acompanharam suas mudanças”, afirma Diego Peralta, 24, mestrando em Sociologia pela USP e integrante do Coletivo da Quebrada.

“O ônibus 7545 é marcante e fundamental para região do João XXIII”

O Coletivo da Quebrada nasce em 2017, mesmo ano que eles iniciam a construção do documentário “Até onde a gente vai?”. Pautando a questão do direito à cidade dentro do Jardim João XXIII, o filme surge a partir da experiência concreta e diária com as dificuldades do transporte público vivenciadas pelos moradores Pedro Henrique Fernandes, 24, e Alvim Almeida Silva Junior, 20.

“O documentário vem da nossa experiência concreta, das experiências que eu e o Alvim estava tendo naquela época e ainda vive no transporte que é a dificuldade em acessar o transporte. A gente pegava muita carona, a gente não conseguia pegar ônibus real, aí vem a ideia de retratar isso com os próprios passageiros, quem entende do transporte. Não é o especialista do transporte, é quem pega ele todo dia, é um documentário que as pessoas que estão fazendo e as que estão falando tem a experiência de estar no ônibus todos os dias”, explica Pedro Henrique, diretor do documentário.

Fernandes complementa descrevendo o porquê de contar a história de passageiros do ônibus 7545 e sua importância para o bairro. “O 7545 é o ônibus mais populoso do bairro. É o ônibus que o nome dele transformou um espaço em ponto de encontro no bairro, a gente se encontra no 7545, as pessoas vão lá conversar, se ver, ele atravessa a história do bairro, ele tá enraizado dentro de um processo histórico, todo mundo conhece e pega”.

O integrante do coletivo Lucca Amaral, 28, ressalta que o transporte público é marcante na vida de quem o utiliza. “Não tem como não considerar o transporte público, principalmente o ônibus, como algo essencial e marcante na vida. O ônibus 7545 é marcante e fundamental para região do João XXIII, e foi uma forma essencial de contar histórias de pessoas desse território ao mesmo tempo em que se demonstram de forma crítica os problemas e dificuldades ao acesso à cidade.” 

Reunião do Coletivo Da Quebrada (Foto: Leticia Lakatos)

“As pessoas do João XXIII são capazes de criar, só precisa de estrutura para isso”

Além de criar um registro histórico sobre as memórias de moradores, o documentário gerou uma série de momentos de reflexões na equipe de produtores audiovisuais do Coletivo da Quebrada, os quais passarão a se identificar com os personagens entrevistados durante o processo de gravação.

“Quando a gente tava filmando, a gente não tava filmando pessoas que não conhecemos e não sabíamos o que elas passavam. A gente tava quase que se filmando, porque elas são muito parecidas com a gente. As questões são muito parecidas”, lembra Fernandes, o diretor do longa metragem.

Ao vivenciar esse processo de escuta dos entrevistados, ele tem a nítida certeza que os moradores estão transformando o bairro. “Também é importante saber que o bairro tá se mexendo, ele está em constante movimento, existe muita gente criando coisas, as pessoas periféricas são capazes de criar, as pessoas do João XXIII são capazes de criar, só precisa de estrutura para isso”, diz.

O documentário retrata as histórias de Lilia, Amanda e Rogério, moradores do Jardim João XXIIII. Lilia é uma mulher baiana que teve sua consciência construída na vivência dentro de uma cidade excludente. “Lilia, a quem tive o prazer de acompanhar nas entrevistas, nascida no sul da Bahia, migrou para São Paulo nos anos 1990 e passou por muitas situações que a conectam com muitas trabalhadoras no país: uma empregada doméstica, babá, negra e periférica. Ela nos contou muitas histórias de conflitos de classe, apuros, adaptação a um meio urbano hostil, mas também sobre seu filho, seu lazer na juventude. Ela nos mostrou uma consciência construída na vivência de uma cidade excludente, mas onde construiu seu lar”, comenta Peralta.

Amanda, por sua vez é a entrevistada mais jovem do documentário. A moradora do CDHU Munk tem outra relação com o transporte, que é o fato de não conseguir usá-lo por não ter dinheiro da passagem, gerando os não acessos à cidade, impactando no direito de estudar.

“Amanda é conhecida no cursinho popular do bairro, o Claudia Silva Ferreira, a mais jovem dos personagens. Ela batalha para ser aprovada no vestibular e entrar na universidade pública para cursar Letras. Nessa luta diária enfrenta as mais diversas questões: falta de dinheiro para ajudar em casa e para pegar o transporte para ir estudar, o desafio de ir e voltar de noite para ir ao Cursinho, que são mais de 2 km de caminhada, sozinha em ruas vazias e mal iluminadas, batalhando para estudar”, descreve Peralta.

O último personagem a ser entrevistado é Rogério. Ele é morador de uma das principais ocupações do bairro o “Pelourinho”. Ele conta nas entrevistas sobre os desafios de cruzar a cidade todos os dias para chegar ao trabalho. “Eu quis participar porque eu achei que ali seria uma oportunidade como cidadão e morador do bairro de expor minha opinião, até mesmo na parte crítica da situação do ônibus da cidade e do nosso bairro, o trajeto que eu faço até meu trabalho se eu fizer ele todo de ônibus eu vou gastar mais de 2 horas, se for um dia de chuva é mais de 3 horas, por isso eu optei por usar a bicicleta, aí eu vou com o 7545, até a faria lima e de lá pedalo mais 25 minutos até meu trabalho”, retrata Rogério da Silva Cruz, 36.

Fernandes, o diretor do documentário diz que encontrou sua própria história dentro da história dos personagens. “A gente encontrou histórias muito parecidas com as nossas, a gente encontrou as nossas histórias dentro do transporte e foi isso, uma questão de reconhecimento, a gente se reconheceu dentro do ônibus, a gente se reconheceu na Lilian, no Rogério, eu encontrei a minha história”.

(Foto: Leticia Lakatos)
(Foto: Leticia Lakatos)
(Foto: Alvim Almeida)
(Foto: Leticia Lakatos)
(Foto: Leticia Lakatos)

 “Quando assisti me senti representada”

O documentário estreou no Youtube em 27 de junho, e desde lá já teve três apresentações online, com direito a uma roda de conversa com a equipe que o produziu. “Teve três apresentações e as respostas foram muito boas. Toda vez que acabava a gente recebia mensagem, como a gente fez na opção de estréia do YouTube o pessoal podia comentar enquanto passava o filme, muita gente comentando, dando parabéns, o pessoal comentando sobre as falas dos personagens, isso foi muito da hora”, exclama Fernandes.

Ele ressalta que a interação das pessoas e os elogios recebidos reforçam a importância do trabalho coletivo nas periferias. “Foi muito legal ver as interações, ver os elogios, porque é isso, nós periféricos estamos tentando apoiar um ao outro, e teve esse apoio muito forte, foi um processo que a gente se sentiu bem com as respostas, e esperamos que possa acontecer presencialmente em algum momento”.

Para os moradores do bairro, o documentário causou emoção e um sentimento de reconhecimento tanto nas histórias quanto nas questões que eles vivenciam com o transporte público. A moradora Jaqueline Lucena, 21, estudante de dança comenta como se sentiu ao assistir o filme. “De primeira, me senti emocionada. Ver um trabalho como esse ser desenrolado, pensado e produzido por pessoas do bairro, e ainda mais emocionada por conhecer as pessoas. Quando assisti me senti representada, por me enxergar nas pessoas que produziram e nas histórias retratadas”.

Ela afirma que além do sentimento de representatividade e orgulho da qualidade do filme, também rolou espaço para manifestar suas indignações com o estado do transporte público no bairro. “Também me senti muito indignada de ver o quanto nós, pessoas pobres e periféricas somos submetidas ao desgaste extremo que não é apenas na exploração do nosso trabalho, mas como somos castigados em todo o trajeto até o trabalho”.

Lucena destaca a importância afirmando o quanto ele é importante para os moradores não normatizar as violências que sofrem no cotidiano, como o aumento da passagem quanto o trajeto em si em condições precárias. “O filme é muito importante tanto para o contexto histórico do bairro, de estar contando nossas histórias, e registrando, quanto para ajudar as pessoas a deixar de normatizar os aumentos de passagens, as precariedades e lotações no transporte, pagamos o transporte duas vezes, nos impostos e nos preços das passagens, e isso não é normal, a passagem aumenta praticamente todo o ano, e tem mais lotações, menos linhas, menos ônibus circulando, o filme incentiva a gente a lutar por condições melhores de transporte na cidade e principalmente no nosso bairro”.

Rogério que teve sua história retratada no documentário comentou como se sentiu vendo o filme pronto pela primeira vez e a importância de uma produção assim para os moradores e para o território do João XXIII.

“Eu me senti um pouco com medo. Será que eu falei alguma besteira? Mas fiquei muito feliz depois que vi, falei com o coração, fiquei muito feliz em poder contribuir em um documentário que é muito importante para o bairro, porque ele trata de histórias reais do dia dia, de pessoas que pegam ônibus, é importante mostrar nosso lado da situação, a dificuldade que é de você chegar no seu trabalho, a dificuldade do transporte público na cidade, você consegue expor isso para as pessoas que vão assistir, porque só quem sabe de verdade é quem vive todos os dias”. 

“Não acontecer nada é o que faz a mobilidade urbana não contemplar a população periférica” 

“A geografia da quebrada é complexa, em geral o que podemos dizer é que os processos históricos que levaram à construção das periferias são muito semelhantes entre si, embora cada uma tenha a sua particularidade, aqui na região temos o icônico 7545, todo mundo pega ele, desde que me entendo por moradora do bairro, ouço boatos que essa linha vai cortar e sempre me pergunto como?”, questiona Hellen Almeida, 25, graduanda em geografia pelo Instituto Federal de São Paulo e moradora do João XXIII.

Ela analisa a relação do transporte público no contexto da quebrada e propõe o aumento da frota de ônibus para suprir a crescente demanda de passageiros. “É o ônibus mais lotado da quebrada, o ideal seria aumentarem a quantidade de ônibus disponível, não cortar as linhas já existentes, felizmente esse ônibus não foi cortado, mas também não ampliaram nada, acho que esse ‘não acontecer nada’ é o que faz a mobilidade urbana não contemplar a população periférica enquanto a demanda por transporte aumenta, a tarifa sobe e a oferta de ônibus não”.

A estudante de geografia afirma que para haver mudanças importantes na forma de pensar a mobilidade urbana na cidade seria necessário incluir os moradores nos processo de elaboração de soluções. “Para contemplar de fato os moradores, o transporte coletivo deveria ser pensado de forma coletiva, de acordo com as demandas dos usuários. Existem os Conselhos Gestores, que são ‘tentativas’ de democratização da gestão pública, mas sinceramente, terça-feira às 14h da tarde é um horário que prioriza a participação de quem? A maioria dessas reuniões acontece em horários que torna inviável a participação da população, que, muitas vezes, sequer é informada de sua existência ou, quando sabem da existência, mal tem o direito de falar quais são suas demandas”.

Almeida complementa dizendo que o transporte dentro do bairro acaba se tornando um espaço de encontro entre os moradores, por passarem mais tempo dentro do transporte. “Se encararmos o transporte coletivo como um local de passagem no qual grande parte da população da quebrada passa bastante tempo, podemos dizer que ele possibilita o encontro entre moradores, não por ser um espaço agradável de socialização, mas porque as pessoas acabam se encontrando nele, sendo, muitas vezes, um local de interação social por conta das várias horas que se passa dentro dele”.

 A geógrafa também aponta que os jovens da quebrada usufruem do transporte de formas diferentes. “Para os jovens da quebrada o uso do transporte coletivo é diferente. Podemos falar em uma infinidade de situações, mas cabe destacar algumas: existe o jovem que usa o transporte para ir à escola; existe o jovem que trabalha e estuda; existe o jovem que não usa o transporte coletivo por não ter condições de bancar a passagem e acaba por ter acesso somente aos locais onde puder ir a pé, de skate ou bicicleta. O direito a cidade é um direito que as pessoas só acessam se tiverem condições financeiras para arcar com ele e as catracas ainda são um empecilho muito grande para o jovem periférico”.

Almeida reafirma as dificuldades no transporte de hoje, apontando que o valor da tarifa não equivale à qualidade de experiência de pegar um ônibus em São Paulo. “Existem inúmeras dificuldades em utilizar o transporte: a superlotação, o estado de conservação, o preço da passagem. Ano após ano o valor da passagem de ônibus aumenta e a qualidade não acompanha esse acréscimo da tarifa. Algumas linhas de ônibus demoram absurdamente, o que faz com que fiquem ainda mais lotados. Recentemente passaram a trocar alguns ônibus velhos por modelos mais novos, com ar condicionado, etc., mas essa era somente uma das questões que precisam ser melhoradas, mesmo porque o transporte é extremamente caro”.

Ela acredita que por conta da pandemia, o transporte público se tornou ainda mais problemático e perigoso para a população periférica. “As pessoas precisam usar máscara ao entrar no transporte coletivo, o que é importantíssimo, mas não resolve uma grande parcela do problema: não existe distanciamento seguro em um ônibus lotado. Muitas vezes as pessoas vão quase encaixadas umas nas outras, sem ventilação. A pergunta que fica é: o transporte coletivo é seguro? E a resposta pode ser categórica: obviamente que não! Se já não era seguro, pois grande parte das pessoas ficam em pé, segurando em barras, durante um tempo considerável, agora com toda essa questão das necessidades de cuidados sanitários são menos ainda.”

Engajada em estudar formas de combater as injustiças sociais presentes no transporte público, Gabriela Dantas, 26, integrante do Movimento Passe Livre, organização política que vem estudando formas de garantir uma tarifa menos abusiva para a população, principalmente pautando a tarifa zero na cidade de São Paulo, fala sobre a importância do documentário para a discussão do acesso ao transporte dentro das periferias.

“Quanto mais gente tiver materiais e mídias que contam a história desde baixo, da perspectiva de quem mora nas periferias e sente na pele o que é depender de um transporte precário e muito caro, mais a gente fortalece a nossa voz e o nosso alcance. Porque pra conseguir mudar de fato esse sistema, a gente vai precisar de muita gente junta. A grande mídia muitas vezes não divulga a real situação vivida pela maioria da população e nem as lutas que acontecem nas periferias, mas por isso mesmo é importante a gente ter canais para mostrar isso tudo nos nossos termos, mostrar que outro transporte é possível e necessário”, afirma Dantas.

Em uma situação extrema como a pandemia de covid-19, era de esperar que a circulação de ônibus aumentasse na cidade para a lotação diminuir, mas em 24 de Junho deste ano, a SPTrans, empresa vinculada à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes, publicou no diário oficial a retirada de 988 ônibus da frota das linhas municipais. A decisão causou um grande impacto nas periferias, territórios onde os moradores precisavam antes mesmo da pandemia de melhores condições de ir e voltar do trabalho.

Dantas aponta que essa redução é uma política de morte. “A redução da frota de ônibus como resposta à pandemia é uma política de morte. Em vez de a prefeitura fazer medidas para diminuir as necessidades de deslocamento das pessoas, diminui os meios de transporte. Isso torna as viagens de quem precisa sair de casa pra trabalhar ainda mais precárias e arriscadas. O transporte coletivo hoje é um dos principais espaços de transmissão do vírus porque tem gerado muita aglomeração. E já foi mostrado que isso acontece principalmente nos trajetos que saem da periferia, onde está a maioria das pessoas que não tem o privilégio de ficar de quarentena e trabalhar em casa.

A integrante do Movimento Passe Livre finaliza comentando a importância de mobilizar os moradores dentro dos bairros para ampliar as discussões sobre o transporte público na cidade. “Não existe uma única receita de mobilização, mas podemos aprender com experiências que já deram certo. Dá pra organizar conversas entre moradores em espaços de encontro, fazer e distribuir panfletos ou materiais que falem da situação do transporte, fazer abaixo-assinados contra cortes de linha ou por outras demandas e até fazer manifestações, inclusive para levar esses abaixo-assinados até a subprefeitura”.

Homens não devem cuidar de crianças: a ilegalidade da paternidade

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Como a sociedade reage aos primeiros meses de um homem sendo pai? Detalhes, olhares, comentários, sutilezas e muitas outras situações cotidianas reforçam a inquietação do ser humano ao ver um homem preto e periférico se descobrindo e vivenciando a paternidade. Mas o que há de errado nisso?

Dimas Reis e seu filho Malik na sede da Preto Império, projeto cultural que ele organiza junto a outras agentes culturais da Brasilândia, zona norte de São Paulo. (Foto: Bea Reis)

Eu quero e preciso começar esse texto dizendo que não estou aqui escrevendo para ser referência, principalmente para mulheres que vivenciam diversamente sua maternidade.

Outra coisa que não me interessa é negar a maternidade ou enaltecer a paternidade, mas questionar o machismo ao qual nós homens pretos estamos submetidos e alguns de nós buscamos se desvencilhar.

Tão bem tramado ele, que favorece, facilita e força a ausência da paternidade em diversos níveis de influência: psicológico, social, econômico, cultural e acrescentaria, com muito deboche, ficcional.

Tenho observado que rolou uma alteração do cotidiano, nos últimos seis meses por conta da experiência da paternidade. Falo desse tempo, pois só aí que fisicamente tornou-se mais fácil observar um pai e um filho, ou pai e filho, ou não na verdade, observarem um homem e um bebê recém-nascido.

Das primeiras coisas que senti, foi que os motoristas de ônibus, não nos seus 50%, ignoram a necessidade de cumprir a lei e aguardar que se sente com a criança para mover o ônibus. Não consigo conceber, parece que o cérebro não assimila que naquele utensílio junto ao corpo, com duas perninhas e dois bracinhos se projetando para fora dele (as vezes não dá pra ver a cabeça por conta que está coberta) que estou com uma criança, já chegaram a dizer com espanto: “pensei que era um boneco” (talvez eu pareça engraçado rs).

Outro ponto, que acho uma das pérolas mais podres do machismo, compartilhado e incrustado em todes nós: as pessoas abominam o fato do pai ter total capacidade de suprir as necessidades do filho na ausência da mãe, essa função parece ser única, exclusiva e obrigatória da mãe e ai dela.

Às vezes (eu disse ‘as vezes’ em) mesmo para a mãe é difícil quando um pai é o que ele deveria ser.To falando aqui daquela construção social que obriga a mulher a cuidar de si, do filho, do companheiro e por vezes de outros parentes, essa educação fica lá, tão encravada que, chega a rolar um estranhamento quando o pai é o que ele deveria ser. Se não se estranha, se enaltece, como não sei se deve ser.

Nesse primeiro texto quero me aprofundar mais nesse segundo ponto. Sinto um cerco, atento e desejoso de que nós homens, assumamos “o seu lugar de homem” na história, afinal “as coisas sempre foram assim”. 

Mas vamos lá, já que estamos nos falando pela primeira vez, deixa eu me apresentar.

Eu definido homem hétero, cis normativo, negro, periférico e desentendido-bi. Fui criado um pouco excluído das rodas masculinas, meu pai e minha mãe pareciam não querer me ensinar os palavrões, cuspes no chão e fofocas safadinhas na roda pós samba da laje no quintal dos primos.

Lembro dessa roda, todos sentados conversando e meu pai dizendo: ‘não é pra você ficar aqui não, vá com sua mãe’. Como quem dizia que o que se falava ali não eram coisas pra eu absorver.

Não por isso, mas grato por isso, toda minha vida me referenciei pelo feminino: minhas avós, minha mãe, professoras e até na adolescência minhas outras mães (Carmem, dona do bar em frente de casa e Dona Izilda, conhecida como Zilda só, a benzedeira). Elas eram tão importantes pra mim que tinham esse peso de mães, junto com minhas avós também. Só mais tarde a gente vai conceituar isso: que nos educamos mesmo é em comunidade né?

Cresci dentro desse contexto onde eu não gostava de jogar pião, empinar pipa, pensar no carro que eu teria ou nas namoradinhas que eu devia “ter”. Quando entrei na creche, com pouco menos de seis anos de idade lembro que meu primo já tinha “tido” umas duas namoradinhas.

Quando adolescente sempre esperei e sonhei pela mulher dos meus sonhos (a princesa encantada… ops devia ser príncipe né rs). Lá pelos 23 anos já me achava pronto e super desejoso de ter um filho, me deparei em meus relacionamentos com os projetos de vida das companheiras… e puxa como gosto de admirar as pessoas com quem me relaciono.

Então todas, que convivi (e convivo), considero mulheres fortes, bem decididas, com uma percepção de si e com um plano traçado no qual naqueles momentos não incluía ter um filho. Hoje com 33 anos, pra minha alegria, eis então, rolou uma sincronicidade de projetos.

Dimas se surpreende a todo momento com o fato das pessoas questionarem ou se surpreenderem com a forma como ele cuida do seu filho. (Foto: Bea Reis)

Bom, dito isso, para além de minha educação familiar ou minha vontade, sempre gostei de criança, já dei aulas em creche, já ajudei a cuidar e sempre gostei da sutileza de encantar e provocar o riso nelas. Minha avó diz que tem orgulho de como educaram os homens de nossa família, pois todos sabem cuidar de seus filhos.

Aí voltamos à vaca fria, enfim, chegou meu grande momento, o cabra pôs sua cara no mundo, recebeu seu nome e escolheu uma mãe porreta também, batalhadora, dona da feira, arrimo de família, daquelas que se depender dela, ninguém passa nenhum tipo de necessidade, sua insônia é não garantir o dia seguinte, com uma força de garimpar e arar que admiro as tampas é o pulso dela, o prazer dela, pra além da necessidade de garantir as coisas, tem um gosto e prazer pelo que escolheu trabalhar.

Então a gente tem nossa dança com o pequeno, não é obrigação, tarefa ou sei lá o que ‘só dela’ garantir o bem estar do bebê. Então estou eu na rua, no médico, na escola, no rolê, nas reuniões ou o que quer que seja com ele, assim que ele começou a depender menos do leite materno, ficou mais fácil compartilharmos os cuidados com ele.

Retomemos então as reflexões:

Em algum momento acalorado me lembro de emergir a palavra super pai, pai presente, ou algo do tipo. Eu de verdade não tenho feito esforço algum para ser um pai, quero há tantos anos poder cuidar de uma criança, ao contrário do que se prega na masculinidade de ter um filho para ter um legado onde na verdade a mãe que nutre, forma e afeta.

Antes de ter ele, aprendi e vivenciei o máximo que pude, inclusive pra querer ser pai, mesmo com todo desafio que é exaustivo e prazeroso, gratificante, mas exaustivo… meu corpo que o diga.

Esses dias um amigo, me vendo em um curso com o bebê, resolveu dizer em alto e bom som em meio à turma, que eu era um pai presente, um pai ativo e fiz questão de dizer que eu só era um pai, não digo isso com humildade ou querendo ser humilde, sou leonino e sou aparecido mesmo, mas não mereço e não estou buscando glórias. 

Foto: Bea Reis

Por algumas vezes termos referências de pais não totalmente envolvidos em sua paternidade (por diversos motivos e em comparação a carga da maternidade) que quando um pai é quase que 100% dedicado e interessado naquele projeto de vida, assusta, incomodam, tira do eixo e as pessoas não sabem como lidar, não sabem como resolver.

É dado que a mãe deve passar boa parte do tempo com o filho; que é com a mãe que a criança aprende as primeiras palavras, é a partir da mãe que a criança percebe o mundo e tantos outros conceitos, pesquisados, validados e aculturados que sem exemplos e referências do lado da paternidade, neste sentido, dá uma travada na cabeça, no como devo me colocar, o quanto devo ceder, o quanto devo compartilhar, do que abro e não abro mão dentro dessa narrativa que me trazem.

Sinto que é muito forte a obrigação divina da mãe, dizem que Deus é tão bom que é como se baixasse um download na mãe e ela soubesse tudo o que o seu filho precisa, ela vai sentir, ela vai saber, ela tem que saber! Tem que saber! Quão violento é isso e se a pessoa não sabe, tem que fingir que sabe, se a pessoa não sente, tem que forçar e sentir, se tiver dúvida deve se calar, nunca demonstrar a ninguém, menos ainda ao companheiro: ignorância, desentendimento, dúvida, surpresa.

Ela está sendo vigiada, por outras mães, pela sua, pela do companheiro, pelas irmãs, vizinhas, toda a comunidade está a postos para dispor suas expectativas como uma avalanche sobre ela e só cabe a ela aceitar o peso da loucura (e nada de depressão pós-parto).

E é nesse ponto da conversa que chegamos à abominação da paternidade. Homens não devem cuidar de crianças.

Você sobe a viela e alguém te aborda: nossa que bonito, é seu filho? No outro dia, sobe novamente a viela e outra pessoa te aborda: é seu filho? Em outro dia, vai à padaria e lhe perguntam a mesma coisa, qual é? Por que eu estaria às 8h, 9h da manhã, ou indo ao médico ou estando repetidas vezes com a mesma criança?

-Há Dimas não exagera, #leoninodramático meu.

Ah sim ok, vou perguntar pra Simone, minha companheira, quantas vezes desde que ele nasceu perguntaram se o filho era dela. Não, não perguntaram, porque é comum uma mulher ser mãe da criança que porta, é aceitável, é o dever dela, está tudo no lugar certo, mas um homem, com bolsinha da criança, a carregando no colo junto ao corpo, enchendo ela de beijos e carinhos, ele não deveria estar ali, não foi assim que tudo foi pensado.

Mas não para por ai caros amigos, e alguns de vocês sabem disso né, já devem ter vivenciado a pergunta máxima: onde está a mãe dessa criança (kkkkk nesse momento eu imagino aquelas cenas de anime: onde aparece como que a alma do personagem mostrando o que ele realmente está pensando e sentindo; e vejo a pessoal que me pergunta com aquela expressão maquiavélica, sádica e prazerosa do senhor Burns).

Eu tive uma impressão e uma sensação com estas experiências: a primeira é que eu não tenho obrigação de ser pai, não preciso me preocupar com isso, eu não deveria me ocupar com cuidar de uma criança.

A segunda, essa tenho certeza, mais alojada pelo machismo, foi uma leveza e um prazer, da não responsabilidade, aquela sensação que o privilégio dá, sabe? Aquela em que você pode usufruir o bem estar social que lhe foi construído, lhe dado, imposto e você nem deveria desfazer dele, pois é uma afronta a todo um esforço geracional de garantir que você homem possa desbravar o mundo, viver suas experiências, seu instinto, suas aspirações, pois toda obrigação e responsabilidade recairá sobre a mãe.

Me pareceu que a qualquer momento eu tenho essa escolha bizarra de não ser pai do Malik, de não ter que me preocupar com o tipo de afeto com que afeto ele e como minhas ações e escolhas vão afetá-lo. Todo um sistema muito bem desenhado para que homens não cuidem de crianças.

E tu como tem sido os primeiros meses de paternidade? 

VI Feira Literária da Zona Sul discute a cultura do bem viver em tempos de pandemia

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 Com o tema “O que te alimenta?”, a Feira Literária da Zona Sul chega à sexta edição com uma programação totalmente adaptada às plataformas digitais. Em 2020, os saberes dos povos indígenas ganham destaque na programação, que conta com a participação de Jerá Guarani e Ailton Krenak, importantes líderes dos povos originários que difundem a cultura do bem viver por meio da oralidade e da literatura.

Feira Literária da Zona Sul no Campo Limpo/2019. (Foto: JC Sena)

Entre 04 e 27 de setembro, a Feira Literária da Zona Sul (FELIZS), festival que destaca a produção literária das periferias, ocupa as redes sociais com o objetivo de conectar o público com escritores, poetas, editoras independentes e artistas que estão usando sua arte para provocar reflexões sobre o impacto da pandemia nos moradores e na cena cultural das periferias.

Idealizada pela psicóloga e produtora cultural Diane Padial e organizada pela equipe de artistas e produtores que compõem o coletivo Sarau do Binho, a FELIZS faz parte do calendário cultural de São Paulo, contribuindo para fomentar o mercado editorial de autores e editoras independentes e gerar oportunidades de trabalho e renda para grupos da economia criativa, como para coletivos literários, artistas e grupos culturais que atuam nas periferias de São Paulo e em outras regiões brasileiras.

“Num momento tão crítico como esse que estamos vivendo na história do Brasil, manter a FELIZS na ativa é uma resposta à tentativa de dificultar o acesso ao livro, como a promessa de taxação por parte do governo e também ao fomento de projetos culturais que afetam principalmente as ações culturais criadas, organizadas e consumidas por moradores das periferias”, afirma a produtora cultural Diane Padial.

Programação 

Nos primeiros cinco anos da FELIZS, a programação circulava por equipamentos públicos, independentes e comunitários de educação e cultura, localizados nos distritos do Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim São Luís e Jardim Ângela, alcançando mais de 40 mil pessoas.

Em 2020, devido aos protocolos de isolamento social adotado para evitar a proliferação da pandemia de covid-19, as atividades da feira literária irão ocupar o universo online, para debater práticas de sustentabilidade enraizadas em formas alternativas de desenvolvimento humano e bem viver, apresentando a literatura oral e escrita como um alimento para a alma, corpo e mente.

Transmitidas pela página da Felizs no Facebook e no YouTube, a programação conta com uma diversidade de lives que apresentarão diálogos com autores, shows musicais, conversas literárias, atividades de contação de histórias e intervenções artísticas de dança e teatro.

Para quem está atento ao cenário da pandemia e gosta de fazer reflexões sobre o modo de vida em sociedade antes, durante e no pós-pandemia, os diálogos com os convidados Julio Lancellotti, Boaventura de Sousa Santos, Maria Vilani, Tião Rocha e Helena Silvestre, dentre outros, trarão importantes discussões sobre o processo de desenvolvimento humano em meio às desigualdades sociais das periferias.

“A nossa programação está repleta de convidados que trarão importantes contribuições sobre o cenário das desigualdades sociais que afetam os moradores das periferias. Todos eles compreendem {o livro} a literatura como um instrumento pedagógico que nos alimenta de conhecimento e possibilita compreender outras realidades”, explica Diane Padial, ressaltando que essa temática foi pensada para valorizar a literatura como uma prática de leitura de mundo que deveria estar acessível a todos os moradores das periferias.

Sarau do Binho no Espaço Clariô, Taboão da Serra/2019. (Foto: JC Sena)

No dia 5 de setembro, o Sarau do Binho mantém a tradição de realizar a abertura da FELIZS com uma série de intervenções poéticas dos artistas que compõem um dos coletivos de literatura mais tradicionais da zona sul de São Paulo. “O calor humano do Sarau do Binho é algo marcante e quem já veio nos assistir e interagir no Espaço Clariô de teatro conhece essa energia. No ambiente virtual, vamos tentar passar esse espírito para não perder a nossa essência de transmitir boas energias por meio da arte”, destaca Binho Padial.

O show de abertura desta edição será realizado no dia 4 de setembro e fica por conta da banda Veja Luz, um grupo de artistas enraizados no movimento cultural de Taboão da Serra e do Campo Limpo.

Homenagem 

A cada edição a FELIZS faz uma curadoria de histórias de moradores da zona sul de São Paulo que fazem da sua história de vida um marco no cotidiano de muitos moradores, que são impactados por seus projetos e fazeres diversos.

Ute Craemer (Foto: Acervo pessoal)

Esse ano, a homenageada é a professora Ute Craemer, fundadora da Associação Monte Azul e difusora da Antroposofia no Brasil, à qual se dedica desde 1975 a promover projetos e espaços de fortalecimento social, educacional e cultural para moradores do Jardim Monte Azul.

“Cada homenageado que é reverenciado pela FELIZS merece ter a sua vida registrada em um museu, pois estas pessoas dedicam parte da sua vida ao universo da arte, transformando o imaginário de muitos moradores. Por isso entendemos que homenagear a Ute Craemer e tanto outros agentes culturais e sociais da zona sul é uma missão da FELIZ, para preservar e valorizar a memória da região”, conta Suzi Soares, professora e produtora cultural da Feira Literária da Zona Sul.

A FELIZS já homenageou importantes personagens da história cultural da zona sul de São Paulo, como Raquel Trindade, Renato Palmares, Eda Luís, Tula Pilar e Marco Pezão. “Nós convivemos com essas pessoas e sabemos o quanto elas inspiram os moradores com a sua arte e modo de vida, por isso, compreendemos que a FELIZS é fruto deste movimento artístico que transforma e sensibiliza o ser humano”, finaliza Suzi.

Além da trajetória da professora Ute Craemer, a FELIZS também fará uma homenagem à atriz, articuladora e produtora cultural Maria das Dores Rodrigues Nascimento, mais conhecida por Dora Nascimento ou Dorinha, que integrava a equipe de profissionais da da feira literária. A ex-coordenadora da Casa de Cultura do Campo Limpo, equipamento público de cultura localizado na zona sul de São Paulo, faleceu em 22 de agosto deste ano, em decorrência de um câncer no pâncreas.

Dora Nascimento (Foto: Acervo pessoal)

Desde 2016, Dora atuava como produtora cultural na FELIZS. Ela se conectou com o Sarau do Binho na época em que o encontro literário era realizado no bar do coletivo. Ela desempenhava um papel fundamental na organização da feira literária que era a gestão da informação de convidados, prestadores de serviços, parceiros e detalhes da programação, como data, local e horários. Dorinha era chamada pela equipe de organizadoras como a dona do ‘tesouro’ da FELIZS.

“O audiovisual me trouxe a possibilidade de sonhar”, diz cineasta da quebrada

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Vamos mostrar os caminhos e desafios que uma profissional do audiovisual da quebrada precisa trilhar para acessar conhecimento teórico, técnico e equipamentos, que poucos moradores das periferias têm acesso. 

Durante a pandemia, a cineasta iniciou um processo de registrar as ações solidárias em curso em diversas quebradas de São Paulo para produzir o filme “Pandemia do Sistema” | Foto: Kaique Boaventura

Você já parou para pensar como as tecnologias do audiovisual podem impactar a vida e o imaginário dos moradores das periferias? Equipamentos, softwares e cursos de produção audiovisual formam um conjunto de técnicas e saberes que poucos brasileiros têm acesso no mundo digital, se levarmos em conta que a internet ainda não é universalizada no Brasil, e as periferias fazem parte deste cenário.

A fotógrafa, videomaker e fundadora da produtora Zalika Produções, Naná Prudêncio se reconhece como uma ‘Preta nerds’, por entender que a tecnologia alimenta seus sonhos e a capacidade de interpretar o mundo a sua volta. A moradora do Parque Pinheiros, bairro do município de Taboão da Serra utiliza o acesso à tecnologia para aprender novas técnicas de audiovisual e se aprimorar.

“Eu vou indo, agora to na fase da ilustração, já tive a fase do vídeo, tive a fase do drone, vou indo de pouquinho e tento sugar o máximo de informação naquele segmento do audiovisual”, diz a produtora, que através de novas referências e aprendizados tenta criar suas próprias técnicas para ampliar o repertório de conteúdo da Zalika produções. “Depois da ilustração, eu quero ser craque em tratamento de cor, eu quero deixar os vídeo tipo o Kondzilla tá ligado”.

Mas esse acesso a tecnologia que a videomaker se refere faz parte de um processo de adaptação, para suprir suas dúvidas com o audiovisual, pois ela relembra que quando era mais nova, essa cultura do acesso a informação era algo bem raro em seu cotidiano. “O máximo de acesso que a gente tinha era um computador velho, travava toda hora e televisão”, afirma a produtora.

O acesso às tecnologias audiovisuais levaram Naná a realizar projetos em países africanos | Foto: Nina Vieira

Após uma série de experiências profissionais bem sucedidas e outras nem tanto, ela faz uma breve reflexão sobre a importância da tecnologia em sua vida hoje. “A tecnologia me faz ir pra esse mundo de entender cada movimento que está acontecendo ao meu redor, seja no meu computador, na minha câmera, seja no drone”.

Antes de conseguir estruturar esse processo de produção audiovisual com qualidade de imagem, som e narrativa, ela conta que as tecnologias do audiovisual transformaram a sua vida. “Eu acho que o audiovisual me trouxe a possibilidade de sonhar sabe. Antes do audiovisual, eu tava sem vontade nenhuma de sonhar”, afirma Prudêncio.

Ela lembra que o interesse pela produção audiovisual surgiu na quebrada onde ela mora, no Parque Pinheiros. Foi a partir do envolvimento com movimentos culturais e sociais do território que surgiram as primeiras oportunidades de fotografar eventos culturais e esportivos.

“Eu acho que a várzea foi um grande ponto pra eu entrar na fotografia, porque eu faço parte de um time de várzea e a gente faz as festas das crianças, essas coisas. E a oportunidade veio aí, toda vez que tinha festa das crianças os meninos jogavam uma câmera na minha mão, e eu começava a tirar umas fotos”, relata a produtora audiovisual sobre o início de sua carreira registrando partidas de futebol de várzea na quebrada.

Começando por esse ponto de partida, Nana conta que pegava uma câmera emprestada para treinar e produzir conteúdos audiovisuais, e assim, ela conseguiu uma bolsa de 50% para ingressar no curso de audiovisual na faculdade. “Antes de fazer a faculdade eu já tava tirando umas fotinhas lá e cá, com câmera emprestada”.

A imagem da quebrada ao fundo demonstra o pertencimento da cineasta ao bairro que ela deu os primeiros cliques como fotografa de eventos culturais e esportivos | Foto: Daniel Fagundes

Ela ressalta que a partir deste momento, surgiu a oportunidade de fazer o primeiro estágio em uma produtora audiovisual. No entanto, Naná não se sentiu pertencente às narrativas produzidas pela empresa, pois elas não falavam sobre ela, os moradores das periferias e a cultura da quebrada.

“Eu já me via uma profissional do audiovisual, fazia câmera, fazia edição, trabalhava com produtora de desfile de moda, mas não estava satisfeita”, afirma ela, que a partir da sua insatisfação e não identificação com o conteúdo resolveu investir sua experiência profissional para criar a sua própria produtora, com sua identidade. Nesse cenário, nasce a Zalika Produções.

Segundo Naná, a Zalika Produções tem proposta de realizar projetos audiovisuais, artísticos, educacionais e culturais. Buscamos inspiração em comunidades e grupos culturais marginalizados para produzir e apresentar conteúdos transformadores em forma de arte e com novas narrativas.

Construir novos saberes e narrativas, a partir de histórias de pessoas periféricas que representam de fato o seu cotidiano. Esse é o propósito da produtora audiovisual.Ela destaca que a criação da produtora está conectada com a sua autoafirmação profissional. “Eu acho que o início da Zalika foi eu acreditar que eu ia ter que construir o meu espaço sabe, não só pra mim, mas pras pessoas pretas, principalmente mulheres pretas”.

Durante a pandemia, Naná iniciou um processo de registrar as ações solidárias em curso em diversas quebradas de São Paulo para produzir o filme “Pandemia do Sistema”, que aborda como o racismo, o desemprego, a insuficiência no atendimento de saúde nos territórios periféricos durante a pandemia do novo coronavírus resultam em uma fórmula genocida.

“Surgiu nessa ideia de mostrar pra nós da quebrada, que tem gente passando fome, tem gente na miséria na sua rua, na sua viela, no seu bairro, no seu quarteirão, e mostrar pro sistema em geral que nós não tamo de chapéu, a gente sabe o que ta acontecendo e a gente sabe que a população preta e periférica é a que mais ta morrendo de covid-19, porque é a que mais morre de tudo mesmo”, argumenta Naná, fazendo um breve resumo sobre o documentário. 

Torcida Jovem: a Zona Sul nos anos 90

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O Bar do Nico é o nosso Museu da Pessoa. Reduto de alvinegros, brancos e pretos!

Tocida jovem do Santos na zona sul de São Paulo (Foto: Acervo pessoal Fernando Ferrari)

Reduto de Alvinegros, Brancos e Pretos.

Encontramos ideias que revive de resultados desastrosos do Santos nos anos 90, delírio amargo, desde aquele gol de Canela do Serginho, autêntico 9.

De encontros incompletos por seguir numa longa fila, surge o grito de re-existir.

Sobreviventes de um período marcado pela violência para além das tretas entre símbolos, os anos 90 marca o período do bonde que viveu e sobreviveu no bairro considerado o mais violento do mundo pela ONU entre 1994 à 1997. Outros carnavais foram também, porém não mapeado. 

Nesta época ver corpo aos domingos era a diversão inconsciente da quebrada, que até hoje nega nosso acesso a educação, nega nosso passado e nos tira da linha dos livros, para não questionarmos essa estrutura Colonialista, de pagar pau pra Cultura do Europeu, do outro, e tirar de baixa cultura o conhecimento ainda guardado em nós, aquele que os nossos do passado deixaram no nosso DNA de Periféricos! 

Reduto de lembranças, uma biblioteca imaterial de oralidade, pela palavra afetiva nos reencontramos, base da nossa ancestralidade de avós, bisa e tataravós indígenas, quilombolas e do Povo que fundou São Paulo e não usufrui da sua riqueza material, porque o plano ainda é colonizar nossa liberdade! 

Fizemos e fazemos a nossa educação, desde os anos 90, se politizando com o filho da Dona Ana (Pedro Paulo, Mano Brown ), igual a Dona Maria Vilani faz com os seus no Grajauex, só quem é da ponte pra cá sabe! Muita treta pra Vinicius de Morais, e esse é a treta, por chegar mais perto do Povo, com seus poemas pós Semana de 22…o que atualizou nossa identidade de brasileiros e brasileiras, fazendo a favela cantar seus cantos Afro-Sambas com toques de Baden Powell, corpos que decifram nossa identidade.

Lá você revive a Rua 21, Capão Redondo (Nossa Senhora do Carmo ), Araribá, Ingá, Ipê, Bonde Salva Vidas do Ângela (busão alugado que fez vários voltar em paz pra goma), São Remo, Pirajussara (os loukos iam pela Saad, entrada de adversários), Cupecê, Grajaú, Cidade Dutra, Sabará e Jabaquara.

O foco la é rir das ausências, de vitórias de uma década, rever fotos, tirar os nossos canhotos e caravanas mofadas das gavetas, igual um poema da nossa Madrinha, Cordão Vai-Vai de Geraldo Filme, do córrego da Saracura ao Hino das Escolas de Samba, no Silêncio do Bexiga, guardado em nós, sem placa de bronze, ainda inédito para geração 2002. Relembrar o grito guardado, uma geração de Pérola Bayton. Suor embaixo do Maior Bandeirão da Época, voltas a pé do Morumbi. 

Nossos encontros eram como um milagre, pela ausência de crescimento da Torcida Santista pós era: Pelé, Coutinho, Pépe, Mengálvio e os filhos de Índios e Escravos de ontem. 

Pegamos a Era que ver um Santista na rua era motivo de alegria, mídia escrita com tiragens de duas, três linhas na Gazeta Esportiva (Maior Jornal Esportivo da Época) era o máximo, na Mídia Elitista, uma vez por semana, boicote total, ao time que aceitava negros com seu manto sagrado, no início do século XX, time que acolheu o Menino Edson vindo de Bauru, que teve seu rebento em Três Corações. Menino com sangue de uma família de geração de escravos, fato de pós luta contra escravidão, do povo tomar o Esporte Inglês da mão da elite branca europeia, inspiração de contra ataque com os que lutaram contra a escravidão no país: Luis Gama, Baiano, Rebouças, Dragão do Mar, Quilombo Jabaquara de antes Dandara e Zumbi, Tribos Indígenas que Resistiram à Escravidão e entrega do seus Territórios, outros abolicionistas e Revolucionários, talvez isso nos tornou um time pra frente, time do Povo! Time parou guerra, e que em 26/09/1969, funda em plena Ditadura Militar a Torcida Jovem, no Brás, no reduto de imigrantes pobres pós segunda guerra mundial .

Sempre com o foco na ousadia, dos dribles de um time leve e de contra ataque, método que nos faz o primeiro Time do Mundo a ter 10 e agora 12 mil gols. Lutamos como Torcida Jovem pela Anistia, pela volta dos que pensavam nossa real identidade e liberdade económica, diretas já!

Ajudamos a acabar com o momento autoritário que trouxe a repressão de não poder participar como Brasileiros dos rumos do país. Construímos a Constituição Cidadã de 1988, essa que após escrita foi roubada e está sendo apagada até agora.

Lembro da alegria do encontro, era como ver um parente distante, só futebol traz esse momento. Ver nosso bonde de camisas brancas era um sonho impossível, fomos a voz da Resistência nos anos 90, levamos nossos corpos a riscos que já vivíamos ao ver Opalões pretos nas madrugadas da zona sul sem sentimento.

Hoje, estar nesse Bar é como ir no Museu da Pessoa, lembrar milagres de irmãos de 25 anos de torcida que ainda cantam Saaaaantos. É um ato histórico do futebol Latino Americano e Mundial. Somos campeões mundiais de memória, verdade e honra!

Somos a Torcida Jovem do Santos.

Um salve do Fernando Ferrari , o Nando do Bonde do Capão de 1992.

Quilombaque Perus: espaço comunitário de cultura corre risco de perder sede e pede apoio

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boratiCom a campanha #FicaQuilombaque, organização pretende arrecadar até R$150 mil em vaquinha online.

Artistas e grupos culturais que realizam projetos artísticos no espaço cultural Quilombaque Perus | Foto: Tally Campos

 Com atividades de promoção à cultura há mais de 15 anos, a Comunidade Cultural Quilombaque, em Perus, na região noroeste de São Paulo, pode perder a sede em que atua há uma década e meia.

Nesta terça-feira (1º), o grupo lançou uma campanha de financiamento coletivo #/FicaQuilombaque.

O grupo corre contra o tempo para arrecadar ao menos R$ 150 mil até fim de setembro, metade do valor pedido pelo proprietário do terreno, que pede, ao todo, R$300 mil pelo espaço.

Ao chegar à Quilombaque, ele disse que tinha urgência para quitar uma dívida e que, por isso, precisava do terreno. “Ou a gente compra o terreno, ou temos que entregar”, conta Clébio Ferreira, 36, um dos fundadores e gestores.

A organização, que faz aniversário neste mês, já atendeu centenas de meninas e meninos ao longo de uma década e meia e tenta mobilizar moradores para seguir no espaço.

“Estamos ameaçados de perder o nosso espaço físico para a especulação imobiliária, fomos intimados a entregar o espaço caso não ocorra a compra do terreno”, aponta manifesto lançado pela organização.

Para os integrantes da Quilombaque, o valor e o prazo estimado para a aquisição são incoerentes com o orçamento da organização, que depende, essencialmente, de editais públicos.

“Queremos nosso quilombo vivo, contrariando as estatísticas, quebrando correntes e plantando sementes, resistindo e pulsando com a nossa firmeza permanente e fervendo o território”, apontam.

São exemplos de atividades o jongo, aulas de capoeira, rodas terapêuticas, shows, aulas sobre direitos humanos, polo de cursinho pré-vestibular da Uneafro, trilhas da memória no território, aulas sobre urbanismo, além de atuarem na construção de importantes políticas públicas em SP, como a Lei de Fomento à Periferia na cidade de São Paulo e o Território de Interesse da Cultura e da Paisagem (TICPs) do Plano Diretor de São Paulo.

O Você Repórter da Periferia, programa de formação de jovens repórteres desenvolvido pelo Desenrola E Não Me Enrola realizou uma reportagem em 2019 sobre a importância do trabalho campo da cultura e da educação popular com a juventude do território.

Organização revitalizou a região

“Há muitos desafios a se consolidar e um deles é a permanência no nosso espaço físico, que, anteriormente, era um lugar abandonado e altamente degradado”, diz.

A Agência Mural já mostrou aqui o antes e depois da Travessa Cambaratiba desde a chegada da Quilombaque, em 2007.

Até então, a viela situada ao lado da estação de trem da CPTM, causava medo à população, diante de tamanha falta de manutenção pelo poder público.

Logo que a Quilombaque se instalou, foi realizado um mutirão de revitalização, com grafites, limpeza do espaço e constante realização de atividades, aproximando a população local e tornando o transformando o espaço em um pólo de desenvolvimento socioeconômico em toda a região.

“Queremos implantar projetos e ações socioculturais, educacionais, econômicas e ambientais, na perspectiva de empreender um processo de reparação ao acesso a bens culturais, promover a convivência com a diversidade cultural local”, apontam.

História e importância

Desde que foi fundada, em 2005, a Quilombaque tem sido palco das mais diversas expressões culturais, trazendo à população do bairro alternativas de lazer e diversão, onde ainda não há equipamentos culturais mantidos pelo poder público.

Durante dois anos, foi na garagem da casa dos irmãos Cleber e Clébio Ferreira, que as ações aconteceram.

Pouco a pouco, novos atores sociais foram se juntando ao grupo e formando uma teia de atividades culturais, ambientais e educativas, tornando o espaço da garagem pequeno demais para a criatividade do grupo. Em 2007, migraram para o espaço que hoje correm o risco de perder. 

Festival Pangeia está com inscrições abertas para oficinas culturais online

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 A partir do tema “Conexão Américas e África”, o Festival Pangeia oferece oficinas de Imersão Dub, Dança, Percussão Popular, Teatro, Cinema e Políticas Públicas. As formações serão realizadas por meio das plataformas online Google Meet e do Google Class Room.

 Termina neste sábado (06), o prazo para realizar as inscrições nas oficinas culturais gratuitas e online do Festival Pangeia, projeto idealizado pelo MisturArte. Com o tema central “Conexão Américas e África”, o Festival Pangeia é realizado desde 2016 e reúne atrações diversas a partir do tema central pauta na ancestralidade da América Latina e da África. Para se inscrever nas oficinas, é necessário preencher o formulário online neste link.

Os organizadores do festival possibilitam que os inscritos escolham mais de uma atividade e neste caso, é preciso realizar o preenchimento do formulário novamente. Além disso, o Festival oferece certificado para os participantes que tiverem mais de 75% de participação.

Em 2020, o projeto adequou sua programação para a plataforma do Google Meet e do Google Class Room para manter o distanciamento social exigido, visando conter a pandemia de coronavírus.

Com a tradição de ocupar espaços públicos de cultura e educação das periferias da zona sul de São Paulo, o Pangeia já foi realizado nos espaços do Céu Vila Rubi e Céu Quinta do Sol, com o tema “Américas”, e no Centro Cultural Grajaú, com o tema “América do Sul”. 

Confira a lista dos dias e horários das oficinas disponibilizadas: 

  •  Imersão Dub, com Danilo Dub Lova

De 14/09 a 07/10 – segunda e quarta – 15h às 16h

  • Dança – Oya: Corpo Vento, Búfalo e Borboleta, com Djalma Moura

De 15/09 a 15/10 – terça e quinta – 10h às 12h

  • Dança – Poéticas do Movimento Afro Contemporâneo, com Lucimeire Monteiro

De 22/09 a 06/10 – terça e quinta – 15h às 17h

  • Oficina Teatral Orí Ambulante, com Dina Maia

De 16/09 a 10/10 – quarta e sábado – 11h às 13h30

  • Percussão Popular, Samba e outros ritmos, com Hércules Laino

De 15/09 a 05/11 – terça e quinta – 18h às 19h30

  • Cinema de Guerrilha, com Rosa Caldeira

De 14/09 a 30/09 – segunda e qua – 20 às 21h30

Mais informações:
Site: www.festivalpangeia.com
Facebook: www.facebook.com/festivalpangeia
Instagram: @festivalpangeia