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Distopia Periférica: os efeitos sociais de um mundo remoto

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Eu estive pensando muito sobre esse momento tão distópico do nosso país, o que é distopia? Se trata de um lugar imaginário onde vivemos em opressão, uma utopia distorcida, tipo sonho que vira pesadelo, sabe?

Foto: Menino do Drone

O termo “distopia” foi ideia do pensador John Stuart Mill, para explicar a inversão dos valores utópicos na era industrial, parece fácil, mas é bem complexo, melhor para entender tudo isso é o livro Viagens de Gulliver, Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley (eu posso emprestar), entre outras obras que você pode acessar se digitar no Google obras distópicas. Quando isso ocorrer, seu perfil digital vai mudar e seu algarismo da rede social vai incluir notícias, propagandas e ideias nunca vistas por você até então, vale a pena.

Como não dizer que esse é o nosso caso no momento? Pensamos que poderíamos chegar mais próximo de um país mais ideal, igualitário, onde no mínimo a discussão sobre o direito fosse possível, mas estamos mergulhados no processo inverso, um pesadelo distópico de nosso “não lugar” ou utopia de governo e ética social.

O que é essa realidade? A realidade é tudo que existe sendo ou não perceptível, até a ilusão também é uma realidade, então pensar sobre isso é uma questão importante desses tempos. A realidade é uma constante mudança, não só o que é estático, mas até nossos sonhos são massas importantes dessa realidade, e o que temos sonhado ultimamente?

Antes da pandemia havia uma discussão de como viver através das redes sociais, isto é, remotamente, tem um impacto negativo em nossas vidas, e em instantes, durante a pandemia, toda nossa vida tornou-se remota.

Durante um período na minha geração “remoto” significava distante, afastado, vago, hoje nem sei como usar essa palavra para distância se ela remete a uma proximidade utópica ou seria distópica. 

Um filme de ficção científica

Hoje estamos remotos no espaço e não no tempo, pois atividades remotas preconizam a transmissão em tempo real. Tenho uma lembrança remota de quando tudo isso começou a acontecer em nossas vidas, pois às vezes tenho a sensação de que tudo isso é natural, mas “remoto” é estar em tempo real ou no passado?

Parece muito fácil para essa geração, tudo que está ocorrendo, mas para quem viveu a realidade como uma constituição de que para algo acontecer era necessário a presença e a matéria, tudo o que estamos vivendo é quase um absurdo filme de ficção cientifica.

Nem todos estão presentes nesse novo mundo, pois mesmo ele não precisando da presença propriamente dita, ele precisa do equipamento para que sua presença seja levada para o outro no tempo espaço.

Assim como dinheiro se estabeleceu como intermediário entre as mercadorias e a força de trabalho, os aparelhos eletrônicos se tornaram intermediários das nossas relações humanas. O certo é que se não estamos pagando pelo produto, nós somos o produto, produto que alimenta toda a indústria de exploração da força de trabalho invisível por trás de nossas telas.

Foto: Flavia Lopes

Exclusão digital 

Então um novo tipo de exclusão se estabelece nessa nova forma de estar e existir, a exclusão digital. Sempre que imagino um novo mundo, na minha utopia exclui todo tipo de questão negativa que acompanha minha vida, racismo, desigualdade, fome, entre todas que vão atacando minha mente.

Entretanto, no novo mundo digital todas elas são possíveis e até maiores, pois podemos olhar para elas de forma global. Mesmo presa na minha bolha do algoritmo EdgeRank, que é determinado por três critérios variantes, a afinidade, o peso do meu público e quantas curtidas elas alcançam. Entre outros critérios que eu não compreendo, provavelmente esse programa, sabe coisas sobre mim que conscientemente eu nunca diria. Por exemplo, como é constrangedor comemorar o aniversário de uma amizade que não existe mais.

A exclusão se forma em todos os campos desse país e se intensifica nesse tempo, nessa realidade, sendo ela remota ou presencial. A insegurança alimentar continua sendo o principal problema em todas as periferias, acesso à internet e equipamentos eletrônicos que dão acesso a esse mundo remoto do trabalho, da educação e da saúde.

Como estruturar nossa realidade a partir de protocolos construídos em vida remota, onde não existem diversas questões que só humanos soltos no mundo do convívio podem promover. Como viver com adaptações da vida tão duras. Muitas delas vão demorar séculos para que possamos aceitar, ou que nossos olhos, coluna, peso, emocional consiga assimilar na cadeia de desenvolvimento, se é que ela existe de fato.

Somos filhos da terra, do ar e da água, enquanto estamos sentados em nossas poltronas, as arvores seres fundamentais para nossa respiração, estão queimando diminuindo o oxigênio fundamental para nossa vida. Em minha realidade distópica, além do atual presidente da república, – nada mais distópico -, vejo oxigênio sendo vendido em uma propaganda da Nestlé.

É nesse momento que surgem teorias da conspiração, tão prováveis quanto vender oxigênio como um novo nicho de mercado, levando em consideração a morte do trabalho digno e o surgimento dessa categoria de escravização humana denominada em nosso tempo de trabalho informal, mas que nomeamos nos livros de história, de trabalho escravo.

Estamos visivelmente frágeis psicologicamente, doentes fisicamente e empobrecidos, parece o panorama de uma guerra, mas é a guerra que vive em nossas mentes, atravessa os nossos olhos e nos coloca em uma realidade fabricada.Tão difícil saber o que eu penso, ou o que foi criado para que pensasse sobre isso. Sim, confuso.Eu tento olhar da laje a realidade, andar nas ruas e encontrar pessoas, mesmo que ainda cheia de protocolos, vários criados por mim.Para mim a humanidade é a conexão humana, assim como a realidade é o que existe em sua totalidade.

Como humana, tenho necessidade de refletir sobre coisas que não geram lucro, que não são acontecimentos fantásticos, segundo os donos da notícia, mas são questões importantes sobre nossa vida e as formas de viver, esse texto é sobre pensar vida. O que você pensou sobre a vida hoje?

Reflita lendo o poema Sonâmbula.

Ergo a espada empunhada

com as duas mãos,

não alcanço as feridas

contidas na perna esquerda,

a poeira não assenta,

giro os pés em câmera lenta,

tem guerra contida

no chão que me aguenta,

tem vento, neblina, garganta seca,

sou toda espera,

Fecho os olhos vejo

aprumo a mira,

certeira.

Abaixo a guarda,

toco a ferida,

desabrumo o corpo,

abro os olhos,

vitória é pouco,

salivo,

Guerrilha.

Anabela Gonçalves 

“Estar só em casa é osso”: artista do Grajaú fala sobre o isolamento do homem trans na pandemia

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A segunda entrevista da série Relatos LGBTQIA+ mostra a história de Gustavo Revaneio, morador do Grajaú que compartilha a rotina sobre como é ser um homem trans na pandemia e relata como o isolamento social foi agressivo e gerou alguns impactos emocionais e psicológicos no seu cotidiano.

“Sou um homem trans, boyceta e pansexual”, define Gustavo Revaneio, 18, artista independente e comunicador, que mora do Jardim Mirna, bairro localizado no distrito do Grajaú, extremo sul de São Paulo. Durante a pandemia, ele afirma que o confinamento dentro de casa gerou uma série de impactos psicológicos que poderiam o ter levado a desistir de viver.

“Em uma visão mais psicológica é bem difícil pra gente estar trancado em casa e na maioria das vezes tendo contato apenas com as pessoas cis e heteronormativa”, afirma Revaneio, enfatizando que “em alguns dias e a disforia acaba sendo pior”.

Segundo o Manual de Transtornos Psiquiátricos para Profissionais da Saúde (MSD), a disforia de gênero se caracteriza pela identificação com o gênero oposto associada à ansiedade, depressão, irritabilidade e muitas vezes a um desejo de viver como um gênero diferente do sexo do nascimento.

Para o morador do Jardim Mirna, não estar em contato com os seus iguais da comunidade LBTQIA+ gerou uma forte crise emocional durante a pandemia. 

“Sair e ver pessoas como a gente é muito importante, se reconhecer no outro, ter referências. Estar só em casa é osso. Teve dias que só fiquei dentro do quarto apenas pensando e tentando me livrar dessas coisas que como eu disse não é meu, a disforia quem causa é a cisgeneridade. É um verdadeiro limbo entre dias bons e ruins”

Revaneio acredita que é importante se manter vivo, pois por mais difícil que pareça, pois a comunidade LGBTQ+ precisa resistir e se fortalecer com o apoio do outro. “Muitas pessoas se inspiram em nós e a gente nem sabe, vivo por isso, vivo pelos meus. E não sinto que seja a comunidade LGBTQ+ no geral. Vejo a população TRANS como a mais vulnerável.”

O artista independente ressalta que o apoio familiar fez toda a diferença ao longo dos últimos meses da pandemia em que ele ficou dentro de casa sem contato presencial com os seus amigos. “Eu sou muito privilegiado em poder ter diálogos com minha família. Muitos dos nossos estão morrendo na rua ou até mesmo dentro de casa e ver isso também é muito gatilho pra pensar em desistir, mas como eu disse acima preciso estar vivo”.

Antes pandemia de coronavírus, o território onde Revaneio reside no Jardim Mirna, extremo sul de São Paulo, era e é um ponto de autoafirmação da sua identidade. Ele conta que sempre estava em contato como o movimento cultural da região. 

“Sempre busco estar em contato com meu território, fotografando eventos no Centro Cultural do Grajaú e em outros espaços culturais da quebrada. Para além dos eventos culturais, procuro também fotografar o território, fazer grafites e espalhar a minha arte, frequentando os ateliês dos coletivos e criando uma rede com quem está na cena cultural do Grajaú”.

“meu trampo , seja com foto, vídeo, pintura ou colagem é pensado no meu território, o Grajaú é meu país.”

Gustavo Revaneio

Em meio a tantas questões negativas causadas pelo isolamento social durante a pandemia, Revaneio compartilha uma notícia positiva, descrevendo sua experiência e descobertas em relação ao começo do tratamento hormonal. “Comecei faz um mês. Está sendo incrível. A cada dia estou podendo me conhecer melhor. É uma sensação indescritível”.

Ele não vê o tratamento hormonal como algo necessário para essa afirmação social do que é ser homem, mas ressalta que sempre teve vontade de ter essa experiência. 

“São apenas vontades que eu sempre tive e ver isso acontecendo com meu corpo me enche de felicidade. Ultimamente ando correndo atrás do Centro de Cidadania pra pessoas LGBTS em Santo Amaro, já que não tenho convênio particular. Lá eles oferecem psicólogo, acompanhamento para o tratamento hormonal e também auxiliam no processo de retificar o nome e o gênero”, finaliza. 

“Pra ser homem basta se sentir um” 

Gustavo Revaneio morador do Grajaú (Foto: Mei -Natália Miguel)

“A descoberta da minha sexualidade e identidade caminham lado a lado, um levou o outro e foi de uma forma bem lenta”, revela o jovem. Com 18 anos, a história de sua autoafirmação e descobertas sobre seu corpo e sua identidade de gênero são recentes, fato que faz o artista relembrar os momentos que mais o marcaram dentro desse processo de descoberta.

“Tive que me desprender de muitas coisas ensinadas desde criança, foi quando eu entendi que ser homem não está nada ligado com a ideia do ‘masculino’ e que são apenas construções da sociedade”, argumenta Revaneio, enfatizando que o conceito de gênero masculino pode ser ressignificado.

“Pra ser homem basta se sentir um, da sua forma e sem se basear em nada e nem ninguém. Cada ser é único e tem a sua individualidade e a sua forma de manifestar a sua orientação de gênero. Estereótipos foram criados e enraizados e precisamos todos os dias lutar contra essa construção”

Ao relembrar esses momentos de constantes descobertas, ele conta também como foi o diálogo em casa e os processos de relacionamento com a sua família. “No começo foi bem difícil a adaptação pra me chamar no gênero e nome que me identifico e até hoje é um processo para minha mãe e meu padrasto me chamar dessa forma”, relata.

Ele complementa ressaltando “quase sempre eles ainda erram, mas sempre que possível é conversado pra que não falte com o respeito”. Segundo Revaneio, tem dias que ele não está a fim de corrigir ou falar nada com seus pais. Isso é algo que já me machucou muito e tem dias que ainda dói bastante, porém com conversas e cuidado tem sido algo que tem melhorado com o passar do tempo”.

O jovem finaliza a entrevista afirmando que o diálogo com sua irmã de nove anos, ele só precisou falar com ela uma vez para ela entender o momento que ele estava passando. 

“Foi preciso apenas uma vez para dizer a ela como eu me identificava e como queria ser chamado pra que ela começasse a mudar a forma de me chamar e sempre que ela erra corrige. Quando estou mal é o que me ajuda a seguir, minha outra irmã de um ano também me chama de irmão, nunca me chamou de outra forma e é isso que nos dias ruins me ajuda a sentar, respirar, me acalmar e seguir”. 

Dos “bairros dormitórios” emanam sonhos pulsando por transformação

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Num país desigual como o Brasil, as periferias são resultado dos sonhos de milhões de migrantes em busca de uma vida melhor. Quem nunca ouviu esse relato de um parente próximo?  

Evento cultural realizado em Parelheiros, zona sul de SP. (Foto: Luara Angélica)

A intenção deste texto não é ser motivacional, mas falar sobre a importância das motivações – principalmente as coletivas. “Prelúdio”, canção de Raul Seixas, indica no próprio nome que o primeiro passo é sonhar. Mas, o que é sonho?

Essa palavra, com significado tão amplo, pode ser desde querer uma bola até ser jogador de futebol. Vai de almejar conhecer algum lugar, até o desejo de ser conhecido. Há muitas possibilidades…

Por mais que haja uma diversidade de ambições em cada indivíduo, o ato de sonhar sempre tem algo em comum: está atrelado ao desejo de crescimento, numa perspectiva para um futuro melhor. E o que isso tem a ver com a cidade? É que, para muita gente, o sonho ainda está distante, há pelo menos três conduções e duas horas da sua “goma”.

A problemática aqui não é o quão longe uma pessoa periférica queira chegar, mas, sim, a centralização das conquistas. A narrativa predominante reforça este imaginário centralizador, já que estão concentradas no mesmo lugar e para poucas pessoas as oportunidades para realizar seus desejos, isso porque, como tudo na sociedade, nossos objetivos também são fruto de construções sociais e de nossas experiências urbanas. 

“A prefeitura é a sala de jantar, a cidade é o jardim, e a favela é o quarto de despejo”

Carolina Maria de Jesus

 Eu, Laura, passei parte da minha infância na região metropolitana de São Paulo e, quando eu tinha nove anos de idade, minha família se mudou para Parelheiros, no extremo sul da capital. No ensino médio, eu me lembro de conversar com os amigos e termos uma afirmação semelhante: “Os nossos sonhos envolviam a necessidade de sair da periferia”.

Se sonhar implica almejar um futuro melhor, na nossa cabeça isso não seria possível num território com ausência e violência do Estado (discurso reafirmado diariamente sobre as regiões marginalizadas). Como disse Carolina Maria de Jesus: “A prefeitura é a sala de jantar; a cidade é o jardim; e a favela, o quarto de despejo”. A descrição da escritora sobre a configuração da cidade expõe a materialização da segregação socioespacial.

Num país desigual como o Brasil, as periferias são resultado do sonho de milhões de migrantes em busca de uma vida melhor. Quem nunca ouviu esse relato de um parente próximo? Se para Carolina, o motivo para lutar era a fome, para João poderia ser sair do aluguel e ter o direito à moradia, enquanto para José, é ficar menos tempo no transporte e poder trabalhar mais perto de casa, assim como para Teresa, é o anseio de voltar pra casa sem medo e para outro morador do extremo, é retomar os estudos.

Esse acúmulo de emergências do povo é responsabilidade do mesmo sistema que o culpabiliza pelas adversidades do crescimento desordenado da cidade, num discurso apoiado na informalidade em que sujeitos periféricos estão inseridos, seja na habitação, geração de renda, escolaridade e demais indicadores.

A questão é justamente a absorção dessa narrativa por parte da população: o que deveriam ser direitos, transformam-se em metas pessoais, baseadas no mito da meritocracia, em que privilégios supostamente são resultados de esforço individual. Mas “um sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só”…

Ao passo que os territórios vão se modificando e proporcionando a estrutura necessária para seus moradores, tais como serviços básicos e infraestrutura, ou seja, enquadrando esses lugares na “formalidade”, a população mais pobre é empurrada cada vez mais para as extremidades, mas isto não significa que estas pessoas vivenciem a totalidade da realidade local.

O que se nota, ao invés disso, é que este território acaba caracterizado como “bairro-dormitório”, ou seja, quando a gente cumpre o conhecido “ritual”: sair pra trampar às 5h; chegar no serviço às 8h; só sair às 18h; pegar o transporte público sempre lotado pra chegar em casa às 21h; e dormir (se não levar em conta a jornada dupla materna). Em outras palavras, o único momento que uma grande parcela da periferia vivencia a periferia é nas sobras do trabalho, que é o meio para realizar os tais sonhos. 

“O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome” 

Carolina Maria de Jesus

As margens, que surgem do anseio por uma vida melhor permanecem se empenhando diariamente em realizar este mesmo objetivo. Mas, assim como há uma multiplicidade de sonhadores em cada canto, também existem alternativas descentralizadas de alcançar nossos sonhos.

Inclusive, ao territorializar nossa visão sobre a cidade e observá-la sob um outro ponto de vista, germinam inúmeras descobertas sobre nossas quebradas: por exemplo, a primeira escola do bairro que é fruto de uma construção popular; ou mesmo aquele samba que acontece todo fim de semana que alémde divertir a comunidade, arrecada alimentação para várias famílias; até o caso da Joana, que realizou o sonho de acessar a universidade e hoje alimenta outros sonhos, levando um cursinho comunitário pro seu bairro.

A Laura com 15 anos participou de um projeto que buscou conhecer e divulgar o seu território, conheceu pessoas e lugares com que se reconheceu e sentiu orgulho de fazer parte de um local que mesmo com tantos obstáculos, é composto por uma variedade de ações que envolvem justamente driblar as barreiras que separam a periferia dos seus sonhos – e isso só é possível a partir das motivações coletivas, porque “um sonho que se sonha junto é realidade”.

É sobre subverter a narrativa, mostrando que a periferia não é o problema, mas, na verdade, a solução. Historicamente foi das mãos marginalizadas que se ergueu cada construção da cidade e é do trabalho de corpos periféricos até hoje que ela se mantém.

Longe de querer romantizar este contexto, mesmo porque muitas das lutas que travamos só fazem sentido para que os próximos vivam outro mundo, no qual os “menó” tenham o direito de sonhar e realizar seus sonhos. Parafraseando novamente Carolina Maria “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome”, isso porque semelhante ao processo de cicatrização das feridas, a CURA é PELAS BORDAS. 

Escola humaniza o ensino de programação para jovens das periferias

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A partir da leitura e vivência dos jovens das periferias e favelas de São Paulo, escola de programação pensada por moradores da quebrada tem como um dos seus diferenciais ensinar programação de maneira humanizada e não tecnicista.

Victória usa o computador da mãe para ter melhor aproveitamento das aulas de programação (Foto: Murilo Roberto)

A Mais1code é uma escola de programação que vem trazendo novas metodologias pedagógicas e didáticas para adaptar as vivências de alunos quebrada ao ensino de linguagens de programação. Ensinar eles a codificar seus sonhos através de algoritmos é um dos principais propósitos da escola.

Uma das alunas da Mais1code é Victória Silva, 20, graduanda do sexto semestre do curso de moda. Ela é moradora de São Mateus, periferia da zona leste de São Paulo. Devido a pandemia, ela está com a família em Serrana, cidade do interior de São Paulo. Ela conheceu a Mais1code, por meio do curso de inglês da PLT4WAY, um projeto que oferece bolsa de estudos 100% gratuita para jovens e adultos da periferia, a cada três alunos pagantes.

“Eu tenho um projeto de ir pra Austrália em 2022, e trabalhar com programação é uma coisa que gera uma oportunidade no mundo todo né, como eu fico de olho nessas coisas de intercâmbio, principalmente na Austrália, é uma área que não precisa ter um inglês avançado, ai eu falei: é minha oportunidade de entrar em um país e já ter um emprego”, explica a estudante, afirmando que o domínio da linguagem de programação em sua vida poderia abrir portas para realizar seus projetos pessoais.

A estudante relata que no seu imaginário sobre o futuro nunca conseguiu incluir a possibilidade de ser uma profissional de programação. “Nunca imaginei que eu iria me interessar por isso”, comenta Victória, ressaltando que existe uma distância entre a linguagem computacional e as vivências de uma jovem da periferia.

Esse cenário só mudou quando ela visualizou uma comunicação que falou diretamente com ela e seus sonhos. “Quando a mais1code lançou a proposta eles colocaram: ‘a primeira mulher programadora’. Isso foi uma chamada muito forte também, incentivando jovens da quebrada, principalmente mulheres, a entrar nesse ramo. Eu falei: ‘wow’, realmente isso é pra mim! aí foi que se concretizou todo o interesse”.

A Mais1code tem uma metodologia de ensino chamada ‘Peer to Peer’, que significa um para um, onde aluno terá acesso a um professor voluntário, para realizar uma ou duas aulas por semana e suporte diário da equipe da escola de programação.

Os jovens interessados podem fazer o cadastro gratuitamente através do site para participar de formações focadas em linguagens de programação, banco de dados e design.

“Programar abri um universo né”, ressalta a estudante, abordando que um dos maiores diferenciais que contribuíram para ela expandir seu universo de conhecimento sobre tecnologias mais complexas, foi a metodologia de ensino, onde ter um mentor particular auxiliou na melhor compreensão dos termos e diminuiu suas dificuldades.

“Às vezes a gente fica duas horas e ainda é pouco, porque é muita coisa, um mentor para cada pessoa é maravilhoso, porque ele te dá total atenção”

Durante o processo de aprendizagem, uma das principais barreiras encontradas por Victória é a compreensão de termos técnicos que ela não está muito acostumada no seu cotidiano. “Minha maior dificuldade é gravar né, absorver todos os códigos, tem alguns que eu já fui absorvendo porque uso muito”, diz a estudante.

Ela acredita que neste aspecto do processo de aprendizado, a didática que seu mentor formulou para ela abriu caminhos estratégicos para que ela consiga desvendar a linguagem computacional. “Praticamente tudo é em inglês, só que o Gabriel sempre traduz pra mim, e é mais fácil de gravar conforme a gente vai usando”.

“Você olha para um site, e você não imagina que tudo aquilo são números, códigos, e forma uma site”, compra ela, após colocar em prática algumas técnicas vivenciadas em aula. “Através de números eu fiz meu primeiro site, bem simplesinho, mas você olha assim, é um site”, descreve Victória.

Todos os projetos pensado por ela ao longo do curso são voltados para uma das suas paixões: a moda, e assim já pensa em prototipar e programar seu próprio e-commerce.

Embora a moradora de São Mateus já esteja pensando em formas de conectar sua profissão com a sua paixão pela moda, o acesso a equipamentos como um notebook de qualidade ainda é um impedimento para ela sonhar cada vez mais alto.

Hoje, ela utiliza o notebook da sua mãe, que está morando no interior de São Paulo durante a pandemia. Por conta das dificuldades para acessar um computador com boas configurações, Victória relembra que teve muitas dificuldades para baixar alguns programas essenciais para usar no curso de programação. “Não tava conseguindo baixar alguns programas e eu fiquei mais ou menos duas semana sem ter aulas”, conta.

Diante deste cenário, Victória se preocupa também com o momento relativo ao final da pandemia, quando ela voltará para sua quebrada. “Quando eu voltar pra São Paulo eu não sei como eu vou fazer”, afirma ela, fazendo uma referência a dificuldade de acesso a um bom computador para auxiliar nos estudos. 

“Uma programação com linguagem de quebrada é uma linguagem humanizada”

por  Diogo Bezerra

Um mês foi o tempo necessário para os fundadores da escola de programação Mais1code Diogo Bezerra, 27, morador do Jardim Brasil, localizado na periferia da zona leste e Tauan Matos, 26, morador do Tucuruvi, zona norte, tirar sua ideia do papel, elaborar e dar forma a escola de programação, que atualmente tem 24 mentores e 24 alunos. Em outubro, o projeto abrirá novas turmas para expandir sua rede de jovens atendidos.

A ideia de construir uma escola de programação voltada para alunos da quebrada e que se comunique com a quebrada surgiu a partir de uma inquietação de Diogo Bezerra, criador da PLT4WAY, onde estuda Victória. Ele presenciou o interesse de um jovem da sua rede de alunos pedir referências de cursos de programação. Após esse momento, ele passou a pesquisar e entender que a pedagogia e a cultura de ensino dos cursos de programação não dialogava com a cultura de um jovem da periferia.

“Eu fui atrás pra saber se havia alguma coisa e só encontrei nos grandes centros”, conta Bezerra, afirmando que a partir deste momento ele entendeu que o conhecimento de programação ainda não estava disseminado em sua quebrada e em tantas outras. “Eu não acredito que é pra nós, não tem nem comunicação pra nós aqui, querendo chegar até nós”.

A partir dessa inquietação de não pertencimento de um jovem de quebrada na área de tecnologia, ele juntou com outros amigos e sócios e resolveram criar sua própria escola de programação, onde a comunicação é voltada para seus alunos, a partir da suas próprias vivências. “Nós somos o nosso público alvo entendeu, isso facilita muito na comunicação, no jeito que nós falamos”.

Mesmo com a promissora ideia da escola de programação Mais1code prometendo transformar a vida de muitos jovens nas periferias e favelas, os empreendedores que a criaram relatam que uma das suas maiores dificuldades é a falta de acesso dos alunos à infraestrutura, como acesso à internet e notebook.

“Nós temos aí jovens que não tem condições, tem jovens que às vezes tem internet, mas não tem computador, aí é outro processo que trabalhamos aqui na Mais1code, pra ajudar esse jovem”, explica Tauan, citando que umas das medidas tomadas pela equipe, visando que os alunos não fiquem sem aula pela falta de equipamento, é a articulação de doações de notebook, porém devido a pandemia essas doações tornaram-se ainda mais difíceis. “Esse momento é um pouco complicado, porque tira a oportunidade desse jovem que não tem internet nem computador”.

A preocupação que os fundadores tiveram para trazer acessibilidade de equipamentos para o aluno assistir a aula é a mesma em relação ao processo de aprendizagem, onde eles conseguiram entender que ter apenas um mentor seria o melhor caminho para ampliar o desenvolvimento e a compreensão dos termos técnicos entre os alunos.

“Facilita muito o desenvolvimento dele e a chance de aprender, o que faz ele se identificar muito mais rápido, do que se tivesse num grupo de pessoas de diferentes níveis. Ele ou ela ficaria frustrado por ta nessa área e não conseguir aprender no mesmo nível que o amiguinho”, acredita Diogo, um dos fundadores do projeto.

Para a dupla de amigos e empreendedores que criaram a Mais1code, a metodologia de ensino da cursos de programação precisa ter uma linguagem que possibilita uma leitura de quebrada que eles se identifiquem. “Uma programação com linguagem de quebrada é uma linguagem humanizada”.

Para eles, a leitura do pensamento computacional de quebrada pode fazer com que esses alunos das periferias e favelas decodifique melhor os espaços territoriais onde convivem através deste tipo de conhecimento.

Os efeitos geracionais das revoltas nos Estados Unidos

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Qual foi o resultado de algumas das maiores rebeliões raciais dos anos de 1960 nos Estados Unidos?

Foto Reprodução do Documentário “Black Wall Street”, um massacre de centenas de negros nos EUA.

Os Estados Unidos posicionaram-se no poder após a segunda guerra mundial, antes disso era muito significativo, mas não era a potência mundial que se tornou. Derrotar as potências do eixo e salvar o “mundo democrático” deu ao país não apenas domínio militar e financeiro sobre o mundo, mas também promoveu igualdade, moralidade e como viver em uma sociedade civilizada.

O país sempre tentou manter essa imagem no exterior, enquanto os afro-americanos sempre conheceram Estados Unidos muito menos civilizados. É por isso que os líderes do movimento pelos direitos civis dos anos 1950 e início dos anos 1960 usaram táticas diferentes para mostrar ao mundo como a América era hipócrita.

Não foram violentos, não resistiram nem revidaram contra o pastor alemão, nem contra a agressão da polícia, nem contra as mangueiras de incêndio potentes que foram usadas contra os manifestantes. As imagens funcionaram, mostraram ao mundo uma realidade diferente, na qual ninguém pensava desde os 100 anos em que os negros estavam livres da escravidão naquela época. Pessoas ao redor do mundo ficaram chocadas e começaram a notar.

No entanto, a próxima geração não queria usar a mesma abordagem, os jovens durante a década de 1960, na época do meu pai, eram muito mais radicais. Estes foram os Baby Boomers, a primeira geração nascida após a segunda guerra mundial e muitos deles foram para o norte do país em áreas como Nova Iorque , Filadélfia, Detroit e Chicago, onde tem uma diferença na forma que os brancos racistas agem contra os pretos.

Essa geração viu tudo o que aconteceu por anos com os país deles e também a luta pacifica que os lideres no movimento de direitos civis adotaram no sul e cansaram de ver o pacifismo sendo utilizado para combater violência.

Confira um pouco de registros históricos da memória negra americana no documentário “Black Wall Street”, um massacre de centenas de negros nos EUA.

Estávamos nascendo nas cidades do norte. Essas cidades do norte tinham os mesmos problemas que as do sul, mas tinham trabalho nas fábricas e um tipo de organização diferente do sul. No sul, se você não se afastasse quando um homem branco caminhava em sua direção, você poderia morrer arrancado de sua casa no meio da noite e levado para uma área arborizada e enforcado, inúmeras mulheres e homens negros foram mortos assim, brutalmente por qualquer motivo,esses crimes eram naturalizados, os brancos não eram punidos.

Isso significa que no sul não havia muitas rebeliões raciais como no norte. Essas rebeliões no norte, principalmente na década de 1960, foram causadas por uma série de fatores. A número um foi a integração racial.

Se você estudar a história dos Estados Unidos, saberá que houve duas grandes migrações diferentes de afro-americanos que se mudaram para o norte após a escravidão. Antes da segunda grande migração, muitos brancos nunca tinham visto negros e logo eles estavam se mudando para os mesmos bairros.

Quando isso aconteceu, o resultado foi o que chamamos de “vôo branco”. Os brancos venderam suas casas por um dinheiro muito baixo e se mudaram para novas cidades chamadas “subúrbios”, que estavam sendo construídas ao redor das grandes cidades, onde criaram bairros agradáveis com uma alta qualidade de vida, “o sonho americano”, pois a qualidade dos bairros que deixaram continuava a declinar e decair, e embora a maioria dos residentes agora fosse negra, a força policial permaneceu branca e tão racista quanto a polícia do sul que era filha da klu klux klan.

Essa mistura criou o ambiente que culminou na rebelião da raça urbana moderna que temos visto nos últimos 60 anos. Mas qual foi o resultado de algumas das maiores rebeliões racial daquela época?

Eu carrego o sobrenome Fields, nasci na cidade de Newark, em New Jersey, muitas partes dessa cidade foram destruídas em 1967 durante a rebelião. Muitos de nossos bairros foram destruídos e, com a saída de todos os brancos, não houve mais investimento na cidade.

Muitas das fábricas fecharam e, na época em que nasci não havia muitas coisas positivas que as pessoas estavam dizendo sobre Newark, New Jersey. Com oportunidades econômicas limitadas, muitos jovens residentes começaram a vender drogas e formar gangues, com mais dinheiro das drogas vieram mais armas e guerras de gangues que ainda persistem até hoje.

É um fato que as rebeliões em muitas das maiores cidades dos Estados Unidos por um longo período pioraram de muitas maneiras as condições dos afro-americanos. Não é muito popular falar sobre os efeitos negativos das rebeliões dos anos 1960 e de todas as outras coletivas, como você pode ver o espírito da rebelião violenta ainda está muito vivo.

As rebeliões que aconteceram nos últimos meses são muito diferentes, pois estão em um momento de conectividade online, onde as pessoas recebem informações rapidamente e todo o mundo saiu às ruas protestando. Tenho minhas suspeitas se foi só para conseguir sair de casa durante a quarentena, mas isso é outra história.

Recentemente, em meio a tudo o que aconteceu com George Floyd e o clamor público, vi muitos posts escritos por brasileiros dizendo que os brasileiros não saem às ruas e não destroem seus próprios bairros como os norte-americanos fazem. Pensei comigo mesmo, as pessoas que estão dizendo isso provavelmente não têm ideia das consequências, do verdadeiro impacto e o custo futuro que essas violentas rebeliões causam na sua vida e na sua comunidade, porém nada muda em relação ao racismo estrutural.

“A pandemia fez o medo se tornar presente no meu dia a dia”, afirma moradora do Jardim Peri

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Confira a primeira entrevista da série Relatos LGBTQIA+, na qual o Desenrola vai mostrar os impactos físicos e mentais causados pela pandemia de coronavírus na rotina de moradores de territórios periféricos da cidade de São Paulo.

Há seis anos, Grazielia Pereira, 28, moradora do Jardim Peri, bairro localizado no distrito da Cachoeirinha, zona norte de São Paulo, saiu da sua cidade natal, em Presidente Tancredo Neves no interior da Bahia, com o objetivo de se desprender das privações que sua cidade causava em seu corpo negro e na sua identidade sexual lésbica.

Hoje ela prefere não se rotular para entender suas afetividades de forma livre. No entanto, a estudante de jornalismo foi intensamente afetada pela pandemia de coronavírus, tendo a sua liberdade e a saúde física e mental afetada diretamente pela dificuldade de transitar e viver a cidade.

“A pandemia fez com que o medo se tornasse elemento presente no meu dia a dia. Saio todos os dias para trabalhar, trabalho como atendente de telemarketing, e todo dia é recorrente o pensamento que eu voltarei para casa infectada”, conta Pereira.

Dentro do município de São Paulo há apenas três Centros de Cidadania LGBTI+ com sede fixa. Esses espaços públicos têm o objetivo de desenvolver ações permanentes no combate à homofobia e o respeito à diversidade sexual para moradoras e moradores que são lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulher transexual, homem trans e intersexual.

Para quem mora nas periferias da zona leste da cidade, a única opção de atendimento é a unidade Laura Vermont, localizada em São Miguel Paulista. O outro equipamento público é o Luana Barbosa dos Reis, que tem sua sede na Casa Verde, na zona norte. O último Centro de Cidadania LGBTI+ em São Paulo é o Edson Neris, que fica em Santo Amaro, zona sul.

Além das sedes com endereços fixos, a prefeitura de São Paulo percorre a cidade oferecendo esses serviços à população com quatro Unidades Móveis de Cidadania LGBTI+. Mas uma pergunta importante que atravessa a vida da moradora do Jardim Peri é o fato se em ao cenário das desigualdades sociais agravada pela pandemia de coronavírus, esses serviços chegaram até a quebrada para atender os moradores dos territórios periféricos?

Jardim Peri, periferia da zona norte de São Paulo (Foto: Grazielia Pereira)

“Gostaria de dizer que está tudo bem, mas a verdade é que está bem complicado”

Grazielia Pereira

“Gostaria de dizer que está tudo bem, mas a verdade é que está bem complicado, sempre me cobrei muito para me manter sã, e agora me percebo ruir pouco a pouco, tenho me sentido insegura principalmente sobre o futuro, e sobre minha rede de apoio, eu sou meu próprio apoio, sempre foi assim”, define.

Um dos serviços oferecido pelo Centro de Cidadania LGBTI+ é o apoio psicológico e de serviço social, no entanto, Pereira não teve como acessar esses serviços essenciais neste momento da pandemia, devido ao protocolo de isolamento social.

Mas como ela mesma ressalta, espaços de lazer e cultura são bem escassos no bairro onde mora, contudo, os espaços públicos de saúde como as Unidades Básicas de Saúde (UBS) estão cumprindo um papel importante de atender a população LGBTI+ mesmo nesse momento de pandemia. “Gosto muito de morar aqui. O Jardim Peri não é um bairro de difícil acesso, mas no que diz respeito à cultura e lazer não tem muito que oferecer. Sei que aqui tem a UBS e que ela dá assistência para pessoas trans em tratamento hormonal, eles direcionam as pessoas para médicos especialistas”.

A ida e volta para o trabalho vem se tornando um martírio no seu cotidiano, no entanto, essa rotina ainda impacta a constante discussão sobre a autoafirmação da identidade de Grazielia, que para além do fato de ser, também passa por uma série de situações sobre a forma como é enxergada pela sociedade. 

Grazielia Pereira considera o fato de ser negra mais um estigma em meios aos preconceitos da sociedade (Foto: Amanda Barbosa)

“Fazer parte da comunidade sendo negra é carregar mais uma estigma”

Grazielia Pereira

Grazielia Pereira, 28, moradora do Jardim Peri, bairro localizado no distrito da Cachoeirinha, zona norte de São Paulo (Foto:Amanda Barboza)

Neste contexto, a questão racial se torna mais um ponto disparador na sua vivência na cidade. “Fazer parte da comunidade sendo negra é carregar mais uma estigma e também uma alvo maior para situações de preconceito, discriminação e silenciamento. Não é mais fácil ser uma mulher negra dentro da comunidade LGBTQIA+, dentro dela também vivenciamos a solidão e o preterimento. Mulheres negras nunca são as escolhidas nem mesmo por outras mulheres”.

Mesmo diante desses desafios, Pereira segue reafirmando suas origens e faz questão de ressaltar que segue batalhando para sobreviver numa cidade áspera como São Paulo. “Eu sou aquele clichê bem conhecido: uma nordestina batalhando muito para sobreviver em São Paulo. Desde que cheguei aqui moro na parte norte da cidade. Apesar de ainda não viver como eu gostaria aqui, tenho uma história de infância e adolescência de muitas privações e ainda não consigo desassociar isso da minha terra natal, por isso sigo firme na decisão de viver nesse lugar, aqui eu enxergo um horizonte, e isso é o que me atrai e me mantém viva”.

Grazielia relembra que já entrou em crises de identidade. Uma delas ocorreu durante o processo de descoberta da sexualidade e compartilha algumas memórias que mais a marcaram sua trajetória. “O que mais me marcou foi uma conversa que tive com mainha, falei para ela que estava namorando uma garota, foi também a primeira vez que ela disse que me ama. Pode parecer estranho para pessoas que cresceram ouvindo isso dos pais, mas na minha família falar de amor era quase um tabu”, revela.

Após essa experiência de troca de afeta com sua mãe, a moradora do Jardim Peri recorda a importância deste acontecimento na sua vida afetiva. “Isso abriu portas para um sentimentalismo que eu ainda não tinha vivenciado com minha mãe, e hoje é mais frequente ela falar que me ama. É importante falar que meus pais são casados. Não mencionei o meu pai porque nunca conversamos sobre isso, a dinâmica da nossa família é que mainha é a porta-voz de tudo, então foi ela quem falou com ele sobre meu namoro e todo o resto. Ele e eu nos falamos pouco, mas isso sempre foi assim”.

Ela finaliza afirmando que ser não heterossexual é um grande desafio numa sociedade com tantos preconceitos a serem vencidos, como na sua cidade de origem. “A heterossexualidade é compulsória em nossa sociedade. E isso é fato, porém nascer e crescer em uma cidadezinha do interior torna isso muito pior. Então eu demorei muito para entender que eu não me encaixava nesse molde social que o homem nasceu para mulher”.

Podcast vira estratégia digital para engajar mulheres nas periferias

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Comunicadoras que atuam nos distritos de Parelheiros e Capão Redondo estão apostando no podcast como uma ferramenta que pode ser mais acessível e democrática para criar um diálogo mais próximo e afetivo com moradoras das quebradas de São Paulo. 

 A Coletiva Subversiva é formada por jovens comunicadoras de Parelheiros, zona sul de São Paulo (Arquivo pessoal)

“Não queremos e não podemos falar pelo território, devemos falar com o território, falar com as mulheres que aqui estão”, afirma Beatriz Klein, 18, moradora nascida e criada em Parelheiros, distrito da zona sul de São Paulo. Ela é integrante da Coletiva Subversiva, um grupo de cinco mulheres comunicadoras da região que criaram o podcast ‘Balbúrdia Coletiva’, com o intuito de subverter o termo e informar principalmente as mulheres do bairro.

Maternidade da mulher negra, autocuidado da mulher periférica, educomunicação e educação sexual foram alguns dos temas que já foram abordados pelo podcast Balbúrdia. Segundo a produtora, os conteúdos servem como pontes entre mulheres, para que elas possam expressar suas subjetividades através da sua voz em um espaço digital. “As convidadas são mulheres que são referência para nós e que nos inspiram, mulheres periféricas que sempre somam com o território de forma positiva e transformadora”, afirma Beatriz.

O podcast é dividido em blocos. O que faz a transição de um bloco para o outro é uma música de autoria das próprias convidadas e de outros artistas do território. O bate papo que dá origem a entrevista é realizado através de uma reunião no Google Meet. “Conseguimos gravar esse bate papo, então a conversa fica mais orgânica e conseguimos interagir muito mais e respeitamos o isolamento”, conta Beatriz, ressaltando a importância de entender o podcast como um processo de diálogo coletivo.

As plataformas mais acessadas pelos podcast são Spotify, Other, Google Podcasts, Anchor e Overcast. A periodicidade dos episódios é quinzenal, porém a maior dificuldade encontrada pelo grupo para produzir não é a elaboração de conteúdo, mas sim a conexão de internet que muitas vezes costuma cair no momento das reuniões online que dão origem as entrevistas. “Na maioria das gravações caímos da reunião em muitos momentos, isso atrapalha porque perdemos a meada da conversa durante a gravação”, relata Beatriz.

Mesmo com as dificuldades para acessar uma internet de qualidade, a coletiva mantém o podcast na ativa, pois elas são inspiradas a todo o momento pela troca de saberes, por meio da comunicação. “Acreditamos na importância de trocar saberes e alimentar o nosso aquilombamento”, ressalta a produtora de conteúdo, afirmando a importância de destacar pessoas negras como referências nos conteúdos que elas produzem. “Buscamos em conjunto racializar nossas pautas e lembrar sempre que antes de qualquer característica ou situação social, o que chega primeiro é a cor da pele”.

Essa referência da coletiva de ‘aquilombamento’ na informação contribui para elas usarem recursos da escuta ativa na produção dos podcats. “Quilombos duraram e resistiram por décadas nesse país, eles se ensinavam e se escutavam, aprenderam a lutar, a plantar, sempre lembro que Tereza de Benguela criou um parlamento dentro do quilombo para que tomassem decisões justas e alinhadas”, finaliza Beatriz. 

 “Minha grande preocupação sempre foi levar informação de qualidade”

A jornalista Gisele Alexandre produz o podcast Manda Notícias em sua casa ( Alex Silva)

“Fiz um lista de distribuição no Whatsapp com 200 números de amigos, colegas e familiares. Essas pessoas me acionavam mais, e mandei o podcast pra eles”, descreve a jornalista Gisele Alexandre, apontando como foi o início dos trabalhos para distribuir o podcast Manda Notícias. A moradora do Parque Munhoz, localizado do distrito Capão Redondo, zona sul de São Paulo, criou um boletim informativo em áudio com as principais notícias sobre os acontecimentos da pandemia de coronavírus.

Tudo começou quando ela começou a se perguntar como iria como iria contribuir para levar informação para o seu bairro. Neste meio tempo, ela começou a receber mensagens no seu Whatsapp de pessoas que estavam com dúvidas sobre o novo coronavírus. “Ai eu pensei: via áudio parece que eu consigo esclarecer as dúvidas e passar isso pra mais gente, aí foi que surgiu a ideia de montar um podcast”, relembra Gisele.

Ela levou uma semana para elaborar a ideia do podcast, começando pelo aprendizado técnica de aprender a usar softwares para edição de áudios, e colocou no ar.

Os retornos de moradores sobre o conteúdo foram surgindo organicamente, e a partir desses feedbacks a jornalista foi entendendo novas possibilidades para ter um maior alcance de distribuição de conteúdo, construindo uma página de divulgação no Facebook e mensagens instantâneas no Whatsapp .

“Minha grande preocupação sempre foi levar informação de qualidade”, afirma Gisele, ao relembrar das suas maiores dificuldades para a produção do podcast na pandemia, que foi a falta de dados públicos para conseguir passar uma informação de qualidade para seus ouvintes.

Para lidar com essa falta de transparência do poder público, a jornalista adotou novas estratégias para captação de dados de forma orgânica e consistente. “Eu me inscrevi em todos os meios de informação oficial, o telegram do governo do estado, ficava no pé da prefeitura, com e-mails diretamente pra prefeitura né, pra secretaria de saúde e foi isso”, detalha.

Além do intuito de democratizar o acesso à informação, a jornalista ressalta a necessidade de potencializar e fazer com que vozes femininas ocupem o espaço na comunicação digital. “O machismo ele existe em todas as relações. E isso não é diferente na comunicação, pelo contrário”, afirma Gisele.

Ela considera que os melhores meios para se ter mais pluralidade de vozes se expressando na comunicação digital é a partir da autoafirmação das mulheres nesses lugares. “O que a gente consegue é entender um pouco mais esse nosso lugar, e se expressar a partir disso”.

Recentemente o episódio do podcast Manda Notícias que traz a pauta de violência contra mulher foi premiado como segundo melhor podcast pelo Instituto Jatobás, organização que vem investindo em projetos de combate às desigualdades sociais nas periferias de São Paulo.

Ela relata que após produzir 60 episódio durante cinco meses com conteúdos exibidos toda segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, foi possível formar uma lista de transmissão com 500 pessoas. Após esses acúmulos, Gisele resolveu encerrar essa temporada para pensar em novas abordagens que tenha mais elementos para uma comunicação eficiente.

“Eu encerrei a primeira fase do Manda Notícias pra pensar em um manda notícias do futuro, é o que eu posso contribuir para essas relações que estabeleci é contribuir dentro do podcast”, finaliza.

Produtor musical ocupa festival de filmes com documentário sobre as origens da música Dub

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O gênero musical jamaicano criado na década de 60 que está enraizado nas periferias devido à atuação dos coletivos de Sound System é tema do documentário “Dub Magnificente”,  dirigido por Mario Cezar Rabello, morador do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo.

Mario Cezar Rabello (diretor), Laylah Arruda (cantora), Wellington Amorim (fotógrafo) durante as gravações do documentário.

O documentário “Dub Magnificente” produzido pelo editor de vídeo e produtor musical Mario Cezar Rabello, em parceria com o coletivo Maloka Filmes, estreia na programação do In-Edit Brasil. O festival de cinema internacional In-Edit é realizado anualmente em São Paulo e promove a visibilidade de filmes documentais sobre o cenário da música e que conta com mais de 60 produções nacionais e internacionais.

O documentário Dub Magnificente resgata as origens do gênero musical criado por engenheiros musicais na Jamaica. Nas periferias, o ritmo está fortemente ligado a cultura dos eventos Sound System, organizados por coletivos e equipes de som da quebrada.

Confira o trailer do filme:

O morador do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, tem uma longa trajetória na produção musical e audiovisual, sendo “Dub Magnificente” seu primeiro trabalho que reúne as suas duas paixões. Dentro da música, o produtor tem aproximação com a cena jamaicana, que assim como o Brasil, tem seus principais ritmos criados pelas periferias.

“Falando especificamente de São Paulo, tivemos uma explosão na quantidade dos chamados Sound System nos últimos 10 anos. E praticamente todo dia em algum lugar da cidade tinha alguma festa de música jamaicana. E o público também aumentou muito. E muito desse público sai das periferias. Não é a toa que muitas das festas acontecem nas periferias, ao ar livre, nas praças, no campinho de futebol, no terreno baldio etc.”

Mario Cezar Rabello

Para o produtor, a música jamaicana sempre teve uma conexão com o povo. “A Jamaica era (ainda é) um país de grande maioria pobre. A música em si não faz distinção de classe, a Música enquanto entidade, mas as pessoas se conectam porque sentem algo ali que se conecta com elas. E acho que essa conexão aconteceu nas bordas da cidade”.

Ocupando espaços 

O In-Edit é um festival internacional de documentário musical criado na Espanha em 2003 e presente em diversos países. Em 2020, o festival completa sua 12ª edição e tem sua programação totalmente online.

“Sou um baita consumidor de música e produzo também, então pra mim já era fato fazer um documentário pra estar no In-Edit. Tanto é que tô guardando ele desde janeiro só pra estrear no festival”, conta Mario, ressaltando a importância deste tipo de evento para a difusão da produção audiovisual independente.

Para assistir a programação no festival é necessário se inscrever. Além disso, o filme ficará disponível entre as 12h do dia 10 de setembro até às 23h59 do dia 20 deste mês. Além disso, após o festival, o produtor pretende liberar o documentário em seu canal no YouTube.

Para assistir o doc no Festival In-Edit, acesse este link.

Websérie retrata a vida de jovens das periferias para alcançar seus sonhos

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 Quatro jovens, com quatro histórias diferentes, em busca de soluções coletivas para mudarem sua história e transformarem a vida na quebrada. Conheça mais sobre a websérie Pense Grande Sua Quebrada!

Jovens das periferias durante as gravações da websérie Pense Grande Sua Quebrada. (Foto: Maxuel Melo)

 O que é ser um empreendedor social? A resposta para essa pergunta muda dependendo das vivências de quem a responde. E foi pensando em trazer a pluralidade desse conceito que nasceu a websérie Pense Grande Sua Quebrada, contada a partir da perspectiva de quatro jovens das periferias de São Paulo.

Cinco coletivos de comunicação, Alma Preta, Desenrola e não me enrola, Embarque no Direito, Periferia em Movimento e Agência Mural uniram forças para montar um roteiro que cumprisse o papel de democratizar a linguagem e o acesso ao universo do empreendedorismo social.

Para que este objetivo fosse cumprido, cada um dos cinco episódios da série foi produzido e dirigido pelos coletivos de maneira colaborativa. Todo o processo de pré-produção, produção e pós-produção foi realizado no ano de 2019 e contou com a participação de 22 jovens durante as gravações.

“Reunimos a proposta do programa Pense Grande da Fundação Telefônica Vivo e pensamos no que fazia sentido para a realidade das periferias. Entendemos que todo o processo seria mais significativo se fosse feito em conjunto com os jovens. Muitos não se definem como empreendedores, mas estão sempre em movimento para criar soluções para sua existência em um cenário que não é favorável”, compartilha Aline Rodrigues, jornalista

Pessoas envolvidas no Pense Grande Sua Quebrada

 

Modelo retirado de: Pense Grande Sua Quebrada INFO
Modelo retirado de: Pense Grande Sua Quebrada INFO

Sinopse  

Felipe, Carla, Vitória e Ícaro são jovens negros e moradores da periferia da Favela da Tula Pilar. A negritude e o lugar onde moram são apenas um dos fatores que os conectam, já que todos passam por diferentes dificuldades e problemas pessoais que vão sendo trabalhados, individualmente, ao longo dos episódios. Obstáculos para ingressar no mercado de trabalho, desafios na infraestrutura familiar e acesso à educação, dúvidas sobre o futuro… Tudo isso é levado em conta quando Vitória enxerga a possibilidade de trazer propósito para os jovens de sua quebrada por meio de uma Batalha de Rima. E o que começou como uma simples ideia, acaba por inspirar as juventudes da periferia a expressar suas vozes. 

Conheça os personagens da websérie Pense Grande Sua Quebrada 

Personagens: Felipe (Josiel do Espírito Santo), Carla (Gabrieli Santos Rocha), Vitória (Tamires Rodrigues) e Ícaro (Luiz Lucas). (Foto: Maxuel Melo)

Para driblar as dificuldades financeiras, Vitória (Tamires Rodrigrues) encontrou um jeito de empreender para se virar. Criou um brechó online, onde divulga peças de roupa e faz a entrega pessoalmente para seus clientes. Aos 18 anos, se vê enfrentando um mercado de trabalho que pede por experiências incompatíveis com a realidade da maior parte dos jovens brasileiros de sua idade. Mesmo com essa frustração, busca participar de cursos e estudar bastante com os recursos à sua disposição, sempre enxergando uma nova possibilidade de fazer diferente.

Felipe (Josiel do Espírito Santo) é um artista. Seu sonho é um dia trabalhar apenas com a música, tornando-se um rapper bem sucedido. Mas a realidade é diferente para ele, que casou muito cedo e trabalha vendendo balas em cruzamentos de farol na cidade para sustentar seus sonhos e a responsabilidade de uma vida a dois. Isso faz com que sobre pouco tempo e recursos para investir na carreira que tanto almeja, deixando em segundo plano seu objetivo de dedicar-se integralmente à arte.

 Apesar de seu enorme talento para a matemática e o raciocínio lógico, Ícaro (Luiz Lucas) não reconhece seu potencial. O jovem mora com a mãe e perdeu seu pai muito cedo. Ainda sem espaço no mercado de trabalho, Ícaro sente-se inseguro em relação às outras pessoas que encontrará por lá, que julga serem mais talentosas do que ele. Não importa o quanto as pessoas ao seu redor continuem insistindo para que ele olhe para suas qualidades, o jovem encontra dificuldade em traçar seus objetivos de vida.

Carla (Gabrieli Santos Rocha) é apaixonada por tecnologia e seu sonho é trabalhar desenvolvendo sistemas e sites. Ela mora com a sua avó materna e trabalha em um comércio para ajudar nas despesas do aluguel da casa. A falta de oportunidade de estudo e as desigualdades racial e de gênero, ainda muito presentes na área de tecnologia, contribuem para ampliar a distância entre seus sonhos e a realidade. Ainda assim, a jovem não perde uma chance de se aprofundar no assunto com os meios que tem, estudando e pesquisando por conta própria.

 Coletividade como potência

Para desenhar os personagens e a linguagem da série foram levados em consideração os anseios, as dúvidas e os sonhos dos jovens, pensando o empreendedorismo a partir de suas perspectivas. Até o roteiro de falas foi escrito a muitas mãos, contando com mudanças feitas pelo próprio elenco na hora das gravações.

“As nomenclaturas na série não são tão importantes. A linguagem é a que o jovem usa no dia a dia na periferia. O roteiro é muito original porque é produto dos próprios atores, que fizeram mudanças importantes para que eles e outros jovens se reconhecessem naquelas falas”, conta Maxuell Mello, 24, produtor de conteúdo audiovisual e encarregado pela direção e edição do material.

Para ele, a interação e a união da equipe foi o grande diferencial. “A gente montou um time de produção muito unido e humano. Isso fez com que a série andasse. O convívio era muito bom, pudemos fortalecer a conexão que já tínhamos com os amigos e também conhecer outros jovens da quebrada que dividem a vontade de produzir conteúdo e arte. O que fica é esse carinho e admiração”, conta Max.

Thaís Siqueira, jornalista do Desenrola e Não Me Enrola, e Rebeca Motta, produtora cultural e jornalista do Embarque no Direito, concordam que a união das potencialidades e vivências de cada um determinou o tom da série.

“Foi muito interessante ver como toda a equipe estava empenhada em fazer o projeto acontecer. A comunidade tem muito disso: fazer um pelo outro. A gente era mesmo uma grande família”, conta Rebeca.

Já Thaís, acrescenta: “O ponteiro do relógio de um jovem morador da periferia vive atrasado há muito tempo, e não é fácil tentar colocá-lo nos mesmos minutos e segundos de um jovem que não vive a mesma realidade. Mas a juventude periférica tem muito talento e ousadia naquilo que faz, o que falta é mais oportunidades e acesso a espaços que são negados a ela”.

(Des)construindo narrativas 

 “A série vem quebrar o imaginário que as narrativas constroem sobre o jovem da quebrada. Empreendedorismo na periferia vem da sobrevivência e é na busca de meios para contornar essas dificuldades que a gente soluciona os problemas”, diz Thamires Rodrigues, 23, jornalista do coletivo Desenrola e Não me Enrola e também a atriz que interpreta Vitória.

Quando descreve a personagem, Thamires diz que poderia descrever a si mesma. “Ela é uma garota muito pra frente. Tá sempre circulando pela quebrada, tentando arrumar uma solução para os problemas, além de agitar a galera pra pensar junto com ela”, diz.

Luís Lucas, 23, também se identifica com o personagem que interpreta. Apesar de nunca ter atuado antes, o jovem jornalista do Jardim Ângela diz ter se sentido muito acolhido, o que ajudou a tornar a experiência mais natural. “Assim como o Ícaro, eu também perdi meu pai muito novo e passei por um momento de dúvidas em relação ao meu futuro. Ele é um personagem muito inteligente, mas ainda não descobriu que caminho seguir”, descreve.

Cada personagem enfrenta desafios particulares e não há suporte externo que possa impulsioná-los na direção daquilo que acreditam. É na coletividade, e entre os amigos, que encontram a oportunidade de imprimir suas vozes e narrativas no mundo. “É isso que a batalha de rima representa na série: a juventude se reunindo para expressar a cultura periférica e relembrar que, ali, já existe um potencial de mudança”, conclui Luís.

Confira na íntegra os episódios da websérie Pense Grande Sua Quebrada! 

Memória do transporte público no Jardim João XXIII vira documentário

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O longa metragem “Até onde a gente vai?”, produzido pelo Coletivo da Quebrada registra as memórias de moradores que utilizam o ônibus 7545-10 que sai do João XXIII e faz final na Praça Ramos de Azevedo. A linha foi criada na década de 70 para conectar o território com a região central de São Paulo. 

Diego Peralta entrevistando Lilia e Pedro Fernandes gravando dentro do ônibus 7545 (Foto: Leticia Lakatos)

João XXIII é um bairro localizado no distrito de Raposo Tavares, na zona oeste da cidade de São Paulo. O território nasce por volta dos anos 50 com suas primeiras ocupações, nele transita a linha de ônibus municipal, 7545-10, João XXIII – Praça Ramos de Azevedo é a linha que conecta o extremo da zona oeste, ao centro histórico de São Paulo. Partindo na Rua Nazir Miguel, 562 e terminando na rua R. Cel. Xavier De Toledo, 254 percorrendo mais de 20 km e fazendo 46 paradas.

Ficar mais de uma hora no ônibus lotado, enfrentando trânsito, lotação, desconforto, passagens que só aumentam e ainda sim, criando laços, memórias é o que muitos trabalhadores que moram em regiões mais afastadas do centro e necessitam do transporte vivenciam no seu cotidiano.

No João XXIII, não é diferente, a linha 7545-10 que tem seus primeiros registros na década de 1970, é uma das primeiras conexões do bairro com o centro da cidade, atravessando gerações com seus percursos que são palcos de cochilos, laços de amizades, raiva e muita memória. É a partir deste cenário urbano e periférico que nasce o documentário “Até onde a gente vai?”, criado pelo Coletivo da Quebrada.

“Muita coisa mudou na cidade de São Paulo. Durante o século XX, a cidade se expandiu demais com a migração massiva de outros cantos do país. A nossa região do Jardim João XXIII foi ocupada nos anos 1950 e 1960, com a construção dos primeiros bairros. Na minha pesquisa de mestrado consegui rastrear a origem da linha 7545 pelo menos até 1970. Muitas gerações pegaram essa linha e acompanharam suas mudanças”, afirma Diego Peralta, 24, mestrando em Sociologia pela USP e integrante do Coletivo da Quebrada.

“O ônibus 7545 é marcante e fundamental para região do João XXIII”

O Coletivo da Quebrada nasce em 2017, mesmo ano que eles iniciam a construção do documentário “Até onde a gente vai?”. Pautando a questão do direito à cidade dentro do Jardim João XXIII, o filme surge a partir da experiência concreta e diária com as dificuldades do transporte público vivenciadas pelos moradores Pedro Henrique Fernandes, 24, e Alvim Almeida Silva Junior, 20.

“O documentário vem da nossa experiência concreta, das experiências que eu e o Alvim estava tendo naquela época e ainda vive no transporte que é a dificuldade em acessar o transporte. A gente pegava muita carona, a gente não conseguia pegar ônibus real, aí vem a ideia de retratar isso com os próprios passageiros, quem entende do transporte. Não é o especialista do transporte, é quem pega ele todo dia, é um documentário que as pessoas que estão fazendo e as que estão falando tem a experiência de estar no ônibus todos os dias”, explica Pedro Henrique, diretor do documentário.

Fernandes complementa descrevendo o porquê de contar a história de passageiros do ônibus 7545 e sua importância para o bairro. “O 7545 é o ônibus mais populoso do bairro. É o ônibus que o nome dele transformou um espaço em ponto de encontro no bairro, a gente se encontra no 7545, as pessoas vão lá conversar, se ver, ele atravessa a história do bairro, ele tá enraizado dentro de um processo histórico, todo mundo conhece e pega”.

O integrante do coletivo Lucca Amaral, 28, ressalta que o transporte público é marcante na vida de quem o utiliza. “Não tem como não considerar o transporte público, principalmente o ônibus, como algo essencial e marcante na vida. O ônibus 7545 é marcante e fundamental para região do João XXIII, e foi uma forma essencial de contar histórias de pessoas desse território ao mesmo tempo em que se demonstram de forma crítica os problemas e dificuldades ao acesso à cidade.” 

Reunião do Coletivo Da Quebrada (Foto: Leticia Lakatos)

“As pessoas do João XXIII são capazes de criar, só precisa de estrutura para isso”

Além de criar um registro histórico sobre as memórias de moradores, o documentário gerou uma série de momentos de reflexões na equipe de produtores audiovisuais do Coletivo da Quebrada, os quais passarão a se identificar com os personagens entrevistados durante o processo de gravação.

“Quando a gente tava filmando, a gente não tava filmando pessoas que não conhecemos e não sabíamos o que elas passavam. A gente tava quase que se filmando, porque elas são muito parecidas com a gente. As questões são muito parecidas”, lembra Fernandes, o diretor do longa metragem.

Ao vivenciar esse processo de escuta dos entrevistados, ele tem a nítida certeza que os moradores estão transformando o bairro. “Também é importante saber que o bairro tá se mexendo, ele está em constante movimento, existe muita gente criando coisas, as pessoas periféricas são capazes de criar, as pessoas do João XXIII são capazes de criar, só precisa de estrutura para isso”, diz.

O documentário retrata as histórias de Lilia, Amanda e Rogério, moradores do Jardim João XXIIII. Lilia é uma mulher baiana que teve sua consciência construída na vivência dentro de uma cidade excludente. “Lilia, a quem tive o prazer de acompanhar nas entrevistas, nascida no sul da Bahia, migrou para São Paulo nos anos 1990 e passou por muitas situações que a conectam com muitas trabalhadoras no país: uma empregada doméstica, babá, negra e periférica. Ela nos contou muitas histórias de conflitos de classe, apuros, adaptação a um meio urbano hostil, mas também sobre seu filho, seu lazer na juventude. Ela nos mostrou uma consciência construída na vivência de uma cidade excludente, mas onde construiu seu lar”, comenta Peralta.

Amanda, por sua vez é a entrevistada mais jovem do documentário. A moradora do CDHU Munk tem outra relação com o transporte, que é o fato de não conseguir usá-lo por não ter dinheiro da passagem, gerando os não acessos à cidade, impactando no direito de estudar.

“Amanda é conhecida no cursinho popular do bairro, o Claudia Silva Ferreira, a mais jovem dos personagens. Ela batalha para ser aprovada no vestibular e entrar na universidade pública para cursar Letras. Nessa luta diária enfrenta as mais diversas questões: falta de dinheiro para ajudar em casa e para pegar o transporte para ir estudar, o desafio de ir e voltar de noite para ir ao Cursinho, que são mais de 2 km de caminhada, sozinha em ruas vazias e mal iluminadas, batalhando para estudar”, descreve Peralta.

O último personagem a ser entrevistado é Rogério. Ele é morador de uma das principais ocupações do bairro o “Pelourinho”. Ele conta nas entrevistas sobre os desafios de cruzar a cidade todos os dias para chegar ao trabalho. “Eu quis participar porque eu achei que ali seria uma oportunidade como cidadão e morador do bairro de expor minha opinião, até mesmo na parte crítica da situação do ônibus da cidade e do nosso bairro, o trajeto que eu faço até meu trabalho se eu fizer ele todo de ônibus eu vou gastar mais de 2 horas, se for um dia de chuva é mais de 3 horas, por isso eu optei por usar a bicicleta, aí eu vou com o 7545, até a faria lima e de lá pedalo mais 25 minutos até meu trabalho”, retrata Rogério da Silva Cruz, 36.

Fernandes, o diretor do documentário diz que encontrou sua própria história dentro da história dos personagens. “A gente encontrou histórias muito parecidas com as nossas, a gente encontrou as nossas histórias dentro do transporte e foi isso, uma questão de reconhecimento, a gente se reconheceu dentro do ônibus, a gente se reconheceu na Lilian, no Rogério, eu encontrei a minha história”.

(Foto: Leticia Lakatos)
(Foto: Leticia Lakatos)
(Foto: Alvim Almeida)
(Foto: Leticia Lakatos)
(Foto: Leticia Lakatos)

 “Quando assisti me senti representada”

O documentário estreou no Youtube em 27 de junho, e desde lá já teve três apresentações online, com direito a uma roda de conversa com a equipe que o produziu. “Teve três apresentações e as respostas foram muito boas. Toda vez que acabava a gente recebia mensagem, como a gente fez na opção de estréia do YouTube o pessoal podia comentar enquanto passava o filme, muita gente comentando, dando parabéns, o pessoal comentando sobre as falas dos personagens, isso foi muito da hora”, exclama Fernandes.

Ele ressalta que a interação das pessoas e os elogios recebidos reforçam a importância do trabalho coletivo nas periferias. “Foi muito legal ver as interações, ver os elogios, porque é isso, nós periféricos estamos tentando apoiar um ao outro, e teve esse apoio muito forte, foi um processo que a gente se sentiu bem com as respostas, e esperamos que possa acontecer presencialmente em algum momento”.

Para os moradores do bairro, o documentário causou emoção e um sentimento de reconhecimento tanto nas histórias quanto nas questões que eles vivenciam com o transporte público. A moradora Jaqueline Lucena, 21, estudante de dança comenta como se sentiu ao assistir o filme. “De primeira, me senti emocionada. Ver um trabalho como esse ser desenrolado, pensado e produzido por pessoas do bairro, e ainda mais emocionada por conhecer as pessoas. Quando assisti me senti representada, por me enxergar nas pessoas que produziram e nas histórias retratadas”.

Ela afirma que além do sentimento de representatividade e orgulho da qualidade do filme, também rolou espaço para manifestar suas indignações com o estado do transporte público no bairro. “Também me senti muito indignada de ver o quanto nós, pessoas pobres e periféricas somos submetidas ao desgaste extremo que não é apenas na exploração do nosso trabalho, mas como somos castigados em todo o trajeto até o trabalho”.

Lucena destaca a importância afirmando o quanto ele é importante para os moradores não normatizar as violências que sofrem no cotidiano, como o aumento da passagem quanto o trajeto em si em condições precárias. “O filme é muito importante tanto para o contexto histórico do bairro, de estar contando nossas histórias, e registrando, quanto para ajudar as pessoas a deixar de normatizar os aumentos de passagens, as precariedades e lotações no transporte, pagamos o transporte duas vezes, nos impostos e nos preços das passagens, e isso não é normal, a passagem aumenta praticamente todo o ano, e tem mais lotações, menos linhas, menos ônibus circulando, o filme incentiva a gente a lutar por condições melhores de transporte na cidade e principalmente no nosso bairro”.

Rogério que teve sua história retratada no documentário comentou como se sentiu vendo o filme pronto pela primeira vez e a importância de uma produção assim para os moradores e para o território do João XXIII.

“Eu me senti um pouco com medo. Será que eu falei alguma besteira? Mas fiquei muito feliz depois que vi, falei com o coração, fiquei muito feliz em poder contribuir em um documentário que é muito importante para o bairro, porque ele trata de histórias reais do dia dia, de pessoas que pegam ônibus, é importante mostrar nosso lado da situação, a dificuldade que é de você chegar no seu trabalho, a dificuldade do transporte público na cidade, você consegue expor isso para as pessoas que vão assistir, porque só quem sabe de verdade é quem vive todos os dias”. 

“Não acontecer nada é o que faz a mobilidade urbana não contemplar a população periférica” 

“A geografia da quebrada é complexa, em geral o que podemos dizer é que os processos históricos que levaram à construção das periferias são muito semelhantes entre si, embora cada uma tenha a sua particularidade, aqui na região temos o icônico 7545, todo mundo pega ele, desde que me entendo por moradora do bairro, ouço boatos que essa linha vai cortar e sempre me pergunto como?”, questiona Hellen Almeida, 25, graduanda em geografia pelo Instituto Federal de São Paulo e moradora do João XXIII.

Ela analisa a relação do transporte público no contexto da quebrada e propõe o aumento da frota de ônibus para suprir a crescente demanda de passageiros. “É o ônibus mais lotado da quebrada, o ideal seria aumentarem a quantidade de ônibus disponível, não cortar as linhas já existentes, felizmente esse ônibus não foi cortado, mas também não ampliaram nada, acho que esse ‘não acontecer nada’ é o que faz a mobilidade urbana não contemplar a população periférica enquanto a demanda por transporte aumenta, a tarifa sobe e a oferta de ônibus não”.

A estudante de geografia afirma que para haver mudanças importantes na forma de pensar a mobilidade urbana na cidade seria necessário incluir os moradores nos processo de elaboração de soluções. “Para contemplar de fato os moradores, o transporte coletivo deveria ser pensado de forma coletiva, de acordo com as demandas dos usuários. Existem os Conselhos Gestores, que são ‘tentativas’ de democratização da gestão pública, mas sinceramente, terça-feira às 14h da tarde é um horário que prioriza a participação de quem? A maioria dessas reuniões acontece em horários que torna inviável a participação da população, que, muitas vezes, sequer é informada de sua existência ou, quando sabem da existência, mal tem o direito de falar quais são suas demandas”.

Almeida complementa dizendo que o transporte dentro do bairro acaba se tornando um espaço de encontro entre os moradores, por passarem mais tempo dentro do transporte. “Se encararmos o transporte coletivo como um local de passagem no qual grande parte da população da quebrada passa bastante tempo, podemos dizer que ele possibilita o encontro entre moradores, não por ser um espaço agradável de socialização, mas porque as pessoas acabam se encontrando nele, sendo, muitas vezes, um local de interação social por conta das várias horas que se passa dentro dele”.

 A geógrafa também aponta que os jovens da quebrada usufruem do transporte de formas diferentes. “Para os jovens da quebrada o uso do transporte coletivo é diferente. Podemos falar em uma infinidade de situações, mas cabe destacar algumas: existe o jovem que usa o transporte para ir à escola; existe o jovem que trabalha e estuda; existe o jovem que não usa o transporte coletivo por não ter condições de bancar a passagem e acaba por ter acesso somente aos locais onde puder ir a pé, de skate ou bicicleta. O direito a cidade é um direito que as pessoas só acessam se tiverem condições financeiras para arcar com ele e as catracas ainda são um empecilho muito grande para o jovem periférico”.

Almeida reafirma as dificuldades no transporte de hoje, apontando que o valor da tarifa não equivale à qualidade de experiência de pegar um ônibus em São Paulo. “Existem inúmeras dificuldades em utilizar o transporte: a superlotação, o estado de conservação, o preço da passagem. Ano após ano o valor da passagem de ônibus aumenta e a qualidade não acompanha esse acréscimo da tarifa. Algumas linhas de ônibus demoram absurdamente, o que faz com que fiquem ainda mais lotados. Recentemente passaram a trocar alguns ônibus velhos por modelos mais novos, com ar condicionado, etc., mas essa era somente uma das questões que precisam ser melhoradas, mesmo porque o transporte é extremamente caro”.

Ela acredita que por conta da pandemia, o transporte público se tornou ainda mais problemático e perigoso para a população periférica. “As pessoas precisam usar máscara ao entrar no transporte coletivo, o que é importantíssimo, mas não resolve uma grande parcela do problema: não existe distanciamento seguro em um ônibus lotado. Muitas vezes as pessoas vão quase encaixadas umas nas outras, sem ventilação. A pergunta que fica é: o transporte coletivo é seguro? E a resposta pode ser categórica: obviamente que não! Se já não era seguro, pois grande parte das pessoas ficam em pé, segurando em barras, durante um tempo considerável, agora com toda essa questão das necessidades de cuidados sanitários são menos ainda.”

Engajada em estudar formas de combater as injustiças sociais presentes no transporte público, Gabriela Dantas, 26, integrante do Movimento Passe Livre, organização política que vem estudando formas de garantir uma tarifa menos abusiva para a população, principalmente pautando a tarifa zero na cidade de São Paulo, fala sobre a importância do documentário para a discussão do acesso ao transporte dentro das periferias.

“Quanto mais gente tiver materiais e mídias que contam a história desde baixo, da perspectiva de quem mora nas periferias e sente na pele o que é depender de um transporte precário e muito caro, mais a gente fortalece a nossa voz e o nosso alcance. Porque pra conseguir mudar de fato esse sistema, a gente vai precisar de muita gente junta. A grande mídia muitas vezes não divulga a real situação vivida pela maioria da população e nem as lutas que acontecem nas periferias, mas por isso mesmo é importante a gente ter canais para mostrar isso tudo nos nossos termos, mostrar que outro transporte é possível e necessário”, afirma Dantas.

Em uma situação extrema como a pandemia de covid-19, era de esperar que a circulação de ônibus aumentasse na cidade para a lotação diminuir, mas em 24 de Junho deste ano, a SPTrans, empresa vinculada à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes, publicou no diário oficial a retirada de 988 ônibus da frota das linhas municipais. A decisão causou um grande impacto nas periferias, territórios onde os moradores precisavam antes mesmo da pandemia de melhores condições de ir e voltar do trabalho.

Dantas aponta que essa redução é uma política de morte. “A redução da frota de ônibus como resposta à pandemia é uma política de morte. Em vez de a prefeitura fazer medidas para diminuir as necessidades de deslocamento das pessoas, diminui os meios de transporte. Isso torna as viagens de quem precisa sair de casa pra trabalhar ainda mais precárias e arriscadas. O transporte coletivo hoje é um dos principais espaços de transmissão do vírus porque tem gerado muita aglomeração. E já foi mostrado que isso acontece principalmente nos trajetos que saem da periferia, onde está a maioria das pessoas que não tem o privilégio de ficar de quarentena e trabalhar em casa.

A integrante do Movimento Passe Livre finaliza comentando a importância de mobilizar os moradores dentro dos bairros para ampliar as discussões sobre o transporte público na cidade. “Não existe uma única receita de mobilização, mas podemos aprender com experiências que já deram certo. Dá pra organizar conversas entre moradores em espaços de encontro, fazer e distribuir panfletos ou materiais que falem da situação do transporte, fazer abaixo-assinados contra cortes de linha ou por outras demandas e até fazer manifestações, inclusive para levar esses abaixo-assinados até a subprefeitura”.